sexta-feira, 28 de março de 2008

Encontramos nosso Maradona

Triste acompanhar a situação do ex-craque Casagrande. Escondido da mídia, internado em clínica para se tratar da recuperação das drogas, afastado da torcida. Enquanto sua pele e sua fama vão definhando, alguns torcedores das antigas devem estar se perguntando, num silêncio que mistura curiosidade e indignação, o que motiva um ídolo acabar sua carreira (!) dessa forma. Casagrande era e continua sendo querido não por ter exatamente o perfil de um grande craque. Foi um bom jogador, isso sim. Na época em que eu ainda acompanhava futebol, lembro que sua estréia vestindo a camisa do Corinthians foi comemorada com quatro gols de sua autoria. Mas, acima de tudo, o centroavante era carismático, era respeitado. Ele fazia parte da famosa Democracia Corinthiana. Ele representava, nos fins dos anos 80, a vanguarda do futebol. Desde aqueles tempos sua imagem já era diretamente vinculada às drogas. Seu jeito mole de falar e suas divagações difusas davam pistas certas de que ele se apoiava em alucinógenos. Mas isso fazia parte de uma época em que fumar um baseadinho era bacana, era moderno, era hype, era uma maneira de se desvincular das couraças e estar aberto a novas experiências. Não existia Beira-Mar (não com essa repercussão de hoje) que amarra o consumo de maconha ao narcotráfico, aos arrastões, à pirataria, ao financiamento do crime. Casagrande era o João Estrella do futebol. Idolatrado pela galera, sem saber exatamente por quê. E hoje, confinado em uma clínica de reabilitação. Um viva a Casagrande e sua senzala de seringas.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Mundo Nikkei

Em comemoração ao centenário da imigração japonesa ao Brasil, tornaram-se comuns eventos e acontecimentos voltados à cultura milenar japonesa, principalmente no que se refere às artes e a gastronomia. Difundir a riqueza deste conjunto peninsular oriental é um dever cívico, quase uma obrigação. O grupo teatral masculino Condors trouxe sua irreverência com uma mistura de dança, teatro antigo, humor e rock pesado. Na cidade que abriga a maior colônia nipônica, pipocam amostras deste país ao mesmo tempo moderno e tradicional. Até mesmo no cinema o espectador já está acostumado a embarcar em filmes perturbados sobre os limites da questão humana. Não é o caso de Mundo Nikkei – Os Brasileiros do Outro Lado do Mundo, um documentário que entrou em cartaz no Bombrilzinho apenas para cumprir tabela deste dever cívico patriótico. Patrocinado pelo Banco Real, este didático filmezinho chapa-branca narra, de um modo tão modorrento quanto as aulas de História do primário de escola estadual, as chatices geográficas do Japão e como os imigrantes vivem, tanto lá quanto aqui. A narração parece leitura pura de livro escolar. Como se não bastasse, o filme rende-se ao poder financeiro ao dar voz a alguns diretores do banco financiador da empreitada, dizendo sempre aquele blá-blá-blá da importância japonesa ao desenvolvimento do país. A diretora aparece – e muito – no filme, dando uma de guia turístico quando mostra alguns monumentos e patrimônios históricos do lado do nascer do sol. Tudo é muito duro, quadradíssimo. A estrutura rígida travada, a falta de questões e reflexões mais abrangentes que fogem do óbvio trazem a pergunta: pra que este filme? Tudo muito ingênuo, tudo muito poliano, sem a intenção de machucar ninguém. Mas aqui, na vesguice analítica que rege a página, a ingenuidade é imperdoável.

Caldo (ou melhor, missô)

quinta-feira, 20 de março de 2008

Turtleland

A cidade de São Paulo está uma verdadeira tartarugolândia em obras.
Nosso prefeito é um perfeito batráquio.
E o povo paulistano é cágado.

De Gaulle

Em visita ao Brasil, o general De Gaulle ficou célebre ao proferir a frase: "Este país não é sério".
Tempos atrás, soube que ele jamais teria dito isso.
Tá vendo? Nem as piadas sobre o país são sérias.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Kassab no Cinesesc

Parece que até o Cinesesc foi pego pela lei Cidade Limpa ou algo que o valha. Nesse período de transição administrativa, a nova diretoria concretizou propostas, meramente estruturais, que parecem pretender acabar com aquela saudável bagunça dos dias de eventos e coquetéis. As medidas normativas são dignas das cartilhas dos mais rigorosos alcaides. A bilheteira que recolhe os ingressos foi recuada para bem próximo à porta da sala do cinema, fazendo com que o saguão se transforme num espaço mais coletivo e aberto. Houve uma inversão de acessos: a entrada passou a ser a saída da sala, e vice-versa. Se antes essa indicação informal era apenas uma simples convenção, agora está tudo devidamente sinalizado, de acordo com os símbolos universais do Código de Trânsito: placas e mais placas afixadas nas paredes, bem como adesivos de chão com setas indicando o fluxo de “passageiros”. A nova gerência também pretende pegar pesado com os viciados: tanto na sala de espera quanto no bar é terminantemente proibido fumar. Falando em bar, as portas basculantes do local foram substituídas por flâmulas plásticas coloridas. O charmoso toque da campainha ao início da sessão, um dos diferenciais da sala, permanece. Agora resta saber se haverá aplicação de multas ou perda de pontos na Carteira para quem infringir as novas regras.

terça-feira, 18 de março de 2008

Um Sonho Dentro de um Sonho

Qualquer semelhança com David Lynch não é mera coincidência. Hopkins faz um tributo-entrega ao mestre do surrealismo moderno. Exaltação de um ambiente cafona, música de rádio de antigamente mesclada a um repentino Eurythmics, por exemplo. Sem falar na evidente repetição de imagens dentro de outros contextos, ou dos mesmos contextos-lugares, ruptura da linearidade, então temos aí um prato cheio de comparações. O filme começa com a desconstrução de paradigmas. Nada é o que parece. Ou é, muito pelo contrário. O roteirista e diretor rompe com o cinema, mostrando um pouco de tudo quanto é nuance cromática, planos e closes, sons e silêncios. Essa pluralidade estética faz o filme parecer uma loja de liquidação, onde tudo é possível e perde seu significado. Depois, rompe com as imagens. Um transeunte afirmando que o digital veio pra ficar talvez sirva de crítica aos métodos atuais de filmagem. Talvez. Hopkins também coloca no liquidificador a película, o digital, o límpido, o granulado. Essa (falta de) seqüência tresloucada faz cada fotograma perder seu efeito, seu impacto. Diante de tanta confusão celulósica, o espectador já está anestesiado. Qualquer significado a partir das imagens torna-se frágil. Mas eis que o filme ganha outro sentido. Toda essa colcha obturada em película nada mais é do que a reconstituição de uma vida. A forma de expressão das teorias médicas em torno dos flashbacks. Sublime homenagem à Sétima Arte.


3 lentilhas

2 Dias em Paris

Em síntese, é a mistura de Richard Linklater com Woody Allen. Delpy parece ter aprendido muito quando protagonizou Depois do Amanhecer e Antes do Pôr-do-Sol, ou o contrário. Este é um filme que percorre, por meio de um discurso atrás do outro, o ambiente solto da cidade. A relação entre o cerne das questões levantadas pelo casal e o pano de fundo urbano é quase simbiótica. Delpy se entrega na tática do deixar-falar quando filma, dando a 2 Dias em Paris esta saudável sensação de naturalidade e improvisos. E somando-se a esse bucólico frescor citadino dos burgos bonitos por sua decadência, entra em cena a neurose hipocondríaca novaiorquina. Adam Goldberg é ótimo. Sutil como o efeito colateral de um Lexotan. A química do casal é muito boa, o metódico americano faz uma espécie de contraponto a Ethan Hawke. Delpy se perde um pouco no decorrer das filmagens, e deixa cair o termômetro nas cenas em que revela sua promiscuidade. Mas isso é um pormenor de um trabalho de estreante, facilmente desconsiderado.


3 lentilhas

Ponto de Vista

Este filme parece falar de atentados, da era-Bush, mas no fundo é um tratado à resistência. Numa leitura rasteira, parece querer trabalhar onde cada cidadão estava no momento do tiroteio e da explosão. Mas na minha interpretação vesga, permito-me a digressão de entender quais cidadãos estavam no instante do ataque. O diretor resgata um elenco cinquentão, secundário, preterido pelos grandes estúdios e coloca eles num patamar imbatível, indestrutível, incorruptível. Sigourney Weaver é a voz midiática, o Golbery, o comando das imagens que não aparece nas grandes imagens. William Hurt é a pseudo-liderança, o poder que perdeu o poder. O chapadão Dennis Quaid é a luta, a defesa, a tentativa fracassada de retorno para garantir a segurança de um país sem segurança. Forrest Whitaker é o povão, a ingenuidade desabonada que quer ter a sensação de posse por meio das imagens. Cada fotograma capturado vale um níquel para o corno-manso tentar se reaproximar de sua ex-esposa. Fechado neste pequeno quadro, o filme é a síntese de um país que já não sabe mais o que domina e o que quer dominar. O problema é que Ponto de Vista abre suas lentes para bobagens interpretativas, certamente impostas pelos produtores executivos. O segurança particular do prefeito da cidade, a menininha com sorvete, tudo isso é encheção de linguiça que tenta dar um ponto sem nó. Tá certo que a precisão das primeiras cenas é impressionante. Tudo parece ter sido dirigido e montado com um metrônomo. Não há margem para qualquer tipo de furo nesse relógio suíço. O problema é tentar amarrar um tique-taque a outro, e aí a beleza e a criatividade do esquadro perde pontos.

2,5 lentilhas

Critérios de avaliação

Antes de começarmos a brincadeira, é de bom tom eu divulgar uma pequena legenda que usarei doravante para avaliar filmes, CDs, peças, shows e tudo o que for digno de uma consideração mais subjetiva. Esta legenda de cotações não tem grandes novidades e segue mais ou menos a linha de outras já existentes. A única coisa que fiz foi adaptar os pontos ao contexto do blog.

Caldo - é ralo, sem grão, sem substância sólida alguma. Água pura. Equivalente à bola preta, à nota zero, à bombinha explodindo, ao bonequinho dormindo e afins.

1 lentilha - meia-bocaça. Ruim de doer. Falta muito arroz-e-feijão para se chegar a algo.

2 lentilhas - de boas intenções o Inferno tá cheio.

3 lentilhas - just OK. Legal, bonzinho. Politicamente correto e dentro das expectativas, nada mais do que isso. Faltou caprichar um pouco mais na mistura.

4 lentilhas - bom, muito bom. Tempero na medida certa. Cardápio de primeira. Acertou em cheio.

Mjadra - o nome é horrível e sugere muita coisa escatológica, mas esse prato típico de Reveillon é o toque de mestre pra dar sorte. Obra-prima. O píncaro. O manjar divino.

domingo, 16 de março de 2008

Bem-vindo ao ócio

Se você entrou agora nesta página, certamente está sem nada melhor pra fazer. Welcome, anyway.

Antes do começo de tudo, algumas respostas pra você saber se sua leitura tem a ver com este diário ou não.

Por que um blog?
Para expandir meus mecanismos de me expressar para o mundo. Para criar novos leitores, novos hábitos, novas frentes de amizade, novas comunidades. Para compartilhar experiências. Para ser elogiado, ser criticado, ser ignorado. Para ampliar as ferramentas de falar com o mundo, pensar o país, pensar o ser humano.


Por que um blog agora?
Porque eu sempre fui meio atrasadinho em relação às tendências. Porque percebi que era inevitável fazer parte dessa tribo. Porque não dava mais para eu continuar fazendo o que fazia sem ter um domicílio próprio virtual. Porque atualmente é a melhor e mais prática maneira de eu escrever o que penso. Porque a idéia me soou boa no momento e eu gostei. Por puro oportunismo. Por pura picaretagem.


Por que lentilhas?
Porque é uma versão atabalhoada e cacofônica da palavra letrinhas, meu ofício, meu presídio. Porque os místicos acreditam dar sorte, principalmente na virada do ano. Porque em toda mesa gastronômica esse simples grão gera uma polêmica danada: uns acham insípido, outros delicioso. Porque ganha vida e sabor de acordo com o tempero. A lentilha é o patinho feio das sementes: ou vira cisne, ou morre afogada e vai pro lixo. Porque sem bacon, ela não é nada. Porque é o upgrade afrescalhado do feijão.



Por que vesgas?
Porque rima com frescas. Porque, devido à idade, precisa fazer periódicos exames oftalmológicos. Porque tenho de admitir que minha maneira de enxergar as coisas não é das mais diretas e obtusas. Porque o mundo ganha mais vida e mais graça se visto sob um olhar torto, enviesado, convexo em relação ao objeto real.