domingo, 27 de abril de 2008

Farrapo canino

O circuito Arteplex de São Paulo (Unibancos, Bombril, ig, etc.) costuma, sempre que possível, se não priorizar ao menos contemplar filmes que versam sobre minorias raciais ou facções populacionais discriminadas. Sejam os argelinos na França, os muçulmanos ou latinos nos Estados Unidos, os nordestinos em São Paulo, há sempre uma repetição de temas que colocam em discussão as relações humanas baseadas em preconceitos. Mas parece que este circuito não entendeu a proposta de um filme ou levou esta questão longe demais. Na semana que antecede o feriado do Dia do Trabalho, reestreou no Espaço Unibanco, em um único horário vespertino, o filme Vira-Lata, adaptação (bem bestinha) do desenho animado das antigas Underdog (muito bom). Um tapa-buracos meio incompreensível, já que as reestréias de filmes infantis costumam ocorrer em outubro, bem próximas ao Dia da Criança. E, já que não estamos em agosto, nada justifica trazer de volta uma bobagem que enaltece a raça canina. Se ao menos fosse uma película de sucesso de bilheteria, vá lá. Mas não é o caso. Esse enlatado da Disney apenas cumpriu seu papel comercial. Daria para entender neste contexto, por exemplo, a volta do Ratatouille, que agradou a diversas parcelas cinéfilas. Mas aqui nem o street dog, a sub-raça rejeitada que ganha superpoderes para dizimar rejeições preconcebidas, consegue atrair um mínimo de atenção. Nem vai ser preciso chamar a carrocinha. Essa aposta errada que já está mofando nas locadoras vai virar sabonete antes mesmo das comemorações trabalhistas.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

O dia em que São Paulo tremeu

Abençoado por Deus, o baixo ventre deste país tropical cedeu às pressões arqueológicas do mal de Parkinson divino. Seus 5,2 pontos na escala Richter assustaram a parte Sudeste desenvolvida deste pequeno continente. Se a classe média paulistana já pôde outrora ficar assustada com as crateras do Metrô e o desabamento de parte do Fura-Fila, agora nem dá mais pra saber o que é sólido e o que é areia na Terra da Garoa. Lá se vão por água abaixo as piadas que versam ironicamente sobre o fato de que o Todo-Poderoso jamais nos rogaria a praga dos terremotos, maremotos, vulcões, gafanhotos e quetais. Nem mais a nossa Avenida Paulista, palco das manifestações estudantis, da Parada Gay e do quebra-quebra dos torcedores, escapou ilesa dessa flatulência metafísica. Os porta-vozes do Terceiro Mundo, aqueles que são pagos para fazer papel de palhaço, certamente irão dizer que esse abalo sociológico é fruto do desenvolvimento. Seis milhões de carros circulando na capital paulista só podem dar nesse pequeno frêmito estrutural. É a nossa maneira camaleônica e atrapalhada de querer se nivelar ao Japão. Só espero que, a partir dessa sucessão de fatos trágicos, a gente possa reverter também o final da anedota maldosa.

Se beber, não escreva

Para a infelicidade do sensacionalismo, terminou em água - ou melhor, em vodca - a história do romance entre o presidente russo e a campeã de ginástica olímpica. Tudo não passou de uma boataria criada por jornalistas bêbados que não estavam encontrando nos fatos reais sua inspiração para preencher as páginas brancas de seus tablóides. Tentaram copiar o bem-sucedido modelo francês, nesse sentido, mas aí o leste europeu ficou pra trás. A realidade é mais bela e mais autêntica. Inventar fatos e distorcer verdades ferem a ética da profissão, mas é fato corriqueiro do dia-a-dia jornalístico uma mexida aqui e outra ali. No caso brasileiro, em que a sobriedade profissional é algo questionável em parte de sua estrutura, o papel da imprensa igualmente resvala entre o termômetro de uma sociedade e a maquiagem dela. Estampar as barbaridades do Congresso, como o auto-aumento salarial, foi um trunfo desta categoria. Todavia, antecipar julgamentos (vide o recente caso da menina defenestrada Isabella) e esgotar suas possibilidades de manter um nível ético aceitável na divulgação dos fatos e das suas conclusões é repulsivo. Esgotar até a medula as notícias da época da barbárie, as atrocidades criminalísticas, pode encobrir outras tantas manchetes de suposta relevância. Qual Brasil estão querendo mostrar? Qual Brasil o povo quer ver? Será que, antes do ingresso na profissão-repórter, todo aspirante deveria assinar uma cartilha com os dizeres "Escreva com responsabilidade", "Apele com moderação"?

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Modéstia que faz

Acertada a frase que o diretor Eduardo Escorel colocou no final do trailer de seu último filme, O Tempo e o Lugar: breve nO cinemA. Este documentário sobre a vida de Genivaldo da Silva tem seu interesse, mas é claro que é voltado para um público muito específico. Esse reencontro entre o diretor e o ex-líder do movimento dos sem-terra, que já foi protagonista de um dos episódios da série Gente que Faz, é quase tão rico quanto o solo brasileiro, porém quase tão impossível de se concretizar quanto a reforma agrária. Já que o assunto é o assentamento, Escorel foi bem pé-no-chão. A realidade brasileira, cinematograficamente falando, não permite a reprodução de películas a torto e a direito. Ainda mais quando o filme encontra de cara uma série de resistências: é nacional, é documentário, e é sobre o Nordeste. Seria pretensão do diretor colocar a derradeira frase no plural, tendo em vista que a previsão de seu lançamento coincide com uma série de blockbusters típicos do meio do ano: Indiana Jones, Batman, Homem de Ferro, etc. Quando muito, dar-se-á por satisfeito se contemplar uma sala do Bombril ou do Arteplex, aquelas que ficam lá em cima. Esta é a parte que lhe cabe neste latifúndio.

Apenas Uma Vez

Não é freqüente a migração da música para o cinema, ainda mais quando bem-sucedida. O irlandês John Carney, diretor estreante desta produção de baixo orçamento, já vinha alimentando sua paixão pela Sétima Arte desde o tempo em que era baixista da banda Frames. Seu olhar atesta essa mistura de paixão, vontade e vocação. Carney respeita os espaços dos personagens, assim como as notas em uma partitura, cada uma em seu lugar, sem se atropelarem. Vencedor do Oscar 2008 de Melhor Canção Original, tinha tudo pra beirar a pieguice. Tinha tudo pra se calcar na música como muleta e deixar a trama para o pano de fundo. Não é o que acontece. Há vida nos personagens. Parecem estar à procura de suas "almas-gêmeas" (isso é o que a distribuidora quer vender), mas na verdade estão à procura de si mesmos. A música principal, melancólica na medida certa, dá o tom suficientemente angustiado sem soar dor-de-corno. Lembra algo como Coldplay, Travis, The Fray, mas ainda assim tem respiração própria. Once é econômico nos gestos e na mise-en-scéne, sem abusar de signos desnecessários. E é nessa concisão/precisão que está a riqueza deste trabalho. Um filme que não precisa tagarelar para dizer muita coisa.

4 lentilhas

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Triste fim

Era 1991, Plano Collor. Era o Floodland, vinil-bolacha do Sisters of Mercy. Desde aquela época eu freqüentava assiduamente a Nuvem Nove (pra quem não sabe, um sebo de discos, livros e DVDs novos e usados do Itaim). Assim como o cigarro e a cachaça, eu não parei mais. Foi naquela loja que eu fiz as maiores barganhas, que eu levei as mais procuradas raridades (ou até mesmo as raridades que ninguém procurava, como se estivessem lá, esperando por mim). Mas não era só isso. Ia lá com muito gosto, pra ser recebido pelo acolhedor casal José e Júlia. Ali se tornou um reduto dos músicos, dos críticos musicais, dos vagabundos da sonoridade alheia. Uma coisa meio Alta Fidelidade: as mesmas pessoas, indo quase todas as tardes, pra jogar conversa fora ou esquentar polêmicas vazias, inflar o peito, deixar o rosto vermelho a fim de defender uma idéia sobre o assunto. Assim como no futebol. Era na Clodomiro Amazonas (nome mais gay, hein?) que se cultivava o ócio, que se versava sobre o nada. E era uma delícia. Fiz grandes amizades, tendo como ponto de partida a vasculhada geral à procura de uma boa oferta escondida nas prateleiras. A Nuvem era minha válvula de escape, meu Lexotan fonológico. Localizada estrategicamente no meio, entre o caótico fim-de-mundo comercial da Berrini (o Silicom Valley brasileiro) e o caminho mais perto da minha casa, esta parada obrigatória me relaxava. Quando eu estava triste, quando eu estava puto, a Nuvem era minha panacéia. Encontrar os amigos, falar um monte de bobagem, ficar atento às novidades musicais, enfim. Quando eu saía da loja com uma abarrotada sacolinha branca (que já foi azul e, se não me engano, prata ou preta), eu não estava pagando pelo produto consumido. Na verdade a comissão era para esse estado de espírito alienado. Os CDs eram apenas uma pequena gratificação por esses momentos de bem-estar.

Mas tudo um dia na vida acaba. E o que é bom, mais rápido ainda. Nem chegou a completar duas décadas, poeira cósmica diante do tempo universal. Veio a Internet, a prostituta das prostitutas. E. com ela, a pirataria. Este casebre das partituras rebeldes, que sobreviveu aos mais recessivos e estapafúrdios planos econômicos, que escapou da invasão dos prédios high tech da Juscelino, que driblou os botecos chiques do bairro, infelizmente sucumbiu a um cotonete que toca musiquinha, chamado mp3. Nesses últimos dias fúnebres da loja, convido os corsários defensores dos downloads, ingênuos a tal ponto de achar que essa mídia é uma "democracia", a dar um pulinho na Nuvem Nove e ver o que sobrou dela. Acham que resolvem o problema por meio da clandestinidade coreana. Uma atitude séria e digna diante do monopólio de mercado e seus conseqüentes altíssimos preços dos CDs seria boicotar as grandes gravadoras, adquirir produtos de selos independentes, pressionar os fabricantes, criar associações de lojistas, criar o hábito de consumo de produtos usados ou trocados (que não são tributados), e por aí vai. Mas foi a modernidade que matou o mais charmoso sebo paulistano. Ou você acha que o Calanca, dono da Baratos Afins, se tornará um poço de simpatia a partir de então?

A Nuvem marcou seu tempo, criou raízes, educou ouvidos. Muito se deve a essa recôndita loja em meio aos açougues, lotéricas e drogarias do bairro. Embora eu tenha sempre honrado meus compromissos, pagando tudo em cash vivo na hora, sinto que tenho uma grande dívida com eles. O disquinho prateado vai sumir, mas a amizade de uma forma ou de outra vai continuar. Somos maiores do que as tendências. Elas podem até nos mascarar, mas jamais vão nos engolir. Não, não é um grito trotskista da resistência. É apenas um resto de indignação e tristeza por esse momento inevitável, essa fatalidade do comércio. Pra quem ainda não viu, é chocante observar os últimos minutos agonizantes da Nuvem, expondo uma contagem regressiva que parece ser muito mais longa do que realmente é. E já que tudo anda tão virtual, até mesmo o sexo, que a Internet no futuro ao menos nos traga esses pontos de encontro, essa troca insana e inflamada de informações inúteis, esse estado de torpor que nos faz esquecer o trânsito e a vida. Boa sorte a vocês, José e Júlia. Que esse meu grande beijo possa estalar, pra todo mundo ouvir, meu saideiro adeus.

domingo, 6 de abril de 2008

Diferenças

As diferenças se complementam ou se agridem? Elas servem de fermento ao bolo, ou só fazem aumentar a briga por uma fatia? Será que de fato os opostos se atraem? Será que não deve haver um mínimo de afinidade neste código chamado relacionamento para a coisa dar certo? Até onde a diferença é saudável? Até onde ela acrescenta algo ao invés de desgastar? Complicado, complicado...

A fidelização do poder

A solução para os problemas do Brasil não é acabar com a fome, mas dar à sua população carente uma esmola chique, uma cestinha básica bonitamente chamada Bolsa-Família. Não é investir em educação de base (uma das piores do mundo), a fim de formar jovens pensadores, cidadãos conscientes e preparados para o mercado de trabalho, que encontrem condições para sair da bandidagem do narcotráfico. A solução não é tão-somente reforçar a segurança pública, como também pensar num novo modelo de polícia. É deixar o Rio de Janeiro bonitinho para os Jogos Pan Americanos. Não é vestir a camisa para encarar de frente a reforma tributária, mas sim abafar escândalos, fazer alianças escusas com uma parcela equivocada da oposição, delongar CPIs para manter as mamatas do cartão corporativo. E agora estão falando em criar um plebiscito oportunista, aproveitando a crescente e máxima popularidade do nosso tirano vigente, que lhe poderá conceder um terceiro mandato. Não bastasse a amizade nutrida aos retrógrados déspotas esclarecidos da Bolívia e da Venezuela, que não ficou bem na foto, agora querem copiar um modelo de regime do qual até o próprio moribundo Fidel Castro abdicou. O Brasil, este Brasil que aí está, escaneia, e escanea mal, tardia e porcamente, aquela página que o mundo já virou. Ou existe um corpo fechado nessa história, ou muito dinheiro envolvido com o objetivo específico de deixar tudo exatamente como está. Em outras palavras: um forte esquema de administração pública panecircense. É inadmissível uma das mais tardias democracias da América Latina ter de engolir um pouco mais o Stalin do Nordeste, o Sassá Mutema do PAC. Por mais alguns segundos que sejam. Democracia avançada é alternância de poder. Ninguém quer mais uma Cuba em nosso continente, desta vez sem os índices de desenvolvimento de Cuba. Os únicos barbudinhos que a Humanidade tolera por mais de um século são Jesus Cristo e Papai Noel, e olhe lá.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Sem vestígio algum do cinema

Todo cidadão de bom senso está preparado para a exceção. O problema é quando a exceção vira regra, e vice-versa. Cinematograficamente falando, é compreensível que um filme ou outro, inicialmente previsto para passar nos cinemas, acabe indo direto pras locadoras. No ano passado tivemos exemplos de Guardiões do Dia (Fox), Valente e O Segredo de Berlim (Warner), entre outros. As explicações das distribuidoras e assessorias de imprensa são das mais lógicas às mais estapafúrdias: fracasso de bilheteria no exterior, má repercussão na mídia lá de fora, vencimento de contrato, falta de espaço no concorrido circuito, etc. Esses nomes esporádicos e ocasionais até que ficam guardados por um tempo na memória do cinéfilo, mas quando pegamos um ano de cerca de 300 lançamentos e vemos que essas lacunas não chegam a 10 filmes, esse desleixo é até perdoável.

Mas é claro que há casos e casos. Quando vemos isso acontecer com uma empresa que mantém o nível de respeito ao público, dá pra se imaginar que essa atitude extrema deve ter sido inevitável. De um modo geral, esse deslize ocorre com as distribuidoras “sérias” no máximo uma vez por ano. Já em outras situações, é impossível dar qualquer tipo de crédito ao marketing desse descaso e dessa safadeza. Do segundo grupo, o caso mais notório é o da Sony Pictures, definitivamente e disparadamente a pior distribuidora sob esse aspecto. Só em 2007, deixou de lado uma série de títulos previamente marcados para estrear, mas que foram parar diretamente nas locadoras: Meus 15 Anos; Correndo com Tesouras; Reine Sobre Mim; O Albergue 2; e No Natal a Gente se Encontra. Quase metade do total de lançamentos do ano em salas de cinema. A Maldição da Flor Dourada, última parte da trilogia de Zhang Yimou, bateu na trave e teve um dos lançamentos mais esquisitos em São Paulo. Previsto para o começo do ano passado, estreou em dezembro em uma única sala, ficou em cartaz por duas semanas e reestreou quase um mês depois, novamente em uma única sala.

E agora parece que a coisa vai se repetir. Mal entramos em 2008 e já temos duas falhas da mesma distribuidora: O Clube da Leitura de Jane Austen e Sem Vestígios, este último inicialmente previsto para estrear no dia 4 de abril.

Com essa estratégia mercadológica capenga e esse organograma chinfrim, todo mundo sai perdendo. Inclusive a própria distribuidora, que em alguns casos produz o material promocional de divulgação e arca com os custos de exibição de trailers e de legendagem. Em alguns exemplos supracitados foram até realizadas cabines de imprensa. Falando nisso, a crítica e a mídia também perdem, pois preparam para divulgar uma grade de programação que não condiz com a realidade das estréias. E, por último, o espectador, que se frustra com expectativas criadas e não cumpridas e é obrigado a aguardar uns meses para ter de ver o filme em telinha de TV, caso realmente tenha vontade de cumprir a missão.

Com a crescente pirataria, os downloads e outras modalidades “modernas”, ver filme em outros formatos tem se tornado, infelizmente, uma tendência. Uns lutam contra, outros se entregam. No caso da Sony/Columbia, a impressão que se tem é a de que, para eles, tanto faz como tanto fez. Basta lançar um Homem Aranha ou um James Bond, faturar pelo ano inteiro e descansar o resto do tempo nas praias do Caribe. Os demais títulos a ser contemplados em telona parecem ser pura isenção fiscal. Não existe o mínimo de amor e de envolvimento com o produto que estão vendendo. Para os cinéfilos da resistência, xiitas em relação ao consumo automático e fast-food de caixinhas em prateleiras, o melhor lugar para se ver filme é, e sempre será, no conforto e na amplitude da sala de cinema.

Caldo (para a Columbia, pois o filme ainda não vi)


quarta-feira, 2 de abril de 2008

Bebidas

Ainda tô tentando entender esse estilo de vida moderno das pessoas que bebem refrigerante sem açúcar, café descafeinado e cerveja sem álcool.

Como explicar o tamanho sucesso de H2OH? Uma bebida fabricada pela Pepsi, que não tem gosto nem de soda nem de água com gás.

Nos Estados Unidos, o movimento Tolerância Zero reduziu a criminalidade em quase 50% das ruas de Nova York. No Brasil, o Fome Zero nada mais é do que um embuste eleitoreiro sem resultado concreto algum. E nesse mesmo Brasil resolvem inventar a Coca Zero, água preta sem açúcar, sem calorias, sem gás, sem Coca, sem nada. Coca Zero é a bebida que acompanha as refeições do Fome Zero.