segunda-feira, 23 de junho de 2008

Cândida

Muita candura para pouco texto. Difícil se deixar levar por este argumento gasto que versa sobre uma disputa amorosa entre o conservadorismo pregacionista dos mais velhos e o impulso lancinante e ingênuo da facção jovem. Narrativa das mais clássicas, no sentido pejorativo da comparação. Cândida é um espetáculo acomodado, que em momento algum demonstrou qualquer tentativa de se inovar. O narrador onisciente do início até que dá bons indícios de que ali se iriam tecer descrições irônicas da comunidade britânica monárquica e pouco disposta a mudar costumes. Todos os personagens estão engessados neste momento cênico, mostrando por meio de seus corpos encolhidos a rigidez tirânica de uma sociedade estamental. A troca do foco narrativo em uma passagem de cena também faz parecer que a estrutura da encenação traria algo novo aos olhos de hoje. Falsas promessas. Dali em diante, surgem protagonistas repetitivos em seus cacoetes, culminando na presença repentina do conquistador, um semblante que mistura o punk ciberespacial do Billy Idol com o olhar de coitadinho de Johnny Depp em Edward Mãos de Tesoura mais a meiguice açucarada do Pequeno Príncipe. Tudo muito moldado a relações simplórias de causa e efeito, sem a mágica do improviso e do improvável. Cândida é uma aposta segura, cujos respingos de conflito dramático se esvaem rapidamente em seu desbotado retrato social.

1 lentilha

Não Sobre o Amor

A cenografia de Daniela Thomas é irretocável. Não tem como não se abalar pelo impacto visual cênico logo no começo. Perdem-se as referências de se estabelecer qualquer ordem estrutural no espaço. O mundo está de ponta-cabeça – do ponto de vista de quem tá perdidamente apaixonado e precisa de um eixo rígido e metódico como válvula de escape para o regimento da métrica poética. Mas Felipe Hirsch e sua Sutil Companhia de Teatro já foram mais saborosos em suas obsessivas dissertações sobre o amor. A quantificação deste nobre sentimento, traduzida em listas em A Vida É Cheia de Som e Fúria, era, do ponto de vista formal, menos rebuscada e, portanto, menos arrogante. A vida transeunte da Avenida Dropsie era muito mais revigorada, embora trouxesse um tema do começo do século passado. Ou talvez justamente por isso. Existe uma sutil diferença entre retratar o homem moderno por meio de fragmentos do discurso amoroso e colecionar um álbum de figurinhas com as principais passagens de uma trajetória de vida. Hirsch já nos brindou com muita maestria seu aspecto metonímico de visão de mundo. Hoje, repete-se em fórmulas enjoativas com suas neuroses em torno do colecionismo volátil.

2 lentilhas

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Dinheiro fácil

Algumas redes de supermercados vêm adotando um modelo de loja expressa de compras, como é o caso da Americanas Express, Extra Fácil, entre outras. A maioria, localizada em pontos deficitários de oferta de consumo rápido ou próxima a nichos de pessoas que moram sozinhas. Uma boa salvação da lavoura para os que esquecem algum artigo emergencial das compras do mês, ou mesmo para quem não tem muita paciência de enfrentar longas filas no caixa e se perder nos corredores e nas gôndolas. São estabelecimentos que perceberam o crescimento instantâneo de concorrentes como O Dia (da rede Carrefour) e Econ, ambos voltados basicamente a atender uma população de baixa e média renda. Apesar de suprir essa necessidade básica e imediata, em alguns casos com bons preços, variedade não é o forte desses minimercados (ou megaquiosques), que têm de nada um pouco. Mesmo assim, encontram um público crescente que já adotou esse mecanismo fast de compras. E, com essa demanda, veio junto o oportunismo. O Extra Fácil da Av. São João, bem próximo à Ipiranga, coração caetanesco de São Paulo, estava cobrando até a quinzena passada R$ 1,25 por uma lata de Coca-Cola. Este valor subiu para R$ 1,27, desde que o produto esteja em temperatura ambiente. Acréscimo aceitável, tendo em vista a tímida volta da inflação. As latinhas geladas desta mesma mercadoria, todavia, custam agora R$ 1,49. Ainda é um valor competitivo com os demais bares e lanchonetes da região, mas nada justifica este aumento abusivo: cerca de 20% em relação ao valor absoluto. Talvez isso se deve ao fato de que a rede percebeu o consumo deste produto não em domicílios solitários, mas em pré-baladas ou viradas culturais que não encontram nada aberto depois de determinado horário. Como eu não ando muito notívago em relação às imediações da Praça da República, deixo registrado meu indignado manifesto e convoco a todos para um coletivo boicote. Nas proximidades da Praça dos Correios, há uma quitanda pedindo esta mesma quantia para o melhor refrigerante do mundo.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Rua Augusta

E por falar em Rua Augusta, que bom que ela voltou a ter vida própria. Já foi reduto de dondocas e motoqueiros, mas ultimamente amargava a má fama de concentração de puteiros. Hoje a coisa se misturou, lupanares se infiltraram nas patuscadas etílicas e vice-versa. Olhando de longe, não dá mais pra saber quem tá indo pra onde fazer o quê. E cada vez mais proliferam novas casas alternativas, inauguradas em progressão geométrica. Isso é muito bom pra região. O notívago não precisa mais optar somente pelo Vegas, Outs ou Inferno. Hoje no cardápio constam Roxy, Studio SP (que era na Vila Madalena) e outros tantos que desconheço. Todos, ou a maioria deles, com aquela fachada totalmente preta sem demão. Mudança do visual em alto estilo.

Filme de terror

Dessa vez eu vou falar de cinema mas não é de filme nenhum. Muito estranha essa história das adolescentes que foram ao Espaço Unibanco na última sessão do dia, pegaram carona de madrugada até a Barra Funda, alegando que iam pra Monte Verde juntar grana pra ir pra Argentina. Essas moças, estudantes do outrora revolucionário Colégio Equipe, infelizmente estão desaparecidas. Ou foi um plano muito bem arquitetado, que não deixou vestígio algum, ou alguma fatalidade no percurso. E agora começam a aparecer na mídia relatos complementares, como a discussão de uma delas com a mãe-atriz. Torcemos para que esse caso não se transforme numa nova Isabella ou num João Hélio. Vai dar tudo certo.

terça-feira, 10 de junho de 2008

A Valsa das Solitárias

Muito estranha a programação da Casa das Rosas, no começo da Av. Paulista. O pequeno espaço improvisado para espetáculos (na verdade, um dos ambientes do casarão), somado ao fato de não cobrar ingressos, faz com que normalmente haja lotação bem antes do início da peça. E, como se não bastasse, a divulgação positiva da programação contribui ainda mais para essa concorrida disputa por lugares. Todavia, desde que passou a cobrar ingressos para teatro (R$ 15 inteira), parece que não conseguiram manter a programação no mesmo patamar. AValsa das Solitárias é um bom exemplo de que o exercício dramático não é nada se não houver o mínimo de entendimento do texto e o mergulho na obra. Trata-se de um compêndio de três textículos da derradeira fase de produção do dramaturgo argentino naturalizado chileno Jorge Diaz, morto no ano passado aos 77 anos. A primeira atriz, protagonista do monólogo Um Negócio de Peso, parece que não entendeu nada da voracidade do texto, por sinal bem bom. Sua fala mansa e seu olhar acolhedor em nada corroboram ou destoam de uma construção narrativa ácida e irônica. Tem-se a impressão de que sua vagarosidade lingüística tentam a todo instante fazer a atriz não se esquecer das falas. Já a segunda atriz, do monólogo O Jardim das Delícias, é bem melhor e mais convincente em seu papel. Estes dois trabalhos são um bom recorte do grupo, que escolheu o contraponto por meio das ambigüidades do ser humano. Um é quase o oposto do outro. O primeiro traz frases e períodos desconexos, às vezes com pitadas de trocadilhos, diante de uma situação perfeitamente factível: o complexo de obesidade. Já o segundo trecho apresenta orações gramaticalmente corretíssimas, não fosse o ridículo humor negro do contexto e do sentido dessas frases. Um retrato bem-intencionado das contradições humanas, algo na linha meio Cortazar que dispensa grandes explicações lógicas, coeso com a proposta do teatro do absurdo. E com uma boa intervenção de corte: um saquinho de batatas fritas. Já a terceira fração, Casta Diva, não diz a que veio. Uma atriz decadente, que não consegue se recolocar no mercado de trabalho, diante de uma entrevista com um cruel diretor (esse, por sinal, péssimo. E olha que ele empresta somente sua voz). Um exercício ralo de metalinguagem, que não consegue interagir com os outros fragmentos, ficando este pedaço ainda mais solitário diante dessa equivocada dramaturgia.


Caldo

domingo, 8 de junho de 2008

Caminho para Meca

Todo caminho para longe é árduo, pelo menos no começo. Nesta peça que reestréia no Renaissance, é mais ou menos isso também. Uma visita inesperada, e aí temos o conflito de gerações entre uma moça ambiciosa e uma senhora mais ou menos acomodada. Cleyde Yáconis, ótima. Já Lúcia Romano demora um pouco pra encontrar seu timing, começando espalhafatosa e encontrando o ponto certo da tônica dramática mais pelo fim do texto. A curta aparição de Cacá Amaral como o pastor é correta, apenas isso. Caminho para Meca é forte graças a Yáconis. Montagem bem clássica, lembra um pouco alguns trabalhos do Grupo Tapa, sem o mesmo vigor do tal. A iluminação ajuda, mas também tem um começo bem esquizofrênico, com contrastes e escurecimentos não muito coerentes. Um trabalho apenas razoável, um pouco chavão pra se tornar memorável.

2 lentilhas

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Nasce uma estrela

O Cinemark Eldorado que se cuide. São Paulo acaba de ganhar mais um complexo de salas de cinema à altura dos preferidos da Vejinha. O Espaço Unibanco Pompéia, inaugurado semana passada no recente e desconhecido Shopping Bourbon, nada deve aos concorrentes no que diz respeito a conforto e variedade de programação. Em primeiro lugar, é bom ressaltar que o shopping em si difere um pouco dos demais. Poltronas escuras e discretas nos corredores ao invés daqueles bancos com estacas de madeira achata-bunda. Lojas relativamente descoladas, nem tão yuppies quanto o Iguatemi, nem tão qualquer-nota quanto o Center Norte. Largos corredores, que evitam a muvuca (pelo menos enquanto o shopping ainda não foi descoberto pela massa de manobra consumista e paqueradora). Ambiente de estilo, sem aqueles excessos que fazem os claustrofóbicos quererem voltar rápido pra casa. Mas voltemos ao cinema. É incomum vermos Spielberg ser lançado lado a lado com Glauber Rocha. O Espaço pretende, talvez, enquanto houver cash-flow disponível, fazer uma grade de programação semelhante ao Frei Caneca (uma das melhores da cidade, tendo em vista os improváveis lançamentos que tem feito ultimamente). E ainda vem com agradinhos a mais pro paulistano. Bilheterias abertas, sem aquela redoma amparada por um microfoninho sempre quebrado. Espaço de convivência (é esse o nome?), ou lounge cinema, amplo e agradável. Preços competitivos, principalmente às quartas-feiras (R$ 10 inteira, mais barato que as outras salas da rede). Isso sem falar no maior diferencial: as confortáveis e enormes poltronas de veludo azul da sala 10, com amplos espaços entre as fileiras. Conforto demais, às vezes, pode ser um problema. E se o filme for ruim? Os dorminhocos do Cinesesc que o digam.