terça-feira, 31 de agosto de 2010

Cala a boca

No meio da mais esquisita Copa do Mundo das últimas décadas, um grito soou mais forte do que qualquer vuvuzela distante dos solos africanos: “Cala a boca, Galvão”. Era mais do que um coro ululante. Era a voz de protesto e de indignação de mais de 150 milhões de pessoas (o novo Censo nos trará um algarismo mais exato) diante da mediocridade dos comentários do jornalista citado. Galvão Bueno e Dunga se merecem. São o fruto colhido de uma autarquia monástica e imperialista do futebol brasileiro, sem a arte e o tempero que caracterizam a beleza de nossa cultura e nossa ginga plural. A Era Dunga, graças ao bom Deus, acabou. Junto com ela, vão-se embora os Zagalos e os Parreiras que preconizaram o ludopédio pragmático, aquele ditame de passes feitos em nome do tão questionado futebol de resultados. Felizmente, esse fast-food insosso da bola não vai mais estar com a gente em 2014. Dunga e os zangados partiram, mas o mala-sem-alça da Rede Globo, campeão das bobagens e dos salários, continua rígido em seu altar.

Mais uma vez, as redes sociais não foram apenas a mídia, mas também o palco dessa passeata virtual. Já que o brasileiro anda tão abúlico quanto à política palhaça que invade nossos lares, pelo menos quando o assunto é paixão nacional alguma coisa se mobiliza neste país. E já que essas redes se beneficiam do marketing viral, do buzz ou de qualquer nomenclatura que defina esse contágio instantâneo, pode-se dizer que o grito de guerra antigalvanizador funcionou muito bem. Tanto é que, tempos depois, uma nova onda inflou os internautas em prol do silêncio de Tadeu Schmidt.

Até aí tudo muito legal. De fato, a alegria dos inflados 140 caracteres é bem mais interessante do que as análises científicas dos filósofos da futebologia. Mas essa irreverência toda, essa descontração típica de um país sacolejante se não é hipócrita, quem sabe esconde algo pior. Hoje um dos tranding topics (pra quem não está acostumado a esse jargão, significa um dos assuntos mais comentados) do Twitter é “Cala a boca, Sabrina”, uma alusão à desastrosa entrevista que a apresentadora do Pânico teve com o teen idol Justin Bieber. Arranhando um Inglês mais torto e truncado que o do Joel Santana, a caipira nipônica não sabia de onde vinha e pra onde ia. E o galã imberbe deixou muito clara a sua impaciência com aquele improviso com cara de pegadinha.

É claro que reagir e manifestar sua opinião é um direito de qualquer cidadão. Mas é bom lembrar que a sociedade brasileira em tempos de individualismo online não se caracteriza por sua atividade contestatória, muito pelo contrário. Mandar alguém calar a boca, mesmo que num tom jocoso e imediato que é a marca registrada do Twitter, reflete um comportamento autoritário que resgata, ainda que em fogo brando, os regimes de governo mais conservadores que já tivemos. Se a massa formadora de opinião se mostra tão indiferente sobre assuntos de máxima importância que poderão nortear os rumos do país, não acho que ela tem o direito de cercear ou travar essas aparições públicas da TV, por mais tacanhos e ingênuos que sejam seus pontos de vista. Ter o Galvão, a Sabrina, o Tiririca e a Pera calados faz bem aos nossos ouvidos, mas faz um mal danado e irrecuperável à democracia. Está certo que vivemos numa sociedade darwinista que só cede lugar aos bem-humorados, aos “espertos”, aos carismáticos que abrigam milhares de seguidores nas redes. É nosso direito de escolha aplaudir o Rafinha Bastos, a Bárbara Gancia, o Léo Jaime, a Rita Lee e tantos outros queridinhos da web. Mas não se esqueçam, retaliadores de plantão, que a melhor arma para combater a ignorância desses emergentes é mudar de canal, dar um unfollow, deletar de suas vidas. Querer angariar público para amordaçar essas pessoas é dar ainda mais força à censura que está louca procurando brechas pra voltar. E vocês entraram no Twitter justamente por causa da “liberdade de expressão” que a ferramenta estimula, correto?