sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Retrospectiva 2013

Não sou muito de fazer listas, por diversos motivos. Mas tenho visto várias delas por aí, de diversos assuntos, e acho que isso me inspirou a criar a minha. Trata-se de uma lista geral, sem critérios muito definidos ou ordem de preferência, muito menos escala de valores. Este compêndio mistura fatos globais e percepções individuais e subjetivas, com temas de maior ou menor relevância. Como toda lista, tem as unanimidades, as obviedades e, é claro, as polêmicas. Como ela se concretizou por meio de um exercício de memória, lógico que muita coisa ficou faltando. Mas vamos lá. Acho que lista não serve pra muita coisa, a não ser pro leitor pensar consigo "putz, é mesmo" ou conhecer um pouco mais de mim.

Brilhou:
O Som ao Redor, Bruce Springsteen, Black Sabbath, teatro Ecum, Joaquim Barbosa, Porta dos Fundos, Haneke, Woody Allen, povo nas ruas, Omelete, Nelson Porto, Head & Shoulders, anticonsumistas, Placebo, Cine Joia, Genoíno e Dirceu na cadeia, Candy Crush, Mostra de Cinema, novo namoro, Europa Filmes, Tarantino, Sorrentino.

Nem cheirou, nem fedeu:
Novos abrigos de paradas de ônibus, hambúrguer gourmet, festivais de música, documentários brasileiros lançados em circuito, Queens of the Stone Age, Agora é Tarde, projeção digital, salas VIP de cinema, iPhone 5, volta da MTV, guarani-kaiowá no Facebook, ligeiríssima queda dos valores imobiliários, Fábio Porchat, nova Coca Light, Augusta X Paulista como novo point hippie.

Fodeu:
Fluminense, PIBinho, Maracanã, trensalão, tomate, black blocks, comédias brasileiras, Franz Ferdinand, Anitta, azeite extra virgem, caos nas linhas de trem, Haddad, Paul Walker, cachorros de laboratório, morte do meu pai, inflação, pré-sal, morte de Ruy Mesquita e Roberto Civita (e consequentes demissões em massa nas redações), Naldo, funk ostentação, déficit comercial, término do novo namoro, Imagem Filmes, cabine de imprensa de Homem de Ferro 3, e-books.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Mix

Tatuagem, Azul é a Cor Mais Quente, Além da Fronteira e Um Estranho no Lago. Estão em cartaz quatro filmes com temática gay (homoerótica, GLBT, homossexual, como queiram...). Ao que tudo indica, trata-se de lançamentos que em nada espelham oportunismos de mercado, pois a famosa Parada GLBT ainda está longe de acontecer e, nesta época cristã de festividades, o assunto em questão não é dos mais apropriados para reunir a família, convencionalmente falando. Talvez seja apenas uma feliz coincidência: estes filmes, badalados em festivais recentes, aqui e lá fora (inclusive o Mix Brasil, especializado em títulos pertencentes a esse segmento), provavelmente estão com os prazos de validade pra vencer, no que diz respeito a questões contratuais, e precisaram, em tom emergencial, ser imediatamente desovados no circuito comercial. Hipóteses à parte, o fato é que o cinéfilo das metrópoles pode apreciar quatro bons trabalhos que colocam a homossexualidade não como um tabu, mas uma questão presente no dia a dia da sociedade moderna. São exercícios que não só projetam os conflitos gays, mas posicionam-se acima deles e, de longe, extrapolam os filmes de gueto, filmes de reduto, feitos por homossexuais e voltados para eles mesmos. Aqui, os exemplos colocam o assunto numa percepção que rompe com os seus limites, mas esse não é necessariamente o seu propósito. Ainda que suscitem discussões quanto aos exageros e aos olhares demasiadamente explícitos em sua demorada observação (e aí as fronteiras e os critérios variam de olhar para olhar), e ainda bem que provocam isso, o quarteto nos traz, de um modo geral, um resultado que traduz avanços estéticos e linguísticos. Há quem entenda que ali está um visível e notório esforço de se fazer “filme pra chocar, por chocar”, em alguns casos, e não condeno essa postura crítica, mas eu acredito que existe uma intenção mais forte e mais orgânica, inerente e fundamental a seus roteiros, e o “chocante” não está ali apenas como um epidérmico papel de parede para embelezar questões polêmicas. Tatuagem tem um tom libertário, funciona quase que como um esporro social, um jorro estético e político que confronta o conservadorismo da ditadura. Azul é a Cor... retrata a intimidade na sua essência, com o tempo (timing, melhor assim) necessário para que tanto as personagens quanto o espectador consigam de fato se sentir íntimos daquela situação, numa mistura contraditória de prazer e desconforto. Um Estranho no Lago é explícito por natureza, e natureza é uma palavra que não pode ser omitida em sua definição. A natureza convidativa do banho de água doce e do amor livre, junto com o incessante ruído sonoro dos insetos e dos ventos nas folhas de árvore que indicam que nem tudo está tão calmo naquela ilha paradisíaca. Já Além da Fronteira é o mais tradicional na forma, mas ainda assim traz um tema importante e faz o paralelismo entre os preconceitos sociais, ideológicos e raciais de maneira digna. Claro que nem todos esses quatro filmes estão no mesmo patamar de apreciação, mas, com certeza, estão muito acima da média de lançamentos. São trabalhos necessários, que funcionam bem mais do que uma simples opção pra se fugir das filas dos bilbos e dos elfos.


domingo, 8 de dezembro de 2013

Previsões para 2014


Janeiro:
Fernando Haddad cria faixas exclusivas para carrinhos de compras em feiras e supermercados. Nelas, é proibido circular pirralhos, idosos e cachorros.
Sem muito o que fazer, Congresso Nacional cria internamente o Bolão do Oscar. Prêmio dos parlamentares contemplados sairá dos recursos da Previdência.
Protestos de manifestantes acabam em confronto com a polícia. Depois de sair na capa da revista Época, líder feminina do grupo Black Block sai na Playboy. De máscara, é claro.
Fevereiro:
Cansado de não fazer absolutamente nada, Congresso Nacional cria recesso de carnaval, que vai de sexta-feira (7 de fevereiro) até quarta-feira (19 de março).
Protestos de manifestantes acabam em confronto com a polícia. Inspirados no filme de animação “Uma História de Amor e Fúria”, black blocks quebram o braço da estátua do Cristo Redentor.
Conglomerado de emissoras de canais de TV a cabo continuam tentando criar um concorrente pro Ibope. Neste novo critério de pesquisa, serão avaliados os domicílios de pessoas que procuram canais pornográficos no meio dos chuviscos e aquelas que dormem no sofá durante a programação.
Março:
Por causa dos congestionamentos de carros na volta às aulas, Fernando Haddad determina que os ônibus só poderão circular nas avenidas Sapopemba, Juntas Provisórias, Guido Caloi e Paes de Barros. A rua Vergueiro estava nos planos iniciais, se alguém soubesse onde ela começa e onde termina.
Dilma vai a Genebra e, em seu discurso sobre sustentabilidade, faz um pronunciamento idêntico ao seu discurso de posse, ao seu discurso de repúdio aos ataques da Síria e ao discurso sobre a morte de Nelson Mandela.
Fábio Porchat escolhido para ser o garoto-propaganda dos refrigerantes Dolly.

Depois da turnê de shows pelo Brasil, o cantor islâmico Cat Stevens inicia peregrinação em busca do sentido da vida, do corpo de Eliza Samudio e do paradeiro de Belchior.
Abril:
Empresas dos festivais SWU, Lollapallooza e Rock in Rio se unem para criar um grande evento musical: uma balada riponga na esquina da Av. Paulista com a Rua Augusta. Covers de Elvis Presley e Michael Jackson já estão confirmados.
Aplicativo Candy Crush bate recorde de solicitações de vidas.
Fábio Porchat escolhido para ser o garoto-propaganda das Casas Bahia.
Maio:
No Mês das Noivas, Gretchen aparece meia-dúzia de vezes nas capas das revistas Caras e Contigo, cada uma delas com um marido diferente.
Manifestações acabam em confronto com a polícia. Black blocks quebram, incendeiam, picham, mijam e cagam no Minhocão. População paulistana nem percebe a diferença.
Com a popularidade beirando a temperatura média da Noruega, Congresso Nacional cria internamente o Bolão da Copa. Prêmio dos parlamentares contemplados sairá dos recursos da Saúde e Educação.
Junho:
Confirmado: a sequência final da trilogia “Até que a Sorte nos Separe” será dividida em duas partes e também estará disponível nos formatos 4D e Imax.
Devido aos atrasos nas obras dos estádios dos jogos da Copa do Mundo, algumas partidas serão realizadas nas quadras do colégio Caetano de Campos.
Manifestações contra as manifestações que já encheram o saco acabam em confronto com a polícia. Sílvio Santos e Eike Batista, agora pobres e comunistas, flagrados junto com os black blocks depredando o símbolo mais contundente do capitalismo: as esculturas da Monica Parade.

Coca Zero estampa em suas latinhas os nomes de artistas e personalidades que a Globo colocou na geladeira.
Julho:
Depois de retratar fielmente a viadagem que foi o Império Romano, o diretor Zack Snyder prepara a continuação dos filmes 300, 600 e 900. Os nomes mais cotados para o desfecho são Truco, Zap e Manilha.
Fábio Porchat escolhido para ser o garoto-propaganda das operadoras Tim, Oi, Claro, Vivo e qualquer merda que aparecer no ramo da telefonia.
Apple anuncia o lançamento do iPhone 6S XPTO. A principal diferença em relação ao modelo anterior, de acordo com o fabricante, é a inclusão das letras XPTO. Preço de venda nos EUA: US$ 300. Preço previsto no Brasil: a partir de R$ 6.499.
Agosto:
No mês dos dias mais frios do ano, termômetros das ruas de São Paulo marcam o crescimento do nosso PIB.
Fabricante de roupas Diesel lança modelo de calça jeans que não deforma, não tem cheiro e não solta as tiras. Preço de venda nos EUA: US$ 300. Preço previsto no Brasil: a partir de R$ 6.499.
Antecipando-se cada vez mais às tendências de consumo e ao Natal, lojistas começam a vender panetones e a tocar aquela música deprimente no interior de seus estabelecimentos.
Setembro:
Escondidos num bunker pra não levar porrada do povo, integrantes do Congresso Nacional criam internamente o I Campeonato Interestadual de Biribinha. Custos de impressão dos volantes de apostas ultrapassam R$ 20 milhões. Recursos para a jogatina sairão do Bolsa-Família.
Depois de liderarem o movimento contra as biografias não autorizadas, Chico Buarque, Gilberto Gil, Roberto Carlos e Caetano Veloso se pronunciam contra o uso de minissaias e brigas de galo em piscinas. Djavan explica para a imprensa os motivos de tal postura, mas ninguém entende o que ele diz.
Fábio Porchat não é escolhido para ser o garoto-propaganda da rede de esfihas Habib’s. Para fazer a campanha de suas coxinhas, no seu lugar entra Luciano Huck.
Outubro:
Preparando-se para as eleições, Dilma inicia campanha num estilo bem retrô, prometendo trazer de volta a inflação, a moratória e os blazers com ombreiras largas.
Preparando-se para as eleições, o narcodependente Aécio Neves consegue falar 844 palavras no comercial de 30” na TV, dar 40 voltas no estúdio de gravação, beber 3,5 litros de água e cita o livro Pergunte ao Pó em seus debates.
Genoíno e Zé Dirceu iniciam rebelião em prisão ateando fogo em colchões. Maníaco do Parque, Fernandinho Beira-Mar, casal Nardoni e Louise Von Richtofdrwqweren temem que os meliantes sejam transferidos para o presídio de segurança máxima onde se encontram.
Novembro:
De um lado, o Mensalão, o Trensalão, a corrupção. De outro, Justin Bieber quebrando barraco em baile funk, Anitta se filmando no Instagram e o rapper coreano Psy lançando um novo e desengonçado hit. Luiz Felipe Pondé lança livro que faz uma analogia entre esses acontecimentos.
Tomate volta a ser o inimigo da estabilidade econômica. Para conter os gastos, donos de pizzaria substituem o ingrediente de suas massas redondas por produtos mais em conta, como camarão e azeite trufado.
Fernando Haddad aumenta IPTU em 200% e aceita iPhone, Audi e rim como parte de pagamento das dívidas.
Dezembro:
Confirmado: apesar da precariedade de sua infraestrutura, Brasil irá sediar em 2020 a Conferência dos Deuses do Olimpo.
Num gesto de modernidade, parlamentares do Congresso colam em suas cadeiras adesivos com as inscrições #Fui, #PartiuFérias e #AdoroTrabalharSóQueNão.
Chico, Gil, Caetano e o Rei miram blogueiros que fazem humor com Política e Cultura.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Novo

Novo Toyota Corolla Style com sensor de ciclista. Nova maionese Hellmann's Gourmet com tampa abre-fácil. Novo iPhone 5.1 S com reconhecimento de voz. Novo papel higiênico Neve Supreme com folha tripla e extrato de amêndoas. Novo desodorante Rexona PowerSave proteção 48h com partículas de diamante e silício. Nova lavadora Brastemp Ultra com a função automática 'passar roupa'. Novo Samsung Galaxy 4.1.1 com dispositivo elétrico antifurto e anticlonagem. Nova faca Ginsu Kill Bill com lâmina de aço galvanizado eletrolítico. Novo colchão ortopédico Probel EasySleep com menu de canções de ninar. Novo GPS Garmin Nuvi FoundIt com mapeamento de ruas esburacadas e acesso direto à Interpol. Novo cooktop Electrolux Cuisine 5 bocas com a função 'ovo pochê'. Novo Burger King Mega Wooper com queijo, pão e salada dentro da própria carne.

O novo modelo de ser humano Enough Bullshit tava prometido pro Natal, mas o fabricante adiou o seu lançamento porque encontrou uma série de bugs.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Nada

Acho curioso o significado da palavra nada. Ela pode não significar nada. "Não é nada", "de nada", "nadica de nada", "nada não", meras bolhas de plástico para rechear um discurso. Mas ela também pode enunciar algo muito mais profundo, intestino, orgânico. Nada é o princípio do Universo, é o número zero, é a representação linguística do vazio. Nada é a abstração filosófica da ausência, do fim, da morte. Niilismo, Dadaísmo, exemplos de manifestações artísticas que procuram trazer visões de mundo sobre o nada. Nonada. O nada está muito longe de não querer dizer nada. É muito mais completo e pesado do que parece.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Embalagens


Como alguém já disse antes, existem 2 tipos de curativo: o que não gruda e o que não sai.
Sachês, por exemplo. Impossível abrir sem esparramar o conteúdo. Ou impossível abrir sem a ajuda de uma tesoura ou facão. Ou simplesmente impossível abrir.
Data de validade. É preciso girar, girar, girar, até achar.
Tampinha de garrafa PET. Se apertar de menos, sai o gás. Se apertar demais, só com a ajuda de um saca-rolha. Tampa de maionese, não importa se é sentido horário ou anti-horario, você jamais vai conseguir destravar.
E código promocional em baixo-relevo? Aquele que você só consegue enxergar debaixo de uma luz ultra-violeta?
Latas de sardinha ou produtos em conserva, aquelas com abridor automático, um convite ao merthiolate.
Desodorante: o que fazer com o botão? Apertar? Girar? Puxar? Quebrar?
Leite longa-vida, pacote de salgadinhos, frasco de perfume, invólucro de medicamentos, bebida pronta e todas as bugigangas que recheiam nosso universo de consumo. Decifrar embalagens é coisa pra iniciados. E a prova contundente de que nossos engenheiros de produto são feras em polímeros, mas não entendem nada de produto.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Imperativos

Beba Coca-Cola. Beba com moderação. Carregue bolsas, sacolas e mochilas nas mãos. Evite acidentes e atrasos. Ao persistirem os sintomas, consulte um médico. Respeite a ciclofaixa. Desapega. Think different. Just do it. Ao toque da campainha, não entre nem saia do trem. Facilite o troco. Jogue o lixo no lixo. Don't worry, be happy. Keep walking. Abuse e use. Visite o dentista regularmente. Make my day. Desembarque pelo lado esquerdo do trem. Faça a sua parte. Doe sangue. Não dê esmolas. Não entre com latas e garrafas. Deixe a esquerda livre. Verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar. Realize sonhos. Escolha o novo. Mude o seu caminho. Não olhe pra trás. Agite antes de usar. Seja você mesmo. Fale com o motorista somente o necessário. Use roupas leves. Capricha. Save the date. Desligue celulares, bips e pagers. Pedala. Aumente o tamanho do seu pênis. Faça MBA. Assine já. Use o cinto de segurança. Consulte a tabela. Seja fiel. Curta a nossa página. Acredite em você. Pague suas contas em dia. Não deixe pra amanhã. Peça pelo número. Evite fumar na presença de crianças. Ligue agora mesmo. Tenha em mãos o seu CPF. Dê a preferência a idosos, gestantes, obesos e crianças de colo. Sai da minha aba. Desencana. Enjoy.
Se tanta gente assim manda em você o tempo todo, fica meio difícil pensar numa sociedade em que não haja delinquentes e imbecis.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Exigências

Eu quero um parque de diversões em minha suíte presidencial. Eu quero animais exóticos decorando o ambiente, eu quero 750 toalhas de linho persa bordadas com as iniciais do meu nome. Eu quero uma cama imperial royale em mogno e colchão com molas massageadoras antiestresse. Eu quero meia-dúzia de travesseiros de penas de flamingo e botão ativador do sono. Eu quero 45 cestas com frutas tropicais por dia, melhor não. Não dá pra confiar na natureza desses países do baixo-equador. Eu quero um personal trainer para cada músculo do meu corpo. Eu quero uma academia de ginástica ao lado da minha cama. Eu quero 250 cabides flexíveis. Eu quero uma máquina de fliperama, eu quero uma jukebox. Eu quero um monte de PlayStation instalado em meu banheiro. Eu quero uma garrafinha de água mineral potável gelada sem sódio a cada 5 minutos. Eu quero uma TV 3D de 60 polegadas. Eu quero um DJ a madrugada inteira. Eu quero uma banheira de ofurô com um consultor estético à minha disposição. Eu quero o Alex Atala cozinhando pra mim 6 vezes por dia. Eu quero um anão vestido de porteiro no corredor do hotel na porta do meu quarto. Eu quero um concierge particular para fazer minhas compras. Eu quero 18 dúzias de bromélias em vasos de porcelana chinesa da dinastia Ming. Eu quero 140 garrafas de uísque envelhecido 18 anos. Pensando melhor, muito rock and roll essa atitude. Não pega muito bem. Risca. Troca por 230 garrafinhas de Gatorade, 300 potes de iogurte desnatado e 950 barrinhas de cereal. Eu quero o roupão da Britney Spears. Eu quero um show ao vivo de stand-up do Danilo Gentili. Eu quero uma réplica de Modigliani na parede da sala. Eu quero 55 covers do Elvis Presley pra me fazerem dormir. Eu quero uma pista de dança com luzes de cores alternadas no chão. Eu quero uma jiboia. Eu quero uma fuinha. Eu quero brincar de Detetive com a Luana Piovani após os shows. Eu quero um espelho de realidade aumentada. Eu quero uma palestra exclusiva com o Fernando Henrique enquanto tomo meu café da manhã. Eu quero 195 sabonetes fluorescentes de Placa de Petri. Eu quero 90 vasilhames de xampu de extrato de girassol com pó de diamante. Eu quero 112 potes de creme antirrugas com ácido retinoico. Eu quero uma cesta com 80 pães de miga e azeite trufado. Eu quero um lago artificial com 17 carpas. Eu quero uma pista de Autorama com as mesmas curvas do Circuito de Monza. Eu quero um controle remoto com 94 funções. Eu quero a reprodução da Fontana de Trevi pintada no teto. Eu quero uma lâmpada que simule a luz de Paris às 6 da tarde. Eu quero uma lareira cujos contornos das labaredas tragam a imagem de Cristo. Eu nasci pobre, muito pobre, então eu quero é mais. Muito mais. Sou a atração principal do Rock in Rio, portanto, tenho todo o direito de me achar um semideus.

Globalização

Era pra ser uma festa vienense, um tipo de baile de máscaras em que tudo pode acontecer. Fiquei animado com a ideia, já que vi o flyer numa dessas casas de artigos indianos. Já no caminho imaginei de tudo, as possibilidades mais obscenas, como beijo grego, banho turco e mulheres de montão fazendo suas espanholas. O aviso era bem claro. A festa era no estilo americano: valor simbólico de entrada, homens levam bebidas, mulheres levam comidas. No sentido literal, em princípio. Um verdadeiro negócio da China.
A festa tava lotada. E tinha de tudo, de uísque escocês a tequila mexicana. Na entrada, um tapete persa recebia os convidados. Garçonetes em seus minúsculos vestidos pretos deixavam a calcinha branca ser comida com os olhos, de propósito. Elas viviam rodando o salão e servindo pedaços de pizza calabresa, portuguesa e baiana. Alguns preferiam se servir no bar. Americano no pão sírio. Ou churrasquinho grego. Cuscuz marroquino, quem sabe. Mas isso tudo era só aperitivo. As atrações principais seriam muito mais saborosas.
Mais ao fundo, luz um pouco mais escura e azulada, formou-se um corredor polonês. Um insólito convite ao fetiche. Mulheres depiladas com cera egípcia davam suas boas-vindas. O ambiente ficava cada vez mais estranho. A fantasia na minha cabeça só tendia a crescer. Formou-se em mim uma confusão mental, que misturava o medo com a excitação. Homens bombados mais à frente sem camisa, de calça justa e com máscaras de Hannibal Lecter, segurando seus pastores alemães pela coleira. Uma nesga de claridade recheava um improvisado ringue de boxe tailandês. E, no extremo profundo do salão, certeza de que o melhor da festa ali reinava. Uma grande porta de madeira trancada a sete chaves certamente escondia o primor do erótico, o alimento gorduroso e opulento da minha imaginação fértil. Apostei que adentraria num harém das arábias. Qual não foi a minha surpresa ao constatar que, ao invadir o fantástico mundo híbrido de Nárnia e Pamela Anderson, deparei-me com gorduchos carecas e seus anéis de ouro e charutos cubanos disputando um campeonato de roleta russa. Eu, hein? Saí à francesa e prometi nunca mais voltar para aquela terra de ninguém.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Trânsito

Saí de casa, peguei o carro. Entrei na Nove de Julho. O trânsito estava bem complicado na região. Fui até a 23 de Maio, mas uma manifestação bloqueou uma das faixas e impediu a passagem de carros. Segui até a 15 de Novembro, só depois fui me lembrar de que lá é proibida a entrada de carros em alguns horários. Cortei caminho pela 25 de Março, mas o comércio ambulante me impediu de trafegar. Continuei até a Sete de Setembro, lá longe, mas um acidente com uma moto deixou o trânsito ainda mais lento. Voltei pra 13 de Maio, mas a Festa da Achiropita bloqueou a passagem de veículos. Fui até a 12 de Outubro e uma colisão entre um carro e um caminhão paralisou o trânsito no meio dela. Escapei pela 24 de Maio, mas lá eles montaram um palco para um show musical. Dobrei até a Sete de Abril, mas lá estava tendo uma manifestação de bancários. Depois de tanto rodar, e rodar e rodar, desisti. Saí do calendário e voltei pra casa.

Pinto

Amâncio era irmão de Décio, que era primo de Delfino, sobrinho de Caio, tio de Jacinto, que, por sua vez, era meio-irmão de Armando, filho bastardo de Rolando. Todos eles tinham em comum, por uma infelicidade do destino, o sobrenome Pinto. O sobrenome, em si, até que é relativamente comum por essas terras tupiniquins. O problema mesmo era o conjunto formado pelo nome e sobrenome de todos eles. Vítimas frequentes de trocadilhos infames, zombarias, palhaçadas das mais óbvias e de um mau-gosto gritante. Nem os amigos poupavam esses membros da família de lascar um maldizer de vez em quando. Todos eles, sem exceção, sofreram bullying na escola. Até dos professores. Tinham dificuldade para arrumar emprego. Tinham dificuldade pra arrumar namorada. Às vezes até arrumavam, mas, bastava cair a ficha da moçoila, o namoro era rompido. Sofriam constrangimentos homéricos em cartórios e repartições públicas. Para esses integrantes da secular família, eram raros os momentos de felicidade inconteste.

Até que um dia, cansados de ser alvo de tantas piadinhas por tantos dias e anos consecutivos, o clã se juntou e, em conjunto, resolveram partir para o suicídio coletivo. Era mais digno, de acordo com os azarados. E, numa tacada só, o pequeno elenco desafortunado decidiu enterrar este linguístico brasão familiar de suas histórias, motivo de tanto desgosto. Numa sensação de angústia e alívio, o septeto então pôs um fim às suas vidas e aos seus cacófatos.

domingo, 1 de setembro de 2013

Diálogo

Diálogo tenso entre o presidente da Síria e o presidente da Coreia do Norte:
- 나는 폭탄을 촬영하기 위해 사랑 해요.
- أنا لا أذهب هنا.
- 나는 세계를 파괴 할 것이다.
- أنا سوف تجعل الكعكة.
- 코끼리 나비보다 무거워.
- أنا أكره تظاهرات شعبية.
- 나는 이발을 필요로!!!
- بحاجة الى ان نرى الفيلم أكثر الإيرانية
- 거울은 나를 미워합니까?
- حماقة المقدسة...
- 가서 좀 더 차를 데리고 잘 시간
- وقت للصلاة لمدة ثلاث ساعات أخرى
- 나중에 참조하십시오. 지옥에서 보자!
- إلى اللقاء فيما بعد. لعن الله لك لمدى الحياة!

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Não pode ser

Eram quase 2 e meia. Quase meia hora de atraso por parte deles. O Jorge, colega da facu, e a Denise, que conhecemos depois. O motivo do encontro era o fato de não nos vermos há quase uma década. O restaurante era um lugar bacaninha na Vila Madalena, um meio-termo entre os bistrôs indicados pela Vejinha e os pés-pra-fora dos arredores da GV. Jorge chegou, um pouco mais careca e barrigudo do que aquela imagem que eu guardava dele. Denise veio logo em seguida, com um par de óculos, aparelho dentário fixo e alguns gramas de maquiagem a mais. Aliás, muito estranho gente que começa a usar aparelho quando atinge uma certa idade. Parece gente que começa a fumar depois dos 25. Aparelho fixo pra mim era coisa de adolescente.
Escolhemos uma mesa mais afastada da muvuca, pra poder conversar com o mínimo de interferências. Pedimos o cardápio. Pratos temáticos com nomes de celebridades ilustravam a carta, como se fosse uma lista VIP. O Jorge foi do trivial: um steak de mignon ao molho mostarda. Denise preferiu um salmão ao molho de maracujá. Eu ousei na invencionice da casa. Uma trouxinha de massa acobertando frutos do mar e um peixe da estação com molho de cupuaçu coberto por carpaccio de alguma planta vigiada pelo Ibama. Chamamos o garçom. Um rapaz atencioso, beirando seus 28 anos, muito simpático, porém um pouco desengonçado. “E pra beber?”, pergunta ele. Denise foi de suco de laranja, sem açúcar. Jorge pediu uma cerveja, Original. “E você?” “Uma Coca, só com gelo”, respondi. Não entendo essa coisa de colocar limão na Coca. Ela não nasceu pra isso. Não combina. É falso pensar que a acidez do limão quebra um pouco da base cáustica e alcalina da Coca. Na verdade, acho que o limão anula as propriedades originais do refrigerante, que pra mim são imexíveis. O garçom estava quase se retirando quando, na curva, dá meia-volta e me pergunta: “Pode ser Pepsi?”
Não, não pode ser Pepsi. Definitivamente, não. Virou costume fazer essa pergunta, como se estivéssemos trocando seis por meia dúzia. Até entendo que o que está por trás disso é uma jogada mercadológica, em que a empresa exige contrato de exclusividade em troca do fornecimento de geladeiras e luminosos. Mas eu quero a liberdade de escolha, aquela verdadeira liberdade que o neoliberalismo globalizado me prometeu. No supermercado eu posso optar pela marca que quiser. Lá nas gôndolas enlambuzadas de açúcar temos Dolly, Mirinda, Sukita, Schin, Convenção. Por que não posso fazer o mesmo num restaurante? E não adianta o garçom ser simpático pra me fazer engolir Pepsi. Não pode ser. Eu quero Coca-Cola. A empresa Coca pisa na bola em tudo quanto é refrigerante que se mete a fazer. Tem a Fanta Uva, que de tão ruim é bom, e virou símbolo cult de indie, hipster e tranqueira. A Fanta Uva combina com apetrechos desde o PF de boteco até a empanada de espinafre da Augusta. Tem também a Fanta Laranja, que tem tudo menos laranja. Chegaram a misturar o produto com tangerina, carambola, fruta-do-conde, o diabo, pra tentar tirar o mofo das prateleiras. A Coca-Cola teve a pachorra de criar um novo sabor, escolhido por meio democrático de eleições de refrigerantólogos. Nesse pleito, tiveram a pachorra de colocar como opções o infantiloide morango e maracujá. Odeio maracujá. Venceu o maracujá. Parece eleição constitucional, principalmente segundo turno, em que você se vê obrigado a escolher entre o PT e o PSDB. A Coca comprou o guaraná Jesus e fez com que ele perdesse todo o seu charme regionalista de bebida difícil. A Coca não se deu bem com nenhum energético. Tirou de linha o horroroso Gladiator. Tem aí o Burn, que mais parece bebida genérica. A Coca errou a mão com os isotônicos. Pra concluir: a Coca-Cola fabrica o guaraná Kuat. Não precisa dizer mais nada. Em compensação, o refri Coca é imbatível. A marca com maior share of mind do século passado, junto com Bayer, Deus e Pelé. A embalagem rotunda da bebida foi um dos mais perfeitos símbolos fálicos da Humanidade. Em seu acabamento, não em sua semelhança. A Coca-Cola está diretamente ligada ao imperialismo, ao sentido bélico de conquistar o mundo. Aquele líquido de cor indefinível beirando o preto, o roxo e o marrom faz parte do imaginário coletivo dos anos 50, ao lado da icônica Marilyn Monroe e as lanchonetes com banquinhos vermelhos. Coca-Cola lembra Papai Noel. Ouvir a recusa do moçoilo diante do pedido desse mito gaseificado pra mim estava fora de cogitação. Na TV, quem pede Pepsi fica milionário e passa as férias num barco particular. Um mea culpa assumido. Tentativa de reversão do conformismo. No próximo encontro com amigos, pode ser em outro lugar. Pode ser bem melhor.


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Marcas

Era um dia como outro qualquer. Acordei cedo, fui tomar banho, escovei os dentes com um dentifrício anticáries, limpei os ouvidos com hastes de algodão flexíveis e fiz a barba com um aparelho de lâminas de aço inoxidável. Estava atrasado. Nem deu tempo de tomar café direito. Peguei um pote de iogurte fermentado pronto para beber e mandei ver. Nem reparei que na mesa tinha uma tigela de leite com flocos açucarados de milho misturados ao achocolatado em pó matinal. Paciência. Coloquei na mochila meu frasco de leite fermentado com probióticos lactobacilos vivos e saí correndo.
Chegando ao escritório, todo mundo reparou que eu estava atrasado. Ninguém te cumprimenta quando você chega cedo. Mas basta calcular mal o tempo, chegar 20 minutos depois do horário, aí todo mundo te olha feio. Sim, eu perdi a hora, a cama estava deliciosa, gastei um tempão procurando minhas sandálias emborrachadas que não deformam nem soltam as tiras, mas isso não é motivo para tanta conspiração. Além disso, no meu bairro os motoristas de ônibus estavam em greve, fui obrigado a pegar um coletivo elétrico. Mas isso não vem ao caso. Percebi que a coisa estava tensa quando, ao ligar meu computador pessoal, vi um monte de recados afixados em pequenos papeis autoadesivos amarelos. A maioria foi meu chefe quem pregou, bem no meio da tela. Dois deles fui eu mesmo: não esquecer de ir ao supermercado, procurar um par de meias femininas de fibras sintéticas de elastano e comprar um pacote de palha de aço (dizem que essa mercadoria possui mil e uma utilidades; eu não conheço mais do que meia dúzia).
Fui almoçar. Escolhi o trivial: a lanchonete do palhaço vermelho e amarelo. Pedi um sanduíche composto por dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola e picles, num pão com gergelim. Pra beber, um refrigerante gaseificado à base de cola. A sobremesa eu preferi comprar na mercearia em frente ao estabelecimento. Catei um chocolate com leite condensado caramelizado coberto por flocos crocantes e um delicioso chocolate acobertando este açucarado cilindro.
À tarde, a mesma rotina. Entrar no site de busca pela internet. Procurar o nome do fabricante de panelas antiaderentes. Despachar um monte de encomendas via serviços de entrega expressa, e só. Aquela mesmice me cansava. Não via a hora de voltar pra casa.
Fui pro aconchego do meu lar, extasiado. O que eu mais queria era ouvir Mozart no meu toca-discos de vinil, bebendo vinho branco espumante. E, antes de dormir, quem sabe, beliscar uns palitos de wafer com camadas finas de chocolate. Pensando bem, não. A dor de cabeça não me deixou. Dormi profundamente sob os efeitos do ácido acetilsalicílico.


quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Ao telefone

(Toque de celular)
- Alô! Sim, é ele... e aííí?!? Putz, cara, nem te conto...
- ...
- Mais ou menos. É, então... aquele dia, você nem sabe o que aconteceu, cara...
- ...
- Isso... mas isso foi depois... aí eu cheguei, falei o que tinha pra dizer, mas o cara entendeu tudo errado. Aí foi só confusão...
- ...
- Mas no final deu tudo certo.
- ...
- Mas eu disse isso... exatamente isso, mas o cara, sei lá...
- ...
- Bom, deixa quieto. E aí, me conta: o que tem feito de bom?
- ...
- Sei... tendi...
- ...
- Tendi...
- ...
- Normal... normal... é, fazer o quê? A vida é assim mesmo.
- ...
- Sei... mas e de resto?
- ...
- Então, tô lá com a minha mina, a gente se mudou, anotaí... vai bem, graças a Deus... tudo bem... me manda... me mand... me manda seu e-mail... cê tá no Face? Tá? Eu te acho...
- ...
- Então, vamos marcar... isso... esse fim de semana não dá porque eu vou viajar... coisa rápida...
- ...
- Demorô. A gente... vamos combinar, então.
- ...
- Aquela breja... aquela breja... não vai esquecer, hein?
- ...
- Hahahaha! Me liga então.
- ...
- Outro grande...
- ...
- Falou, então... abraaaaço!
(...)
- Quem era?
- Atendente de telemarketing. Me ofereceu um cartão de crédito.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

E se...

Se eu fosse um pouco mais alto, só um pouquinho mais alto, poderia olhar o mundo mais de cima. Se eu olhasse o mundo mais de cima, faria com que as pessoas me respeitassem mais. Se as pessoas me respeitassem mais, ganharia confiança e aumentaria a minha autoestima. Se eu fosse mais confiante, tentaria encarar desafios maiores. Se eu tentasse enfrentar desafios maiores, iria me preparar para cargos e profissões mais desejados. Se eu estivesse mais bem preparado para cargos e profissões desejados, seria contratado por grandes empresas. Se eu fosse contratado por grandes empresas, iria conhecer pessoas influentes. Se eu conhecesse pessoas influentes, iria frequentar os eventos fechados da alta sociedade. Se eu frequentasse os eventos da alta sociedade, iria expor a minha imagem a líderes e tomadores de decisão. Se eu tivesse a minha imagem exposta a tomadores de decisão, iria negociar troca de favores em prol de benefícios mútuos e em nome da coletividade. Se eu negociasse troca de favores, iria expandir minha atuação na área política. Se eu expandisse minha atuação política, iria trabalhar para ter minha imagem conhecida por um grande número de pessoas. Se eu tivesse minha imagem conhecida, iria me candidatar a vereador da minha cidade. Se eu me candidatasse a vereador, iria ralar para ganhar a eleição. Se eu ganhasse a eleição, iria tentar me candidatar a deputado estadual, federal e senador. Se eu me candidatasse a esses cargos, iria divulgar propostas que viessem ao encontro das vontades de um povo insatisfeito. Se eu divulgasse essas propostas, e se o povo realmente estivesse insatisfeito, não teria como eu perder essas eleições. Se eu ganhasse todas essas eleições, iria acumular traquejo político, jogo de cintura e carisma da sociedade. Se eu fosse uma pessoa ao mesmo tempo politicamente experiente e carismática, tentaria ser Presidente da República. Se eu fosse o Presidente do país, faria um governo baseado na ética e nas transformações sociais. Se o meu mandato fosse ético e transformador, alcançaria um dos maiores índices de popularidade da história. Se eu fosse um dos Presidentes mais populares da história, teria meu nome no ranking das pessoas mais importantes do mundo. Se eu fosse uma das pessoas mais importantes do mundo, seria convidado a fazer parte do Conselho da ONU. Se eu fosse Conselheiro da ONU, jogaria duro contra os grupos terroristas. Se eu jogasse duro contra os terroristas, iria despertar a fúria de lideranças do Oriente Médio. Se eu despertasse a fúria das lideranças do Oriente Médio, ganharia a simpatia eterna dos Estados Unidos. Se eu ganhasse a simpatia dos norteamericanos, provocaria a revolta da Coreia do Norte. Se a Coreia do Norte ficasse revoltada, mais do que já é, iria disparar suas bombas nucleares. Se a Coreia do Norte disparasse suas bombas, o mundo iria acabar. Mas isso tudo só aconteceria se eu fosse um pouquinho mais alto.


quinta-feira, 16 de maio de 2013

Porto seguro



De vez em quando, algum filme passa batido pela imprensa e estreia diretamente nos circuitos, sem qualquer crítica ou cotação. O motivo alegado, na maioria das vezes, de acordo com as assessorias de imprensa de suas respectivas distribuidoras, deve-se ao fato de a cópia do produto não ter ficado pronta em tempo hábil para a exibição aos jornalistas e críticos. Muitas vezes, os críticos fingem que acreditam e fazem vista grosa a tal omissão. Vez ou outra ocorre alguma chiadeira. Sobre o filme Triplo X 2, por exemplo, a assessoria da Sony na época alegou que a cópia não estava disponível, mas, como não somos trouxas, retrucamos que o mesmo filme tinha sido exibido para um grupo menor e mais específico. Justificativas plausíveis, embora razoavelmente prejudiciais ao nosso trabalho, sim. Desculpa esfarrapada, não.
É sabido, e parcialmente tolerado, que determinados filmes correm o risco de receber matérias negativas e, por isso, entram direto em cartaz. São as exceções. Ou pelo menos eram. Cada vez mais, o papel da crítica tem se distanciado de sua função primária. Crítica não é mais (ou aos poucos vem deixando de ser) um parâmetro de guia de consumo. No Brasil, as bilheterias correm soltas e independem da crítica. O Homem de Ferro 3, que recebeu inúmeras reclamações por causa de um acesso restrito aos críticos, é a maior renda deste ano no Brasil. Por outro lado, Elena, O Que Se Move, Paulinho Moura, tiveram de um modo geral boa receptividade da crítica, mas, por serem filmes independentes ou de distribuidoras menores, amargam resultados inexpressivos de bilheteria. Dados estatísticos como esses comprovam que a crítica vem se distanciando de distribuidoras e assessorias e, o que é pior, de seu público. Com a crítica resistente e especializada de um lado, e a emancipação frenética de blogs e sites específicos de outro, o papel da crítica virou commodity. E, já que esse trabalho não tem mais o poder e a influência de gerar venda de ingressos como há alguns anos atrás, é deprimidamente natural que os donos dos filmes ofereçam cada vez menos o prato principal e cada vez mais os aperitivos degustativos, as amostras da Sétima Arte, como trailers, teasers, pôsteres, links, aplicativos, o diabo. Menos o filme propriamente dito.
Quando falamos de majors (leia-se Warner, Fox, Paramount, Disney e Sony), essa estratégia mercadológica de distanciamento, embora injusta, é até compreensível. O que fica um pouco mais difícil de entender é quando essa iniciativa perversa vem das distribuidoras consideradas pequenas, médias ou independentes, até então os parceiros amigos do peito da crítica. Por terem menos verba para publicidade, a necessidade e dependência de essas empresas terem os críticos como aliados, em muitos casos, é maior. Mas até essa premissa vem perdendo fôlego. Para se ter uma ideia, a Imagem Filmes, só neste ano, ocultou 6 filmes da imprensa, a saber: Para Maiores; Amanhecer Violento; Alvo Duplo; Um Porto Seguro; Um Bom Partido; e, amanhã, estreia a comédia juvenil Finalmente 18. Proporcionalmente, mais de 1 filme por mês que entra em cartaz “escondido” da imprensa.
Embora as cabines de imprensa sejam uma gentileza e não um dever da distribuidora, a constatação dessas elipses chega a ser assustadora. Um filme ou outro, vá lá. Mas, com tantos títulos assim, é de se desconfiar que a distribuidora em questão não acredita em seu produto. É como se uma loja vendesse roupas e as escondesse de suas vitrines. Ainda que um filme ou outro possa gerar discussões maiores sobre o fato de ser ou não ser previamente exibido, tem filme aí dirigido por Lasse Hallstrom, irmãos Farrelly, Gabrielle Muccino. A meu ver, mereciam uma chance a mais de ter a nossa opinião.
Não bastasse o fato de a crítica se tornar com o decorrer dos anos uma categoria desacreditada, num país em que todo cidadão é médico, é técnico de futebol e, portanto, tem opiniões mais do que formadas em cinema, as distribuidoras vem cada vez mais fazendo suas apostas seguras. Os críticos deixaram de ser um avalista e passaram a ser fator de risco. E, se antes da metade do ano a ocultação de cadáver chegou a meia-dúzia, somente de um fornecedor, é certo que a tendência numérica é só aumentar. Em progressão geométrica.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Meio a meio

Estávamos ali sentados, num ambiente intimista, com piano clássico Steinway no meio do salão e luz de velas em cada célula de acomodar pessoas. Guardanapos de linho branco simetricamente dobrados sobre os pratos de louça delicada, numa composição mais perfeita que origami. Reluzentes talheres de prata apoiados sobre um objeto férreo eternamente curvilíneo e retorcido, de formas não muito definidas, que lembrava alguma obra de arte qualquer vendida na praça Benedito Calixto. Por mais inusitado que possa parecer, estávamos numa pizzaria. E o longo e retangular cardápio que nos foi oferecido, encadernado num par de espessas madeiras pálidas, nada mais era do que um convite à dúvida. Que o prato principal seria a famosa massa redonda paulistana, tão enorme e rotunda quanto a mesa em que nos sentamos, isso era fato. Difícil mesmo foi escolher entre a margherita, a calabresa ou a 4 queijos como a salvação para saciar nossa fome pantagruélica. Nem tão pantagruélica assim. O aconchego do lugar pedia uma opção que extrapolasse o conceito de simplicidade. Viramos a página do menu, enorme, imponente e sucinto como a tábua dos Dez Mandamentos, e chegamos às pizzas especiais. Em princípio, minha proposta era pedir a pizza inteira de um único sabor. Oito pedaços rigorosamente idênticos, gêmeos univitelinos. Pizza de dois sabores deixa a coisa toda meio sem identidade. Três sabores, então, nem se fala. Além do fato de que essa ridícula invenção quebra toda a aritmética milenar da iguaria. Há quem ache que uma pizza de dois sabores permite uma maior variedade de estilos e diversidade de experiências degustativas, deixando o prazeroso momento menos enjoativo. Discordo. Mesmo assim, diante da persistência sedutora e persuasiva feminina, fui voto vencido. Próximo passo seria então calcular a melhor combinação dentre as parcas ofertas da casa. Talvez um equilíbrio perfeito entre os contrastes pudesse resolver nosso problema. Faz parte da gastronomia moderna oferecer não o morno, mas a dúbia sensação palatina do quente e do frio. O conflito dos extremos salgado e doce. Macio e áspero. E por aí vai. Por isso, não quisemos abusar da mesmice de uma pizza de vários sabores e um único tema. Pizza inteiriça de carne suína, por exemplo, foi imediatamente descartada. Ou ofertas que primam pelos seus excessos de ingredientes. Queríamos algo mais definido e bem-resolvido, sabores que revelassem sua força pela concisão. E a premissa dialética foi decidida de comum acordo pelo fator "com carne x sem carne". Concílio para agradar carnívoros e herbívoros de plantão. A parte animal da dúvida foi logo resolvida com o presunto parma. Imaginávamos, de antemão, que essa preferência seria o protagonista da noite, dado o seu aspecto denso, salgado e marcante. A parte vegetal da batalha dos opostos exigiu uma pesquisa um pouco mais apurada. Teríamos de escolher uma opção que aceitasse o papel de coadjuvante sem maiores problemas. Afinal, colocar sobre a mesma massa grossa dois personagens de temperamentos igualmente fortes iria gerar um desnecessário e indigesto duelo de titãs. Nossa decisão recaiu sobre o miolo de alcachofra, coberto por delgadas e escassas lâminas de queijo parmesão ralado. De tão insípida e anoréxica a criação, era certo que essa supostamente refinada sugestão da casa, a penúltima do cardápio, acima apenas de uma minguada opção light, seria o par perfeito para que, junto com o rústico e bárbaro presunto, pudessem bailar em paz sobre o disco de carboidratos. Fizemos o pedido e, enquanto esperávamos, começamos a namorar e a bebericar nossas gélidas águas com gás. Passados 20 minutos de um tímido romance e ósculos breves e contidos sobre os copos e sobre os lábios, eis que chega a fumegante estrela da noite, vestida com um polpudo e volumoso queijo mussarela de búfala que, com sua alegoria infinita, imitava em sua imagem o glamour e os exageros dos paetês. Aleatoriamente, escolhemos iniciar a gastronômica aventura pela brutalidade do presunto cor de vinho entremeado por límpidas e brancas divisórias de gordura. A experiência, de fato, foi bastante agradável. Deixamos de lado a borda crocante e torrada da massa, tamanha a curiosidade por conhecer o verdadeiro potencial da exótica planta emudecida em seu apático verde-água, a fase seguinte dessa prova. Surpreendentemente, o miolo de alcachofra brilhou em campo. Parecia roteiro de novela, em que um determinado personagem secundário e desprezível ganha mais espaço no decorrer de seus capítulos, dada a sua popularidade e carisma provocados no público espectador. E foi aí que começaram as nossas briguinhas triviais. Matematicamente, cada um de nós teria direito a dois pedaços de cada sabor. Ela, numa mistura de encantamento e arrogância, queria conquistar territórios menos cartesianos. De acordo com sua lógica, ela teria direito a três pedaços de alcachofra e um pedaço de parma. E isso não foi um pedido, foi uma determinação. Vai entender a alma feminina.
- Já escolheu o sabor de sua preferência, senhor? - perguntou-me o garçom, antes de me servir o próximo pedaço.
- Já. Mas eu vou ficar agora com o presunto parma.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Curto e longo prazo

Os esforços dos avanços da Medicina apontam para a longevidade. Cientistas, laboratórios e genomas brincando de Deus para que o Homem ultrapasse a marca de um século de vida. Previsões a curto prazo que indicam que o câncer um dia será tratado como se hoje cura uma gripe. Por outro lado, o paradoxo do bisturi. Uma sociedade imediatista, hedonista, efêmera, querendo de tudo um muito, e muito rápido. Brinquedos eletrônicos que envelhecem antes mesmo de ser lançados. Empresas que vão à falência dias após conquistarem o monopólio. O hoje antagônico ao ontem. Emergentes comemorando dois Natais ao ano. Aceleração máxima dando a falsa impressão de transformação, de evolução. Empreendedorismo, reciclagem e reinventar-se mais usados do que desculpe, obrigado e por favor. Epicurismo, palavra que não cabe no Twitter, vocábulo que não dá tempo de falar em uma conversa. Seja diferente de tudo. Seja diferente de si mesmo, todo dia, até não sobrar mais nada de você. De que adianta viver mais de 100 anos? Ter mais tempo pra comprar mais tablets?

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Eu, Tu, Nós

Seus olhos cheios de vida eram o cartão postal de seu rosto enigmático. Foi através desses cintilantes glóbulos negros que adentrei sua misteriosa alma intestina, tão rica e hospitaleira quanto sorumbática. Por estes minúsculos portais rotundos descobri um pouco mais dela e um pouco mais de mim mesmo, e ali permaneci, lânguido e extasiado, até cair no sono. Dormi. Dormi o sono profundo do império onírico por onde fiz essa intensa viagem.
Acordo. E guardo em mim como lembrança a saudade do seu cheiro, mistura ébria de extratos de talento e de sorrisos incontidos. E quero levar pra eternidade esse torpor sinestésico de aromas impregnados em minha roupa, em minha pele, em minha memória. Cheiros presentes que revivem o melhor do passado, alimentando minha inquietude. E a certeza de que o que ficou de mais significativo foi sua essência.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Homem de Ar

Walt Disney pode ser considerado por alguns como um visionário, um artista à frente de seu tempo. Todavia, essa fama não se prolonga nas extensões de seu monopólio, especificamente a assessoria de imprensa da Disney Company, representada no Brasil por meio de produtos, franquias e, no caso mais específico ainda, filmes. É notório constatar que, já faz alguns bons anos, esse canal de contato entre a empresa e a crítica jornalística sempre primou pela antipatia, pela arrogância e pelo desprezo na forma de tratamento profissional. Afinal, é viável se supor que, para esta assessoria, a crítica que sai nos jornais, sites, revistas e blogs pouco importa para o sucesso ou fracasso de seus filmes lançados por aqui. Portanto, defecar e andar para o que sai escrito tornou-se uma prática rotineira. Mas o que mais salta aos olhos é perceber que essa atitude imperial tem se agravado progressivamente, já que o número de interessados em fazer suas coberturas jornalísticas vem crescendo assustadoramente e, por outro lado, a influência da crítica sobre o mercado de consumo vem sendo cada vez menor. A Disney, infelizmente atual representante oficial das adaptações cinematográficas do selo de quadrinhos Marvel para os cinemas, nos faz ficar com saudades da Sony e da Paramount. Embora eu não estivesse presente, soube que na cabine de imprensa de Os Vingadores, no meio do ano passado, houve um show de constrangimento e com a famigerada muvuca como brinde. Renomados profissionais do mercado, críticos da mais alta confiança, revistados como se fossem supostos terroristas ou hackers de plantão. Neste ano, a coisa foi um pouquinho diferente. No momento do pedido de reinclusão no cadastro da assessoria (sim, fui sumariamente excluído do mailing deles pois na época não preenchi em tempo hábil um complexo formulário de recadastramento), isso já faz umas 2 semanas, recebi o aviso/convite de cabine de imprensa do filme Homem de Ferro 3 e, imediatamente, confirmei minha presença ao evento. Qual não foi minha surpresa ao receber ontem, quarta-feira, véspera da data da cabine, a 5 minutos do término de expediente do horário comercial, um e-mail coletivo, iniciado com um falso agradecimento pelo interesse de todos em participar da avant-premiére, que alegava lotação da sala e, por critérios no mínimo suspeitos, elencou uma lista de cerca de 140 profissionais que teriam o direito de ver em primeira mão o filme hoje de manhã. Como já foi supracitado, eu confirmei minha presença faz mais de 10 dias. E pude reparar que alguns representantes de importantes veículos também ficaram de fora. No caso de eventos como esse, que divulgam filmes de grande público, é comum haver uma grande procura e, com o aprendizado dos profissionais de empresas concorrentes e com a magia e o encanto do criador do Mickey, é perfeitamente possível tomar providências mais amigáveis e que procurem contornar a situação ao invés de expor a categoria ao embaraço. Enquanto isso não for feito, eu não poupo palavras que só ratificam minhas primeiras impressões. Tô cansado de fazer o papel do Pateta.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Cinépolis JK Iguatemi

Torço para que o público pagante esteja bastante satisfeito com a rede Cinépolis, que veio ao Brasil para tentar derrubar a hegemonia do pífio Cinemark, especificamente o Cinépolis JK Iguatemi. Mas não posso deicxar de fazer algumas críticas severas no que diz respeito a sucessivos eventos recentes, a meu ver lastimáveis. Em cabines de imprensa, não foram poucas as vezes em que ocorreram falhas técnicas, atrasos e até cancelamentos de sessões. O que era para ser uma exceção acabou se tornando a regra, de tão recorrente o transtorno. Mas a gota d`àgua aconteceu ontem, quando fui convidado para o evento de apresentação da sala 4DX - Philips, aquela em que as cadeiras "se mexem" para acompanhar os movimentos das cenas. Logo após minha confirmação de presença, feita poucos minutos depois de receber o tal e-mail/convite, recebo outro e-mail alegando lotação da sala e me colocando de molho, em "fila de espera". Se a resposta positiva ao evento foi inesperada e superou expectativas, ao menos poderiam emitir o convite com um pouco mais de controle ou procurar uma solução mais adequada e simpática. Por enquanto, a impressão que fica é a de ostentação nababesca com estrutura típica de país do Terceiro Mundo. E a minha reação a isso é, claro, fazer a antipropaganda.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Cinzas

Sei que o assunto é polêmico, pois mexe com práticas religiosas, valores coletivos e crenças individuais. Mas acho que vale a pena correr o risco. Em respeito à vontade do meu pai, optamos pela cremação do corpo (pra quem não sabe, algo intolerável na comunidade ortodoxa judaica, que acredita na ressurreição). Agora, temos que decidir para onde serão jogadas as cinzas. Sempre acreditei que elas deveriam ser jogadas ao mar, para que, com isso, pudéssemos nos aproximar do misticismo oriental. Entretanto, descobri recentemente que alguns cultos orientais condenam essa prática, pois jogar cinzas na água faz o espírito voltar ao invés de ir embora em paz. Abandonamos então a ideia do cruzeiro marítimo. Vamos pensar em outros lugares paradisíacos. Mas aí me vêm à mente aquelas cenas de filme em que o vento faz as cinzas irem em direção ao rosto do arremessador. Que tal então participar da peregrinação Marcha Pela Vida e jogar as cinzas junto com nossos antepassados, para manter viva a memória da família? Não, trazer de volta o assunto do Holocausto é remoer ainda mais a Morte. Bom, já que meu pai, nos últimos anos de vida, ia todo ano pra Buenos Aires e passou a gostar cada vez mais de tango, que tal jogar as cinzas ao túmulo do Carlos Gardel?
Diante de tantas dúvidas, tantos dilemas, prefiro guardar na memória uma frase do meu pai, que, questionado sobre o assunto, respondeu: "Já vou estar morto mesmo. Joguem minhas cinzas onde vocês bem entenderem".

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Na balada

Voltando ao circuito dos bares e baladinhas, resgato algumas regras e costumes e quero compartilhar com vocês:
Não importa a hora que você chegue ao local. Se for open bar, já vai ter acabado a cerveja.
Se a fila na porta estiver bem demorada, é sinal de que a casa está muito... vazia.
Os bancos pedem senhas difíceis de decorar para você cadastrar no seu cartão de crédito/débito porque não levam em conta o quanto você vai estar bêbado na hora de digitar na saída do bar.
Esqueça At the Drive In, Melvins ou Turbonegro. Se for banda cover de rock, vai ter Smoke on the Water, Cocaine, Satisfaction, Pride e Rock and Roll. Certeza.
Difícil vai ser escolher o garçom pra te atender. Se for o rapaz simpático e atencioso, ele não decorou nada do cardápio, não sabe nada de nada, está na constante fase de treinamento. Se optar pelo tiozinho experiente, ele de fato sabe o menu de cor, mas é sempre mal-humorado, não tem paciência pra explicar as porções e vem tropeçando em todo mundo na hora de servir as bebidas.
Na dúvida, escolha sempre o básico. Barzinho não é bistrô. Quanto mais complexa a descrição, menor será o prato e mais insípida será a bebida. Isso, claro, se o garçom não voltar dizendo que, excepcionalmente no dia, a porção desejada está em falta.
Se a especialidade da casa for o chope "bem tirado", prepare-se para adentrar o faroeste. Virou de lado, foi ao banheiro, se distraiu, pronto: o garçom saca rápido um chope e coloca na sua mesa. Mesmo sem você ter pedido. Mesmo que o seu copo ainda esteja bem cheio.
Prepare-se para ficar famoso. A cada ida ao banheiro, você irá aparecer em 70% das fotos que as pessoas das outras mesas estão tirando com o celular pra colocar no Facebook.
Banheiro, taí outro problema. Se na porta não estiver algo bem claro como M/F, fraque/saia ou Carlitos/Marilyn Monroe, a coisa vai ficar meio difícil. Arte abstrata é um convite pra dar merda.
A banda cover nunca irá tocar a musiquinha de aniversário pontualmente à meia-noite. Das 6 mesas anunciadas que foram ao local pra celebrar mais uma primavera de um dos frequentadores, a Silmara já vai ter dado pista. A Andressa na verdade é um papelzinho que alguém colocou pra banda ler, não tem nenhuma Andressa que faz anos, isso é bullying. A música? Ora, ora... Envelheço na Cidade, do Ira!, e a da Xuxa, antecedida por um solo reggae do guitarrista.
Quando você cerrar os olhos, olhar pro infinito, e perceber que, no conjunto, os homens estão falando mais do que as mulheres, é hora de tirar o time de campo. Dali pra frente, a coisa só tende a piorar.
Mesmo que você seja um ótimo matemático, a conta vai vir muito maior do que aquela que você calculou mentalmente.
A fila pra pagar tá pequena? Então esquece, não é a fila pra pagar. Para encontrá-la, percorra todo o salão e mostre o detetive que há dentro de você.
Descarte absolutamente a ideia de sair sem pagar. Os gentis senhores de 1,90m e terno preto em pleno verão certamente não foram lá pra se divertir.
Não, definitivamente não. Se você não pegou ninguém e se sua noite ficou no zero a zero, JAMAIS tente xavecar a motorista de táxi. Sim, elas existem de madrugada, com a única e exclusiva função de te conduzir até seu doce lar.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Cidadão Kane

Outro dia me perguntaram qual o melhor filme da minha vida, de todos os tempos. Em princípio, me recusei a responder, pois sou meio contra listas. Acho difícil e ingrato categorizar filmes tão diferentes numa mesma escala de valores. E um filme pode significar algo pra mim, hoje, e num outro momento perder essa significação. De qualquer forma, atendendo à insistente solicitação, respondi que o melhor filme pra mim, no momento, talvez seria Cidadão Kane. E a resposta, em coro, foi "não me decepcione". No começo eu estranhei a reação. Custou-me entender como a escolha de um filme tão unânime, atemporal e irretocável pudesse ser, digamos, "decepcionante". Aí, com o tempo, caiu a ficha. Suponho que, para essas e outras tantas pessoas, eleger um filme que poderia muito bem constar em 99% das listas dos mais renomados críticos, bem como em listas do açougueiro da esquina (nada contra os açougueiros, por favor... até porque nem creio que ainda existam açougueiros de esquina), é nada mais do que a repetição do lugar-comum. Espera-se, de um modo geral, que pessoas com um conhecimento um pouquinho acima da média tragam títulos inusitados, como, por exemplo, algum super 8 de início de carreira do Hong Sang-soo. Ou lancem um tratado polêmico na roda de discussão, como Dogville, do von Trier. Ou, em última instância, para derrubar preconceitos entre arte e entretenimento, sejam ainda mais insólitos ao confessar a predileção por Curtindo a Vida Adoidado. Elencar Bergman, Kubrick, Hitchcock, Kurosawa, entre outros, ou até mesmo Tarantino, como o melhor cineasta de todos os tempos, por mais verdadeiro que possa parecer, soa mais como chavão do que como uma manifestação pessoal de gostos e interesses. Desculpem, não sou tão excêntrico quanto deveria ou gostaria de ser. Mas, atendendo a pedidos, por que não finalizar com uma provocação? Meu segundo melhor filme de todos os tempos, na avaliação feita em janeiro de 2013, é Sin City.