quinta-feira, 21 de março de 2013

Cinzas

Sei que o assunto é polêmico, pois mexe com práticas religiosas, valores coletivos e crenças individuais. Mas acho que vale a pena correr o risco. Em respeito à vontade do meu pai, optamos pela cremação do corpo (pra quem não sabe, algo intolerável na comunidade ortodoxa judaica, que acredita na ressurreição). Agora, temos que decidir para onde serão jogadas as cinzas. Sempre acreditei que elas deveriam ser jogadas ao mar, para que, com isso, pudéssemos nos aproximar do misticismo oriental. Entretanto, descobri recentemente que alguns cultos orientais condenam essa prática, pois jogar cinzas na água faz o espírito voltar ao invés de ir embora em paz. Abandonamos então a ideia do cruzeiro marítimo. Vamos pensar em outros lugares paradisíacos. Mas aí me vêm à mente aquelas cenas de filme em que o vento faz as cinzas irem em direção ao rosto do arremessador. Que tal então participar da peregrinação Marcha Pela Vida e jogar as cinzas junto com nossos antepassados, para manter viva a memória da família? Não, trazer de volta o assunto do Holocausto é remoer ainda mais a Morte. Bom, já que meu pai, nos últimos anos de vida, ia todo ano pra Buenos Aires e passou a gostar cada vez mais de tango, que tal jogar as cinzas ao túmulo do Carlos Gardel?
Diante de tantas dúvidas, tantos dilemas, prefiro guardar na memória uma frase do meu pai, que, questionado sobre o assunto, respondeu: "Já vou estar morto mesmo. Joguem minhas cinzas onde vocês bem entenderem".