Eram quase 2 e meia. Quase meia hora de atraso por parte
deles. O Jorge, colega da facu, e a Denise, que conhecemos depois. O motivo do
encontro era o fato de não nos vermos há quase uma década. O restaurante era um
lugar bacaninha na Vila Madalena, um meio-termo entre os bistrôs indicados pela
Vejinha e os pés-pra-fora dos arredores da GV. Jorge chegou, um pouco mais
careca e barrigudo do que aquela imagem que eu guardava dele. Denise veio logo
em seguida, com um par de óculos, aparelho dentário fixo e alguns gramas de
maquiagem a mais. Aliás, muito estranho gente que começa a usar aparelho quando
atinge uma certa idade. Parece gente que começa a fumar depois dos 25. Aparelho
fixo pra mim era coisa de adolescente.
Escolhemos uma mesa mais afastada da muvuca, pra poder
conversar com o mínimo de interferências. Pedimos o cardápio. Pratos temáticos
com nomes de celebridades ilustravam a carta, como se fosse uma lista VIP. O
Jorge foi do trivial: um steak de mignon ao molho mostarda. Denise preferiu um
salmão ao molho de maracujá. Eu ousei na invencionice da casa. Uma trouxinha de
massa acobertando frutos do mar e um peixe da estação com molho de cupuaçu
coberto por carpaccio de alguma planta vigiada pelo Ibama. Chamamos o garçom. Um
rapaz atencioso, beirando seus 28 anos, muito simpático, porém um pouco
desengonçado. “E pra beber?”, pergunta ele. Denise foi de suco de laranja, sem
açúcar. Jorge pediu uma cerveja, Original. “E você?” “Uma Coca, só com gelo”,
respondi. Não entendo essa coisa de colocar limão na Coca. Ela não nasceu pra
isso. Não combina. É falso pensar que a acidez do limão quebra um pouco da base
cáustica e alcalina da Coca. Na verdade, acho que o limão anula as propriedades
originais do refrigerante, que pra mim são imexíveis. O garçom estava quase se
retirando quando, na curva, dá meia-volta e me pergunta: “Pode ser Pepsi?”
Não, não pode ser Pepsi. Definitivamente, não. Virou costume
fazer essa pergunta, como se estivéssemos trocando seis por meia dúzia. Até
entendo que o que está por trás disso é uma jogada mercadológica, em que a
empresa exige contrato de exclusividade em troca do fornecimento de geladeiras
e luminosos. Mas eu quero a liberdade de escolha, aquela verdadeira liberdade
que o neoliberalismo globalizado me prometeu. No supermercado eu posso optar
pela marca que quiser. Lá nas gôndolas enlambuzadas de açúcar temos Dolly,
Mirinda, Sukita, Schin, Convenção. Por que não posso fazer o mesmo num
restaurante? E não adianta o garçom ser simpático pra me fazer engolir Pepsi.
Não pode ser. Eu quero Coca-Cola. A empresa Coca pisa na bola em tudo quanto é
refrigerante que se mete a fazer. Tem a Fanta Uva, que de tão ruim é bom, e
virou símbolo cult de indie, hipster e tranqueira. A Fanta Uva combina com
apetrechos desde o PF de boteco até a empanada de espinafre da Augusta. Tem
também a Fanta Laranja, que tem tudo menos laranja. Chegaram a misturar o
produto com tangerina, carambola, fruta-do-conde, o diabo, pra tentar tirar o
mofo das prateleiras. A Coca-Cola teve a pachorra de criar um novo sabor, escolhido
por meio democrático de eleições de refrigerantólogos. Nesse pleito, tiveram a
pachorra de colocar como opções o infantiloide morango e maracujá. Odeio
maracujá. Venceu o maracujá. Parece eleição constitucional, principalmente
segundo turno, em que você se vê obrigado a escolher entre o PT e o PSDB. A
Coca comprou o guaraná Jesus e fez com que ele perdesse todo o seu charme
regionalista de bebida difícil. A Coca não se deu bem com nenhum energético.
Tirou de linha o horroroso Gladiator. Tem aí o Burn, que mais parece bebida
genérica. A Coca errou a mão com os isotônicos. Pra concluir: a Coca-Cola
fabrica o guaraná Kuat. Não precisa dizer mais nada. Em compensação, o refri
Coca é imbatível. A marca com maior share of mind do século passado, junto com Bayer,
Deus e Pelé. A embalagem rotunda da bebida foi um dos mais perfeitos símbolos fálicos
da Humanidade. Em seu acabamento, não em sua semelhança. A Coca-Cola está
diretamente ligada ao imperialismo, ao sentido bélico de conquistar o mundo. Aquele
líquido de cor indefinível beirando o preto, o roxo e o marrom faz parte do
imaginário coletivo dos anos 50, ao lado da icônica Marilyn Monroe e as
lanchonetes com banquinhos vermelhos. Coca-Cola lembra Papai Noel. Ouvir a
recusa do moçoilo diante do pedido desse mito gaseificado pra mim estava fora
de cogitação. Na TV, quem pede Pepsi fica milionário e passa as férias num
barco particular. Um mea culpa assumido. Tentativa de reversão do conformismo. No
próximo encontro com amigos, pode ser em outro lugar. Pode ser bem melhor.