domingo, 28 de dezembro de 2014

Previsões 2015

Janeiro:
Antes de reassumir a Presidência, Dilma Rousseff assiste ao filme “O Discurso do Rei” quatro vezes para não gaguejar durante a cerimônia de posse.
Fernando Haddad cria faixa exclusiva para cadeirantes nas principais vias de São Paulo, principalmente ladeiras.
Crise na Economia: Luiz Sardenberg continua tendo dificuldades para manipular os gráficos no sistema touch screen do Jornal da Globo.
Fevereiro:
Depois de acompanhar as investigações dos escândalos da Operação Lava Jato, população sai às ruas durante o carnaval com máscaras de palhaço.
Geraldo Alckmin decreta luto oficial em homenagem ao volume morto do reservatório de águas da Cantareira.
Menina funkeira Geovanna entra nas Casas Bahia, sobe na mesa e destrói tudo quanto é forno micro-ondas, geladeiras e TVs LED.
Março:
Posts impopulares e desavenças ideológicas nas mídias sociais fazem Zuckerberg criar Lone, a primeira rede antissocial da web. Botões como “ignorar”, “caguei” e “e o Kiko?” são os mais utilizados pelos usuários.
Danilo Gentilli é demitido de seu talk show por causa da queda de audiência do programa no horário. Afinal, em matéria de humor, não tem como competir com leilão de tapetes, pregações de bispo evangélico e polícia acalmando marido bêbado em favela.
Lobão encabeça passeata na Av. Paulista em prol da volta da monarquia, do ábaco e do fac-símile.
Abril:
Desempregado da vida política, Aécio Neves abre truck food de coxinha. “Difícil vai ser competir com as paletas venezuelanas do Lula”, argumenta o ex-governador.
Policiais treinados e cães farejadores cercam fazenda de Mato Grosso do Sul para encontrar destroços da queda do PIB.
Haddad cria faixa exclusiva para GLBTs e pinta as ruas com as cores do arco-íris.
Maio:
Inspirado no modelo brasileiro, EUA aproveitam a reaproximação com Cuba para lançar o programa More Doctors.
Competindo para ver quem fica com a namorada mais jovem, Renato Aragão, Pelé e Francisco Cuoco pedem a mão de Sasha Meneghel.
Em sua 78ª passagem pelo Brasil, integrantes da banda Megadeth explicam o eterno retorno ao país: “São as milhas que ganhamos no cartão a cada vez que compramos nossos próprios CDs, já que ninguém mais o faz”.
Junho:
Em seu amistoso contra a Alemanha após quase 1 ano da última Copa, Brasil perde por 5 X 0 e jogadores comemoram: “Foi praticamente um empate”.
Depois de Las Vegas, Lisboa, Madri e o raio que o parta, Rock in Rio passa a ser realizado no Itaquerão, com um line-up marcado pelo mais puro rock and roll: Racionais MC’s, Exaltasamba e Anitta.
Depois de escalar Dolph Lundgren, Arnold Schwarzenegger, Chuck Norris e outros pesos-pesados, Sylvester Stallone confirma a participação de um brasileiro no elenco de Mercenários 4: Tammy Gretchen.
Julho:
Com um corpinho de Susan Boyle e a paciência dos irmãos Gracie, apresentadora Ana Paula Padrão desiste de comandar o reality Masterchef. Palmirinha assume o comando em seu lugar – sem a faca.
Leandro Hassum lança seu quinto filme no ano, “Até que a Sorte Honesta para Casar com o Cara de Pau os Separe”. É a história de um gordo que tenta ser cômico ao se deparar em apuros quando seu... bom, é a história de um gordo que tenta ser cômico.
Fernando Haddad rompe contrato com empreiteiras e sua administração passa a ser baseada somente no uso de produtos e serviços das tintas Coral e Suvinil para a pintura de faixas exclusivas: “É só disso que São Paulo precisa”, declara o alcaide.
Agosto:
Comediantes fazem pesquisa no Google para tentar achar o significado de um tipo de humor bufão e arcaico, que caiu em desuso há muito tempo: stand-up comedy.
No mês do cachorro louco, usuários do Facebook entopem a rede com um monte de apelo de adoção, “fotinhas fofinhas” e vídeos “sensíveis”, causando a maior crise de diabetes entre os internautas.
Em sessão no Congresso, Jair Bolsonaro abre o zíper da calça e tenta estuprar Tiririca. “Na falta de Luciana Genro, vai você mesmo”, desabafa o parlamentar. Paulo Maluf, seu colega de casa eleito mesmo sendo procurado pela Interpol e pela CIA, adverte o companheiro: “Estupra, mas não mata”.
Setembro:
Advogado de defesa de suspeitos de ataques terroristas que ficaram presos em Guantanamo alega que eles foram submetidos ao mais cruel tipo de tortura: ouvir por meia hora a música-tema de Frozen.
Suzane Von Richtofrerertrxsen se casa, na cadeia, com José Genoíno, Zé Dirceu, doleiro Alberto Youssef, Graça Foster, Maníaco do Parque e aumenta seu patrimônio em US$ 90 milhões e 217 consoantes em seu sobrenome.
Levy Fidélix dá à luz casal de gêmeos. Pelo órgão excretor, é claro. Cartunista Laerte assume a paternidade.
Outubro:
O gigante acordou. Viu que tudo continua a mesma bosta, botou o despertador pra tocar 20 minutos mais tarde e voltou a dormir.
Hackers da Coreia do Norte invadem o Sistema Nacional de Informações brasileiro e roubam informações secretas e preciosíssimas: as respostas da prova do Enem.
Governo de São Paulo inaugura mais 340 km de linhas do metrô. Um fato histórico, algo comparável às filas das exposições do CCBB.
Novembro:
Separado de Adriana Falcão, Gregório Duvivier se casa com Mallu Magalhães, que se separa de Marcello Camelo, que se casa com Adriana... enfim, o swing se consagra como o quarteto mais chato da cultura pop brasileira.
Última parte da última parte da última parte de Jogos Vorazes ocupa 80% das salas de cinema no Brasil. Os outros 20% são dedicados ao trailer da prequência da trilogia de 7 partes.
São Paulo, a cidade mais cara do mundo, lança o primeiro festival gastronômico da gourmetização do bolovo. A iguaria, feita com massa de trigo sarraceno, ovos de perdiz e carne de antílope, chega a custar R$ 80 a unidade.
Dezembro:
Depois dos protestos anti-Dilma e dos protestos antiprotestos, manifestantes saem às ruas sem ao menos saber o motivo. “Melhor do que ficar em casa assistindo a Malhação”, afirma um deles.
Estudos apontam que a maioria dos relacionamentos hoje em dia se inicia no Tinder, intensifica-se no Instagram, começa a dar sinais de crise no Facebook e termina com um DR no Whatsapp, sem sequer o casal se conhecer pessoalmente.
Congresso Nacional triplica salário deles mesmos, reduz a jornada de trabalho para 10 horas semanais e encerra o ano trabalhando num dos projetos mais desafiadores da casa: combinar brigadeiro e chiclete no Candy Crush.


terça-feira, 18 de novembro de 2014

Críticos de Cinema

Crítico tradicional: analisa o filme como uma sequência de imagens, e não uma derivação de HQ. Espécie em extinção, com um nível de abundância comparável aos reservatórios de água da Cantareira.

Crítico up-to-date: blogueiro, twitteiro, fanpageiro. Suas resenhas não se alongam por mais do que 140 caracteres. Seu juízo de valores vem acompanhado por uma hashtag. Sua avaliação é medida por um emoticon. Se gostou do filme, finaliza a resenha com um “like”.

Crítico blasé: analisa um filme do tipo “Quero Matar Meu Chefe 2” como se fosse escrever pra Cahiers du Cinema. Não se cansa de usar termos como “contra plongée”, “diegese” e “mise-en-scéne” nas frases mais simples. Senta-se na primeira fila do cinema, ao centro, para ter uma visão simétrica e catártica do filme.

Crítico bissexto: aparece nas cabines de imprensa uma vez a cada quatro anos. E o que é pior: tem um programa semanal na mídia e discorre sobre as estreias com a maior desenvoltura.

Crítico redes sociais: é imediatista, faz a crítica ENQUANTO assiste ao filme. Nunca desliga o celular durante a projeção. Está sempre conectado no Face, Twitter, Whatsapp. Tem sempre muita coisa pra dizer para um monte de gente do mundo inteiro, ao mesmo tempo. Consultado sobre o que achou do filme, entretanto, resume-se a dizer: “maneiro”, “da hora”.

Crítico cosplay: não dá pra dizer exatamente que se trata de um “crítico”. É o sujeito que aparece fantasiado a caráter na cabine de imprensa. Ninguém sabe de onde surge o personagem temático (pois ele não frequenta as demais cabines) nem exatamente pra onde escreve, provavelmente algum blog específico, site de entretenimento. Ou é um dos integrantes do CQC, que a gente nunca guarda o nome porque o programa tá sempre mudando seu quadro de repórteres.

Crítico festival: o mais viajandão de todos. Consegue perder Jogos Vorazes, que ficará em cartaz por uns 4 meses, porque estará nos festivais e mostras da Bahia, Sergipe, Rondônia e Tocantins. Sim, existe festival de cinema em Tocantins. É um daqueles 38 brasileiros que conhecem o Acre de cabo a rabo. Geralmente é convidado para integrar o júri, fazer a curadoria e, se precisar, picotar os ingressos na entrada do cinema. Sua cidade natal transforma-se, para ele, num ponto turístico utópico. Faz questão de dizer que perdeu a pré-estreia de Interestelar porque esteve num festival de cinema da Amazônia, em que os filmes eram projetados nos reflexos das águas da pororoca de uma nascente próxima a uma reserva indígena da tribo dos Caribós.

Crítico tapete vermelho: de um modo geral, odeia ver filme. Acha um saco ter que ficar sentado no escuro por quase 2 horas. Por outro lado, “ama de paixão” ir a coletivas de imprensa, puxar o saco do elenco, falar que acompanha a carreira de todos os atores desde criancinha. Geralmente escreve para alguma revista de fofoca. Vai a todas as pré-estreias, fotografa a equipe, faz um monte de selfie com os atores e, inclusive, com os cartazes e displays do filme. Nas redes sociais, é só elogios, bafafás e tititis. Entende tudo do babado dos bastidores, mas sabe muito pouco sobre a Sétima Arte.

Crítico fila-boia: não assiste exclusivamente, mas dá grande prioridade a filmes em cabines de imprensa acompanhados por café da manhã. Vai a coletivas de imprensa por causa do brunch, mas nem sempre acompanha as tais coletivas. Frequenta as pré-estreias por causa dos coquetéis. Pode-se dizer que ele ganha o dia (e, consequentemente, o filme ganha nota máxima em sua avaliação) quando sai da sala com algum tipo de brinde ou mimo.

Crítico repentista: já vem com opinião formada pra tudo, até mesmo antes do filme começar. É o primeiro a sair da sala pra dizer pros assessores de imprensa o que achou. Mentaliza o texto que vai escrever na metade da projeção. Para ele, o ideal seria escrever mesmo sem ver o filme, pois assistir a tal obra pode interferir em seus pontos de vista.

Crítico vidente: que Mãe Dinah, que nada. Este crítico é especialista em prever o futuro. Prova disso são as frases de seu próprio texto: “As crianças vão adorar”; “Um filme que vai agradar a todos os públicos”; “Certeza de sucesso absoluto”; “Sério candidato a Oscar”, entre outras pérolas da adivinhação.

Crítico adjetivo: dispensa explicações adjetivas. Então vamos lá a um provável texto dele: “Com um roteiro bem-amarrado e uma atuação esplêndida do redivivo ator, o diretor transforma as fragilidades de uma cidade decadente num espetáculo de pura beleza, com uma fotografia irretocável que enaltece as particularidades de um povo precário. Essa espetacular sequência de magia, riqueza e encantamento seduz até mesmo o mais despreparado dos espectadores, que não fica imune ao impacto dramático de um elenco de apoio firme e consistente. Brilhante! Formidável! Obra-prima!”

Crítico major: embora o cinema esteja aos poucos mudando seus formatos e concepções, este crítico ainda é daqueles que dividem a Sétima Arte entre “filmes-cabeça” e “filmes-pipoca”. Do primeiro grupo, ele passa longe. Só vai a “cabine-evento”, em que um megaconglomerado de pessoas faz a muvuca no hall do cinema. Só escreve sobre blockbusters. Seu último filme de arte foi “Tropa de Elite”. Fica estupefato quando descobre, por meio do site Filme B, que o ano contou com mais de 400 estreias, enquanto ele jurava de pé junto que o número de lançamentos em cinema não passava de 30. Nunca ouviu falar de Marion Cotillard e acha que Ian Holm é apenas um tiozinho do Senhor dos Anéis.

Crítico spoiler: conscientemente ou não, é aquela pessoa que faz questão de contar o final do filme. Embora certas cenas sejam imprescindíveis para sua análise, ele acaba passando um pouco do limite entre o que é teaser e o que revela todo o mistério da história.

Crítico sinopse: faz uma pequena confusão entre o que é análise crítica, resenha e sinopse, este último fácil de ser consultado. Emite poucas opiniões e às vezes passa a impressão de que não viu o filme. Escreve algo do tipo: "O filme conta a história de um garoto que, após perder os pais num trágico acidente, viaja em busca do paradeiro de sua avó. No caminho, encontra uma série de tipos estranhos que mudam sua vida. Perda de tempo".

Crítico político: encontra um viés político-ideológico em toda e qualquer parte do filme: "A cena em que o marido vira de lado após o sexo com sua esposa é uma clara alusão à sua preferência política pela esquerda, onde percebemos uma tendência ao marxismo-stalinismo após ele dizer a ela 'boa noite, meu amor', como se estivesse prenunciando a chegada do movimento revolucionário na calada da noite".

Crítico pelo-em-ovo: escreve aquilo que só ele mesmo conseguiu enxergar: "A cena do homem erguendo o braço para pegar um copo d'água é uma referência velada à fase simbólica e obscura de Buñuel. Ao tomar lentamente a água, com a câmera alta num plano fechado sobre o copo, temos a nítida impressão de um mergulho no universo onírico de Tarkovski, evidentemente em sua fase mais experimental".

Crítico superlativo: discorre sobre um filme como se fosse o último. Escreve um texto como se não houvesse amanhã: "Trata-se do pior filme da década, um escorregão na carreira do diretor, o melhor e mais contundente de sua geração. Aqui, ele peca pelos seus exageros e obviedades, na escolha do elenco mais pífio da nova safra de atores. Nem parece o mesmo que realizou o mais definitivo filme sobre a Guerra do Vietnã".

Crítico Hortelino: costuma errar com frequência a grafia de sobrenomes, as datas, filmografias, troca nome de atores, confunde personagens e mistura subtítulos.

Crítico VIP: não admite ser chamado de crítico. É correspondente internacional. Mora em Los Angeles, vai a todos os festivais de Cannes, Berlim, Veneza, Toronto, Locarno. Em seu quarto, uma foto emoldurada ao lado de George Lucas. Tem o autógrafo de Helen Mirren e Jack Nicholson. Divulga informações privilegiadas que nem o IMDB é capaz de fornecer. Frequentador assíduo de junkets e sets de filmagem. Tem mais intimidade para fazer uma entrevista por telefone com a Catherine Zeta-Jones do que conversar com sua própria mãe.

Crítico multimídia: por uma questão de praticidade, identifica-se como colaborador da Veja. Mas escreve também para a Folha de São Paulo. E pro Estadão também. Tem um programa semanal na Band News e no Ronnie Von. Já escreveu diversos artigos pro Omelete, Cineclick, AdoroCinema, revista Bravo, IstoÉ Gente. Foi um dos editores da extinta revista SET. Esporadicamente, é colaborador da Cinética e da Contracampo. No começo de carreira, escreveu pras Gazetas de tudo quanto é bairro de São Paulo. Em suas horas vagas, atualiza seu blog. Sobre Cinema.

Crítico crítico: faz jus à fama da profissão. Reclama da péssima qualidade da produção atual. Reclama da Lei Rouanet. Reclama dos atrasos dos assessores de imprensa. Reclama dos colegas de profissão. Reclama de não ter recebido o press release em tempo hábil. Se o filme é bom, reclama das poltronas e do ar-condicionado da sala.


quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Diálogo



(Diálogo pelo celular, usando o corretor automático de texto):
- E aí, mano? Tudo em rima?
- Baliza.
- Vamos sair há?
- Demoro. Onde?
- Tem o Acareação, o Prematuro e o Adivinho.
- Que tal uma brecha?
- Então veia no Grito.
- Onde fica?
- Rua Aperfeiçoamento, perto do Dom Baqueta.
- Fechado.
- Até mais. Abre.
- Bitola.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Cabelos



Eis que ela surge do nada, encosta-se no banco ao meu lado e começa a mexer seus longos e escuros cabelos. Prende uma mecha com a mão esquerda e deixa aparecer a discreta tatuagem cravada na nuca. Um símbolo azulado da Antiguidade egípcia que pinta a morenice brejeira de sua pele. Seus dedos obsessivos desfiam pedaços emaranhados de suas madeixas e aproximam essa diminuta crina ao seu nariz. Evidente que se trata de uma busca sinestésica pelo prazer homérico. Cheirar os cabelos, comer os cabelos... De fato, aqueles fios sedosos eram de abrir o apetite. À medida que se contorcem nos vãos dos seus dedos magros, exalam uma essência primitiva de sua fórmula frutífera. Uma combinação harmônica de castanhas, cupuaçu e coco, muito coco. A lufada de aromas tupiniquins revoantes da Iracema do século 21 domina as cercanias do ambiente. Não teve jeito. A estufa amazônica de inebriantes perfumes arbóreos oriundos das melenas azeviches da musa na sua mais perfeita escultura desperta em mim um instinto indígena. Fito-a me sentindo um selvagem, o mais selvagem daquela arquitetura de granitos urbanos.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Desculpas

Respostas automáticas e padronizadas para usar em qualquer situação, de qualquer ramo de atividade, sem precisar ter a mínima ideia do que está acontecendo:
- Lamentamos o ocorrido. Iremos tomar todas as providências necessárias.
- Nosso produtos e serviços seguem rigorosamente os mais exigentes padrões e processos de qualidade. Iremos verificar o fato, que foge completamente da nossa conduta adotada.
- Iremos realizar os ajustes e adequações necessários o mais breve possível.
- Nossa empresa prima pela excelência em qualidade. Entretanto, houve uma falha técnica no sistema no dia da apuração do fato, um caso atípico e que não condiz com nossos padrões.
- Nossa equipe é constantemente treinada e capacitada para oferecer os melhores serviços e um atendimento personalizado. O comportamento deste funcionário citado não reflete nossa postura. Iremos fazer uma nova avaliação e oferecer a orientação adequada ao colaborador.
- Nossa empresa dispõe de uma equipe devidamente preparada para agir em situações de emergência. Entretanto, um motivo de força maior obrigou-nos a adotar medidas que fugiram do nosso controle. Lamentamos o ocorrido e contamos com a sua compreensão.
- Nosso estabelecimento possui uma completa infraestrutura e nosso sistema foi recentemente reestruturado para atender nossos clientes com mais agilidade. Iremos apurar eventuais falhas e tomar as devidas providências para que possamos prezar a nossa boa imagem em relação à qualidade e rapidez de nossos serviços.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Mulheres

No meio da penumbra desértica estava ela, a mais bela. A mais divina. Reluzente, dona de uma inteligência rara e de um sorriso provocador. Desfilava em close suas curvas salientes e enigmáticas. Tinha admiradores de montão, desde os amigos mais antigos até as vítimas efêmeras de súbitos encontros. Sem sombra de dúvidas, ela fazia o coração acelerar. Podia escolher o homem que quisesse, na hora que bem entendesse. E, como num rapto, escolheu a mim. Decidiu, por critérios mais do que misteriosos, que eu seria a sua perfeita combinação algorítmica. E assim nós, o casal apaixonado, eu deslumbrado, unimos nossas mãos e fizemos juras de amor eterno. Mas a eternidade é um conceito vago e difícil de se concretizar. Aos poucos, ela foi se revelando mais interesseira do que interessante. Numa progressão geométrica, foi exigindo roupas caras e joias raras. Mais raras do que sua inteligência. Ela queria o luxo da vida. Carro do ano, saldo opulento em conta bancária, viagens por todos os cantos do planeta. Ela queria conhecer o mundo, mas não queria conhecer quem estava ali ao seu lado. Por conta de suas exigências tão altas quanto seu QI e pelo desprezo que começou a alimentar pela minha simplicidade, meu ego foi desinflando, até chegar ao mais raso nível geológico. Fui me sentindo prostrado. Chafurdado. Diante dessa desilusão arrebatadora como um pesadelo neo-realista, terminei.
A outra apareceu tão de repente quanto a mudança das estações. Apaixonou-se por mim sem eu precisar fazer o mínimo esforço. Dedicava a mim cada segundo de sua vida. Colocou-me no mais alto pedestal imaginável. Fazia elogios inspiradíssimos, fazia bolos, fazia poesias. Os bolos, confesso, eram mais saborosos do que as poesias. Elevou a minha autoestima aos patamares do Olimpo. Jurou que eu era seu primeiro verdadeiro amor. Ela, sim, fazia-me sentir a última bolacha do pacote. Mas eu não estava preparado para ser o primeiro, tampouco o último. E, com medo de tanta louvação, terminei.
A última mulher desta história apareceu no seu devido tempo: nem tão rápida e arrebatadora como uma lava vulcânica, nem devagar demais como se estivesse roendo pelas beiradas e fazendo reconhecimento de território. Simplesmente ela surgiu. Olhou pra mim e viu nada tão extraordinário nem tão irrisório. Apenas conseguiu me ver, me enxergar de verdade, na minha real dimensão. Sentiu por mim um sentimento tão natural que no começo até estranhei. Não estava deslumbrada, muito menos rigorosa em suas demandas. Ela foi me descobrindo aos poucos, decifrando o que existe de mais autêntico em mim. E esse seu jeito de ser, espontâneo, cativante e curioso como um pesquisador me encantou. Não me idolatrava, não me pisoteava. Foi a única que conseguiu perceber que a soma, o conjunto, é muito maior e mais profundo do que um mais um. Nesse sentido plural de enxergar a vida e aparar as nossas diferenças fomos nos aproximando na incalculável velocidade certeira e verídica do amor. Sem taquicardias, nem flacidez. E foi com ela, a mais completa e translúcida das mulheres que conheci, que resolvi ficar.


terça-feira, 23 de setembro de 2014

Bolo

Dia 1:
- Benzinhooo... amore...
- Oi, gata... fala...
- Queria que você me fizesse um bolo.
- Oi?
- É... acordei com uma vontaaade de comer bolo... ah, faz pra mim, vai... eu sei que você gosta de entrar na cozinha... por favor...
- Tudo bem, gata. Claro que faço. O que você não me pede chorando que eu não faço sorrindo? Que sabor?
- Ah, sei lá... usa sua imaginação. Desde que seja feito com gosto, com vontade, qualquer sabor tá valendo. Só queria que você me fizesse um bolo.
Marcos, o “benzinho” protagonista desta história, não hesita em atender o pedido da sua musa amada. Mesmo batendo uma sensação que mistura orgulho e pressão, pra ele não seria problema algum mostrar a ela seu talento culinário. Fazer o bolo seria uma maneira subliminar de impressioná-la, mesmo por meio de um submisso afazer. Poderia ser qualquer bolo. Mas Marcos entendeu o recado como um pedido especial. Seria o bolo para apagar eventuais desavenças do passado. Seria a concretização do amor que ele sentia por ela. Seria a prova mais do que cabal de que o coração dela só tinha lugar pra ele, mais ninguém. Por isso, tinha que ser um PUTA bolo, inesquecível na sua forma e no seu sabor. E a entrega da chave deste sonho tinha um nome: morango.
Marcos vai até o supermercado mais caro do bairro, escolhe as frutas mais frescas e mais belas. Morangos reluzentes, escarlatinos, mais vermelhos do que qualquer pedaço de carne sendo cortado na seção de açougue ao lado. Muda de fileira, escolhe o melhor creme de leite da gôndola. Daqueles importados, o triplo do preço de um similar nacional. Embalagem parruda, sofisticada, cheia de dizeres em Inglês. E continua suas compras seguindo essa proposta ostensiva.
Chegando em casa, Marcos arregaça as mangas, estala os dedos, coloca todos os ingredientes e recipientes sobre a mesa da cozinha e começa a delinear seu quadro artístico. Momento solitário de jorrar nas telas das formas toda a sua criatividade, com direito a respingos e tudo. Na verdade, essa obra dá um trabalho da porra. Mas imagine você, leitor, num registro comparativo, que o melhor bolo de morango das cercanias está sendo elaborado como num filme, com direito a closes, cortes rápidos e muita luz branca e direta sobre a mão na massa. Marcos se sentia o Robert de Niro, o Lawrence Olivier deste filme. Espalhou seu capricho obsessivo em cada etapa do processo culinário. Com uma precisão suíça, cronometrou cada instante de espera, da massa no forno, do creme na geladeira, quente e frio se produzindo para bailar num contraste mágico. E, esbanjando sua arrogância de autor, Marcos deu um toque magistral no epílogo de sua arte: adicionou sementes moídas de cardamomo e folhinhas picadas de hortelã na massa, só pra dar um aspecto especial à exclusiva iguaria e mostrar que ele é único no mundo.
- O que achou, amore?
Ela experimenta um pedaço da torta, faz aquele gesto palatal com a língua percorrendo todos os cantos internos da boca, procurando a exatidão orgástica do sabor. Não encontrou.
- Benhê... obrigada, mas... sabe o que é? Eu esperava uma coisa mais simples. Achei isso aqui muito, sei lá, muito rococó, cheio de detalhes, de firulas. Sou mais adepta à simplicidade, à praticidade, sacou? Tipo, bolo de fubá, bolo de chuva, bolo que lembra a infância, sabe? Eu vi que você teve o maior trabalhão, caprichou em cada detalhe, muuuuito obrigada, mas... ai, só de olhar esse monte de recheio, esse monte de creme que engorda eu fiquei enjoada. Nada pessoal, eu te adoro. Mas acho que tem momentos na vida que pra agradar basta um pequeno gesto, uma coisa mais... assim... simples... sabe?

Dia 2:
- Benzinhooo... amore...
- Oi...
- Faz uma música pra mim?
- ??
- É, eu sei que você gosta de compor e toca violão bem pra caramba... você bem que podia fazer uma música pra mim...
Simplicidade. Objetividade. Nada de opus 45, adagio, andante, allegro ma non tropo. Ela quer uma música, não uma orquestra. Rock básico, quatro por quatro. Sem virtuoses. Som pra agradar aos delicados tímpanos dela, não para servir de partitura em filarmônicas. Ela pede a crueza minimalista de um Sex Pistols com a sedução romântica de um Brian Ferry. Sem invencionices. Música direto ao ponto, como uma flecha de Cupido direto ao coraçãozinho dela.
- Gata, acabei. Veja o que você acha. Até gravei em CD.
Ela bota os fones de ouvido, dá um play, cheia de expectativas. E se essa brincadeira virar um hit? E se o nome dela circular em todas as rádios? Abre um sorrisão e, no silêncio do ambiente e na melodia acústica e abafada dos fones, esse sorriso vai murchando à medida que a música se desenvolve em seus ouvidos.


Dia 3:
- E aí, Rafa, belê?
- Marcããão! Quanto tempo, manooo! E aí, tudo em riba?
- E aí, tranquilo? Firmeza?
- Sussa, e você?
- Hmmm, mais ou menos, cara...
- O que houve? Contaí.
- A minha mina... ela me pediu uma música, aí eu criei. No começo foi difícil, mas depois não parei mais. Mostrei pra ela e... decepção total.
- Sério? Por quê?
- Ah, sei lá... Ela disse que esperava algo mais. Achou tudo muito batido, muito repetitivo, muito basicão demais. Faltou tempero, faltou inspiração. Nas palavras dela, claro. Ela imaginava uma coisa mais grandiosa, mais criativa. Ela queria uma música com M maiúsculo... nas palavras dela... com uma letra pra fazer pensar, fazer refletir... uma rima pra fazer chorar... e com acordes mais bem trabalhados... enfim, ela não curtiu muito.
- Pô, cara, que mal... fico triste por você... mas será mesmo que essa música que você fez não tá com nada? Pô, te conheço há mó tempão, eu sei do seu talento. Cantaí pra eu ver.
- Ah, não...
- Cantaí, pô...
- Tá, OK. Mas só o refrão, pode ser?
- Belê.
- “She loves you yeah yeah yeah... she loves you yeah yeah yeah...”.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Pontos

No começo ela parecia um ponto. O sinal gráfico mais cortante e repentino do discurso. O encerramento justo e lógico de sua maneira de se expressar ao mundo. Aquele rotundo percevejo cintilava a coerência de seu raciocínio cartesiano e de sua postura comportamental inequívoca. Um ponto obsessivo-compulsivo, virginiano, que organiza a mixórdia cerebral e a faz caber numa frase. Apenas um ponto, seco, escuro, pragmático. Uma dardejante e certeira partícula de infinito fincada no espaço mais milimétrico do papel. Vi nela o mais perfeito microcosmo que divide simetricamente o começo, o meio e o fim.

Mas aí vieram as vírgulas. Rabiscos tortos que oferecem pausas mais ansiosas e apressadas. Curvilíneas nesgas de tinta que abreviam, ofegantes, aquilo que ela desejava expor. Lascas impressas que interrompem continuadamente o prazer de existir. Eram vultos que iam e vinham, efêmeros, lancinantes, ululantes. Entre vírgulas ela estava presa.

Foi na inquietude deste desespero claustrofóbico que descobri nela as reticências. As dúvidas no lugar das certezas. As divagações, elucubrações, devaneios. Pontos equidistantes metralhados que refletiam seu aspecto mais dialético de enxergar a vida. Como um rastro, uma mancha uniforme solta no papel, as reticências mostravam sua fragilidade diante do universo. E isso a tornava mais interessante. Bolotinhas ínfimas, suaves como a brisa, revoavam sobre seu mistério. Ah, o mistério...
Atraído por ela, demonstrei minhas mais sinceras vontades. Parece que ela gostou. Mas, como foices sedentas de sangue, vieram as interrogações. Condição humana inevitável de querer descobrir o futuro, controlar o mundo. O que será de nós? Medo inerente do desconhecido. Quem é ela de verdade? O que ela quer de mim? Como um freio sobre o andar natural da linguagem, o mais retorcido dos elementos gráficos encharcou o livro de nossa história com empecilhos. Estamos fazendo a coisa certa? E se acabar?

Guerra é guerra. Sentimo-nos obrigados a esconder nossas fraquezas e convocamos a mais poderosa e afiada de nossas armas: o ponto de exclamação. Espadas reluzentes que bradam nossas convicções. Juntos erguemos nosso totem hercúleo, o ícone másculo do nosso convívio apaixonado, para afirmar categoricamente o que nos une.

E foi com a força de nossos elos amalgamados que, olhando um para o outro, fixamente, furtivamente, construímos a nossa harmônica composição gráfica: os dois pontos. Símbolo das expectativas do gozo de uma oração. Preparador físico da apoteose frasal. Como numa relação simbiótica, estes pingos estelares limparam toda a sujeira escrita pra deixar somente o melhor pro final. E, como dois olhos negros, esta somatória de caracteres viveu feliz para sempre nas incertezas do texto.


terça-feira, 16 de setembro de 2014

Santos

São Paulo. Santo André. São José dos Campos. Santa Tereza. Santa Bárbara d'Oeste. Santa Rita do Passa Quatro. São Sebastião. Santos. São Vicente. Parque São Domingos. Parque São Jorge. Bom Jesus da Lapa. São Caetano. São Bernardo do Campo. São Joaquim. São Judas. Santa Edwiges. Santa Eulália. São Roque. Águas de São Pedro. São Matheus. Parque São Lucas. Jardim Santo Antônio. Av. São João. Santa Catarina. São Tomé das Letras. Av. São Gualter.
É praticamente impossível ser ateu em algum lugar deste país.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Voo

Senhores passageiros, bom dia. Aqui é a comandanta da tripulação. Estamos sobrevoando a cidade de São Paulo... cidade pela qual tenho o maior orgulho, o maior respeito... cidade que me deu oportunidades, o terceiro maior PIB do país graças ao nosso governo. O tempo está bom e não apresenta nebulosidades nem está sujeito a instabilidades.
E por falar em instabilidades, eu gostaria de reforçar que estamos vivendo o período de maior estabilidade da história do nosso país. (pausa) Venho recebendo muitas críticas da oposição, mas eles se esquecem de que o nosso governo acabou com a miséria das refeições nos voos domésticos e passou a servir refeições de qualidade, balanceadas e nutritivas a todas as famílias de passageiros. Nós tivemos a coragem de enfrentar a resistência da elite e passamos a oferecer baldeações gratuitas entre os aeroportos com um único bilhete, durante o intervalo de 3 horas. (aplausos da primeira fila da tripulação) Triplicamos o número de voos fretados e quadruplicamos a nossa frota aérea. Modernizamos os aeroportos e acabamos com a sujeira dos sanitários. No nosso governo, pudemos implementar a igualdade: cada passageiro passou a ter direito a uma vaga para suas bagagens. Tudo isso graças à nossa capacidade, a nossa competência e o apoio da tripulação. Mas é preciso fazer mais, muito mais. Queremos oferecer serviços de voo executivo a toda a classe econômica. Sei que o percurso é difícil, com muitas nuvens e muitos urubus no meio do caminho, mas nada disso atinge a minha pessoa. A oposição vai lançar drones como obstáculo ao nosso crescimento. A mídia vai atribuir nossos avanços ao acidente aéreo que ocorreu com nosso companheiro. Não vou me intimidar com mentiras. Meu governo baseia-se na transparência, na vontade de mudar a trajetória deste avião. Queremos alcançar a Lua. Queremos subir adiante, fortalecer as relações diplomáticas com outros planetas, exportar nosso combustível aditivado para outras galáxias. Na nossa viagem, vamos dar continuidade aos avanços tecnológicos... rumo ao desenvolvimento... tecno... desen... tecnologia... desenvolvimento... do DESENVOLVIMENTO!! Tenham todos uma boa viagem. Muito obrigada.


quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Eleições

Como preparar um candidato para as eleições:
- Faça uma cara bem séria. Você não está aqui pra brincadeira. Mostre que você tem compromisso com a ética. Transmita seriedade, segurança, confiança ao seu eleitor.
- Hmmm, melhor não... Muito sério vai ficar sisudo demais. Ninguém quer mais um cara carrancudo e chato no poder. Abra um sorriso. Mostre que você é amigo do povo. O sorriso aberto passa simpatia, proximidade, como se você fosse praticamente da família do eleitor.
- Então faça uma cara séria, com olhar firme e fixo, pra passar seriedade, mas sem ficar com os músculos duros demais. Relaxe o pescoço. Mova um pouco os lábios pra cima, como se estivesse querendo abrir um sorriso. Mas não sorria demais, senão vão achar que você tá tirando sarro da cara do eleitor. Nem muito sério, nem muito sorridente.
- Use um terno com gravata. Político é uma profissão de respeito e deve passar respeito pro eleitor. Ninguém acredita mais nos políticos. Já um candidato bem vestido é visto com outros olhos. Passa a sensação de segurança. Quem cuida da cidade, do país, precisa antes de tudo cuidar da própria imagem.
- Acho que não. Use roupas mais leves, do dia a dia. Uma camisa polo tá de bom tamanho. Ternos muito caros dão a ideia de ostentação. Político de gravata é só mais um no meio de tantos. Já as roupas mais informais passam a sensação de proximidade, calor humano. Dá um aspecto mais moderno, jovial. O eleitor se identifica mais. Além disso, passa a impressão de ser mais novo.
- Vamos fazer o seguinte. Na hora de gravar o programa e dar entrevistas, use terno e gravata. Ao visitar um bairro da periferia, tire o paletó e deixe a gravata. Coloque o paletó de novo se for dar palestra em universidade. A não ser que a maioria dos estudantes presentes seja de calouros, aí você tira o paletó. Nos comícios, use só camisa, sem gravata. Desabotoe os botões de cima. E se chover, use o paletó de guarda-chuva.
- Abuse dos gestos. Use bastante as mãos, os braços, pra mostrar que você é articulado. Muitas vezes a TV pode estar no “mudo” no horário eleitoral. E com os gestos a pessoa entende suas propostas mesmo sem ouvi-las. Além disso, você vai atender a parcela de deficientes auditivos. Aponte para o eleitor pra mostrar que você está falando diretamente com ele, e não com a massa toda. Ele deve se sentir único, exclusivo, especial.
- De jeito nenhum. Apontar para o eleitor é sinal de autoritarismo, de comando unilateral de voz. O povo quer diálogo. Muito gestual passa insegurança. Seja firme, contido, econômico nos gestos. Menos é mais. Em vez de levantar as mãos, levante propostas.
- Algo por aí. Levante o braço e baixe rapidamente. Na dúvida, use só uma das mãos. Reparou que os melhores atores não precisam das duas mãos? Use mas não use, seja rápido nos gestos, com uma das mãos, como se estivesse tirando par ou ímpar, ou jokenpô.
- Você é um cara que superou obstáculos e passou por dificuldades. E está aí, firme e forte. Não vai me chorar diante da TV. Ninguém quer um candidato frouxo. Seja firme, esconda suas lágrimas, mostre toda a sua força, garra e coragem de vencer.
- Nada disso. Política é razão, mas também é emoção. Tente comover seu eleitorado, mostrando que também sofre com os problemas do país. Assim como eles. Abuse do tom emocional no discurso. Os brutos também amam. Entregue-se de coração nessa cmapanha pra passar naturalidade.
- Chore então apenas pelo olho esquerdo, OK?
- Você tem muita história pra contar. Fale bastante do seu passado, das suas lutas e conquistas. Mostre que você tem experiência. Convença o eleitor que você é um candidato capacitado e preparado para enfrentar os desafios.
- Na na ni na não. Político muito experiente, muito antigo, passa a ideia de coisa velha. O povo quer é inovação. Eles esperam a renovação das pessoas que vão ocupar os cargos. Seja autêntico, mostre que você é diferente de tudo o que está aí e que veio pra trazer frescor, ideias novas. Se falar muito do passado, vai sempre ter alguém que vai entrar no Google pra investigar sua vida, isso não é bom.
- É por aí. Você não é um ancião nem um bebezinho. Se perguntarem sobre a Ditadura, por exemplo, fale que você sofreu muito, participou das lutas, mas era novo demais pra estar lá presente. Fale que você é um dos fundadores do partido, mas faz parte de uma nova geração. Uma nova geração de fundadores do partido. Entendeu?
- Use palavras mais difíceis nos discursos. Você é, antes de tudo, um especialista. Mostre seu conhecimento técnico do assunto, sua experiência, sua vivência na área pública. Cuidado com os erros de Português. Ninguém mais quer um analfabeto no poder. Além disso, quanto mais difícil você falar, menores as chances do adversário discordar de você.
- Mas eu discordo. Se você falar rebuscado demais vai ficar pedante. E se o eleitor não entender o que você fala não vai votar em você. Seja simples, direto, objetivo. O povo tem que se identificar com você. Ele quer ver o seu espelho lá no poder. Uma pessoa que fala a mesma língua, portanto, entende dos mesmos problemas.
- Seja culto, mas não prolixo. Transmita conhecimentos sem ser pernóstico. Seja simples sem ser vulgar. Seja direto sem ser raso. Agora é com você. Boa sorte, estamos do seu lado nestas eleições.
E lá vamos nós votar em candidatos-sabonete. Sabonete neutro.


sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Frases

Frases que você provavelmente NUNCA vai ouvir:
- É melhor a gente dar um tempo. O problema não sou eu, é você. Eu até que sou bem resolvido, mas você é um pé no saco.
- Carlos, benzinho, adoooro quando você peida debaixo das cobertas. Faz de novo.
- Seu prato já está chegando. Não faço ideia de quanto tempo vai demorar, não fui à cozinha pra ver, nem lembro o que você pediu, mas tô falando isso só pra você parar de me encher o saco.
- Cortou o cabelo, amor? Ficou uma bosta. Melhor a gente pedir uma pizza que eu não quero sair com você assim.
- Prometo construir mais creches, mais escolas e mais hospitais, e sei que só vou conseguir cumprir no máximo 15% das minhas promessas porque são inviáveis ou fogem da minha alçada administrativa.
- Quer levar mais alguma coisa? Tá precisando de uma camisa, cinto, gravata, ou qualquer treco pra deixar encostado no armário? Compra aí, eu preciso vender mais do que a Sabrina pra aumentar minha comissão e poder comprar um iPhone.
- Não, eu não tô bão. Eu tô é bêbado, e tenho plena consciência de que meus reflexos diminuem consideravelmente se estiver ao volante.
- Não, eu não tô com dor de cabeça. Só não quero transar e tô com sono. Além disso, você trepa mal.
- É verdade, Pedro, seu time é MUITO melhor do que o meu. O meu só ganha partida quando o juiz rouba, e corre o risco de ser rebaixado. Só torço pra ele por uma questão hereditária.
- Dá uma ajuda, moço. Por favor. Eu preciso gastar em pinga e comprar crack. Essas crianças de colo nem são minhas.
- Se é meia ou inteira? Inteira. Eu te mostrei meu RG, carteirinha de estudante e comprovante de matrícula só pra você me conhecer melhor.
- Podem conversar à vontade aí atrás. Sei que é um filme do Godard que exige a máxima concentração, mas não ligo pra tagarelice e adorei quando você falou pro seu namorado que não tá entendendo nada.
- Eu tenho o pau pequeno.
- Tô cagando se a senhora tem mais de 65 anos. Entrei primeiro no ônibus e não tô a fim de ficar em pé. E não adianta olhar feio porque vou fingir que tô dormindo.
- Xiii, o assunto chegou. Então, “assunto”, preciso te dizer umas coisas. O pessoal aqui da firma fala mal de você direto porque...
- Joca, apesar de sermos amigos há mais de 10 anos e eu saber que você ensaiou durante 6 meses, achei a peça um lixo e a sua atuação medíocre. Só vim aqui na noite de estreia por causa do coquetel.
- Ao persistirem os sintomas, é melhor se benzer.
- Por favor, me conte mais sobre suas ex-namoradas.
- Ma... ma’m... oi... o filme não é muito bom porra nenhuma... minha mulher dormiu no meio... eu só vou passar porque aqui no SBT só passa merda...
- Sim, Bernadete, você demorou. Pra caralho. É a terceira cerveja que pedi. Isso sem contar os 20 minutos tentando achar uma vaga na rua.
- Não, não vamos marcar um almoço. Eu te encontrei aqui no shopping por acaso, foi só isso. Provavelmente nunca mais vou te ver na vida. Mas eu te sigo no Facebook.
- Aaah, desliga vocêêê... – Tá bom, tchau (plinc).


terça-feira, 10 de junho de 2014

Panaceia



Ele sofria de crise de ansiedade. Ela sofria de crise de depressão. Ele tinha transtorno obsessivo-compulsivo. Ela tinha transtorno afetivo sazonal. Ele, delírio persecutório. Ela, ablutomania.
Cada um no aconchego neurótico de seu lar, tomavam regularmente medicamentos para controlar suas manias, suas fobias e suas arritmias. Com suas diferentes posologias e patologias, procuravam o bem-estar por meio de drágeas e de cápsulas. O que conta, acima de tudo, é o perfeito encaixe à sociedade, da maneira mais equilibrada e sedada possível.
Calmantes. Tranquilizantes. Corticosteroides. Anti-inflamatórios. Antidepressivos. Ansiolíticos. Antiagregantes plaquetários. Anti-hipertensivos. Antiespasmódicos. Procinéticos. Cefalosporinas. Cardiotônicos digitálicos.
Soluções aquosas. Soluções químicas. Soluções salinas. Soluções diluídas. Soluções fracionadas. Soluções para seus problemas ácidos e nada básicos.
Até que, em vez de tomar comprimidos, um dia ele e ela resolveram tomar uma atitude. E pensaram fora da bula. Mudaram a titulação de suas dosagens diárias de felicidade. Estava claro como a caligrafia médica que a extirpação de suas angústias e o gozo máximo de suas vidas não eram vendidos em caixas ou blisters.
Essa vontade incontida de transformar seus mundos dopados foi maior que os frascos. Ele abandonou suas amitriptilinas. Ela, seus benzodiazepínicos. E passaram a acreditar mais no efeito placebo do amor-próprio. A melhor endorfina do universo.
Encontraram-se pelo acaso que as ciências biológicas não dão conta de explicar. Estavam, tanto ele quanto ela, mais reluzentes e menos anestesiados. E foi justamente por isso que um trouxe a energia aminoácida do outro. A paixão veio sem marcar consulta.
Passaram a sentir mútuos e sincronizados batimentos taquicárdicos, tremulações musculares e ruborizações epidérmicas, mas isso não era distúrbio nenhum. Instantes depois trocaram salivas e trocaram whatsapps. Meses depois, trocaram alianças. E, na doença e na doença, viveram felizes para sempre, até que a morte os prescreva.