Ele sofria de crise de ansiedade. Ela sofria de crise de
depressão. Ele tinha transtorno obsessivo-compulsivo. Ela tinha transtorno
afetivo sazonal. Ele, delírio persecutório. Ela, ablutomania.
Cada um no aconchego neurótico de seu lar, tomavam
regularmente medicamentos para controlar suas manias, suas fobias e suas
arritmias. Com suas diferentes posologias e patologias, procuravam o bem-estar
por meio de drágeas e de cápsulas. O que conta, acima de tudo, é o perfeito
encaixe à sociedade, da maneira mais equilibrada e sedada possível.
Calmantes. Tranquilizantes. Corticosteroides.
Anti-inflamatórios. Antidepressivos. Ansiolíticos. Antiagregantes plaquetários.
Anti-hipertensivos. Antiespasmódicos. Procinéticos. Cefalosporinas.
Cardiotônicos digitálicos.
Soluções aquosas. Soluções químicas. Soluções salinas. Soluções
diluídas. Soluções fracionadas. Soluções para seus problemas ácidos e nada básicos.
Até que, em vez de tomar comprimidos, um dia ele e ela
resolveram tomar uma atitude. E pensaram fora da bula. Mudaram a titulação de
suas dosagens diárias de felicidade. Estava claro como a caligrafia médica que a
extirpação de suas angústias e o gozo máximo de suas vidas não eram vendidos em
caixas ou blisters.
Essa vontade incontida de transformar seus mundos dopados
foi maior que os frascos. Ele abandonou suas amitriptilinas. Ela, seus benzodiazepínicos. E passaram a acreditar mais
no efeito placebo do amor-próprio. A melhor endorfina do universo.
Encontraram-se pelo acaso que as ciências biológicas não dão
conta de explicar. Estavam, tanto ele quanto ela, mais reluzentes e menos
anestesiados. E foi justamente por isso que um trouxe a energia aminoácida do
outro. A paixão veio sem marcar consulta.
Passaram a sentir mútuos e sincronizados batimentos
taquicárdicos, tremulações musculares e ruborizações epidérmicas, mas isso não
era distúrbio nenhum. Instantes depois trocaram salivas e trocaram whatsapps.
Meses depois, trocaram alianças. E, na doença e na doença, viveram felizes para
sempre, até que a morte os prescreva.