terça-feira, 10 de junho de 2014

Panaceia



Ele sofria de crise de ansiedade. Ela sofria de crise de depressão. Ele tinha transtorno obsessivo-compulsivo. Ela tinha transtorno afetivo sazonal. Ele, delírio persecutório. Ela, ablutomania.
Cada um no aconchego neurótico de seu lar, tomavam regularmente medicamentos para controlar suas manias, suas fobias e suas arritmias. Com suas diferentes posologias e patologias, procuravam o bem-estar por meio de drágeas e de cápsulas. O que conta, acima de tudo, é o perfeito encaixe à sociedade, da maneira mais equilibrada e sedada possível.
Calmantes. Tranquilizantes. Corticosteroides. Anti-inflamatórios. Antidepressivos. Ansiolíticos. Antiagregantes plaquetários. Anti-hipertensivos. Antiespasmódicos. Procinéticos. Cefalosporinas. Cardiotônicos digitálicos.
Soluções aquosas. Soluções químicas. Soluções salinas. Soluções diluídas. Soluções fracionadas. Soluções para seus problemas ácidos e nada básicos.
Até que, em vez de tomar comprimidos, um dia ele e ela resolveram tomar uma atitude. E pensaram fora da bula. Mudaram a titulação de suas dosagens diárias de felicidade. Estava claro como a caligrafia médica que a extirpação de suas angústias e o gozo máximo de suas vidas não eram vendidos em caixas ou blisters.
Essa vontade incontida de transformar seus mundos dopados foi maior que os frascos. Ele abandonou suas amitriptilinas. Ela, seus benzodiazepínicos. E passaram a acreditar mais no efeito placebo do amor-próprio. A melhor endorfina do universo.
Encontraram-se pelo acaso que as ciências biológicas não dão conta de explicar. Estavam, tanto ele quanto ela, mais reluzentes e menos anestesiados. E foi justamente por isso que um trouxe a energia aminoácida do outro. A paixão veio sem marcar consulta.
Passaram a sentir mútuos e sincronizados batimentos taquicárdicos, tremulações musculares e ruborizações epidérmicas, mas isso não era distúrbio nenhum. Instantes depois trocaram salivas e trocaram whatsapps. Meses depois, trocaram alianças. E, na doença e na doença, viveram felizes para sempre, até que a morte os prescreva.