No meio da penumbra desértica estava ela, a mais bela. A
mais divina. Reluzente, dona de uma inteligência rara e de um sorriso
provocador. Desfilava em close suas curvas salientes e enigmáticas. Tinha
admiradores de montão, desde os amigos mais antigos até as vítimas efêmeras de súbitos
encontros. Sem sombra de dúvidas, ela fazia o coração acelerar. Podia escolher
o homem que quisesse, na hora que bem entendesse. E, como num rapto, escolheu a
mim. Decidiu, por critérios mais do que misteriosos, que eu seria a sua perfeita
combinação algorítmica. E assim nós, o casal apaixonado, eu deslumbrado, unimos
nossas mãos e fizemos juras de amor eterno. Mas a eternidade é um conceito vago
e difícil de se concretizar. Aos poucos, ela foi se revelando mais interesseira
do que interessante. Numa progressão geométrica, foi exigindo roupas caras e
joias raras. Mais raras do que sua inteligência. Ela queria o luxo da vida.
Carro do ano, saldo opulento em conta bancária, viagens por todos os cantos do
planeta. Ela queria conhecer o mundo, mas não queria conhecer quem estava ali
ao seu lado. Por conta de suas exigências tão altas quanto seu QI e pelo desprezo
que começou a alimentar pela minha simplicidade, meu ego foi desinflando, até
chegar ao mais raso nível geológico. Fui me sentindo prostrado. Chafurdado.
Diante dessa desilusão arrebatadora como um pesadelo neo-realista, terminei.
A outra apareceu tão de repente quanto a mudança das
estações. Apaixonou-se por mim sem eu precisar fazer o mínimo esforço. Dedicava
a mim cada segundo de sua vida. Colocou-me no mais alto pedestal imaginável. Fazia
elogios inspiradíssimos, fazia bolos, fazia poesias. Os bolos, confesso, eram
mais saborosos do que as poesias. Elevou a minha autoestima aos patamares do Olimpo.
Jurou que eu era seu primeiro verdadeiro amor. Ela, sim, fazia-me sentir a
última bolacha do pacote. Mas eu não estava preparado para ser o primeiro,
tampouco o último. E, com medo de tanta louvação, terminei.
A última mulher desta história apareceu no seu devido tempo:
nem tão rápida e arrebatadora como uma lava vulcânica, nem devagar demais como
se estivesse roendo pelas beiradas e fazendo reconhecimento de território. Simplesmente
ela surgiu. Olhou pra mim e viu nada tão extraordinário nem tão irrisório. Apenas
conseguiu me ver, me enxergar de verdade, na minha real dimensão. Sentiu por
mim um sentimento tão natural que no começo até estranhei. Não estava
deslumbrada, muito menos rigorosa em suas demandas. Ela foi me descobrindo aos
poucos, decifrando o que existe de mais autêntico em mim. E esse seu jeito de
ser, espontâneo, cativante e curioso como um pesquisador me encantou. Não me
idolatrava, não me pisoteava. Foi a única que conseguiu perceber que a soma, o
conjunto, é muito maior e mais profundo do que um mais um. Nesse sentido plural
de enxergar a vida e aparar as nossas diferenças fomos nos aproximando na
incalculável velocidade certeira e verídica do amor. Sem taquicardias, nem
flacidez. E foi com ela, a mais completa e translúcida das mulheres que
conheci, que resolvi ficar.