sexta-feira, 29 de maio de 2015

Coca-Cola

- Uma Coca, por favor. Só gelo.
Era a minha tentativa desesperada de encontrar a Vanessa. Já rodei muitos bares, botecos, pocilgas. Comi muita coxinha amanhecida, muito pastel engordurado, ouvi muita música sertaneja de rádio de pilha, ouvi muito xaveco barato, e nada de achar a Vanessa. Estava quase desistindo. Nesse mundaréu de engradados, a probabilidade de encontrar minha musa era mínima.
Veio a Carol. Ao lado de um copo que mais parecia um iceberg, coroado por uma intrusa rodela de limão (que, quero deixar bem claro, não foi por mim solicitada), Carol desfilava sua cintilante beleza escarlatina. Ouviu atentamente todos os meus pensamentos, tristes e bêbados de fim de noite. Saciou minha sede amarga da solidão. E, por mais que pudesse me proporcionar este prazer efêmero e imediato, ela mesma percebeu que não seria capaz de me fazer sorrir. Com seu gélido aspecto de se expressar para o mundo, pôs-se de lado na redonda távola de madeira aparente, desejou-me boa sorte e foi rapidamente recolhida pelo garçom de bigode em seu paletó branco e ligeiramente suado.
- Mais uma Coca, por favor. SEM LIMÃO.
A vontade de encontrar Vanessa era insaciável. Obsessiva. Assim como um ébrio freguês que se recusa a pagar a conta antes de sua birita saideira, estava convicto de que não sairia daquela joça mal-acabada enquanto a Vanessa não aparecesse em minha mesa. Estava cabisbaixo, desanimado, mas ainda assim na esperança quase nula de encontrar a cilíndrica diva.
Veio a Suzana. Ao lado de um insípido copo sem gelo, sem limão, mas com os fétidos fiapos que escaparam de um idoso pano de prato. Sem os adereços transbordantes dessa translúcida louça que outrora embalou 150 gramas de requeijão, Suzana teve mais facilidade para brilhar em cena. Nada podia ofuscar sua vivacidade líquida e negra. Suzana era linda, e os feixes de luz da lâmpada fluorescente que recaíam sobre sua pele de alumínio faziam ela ficar ainda mais linda. E mais calada. Sem assunto, sem troca de experiências de vida, descartei a inexpressiva manequim.
- Amigo... ei... por favor... ei... mais uma Coca... não, sem limão.
Será que finalmente chegaria Vanessa, atrasada como uma noiva ao nosso encontro? Será que a mais procurada de todas faria jus a tanta espera e tanta tristeza?
Não. Não era a Vanessa. Era a Vivi, emburrada como toda mulher que sobra no fim de noite. Veio amarrotada, com os fundilhos levemente amassados, sem seu lacre virginal. Antipática e nada gaseificada, Vivi me olhou feio. Era nítido que ela não queria estar ali, preferia morrer nos depósitos cheios de baratas. Aquela bruxa aromatizada artificialmente era a síntese de uma madrugada fria, cinzenta e sórdida. De raiva, empurrei a sirigaita para o chão, torcendo para que ela fosse pisoteada pelo mais afiado salto alto. E a vontade de ver Vanessa aumentava ainda mais, mesmo com a contagem regressiva dos ponteiros do relógio de parede daquela espelunca.
- Uma Coca. A última.
Era minha derradeira aposta. Era o ato final do meu compulsivo vício. Aquele pedido soou como um jogo de loteria, em que as estatísticas caminham na ordem inversamente proporcional aos sonhos. Vanessa era quase uma súplica apoteótica. Era o único nome capaz de salvar uma tentativa de suicídio. Estava ferozmente apaixonado por aquele substantivo. Tinha a vã esperança de que a minha latinha venusiana pudesse emergir nos últimos momentos dessa angústia.
Vanessa não apareceu. Quem chegou no seu lugar foi o Anderson.