sexta-feira, 24 de julho de 2015

Noite

A sala era escura. Aquele ar sombrio contrastava com a parede azul-celeste e suas leves manchas de mofo. Alguns espelhos colados na superfície lateral do prostíbulo mostravam quem entrava e quem saía daquele lupanar. Eles faziam par com alguns pôsteres da Marilyn Monroe, Brigitte Bardot e alguma desconhecida que posou para a Playboy nos anos 70. Um ventilador de teto funcionava bem devagarinho, não dava conta de suavizar o calor infernal daquela data. De vez em quando engasgava, parava e logo voltava a funcionar. Uma máquina jukebox movida a fichas tortas tocava o hit da Anitta, num volume sonoro beirando o insuportável.

Robson estava ali, quietinho, no canto mais escuro ainda, observando o ambiente. Tomou apenas uma latinha de cerveja, que ficava esquentando em sua mão durante longos minutos. Diante de seus olhos quase adormecidos passavam pernas magras, pernas brancas, seios fartos, seios siliconados, nádegas opulentas, biquínis fora de moda, cabelos oxigenados, pescoços morenos, cabelos curtos, tudo o que se podia imaginar do universo feminino. Como se estivesse num zoológico, espreitava atentamente, num misto de sede e curiosidade, a diversidade étnica da espécie humana. Até chegar sua musa preferida, estava ali analisando os modelos de carne expostos na sorumbática vitrine. Fitou a loira mais calada da noite e dirigiu-se a ela.
- Oi. Tudo bem?
- Tudo. Conhece o esquema da casa?
- Sim.
- Pagamento adiantado. Vamos lá esquentar um pouquinho?
- Vamos. Mas antes, qual é o seu nome?
- Jéssica.

A moçoila da vida foi até o balcão, pegou seu kit com toalha e nécessaire e, de mãos dadas, conduziu o inepto jovem ao mais recôndito quarto. Dentro do quarto, tirou a roupa em questão de segundos, ajudou o jovem a tirar a roupa dele, deitou-o na cama e e começou a fazer uma breve massagem em seu peito. Abriu sua bolsa, pegou um preservativo e lançou-se ao sexo oral.
Com uma cara de safada impossível de disfarçar, olhou pra cima e foi subindo. Montou suas coxas sobre o poste ereto do mancebo e começou a cavalgar. Num gesto automático, virou-se de costas para o rapaz, empinando suas nádegas.

Robson apertou o corpo de Jéssica para si e começou o trote. Cada vez mais rápido. Puxou os cabelos da sirigaita, o que a fez lançar alguns descontrolados gemidos. Jéssica virou-se de frente para Robson, no intuito de finalizar o ato épico de modo convencional. Cada vez mais ofegantes, ele se aproximou do rosto de Jéssica, tentou dar um beijo, mas ela o repreendeu:
- Beijo na boca não, gato. Não faço esse tipo de intimidade.


quinta-feira, 2 de julho de 2015

A linguiça da Cristina

Naquele cardápio engordurado, no meio de opções tão óbvias quanto provolone à milanesa e batatas fritas, destacou-se a insólita Linguiça da Cristina. O boteco não foi minha primeira opção. Na verdade, tratava-se de um refúgio, um consolo após uma frustrada tentativa de encontrar algum lugar vago no concorrido concorrente. No começo, confesso ter ficado um pouco temeroso. O sugestivo nome da porção inspirou-me associações mentais das mais sórdidas e pervertidas. Mas a alegórica descrição do exótico porcino me chamou a atenção. Letras ululantes, coloridas, vívidas como o arco-íris não puderam passar despercebidas. Fiz o meu pedido.

Diante de tal aberração semântica, imaginei tratar-se de um item exclusivo do cardápio. Uma iguaria quase afrodisíaca. Uma especialidade da casa, preparada com os mais autênticos ingredientes da culinária mineira. Uma fórmula secreta, que procria pelas encardidas megalópoles do país a tradicional receita da avó e leva consigo condimentos, bafo e calor humano. Erro crasso da minha parte.

O emudecido e mal-humorado garçom trouxe à mesa uma acanhada cesta de vime, tão perdida quanto a que embalou Moisés. Difícil concluir quem era mais lacônico: o atendente em seu pálido uniforme ou as rodelas de pão francês e seus límpidos miolos. Ao contrário das expectativas geradas, a tão aguardada Linguiça da Cristina em nada lembrava aquela artesanal e avermelhada linguiça rocambolesca típica de bar. Ou quem sabe aqueles petiscos apimentados, parecidos com moedas em sua forma e em seu vício. O supostamente inédito quitute chegou embalado por murchas folhas de alface que acolchoavam aquele pedaço de frustração. Bolinhas de carne encrespadas numa oleosa farofa, tão feia quanto indigesta. Sim, a promissora Linguiça da Cristina tinha sua alma insípida.