domingo, 18 de dezembro de 2016

2016

Eu vou levar comigo muita gente. Já no comecinho de jogo, pego o Bowie. Depois, Ettore Scola. Prince. Umberto Eco. Kiarostami. Ferreira Gullar. Fidel. D. Paulo Evaristo Arns. No finalzinho, levo também o Andrea Tonacci. Só de pirraça.
Aproveitando, vou levar também o carismático ator em alta Domingos Montagner, só porque esqueci de colocar uma plaquinha de área perigosa para banho.
Eu vou criar uma situação política insustentável, a tal ponto de expulsar a presidente do Brasil. Uns vão falar que é golpe.
Eu vou colocar no lugar dela um vice mimimi com um dos maiores índices de rejeição.
Eu vou fazer a cotação do dólar oscilar mais do que o brinquedo Viking, do Playcenter, aquele parque que foi embora 4 anos antes de mim.
Eu vou criar um dos maiores índices de desemprego da história do Brasil.
Eu vou fazer a população deste país sentir saudades do PIB zero.
Eu vou chocar o mundo com a imagem de uma criança refugiada da Síria.
Eu vou criar uma das eleições mais improváveis da principal potência mundial. Até o mais republicano dos republicanos vai estranhar o conservadorismo do futuro presidente.
Eu vou fazer a Venezuela virar motivo de chacota mundial.
Eu vou deixar a Cidade Maravilhosa em situação de calamidade pública. Vou atrasar o pagamento dos servidores. Vou trazer à tona escândalos financeiros de Garotinho e Sérgio Cabral, este último, que comprou joias carésimas com o dinheiro do povo como esquema de lavagem de dinheiro. Só pra completar, já que ando muito sádico ultimamente, vou botar na Prefeitura do Rio um bispo evangélico.
OK, OK. Eu vou dar uma saidinha e nesse ínterim meu substituto vai fazer uma das mais bonitas aberturas olímpicas da história. Ele vai trazer um monte de medalhas pra gente e vai dar um show de bola nos jogos paralímpicos. Mas tudo isso sem meu consentimento. Espera só vir a conta dessa brincadeira. Quem é que vai pagar?
Eu vou transformar a pacata Porto Alegre numa cidade insegura, com uma onda de roubos e assaltos nunca antes vista, só porque vou deixar de pagar policiais.
Eu vou fazer o dono da maior empreiteira do país ser o pivô da Operação Lava-Jato. Ele vai ser o principal dedo-duro do país, mencionando nomes de uma lista interminável de políticos que devem ir pra cadeia. Só não vou saber dizer se realmente eles irão pra cadeia e se cumprirão a pena na totalidade, em regime fechado e sem privilégios.
Eu vou manter a taxa de juros mais alta do mundo, para desestimular o crédito e os investimentos. Mas você pensa que essa medida vai conter a inflação? Tsã... sabe de nada, inocente...
Eu vou criar um dos piores acidentes aéreos, que vai levar embora quase um time inteiro de futebol.
Eu vou falar em corte de gastos públicos sem mexer uma palha neles. Engraxate do Congresso vai continuar ganhando mais do que médico com anos de especialização.
Eu vou deixar a situação salarial dos professores e o nível do ensino brasileiro numa situação tão ridícula que até os alunos vão ocupar as escolas.
Eu vou colocar um dos filmes brasileiros mais piegas para representar o país no Oscar. Tudo por causa de um entrevero ideológico no decorrer do processo das escolhas.
Eu vou criar uma conta tão confusa na questão do novo modelo da Previdência que nem o Einstein seria capaz de decifrar. A única coisa que as pessoas vão entender é que, quanto mais se trabalha, mais tempo falta pra se aposentar.
Eu vou fazer o nível de confiança na questão financeira do país ser compatível com países em situação de guerra.
Eu vou alimentar o ódio nas redes sociais. Haters serão meus porta-vozes.
Eu vou criar um dos Natais mais pobres da história.
Eu vou parecer ter 900 dias.
Eu sou 2016.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Ao telefone

- Cinecittá, boa tarde.
- Boa tarde. Eu queria falar com o Federico.
- Qual Federico?
- Como assim, qual Federico?
- Aqui tem vários Federicos, senhor. O Lorca...
- Federico Fellini, por favor.
- Quem deseja?
- Pasolini.
- Daonde?
- Pier Paolo Pasolini. Um amigo dele.
- Momentinho, vou passar...
(Passa-se um momentinho mais com cara de momentão. Volta a telefonista).
- Olha, ele não se encontra... Quer deixar algum recado?
- Seria só com ele mesmo.
- Vou tentar passar pra secretária dele.
(Nesse momento que fazem questão de chamar de momentinho, toca ao fundo um trecho de Rigoletto na espera telefônica).
- Seu Piemontese...
- Pasolini.
- Seu Pasolini, tô tentando transferir. Mais um minutinho, por favor.
(Rigoletto no ápice de seu momento mais dramático).
- Giulietta, em que posso ajudar?
- Giulietta, boa tarde. Aqui é o Pasolini, amigo de longa data do Fellini, tudo bem com a senhora? Preciso falar URGENTE com ele, mas me informaram que ele não está.
- Ah, sim, seu Pestalozzi...
- Pasolini.
- Pois não. Olha, ele realmente não se encontra...
- Pra onde ele foi?
- Deve ter ido acompanhar uma filmagem. Acho que chega mais pro fim do dia, ou só amanhã.
- Tem certeza?
- Vou dar mais uma olhada. Um momento, por favor.
(Sai a angústia de Rigoletto, entra a frenesi de Rita Pavone).
- É, ele não está. Poderia me adiantar o assunto? Eu sou a secretária particular dele.
- É que ele me deve uma grana, ficou de me pagar no máximo até o dia 30, e até agora nada. Vim pra cobrar ou saber o que está acontecendo.
- E de quanto seria esse valor?
- A gente tinha fechado em oito e meio.
- Mais um momento, por favor...
(Peppino di Capri em um inspirado background sonoro).
- Seu Pomodori...
- PASOLINI!
- Então... olha, eu JURO que ele não está. MEEESMO. Mas eu acabei de passar um rádio e ele me informou que o senhor pode procurar uma pessoa de confiança que com certeza vai resolver a questão. Ele não está tentando se livrar dessa pendência, não senhor. É que ele anda muito ocupado ultimamente e não pode resolver isso pessoalmente pro senhor. Mas fique tranquilo. Ele me indicou uma pessoa bem tranquila, bem ponderada, que vai fazer esse acerto de contas da melhor forma possível, OK? Desculpe o transtorno.
(Ennio Morricone surge em seus assobios das desérticas paredes daquele inóspito ambiente sugestivo a um duelo).
- E qual seria o nome do cavalheiro a quem devo procurar?
- Pacino. Al Pacino. Com um C só.


terça-feira, 22 de novembro de 2016

Mil anos

Em discurso numa universidade de Oxford, o físico britânico Stephen Hawking declarou que a humanidade vai se extinguir daqui a mil anos. É muito pouco tempo de sobrevivência.

Listei aqui alguns fatos e situações que precisariam de um prazo maior para se concretizar e, portanto, muito provavelmente nunca irão acontecer enquanto o homem for vivo.

Paz no Oriente Médio.
Conclusão das obras da Linha Amarela do Metrô de SP.
Sampaio Correa campeão da Libertadores.
Guns and Roses lança Chinese Democracy II.
Fim da Operação Lava-Jato. Todos os suspeitos indiciados.
SUS é referência para a Organização Mundial da Saúde.
Família Sarney abandona a política.
Família Baldwin abandona o cinema.
Fim do narcotráfico.
Despoluição do Rio Tietê.
Eduardo Suplicy termina uma frase.
NET zera reclamações no PROCON.
Brasil bicampeão no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Piada "é pavê ou pacumê" cai em desuso. Igreja aprova o uso de métodos contraceptivos.
Sul dos Estados Unidos aprova o casamento gay.
Fim das desigualdades sociais e da concentração de riquezas. Fim do assédio sexual e da discriminação racial. Fim do bullying. Imprensa passa a noticiar receita de bolo.
Big Brother Brasil sai do ar.

domingo, 20 de novembro de 2016

O verdadeiro significado das expressões

Vou me atrasar um pouquinho = estou saindo de casa agora
Ficou diferente = ficou ridículo

O problema não é você, sou eu = você me enche o saco
Estamos otimizando recursos para a maximização da qualidade = a partir de agora, nosso produto vai ser uma merda
Estamos passando por um processo de reestruturação = vou ter que te demitir
Procuro um homem que me compreenda e me dê atenção = procuro um homem rico e de pau grande
Ah, legal = que cara mala
24 horas por dia, 7 dias por semana = só dá ocupado ou ninguém atende
Vou procurar no estoque = acabou
Precisamos conversar = acabou
Só mais um minutinho = comecei a fazer agora
Tudo joia, se melhorar estraga = tudo uma bosta
Tendi = muda de assunto
Pode deixar comigo = não vou resolver seu problema
Ambiente rústico = lugar decadente
Acabei de chegar = tô te esperando há mais de 20 minutos
Vou pedir uma segunda opinião = não faço ideia
Estamos trabalhando para solucionar a questão = não faço ideia
Pensa mais um pouco = refaça
Você faz mais o tipo exótico = você é feio
O resultado ainda não é conclusivo = fodeu
Estão te chamando lá na sala = fodeu
Vamos marcar um almoço = provavelmente nunca mais vou te ver
Precisamos fazer apenas alguns ajustes = precisamos mexer pra caralho
Acho que foi a bebida = não vou dar pra você


terça-feira, 8 de novembro de 2016

Update de provérbios

Quem kkk por último kkkkkkkk melhor.

Mais vale um Pokemon na rua do que dois Angry Birds voando.

Deus ajuda quem cedo bota o Galaxy 7 pra tocar.

Em home office de front-end developer, mouse é de caneta esferográfica.

A agilização de processos é inimiga do padrão de excelência em qualidade.

Quem com Taurus RT 444 44 Magnum fere com Taurus RT 444 44 Magnum será ferido.

Em Playstation dado não se olha o console.

A trollagem tem dismetria dos membros inferiores.

Quando um tá na TPM, dois não fazem DR.

Para um geek, meio emoticon basta.

Diesel aditivado a R$ 0,99/litro não move Honda Civic.

Não adianta o emo chorar pelo zero lactose derramado.

Quem não tem carabina caça com pistola de pressão.

Ácido sulfúrico em porcelanato tanto bate até que dá PT.

Quem tudo quer foi criado com leite com pera.

Devagar se evita multa.

Não se faz um omelete sem assistir ao MasterChef.

Antes no 5 contra 1 do que nas roubadas do Tinder.

Caiu na net é phishing.

Errar é Ctrl + Z.

De MM’s em MM’s a criança sofre obesidade.

Em terra de deficiente visual, quem tem olho recebe foro privilegiado.

Filho de peixe é acusado de nepotismo no aquário.

Quem ama o feio é porque sofre bullying.

Quem espera sempre interrompe o download.

Onde há fumaça há detectores e brigada de combate a incêndio devidamente treinada.

Papagaio come milho, periquito é escalado pro The Voice.

Quem tem boca vai a Roma. E quem tem grana vai pros Alpes.


domingo, 6 de novembro de 2016

Coisas que você provavelmente nunca vai ouvir - parte 2

Desculpe o atraso. O trânsito estava uma maravilha, eu é que acordei uma hora mais tarde porque sabia que essa reunião vai ser um saco.

Adoro seu mau hálito matinal. Assim dá pra tentar adivinhar o que você jantou ontem à noite.

Pode jogar a fumaça do seu cigarro na minha cara. Fique à vontade.

Evite brócolis. Manera na cenoura. Doces e refrigerantes à vontade.

Aqui no templo do Senhor ninguém é obrigado a pagar o dízimo. Primeiro, quitem suas dívidas.

Continue parado aí na escada rolante. O aviso "deixe a esquerda livre" deve ser uma coisa mais pra política.

É exatamente isso que você está pensando. Eu te traí com sua melhor amiga. Também, quem mandou chegar mais cedo e não ligar?

É aqui mesmo. Três carrinhos lotados, fique à vontade. A placa "máximo 10 volumes" é meramente decorativa. Se quiser pegar mais 3 detergentes e 1 quilo de cebola, eu espero.

Inteira, moça. Eu tô te mostrando meu RG e comprovante de matrícula pra você me conhecer melhor.

Por que eu sou o candidato ideal pra vaga? Puxo o tapete de quem não vou com a cara, puxo o saco do chefe pra tentar ganhar um aumento e fico o dia inteiro enrolando fingindo que tô trabalhando.

Podem colar à vontade. O importante é a socialização com os nerds.

Para continuar ouvindo nossa selecionada música de espera, digite 1. Para falar mal dos nossos serviços, digite 2. Ação no Procon, digite 3. Solicitação de visita técnica que custa o olho da cara, digite 4. Para passar por todos os nossos atendentes que não fazem ideia de como resolver seu problema, digite 5 ou aguarde.

Pra quando? O tempo que você precisar. Eu falo pro cliente que o importante é a grande ideia. Deixa a inspiração fluir...

Vamos agora falar com o melhor jogador em campo, que provavelmente vai dar as mesmas respostas decoradas de todas as outras entrevistas, já que as perguntas que o estagiário criou também são as mesmas de sempre.

Procuro homens que não querem nada com nada, que só entraram aqui pra stalkear o perfil das mulheres e o máximo que podem oferecer é um papo chato de trabalho e uma trepada mal dada. Única coisa que peço é que dê carona até minha casa pra eu não precisar gastar com Uber.


segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Panetone

O ciclo de vida do panetone.
Em setembro, começa a aparecer no supermercado. Caríssimo. Tipo R$ 60 o quilo. Sensação deprimente. Não só pelo fator "caríssimo", mas também pela constatação de que o ano já acabou.
Em outubro, brotam os derivados. Panetone de Prestígio, panetone de Suflair, chocotone, moussetone, panetone de Kinder Ovo, panetone de Godiva. Também caríssimos.
Em novembro, eles estão lá, firmes e fortes. Dominando as gôndolas. Gritando nos seus ouvidos pra você comprar.
Bom, dezembro é um mês complicado... funciona meio que como a Bolsa de Valores, a cotação do dólar... começa com o preço nas alturas, pra compensar a liquidação do Black Friday, sobe mais ainda, cai, volta a valer peso de ouro, entra na lei da oferta e da demanda e, após o dia 25, passa a ficar acessível, ainda que não se justifique pagar R$ 30 por meio quilo de pão com pedacinhos de fruta que mais parecem gelatina congelada.
Em janeiro, o preço da iguaria vai lá pra baixo, já que todo mundo gastou suas economias com IPVA, IPTU e CVC. O nobre sabor do Natal passa a ocupar um tímido cantinho do supermercado, junto com vassouras, inseticidas e naftalina. Quem é que ainda compra naftalina?
No mês do Carnaval, o valor percebido da sobremesa tem um quê de mistério e de indecência. O que antes custava R$ 50 agora você leva por R$ 5. E ainda ganha aquela latona que, além de ocupar 70% do carrinho, te dá a chance de participar de um sorteio do cruzeiro marítimo do Roberto Carlos, ocorrido há 2 meses atrás.
Antes de valer menos do que um chiclete, o panetone é recolhido das prateleiras em março. Vai pro abatedouro da reciclagem. Chegando à fábrica, entra novamente numa forma. Só que não estamos mais falando de uma massa fofinha e fresquinha. O idoso pão doce precisa de uma verdadeira recauchutagem. Seu corpo é reconstituído à base da tortura do faz-caber. Entra na maca cirúrgica praticamente embolorado e transforma-se num amontoado de encaixes que bem lembram o jovem Frankenstein. Mas não tem importância. Essa época do ano precede a penitência cristã. Todo o sofrimento do corpo é compensado com muito jejum e muita reza. E, pra disfarçar a eletrizante agonia, um pouco de açúcar de confeiteiro por cima. Pronto: Colomba Pascal by Ivo Bauducco Pitanguy.
Já sem tanta ostentação glamourosa como em outrora, o recondicionado panetone sob nova alcunha bem que poderia voltar aos mesmos palcos. Está tudo ali: a massa, as frutas e os conservantes acidulantes. Só está um pouco fora de forma, é fato. O fabricante quer porque quer fazer parecer um pombo, mas o consumidor não vê ali nada mais além de um filhote do cruzamento de polvo com kikos-marinhos. A aberração genética em questão, portanto, passa a ocupar aquele pedaço do latifúndio do estabelecimento tão insignificante quanto indefinido. Um buraco negro entre os pães, as sobremesas, as geleias, os dietéticos e o material escolar. Um espaço amorfo, condizente com a estrutura óssea da criatura.
O amargo ostracismo se justifica. É a chegada dos ovos de chocolate, botados por coelhos. Não me pergunte como. Não sei. Mas que isso vende, vende.
E assim a Colomba Pascal lança seus últimos suspiros de vida. Em abril, maio e junho. O bromato ancião chora junto com os ovos que se quebram, vê passar as pipocas e amendoins das festas juninas, e também sente na pele o peso da idade do curau: de R$ 7,50 por apenas R$ 1,99.
Em julho, pode-se perceber a existência de um ou outro agonizante ser que um dia foi panetone. Uma espécie em extinção, direcionada única e exclusivamente para fins de pesquisa. É o enterro da raça. Em agosto, o panetone aparece somente em livros de história, para dar lugar a uma nova safra que irá nascer no mês seguinte. Tudo para provar a perfeição da natureza: nada acontece em agosto.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Resenha

(Dica de resenha para quem não entendeu nada daquilo que viu. Copiar e colar. De nada.)


Já fazia muito tempo que essa metrópole não era invadida por uma obra-prima tão sorumbática e armagedônica. Com um estilo pseudo-naïve, calcado nos minimalismos estéticos da nouvelle vague, o autor fez questão de registrar sua sintagmática incontinência catastrófica de provocar. Algo que nos remete ao ostracismo de Nietsche e Kafka, com texturas solfejantes de Carlos Gardel. Incompreendido até a medula, esse recorte social transita nas vestimentas kitsch de Almodóvar, sem perder a mão e a lúgubre consistência bergmaniana do subtexto. Não dá para ficar indiferente a essa regência silábica desorquestrada em seus paradigmas, quando a ruptura hitchcockiana desconstrói a leveza noir tão vulnerável quanto obsoleta. Uma epígrafe tarantinesca para ver, rever e anotar cada pormenor, inclusive seu flerte com os arcabouços da dodecafônica literatura de cordel. É ali que o trabalho ganha organicidade e escapa da diegese de seus antecessores, talvez uma influência maldita que o autor faz questão de abandonar. Na crueza de suas texturas, ou na arregimentação cromática de seus significantes e significados, essa obra definitiva mostra os claros ecos que o legado do primeiro álbum do Red Hot Chili Peppers deixou. Ou o segundo.

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Prender

- Amor... moreee... tô pensando numa coisa...
- O que é, benhê?
- Acho que vou prender meu cabelo.
- Como assim? Sem mais nem menos?
- É...
- Mas isso é uma atitude arbitrária.
- Por quê?
- Para prender, você precisa de provas concretas.
- Mas eu querooooo...
- Não me venha com convicções. Eu quero PROVAS. O que te faz pensar em prender o cabelo?
- Sei lá... Eles estão assim... meio rebeldes...
- Ah, então agora você é contra os rebeldes... sei... vai reprimir a força natural de seus cabelos. Uma fascista aqui em casa, era só o que me faltava...
- Quero mudar um pouco, só isso.
- OK, mudanças OK. Mas você quer prender algo que nasceu solto. Isso é autoritarismo. Você não deu oportunidades para seu cabelo se manifestar.
- Eu só queria a sua aprovação...
- Só a minha aprovação não basta. Você precisaria ter maioria.
- Então tá. Eu vou chamar minha mãe pra mostrar pra ela que fico melhor com o cabelo preso.
- Ah, vai chamar a sua mãe, então? Além de repressora, você quer fazer um espetáculo! Não basta prender, tem que ser midiática e sensacionalista, você!
- Você não está me ajudando...
- O que você quer que eu faça? Apoie essa atitude golpista?
- Não. Queria uma opinião, só isso.
- Eu não decido as coisas sozinho, você sabe disso. Eu sou um cara democrático.
- Então me dá um palpite. Se prender não tá bom, o que você acha que eu devo fazer? Cortar?
- Pronto, agora vai partir pra violência... não basta o abuso da autoridade, precisa usar armas de repressão. Além da tesoura, você quer também um spray de pimenta, um gás lacrimogêneo? Uma bala de borracha, talvez...
- Você não me entende (começando a chorar)... eu só queria ficar um pouco diferente... mas acho que não posso contar com você... vou dar um pulinho lá no salão da Cida, ela tem umas ideias ótimas pro meu cabelo.
- OK... vai... só não conta pros vizinhos... o pessoal das investigações tá caindo em cima... vai que eles aparecem aqui, vão querer saber de onde a gente arranjou dinheiro pra cabeleireira... se me perguntarem alguma coisa, vou dizer que não sei de nada...


sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Xampu

Relacionamento é algo tão complicado quanto imprevisível. Você aposta todas as suas fichas para que dê certo, mas ao mesmo tempo precisa ser perito no incógnito campo das adivinhações. Tá mais pro improviso do jazz do que pro certinho 4X4 do rock. Tá mais pro repentista do que pra literatura de cordel. Um relacionamento pode durar tanto uma eternidade quanto mais ou menos 10 minutos. Para que se prolongue pela efêmera eternidade humana, alguns critérios e alguns cuidados são mais do que necessários.

Tomemos como exemplo a visita de sua namorada ao seu lar, doce e bagunçado lar. Ah, tá. Preâmbulo: vocês se conheceram num bar, trocaram ideias, trocaram mais beijos do que ideias, marcaram um segundo encontro, cineminha de mãos dadas, terceiro encontro, só depois do terceiro rolou sexo, talvez dê pra dizer que a coisa é séria a tal ponto de mudar o status no Facebook. Aí a gata vai conhecer seu território. Num relacionamento, essa fase é definitiva.
Na cabecinha oca masculina, a chegada de uma fêmea a um ambiente cheirando a cerveja e pizza requentada em micro-ondas soa como uma noite interminável de prazer. Você, homem, já começa a alucinar a visualização de sua futura esposa de cócoras sobre a máquina de lavar. Imagina a moçoila fazendo poses eróticas com o esguicho do chuveiro do boxe. Acha que vai transar com ela na cozinha, na sala, no quarto adjunto, sobre a coleção de DVDs do Scorcese. Sonha que vai transar com ela na garagem, sobre o capô do seu Honda Civic. Você, homem, na sua mentalidade ignóbil, acha que sua namorada vai, do dia pra noite, se transformar na Bruna Surfistinha do Tatuapé. Começa a imaginar sua residência como a Disneylândia do amor físico. Seu ouvido seletivo entende o “quero ir pra sua casa” como “quero dar loucamente pra você”.

Essa é a percepção masculina. A realidade feminina é bem diferente. A mulher decide conhecer sua casa pra conhecer você melhor. Em seu paranoico e obsessivo detalhismo, repara na cor cafona do tapetinho do hall. Mulher é pior que Sherlock Holmes. Consegue decifrar o ano em que a casa foi erguida só de olhar pelo batente descascado. Sua talvez quem sabe futura esposa adentra o recinto como se estivesse passando de fase do Criminal Case. Ali, nada acontece por acaso. Tudo tem uma relação de causa e efeito. Se tem marca de copo sobre a pia, aquela rodela de água que se forma sobre a superfície, é sinal de que alguém mais esteve na moradia. Se teve alguém mais na moradia, certeza que o cara tá traindo a moça. Mulher observa tudo com olhos de lince. As pessoas no porta-retrato. Os ímãs de geladeira. Começa a cheirar as camisas que o homem deixou sobre o móvel pra ver se precisa lavar. Repara se tem toalha molhada em cima da cama. Ou se a pasta de dente está apertada na ponta ou no meião do tubo. Faz minuciosas averiguações para descobrir se tem algum resto de pipoca ou de Ruffles debaixo do sofá da sala. Entregar seu corpo para o sexo é a última das prioridades. Mais importante é abrir o guarda-roupas pra ver se todas as cuecas estão dobradas. Para a pessoa do sexo feminino em questão, transformar a casa do namorado numa montanha-russa do prazer carnal é algo quase fora de cogitação. Melhor mesmo é ficar nesse jogo de investigações: o copo que deixou a marca sobre a pia pertence ao Coronel Mostarda, que pegou um candelabro e se dirigiu à sala de estar.

Divergências de postura acontecem. Diferenças dos níveis de expectativas, mais ainda. Tudo isso pode ser contornado. Basta um pouco de tempo e de paciência. Mexe-se ali, mexe-se ali, até que um se acostume às manias e costumes do outro. Apesar dos possíveis contratempos, esse mal-estar da primeira visita pode ser contornado e futuramente esquecido. Não fosse por um outro detalhe: o xampu. Na hora de tomar banho, seja antes ou depois do sexo, pra você, homem, qualquer fundinho de anticaspa em embalagem verde-escura com data de validade em agosto de 2009 tá valendo. Já os cuidados estéticos femininos são um pouco mais apurados. É ali, naquele momento embaçado pelo vapor aquático que se define se o amor é eterno ou volátil. A mulher exige do homem, no caso você, um pró-vitamina com polpa de abacate, creme de ácido retinoico reparador de pontas, redução de manga e partículas revitalizantes de cristais de berílio. Tipo um prato do Alex Atala, só que pra botar em cima da cabeça em vez de comer.

Meu caro, fica esperto. Se o relacionamento acaba, não é porque faltou amor, carinho e compreensão. Faltou apenas um pouquinho mais de cristais de berílio.


sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Por quê?

Por que as pessoas dão nome pra cachorro mas chamam ele pelo apelido?
Por que o limão nunca é da cor verde-limão?
Por que a gente dá parabéns quando a pessoa fica mais velha?
Por que a Av. Brig. Luís Antônio é conhecida por Brigadeiro e a Av. Brig. Faria Lima é conhecida por Faria Lima?
Por que paulista só dá um beijinho no rosto? E por que sempre do lado direito?
Por que os estabelecimentos com a plaquinha “facilite o troco” sempre têm mais troco do que os estabelecimentos sem plaquinha alguma?
Por que os postos de gasolina mais próximos sempre estão fechados quando o tanque tá na reserva?
Por que “um minutinho” demora muito mais do que 60 segundos? E por que “tô esperando há meia hora” é bem menos do que 30 minutos?
Por que as pessoas gritam quando acaba a luz durante o dia e cochicham quando acaba a luz à noite?
Por que a estação de metrô Consolação fica na Av. Paulista e a estação Paulista fica na R. da Consolação?
Por que a caixa preta do avião é da cor vermelha?
Por que mulher que diz “não” quer dizer “sim” e quando diz “sim” quer dizer “vou pensar”?
Por que a chave da porta de sua casa é sempre a última do molho?
Por que a pessoa que fala “aparece lá em casa” jamais quer que você apareça lá na casa dele?
Por que dizem que rir é o melhor remédio, mas vendem saco de gargalhadas em loja de mágicas em vez de vender em farmácia?
Por que a gente chama os amigos de “mano” e “brother” mas não chama os irmãos dessa maneira?
Por que as pessoas ainda falam “cair a ficha” sendo que ninguém mais usa ficha? E por que essas pessoas ainda falam “muda o disco”?
Por que ninguém sabe onde a R. Vergueiro começa e onde ela termina? E por que ela muda de nome num trecho bem no meio do trajeto?
Por que a gente costuma dizer que a grama do vizinho é mais verde, sendo que a casa dos nossos vizinhos não tem grama?
Por que a gente afina a voz quando conversa com bicho? Aliás, por que a gente conversa com bicho?
Por que quando a gente entra num motel a primeira coisa que faz é ver se o rádio funciona? E por que ele nunca funciona?
Por que a gente comemora o réveillon à meia-noite do dia 31, sendo que é horário de verão?


sábado, 6 de agosto de 2016

Tinder

Mais uma enquete. Mais uma pesquisa de opinião sobre o Tinder. Tô ficando repetitivo, mas até aí foda-se. Melhor do que ficar elogiando a abertura dos Jogos Olímpicos. Vamos ao veredito:

Entro no aplicativo, rola um match, trocamos algumas conversas, marcamos um encontro. Nada muito avançado ou pretensioso. Algo como um café, um sorvete, um cinema. No meio do papo, a pessoa solta um "acho que vou voltar pro meu ex". Daí você conclui que:

a) Ela de fato pretende reatar com seu ex. Em suas perambulações cibernéticas constatou que, apesar das inúmeras brigas, o ex é infinitamente superior a esse bando de loucos, drogados e putanheiros que frequentam sites de relacionamento.
b) Ela está apenas sondando o ambiente, fazendo uma pesquisa de mercado, avaliando tendências comportamentais. Um estudo antropológico. Não quer definir nada de imediato, por impulso. Prefere o amadurecimento das ideias. É que nem mulher que vai comprar roupa em shopping: JAMAIS ela fecha negócio na primeira loja que entra.
c) Ela está, digamos, "se fazendo de difícil". Valorizando seu passe. Trazendo mais elementos para que a conquista seja verdadeira e sua escolha seja mais assertiva. Incentivando o seu mecanismo propulsor das súplicas de amor. Mencionar o ex, neste caso, funciona como uma espécie de provocação para você sair de sua zona de conforto. Indiretamente, ela quer despertar o lado Jane e Herondi dentro de você: "Não se vááá... / Não me abandone por favooor...". Do ponto de vista prático: ela está pedindo nas entrelinhas para você escrever uma poesia, oferecer flores, declamar Rimbaud de cor e salteado, fazer um curso de Gastronomia e adotar um Labrador.
d) Ela simplesmente não sabe brincar. Entrou no Tinder só por curiosidade, gostou de algumas pessoas, se encheu, tentou sair, não conseguiu, voltou com o ex, tentou novamente apagar o perfil mas esqueceu a senha, brigou com o ex, tentou voltar pro aplicativo mas alguma coisa deu pau, voltou com o ex mas deixou o perfil invisível, esqueceu o celular na Linha Amarela do metrô, trocou de celular, perdeu todos os contatos, voltou pro Tinder sem os contatos, mudou o perfil, deu erro de configuração, foi pro POF, voltou pro ex antes do ex, saiu do POF e, hoje, sua vida é um erro de configuração. Não é à toa que ela demorou mais de 20 dias pra te dar um "oi". O encontro de vocês foi um sintoma de um delay. Entre uma passagem de cena e outra, muita coisa aconteceu.
e) Ela é uma mundana. Terminou com o ex mas de vez em quando tira o atraso com ele, arrumou um outro provisório mas não sente nada por ele, apaixonou-se por um inacessível do trabalho, casado e muito mais velho e, pra não tentar resolver a barca furada em que se meteu, usa o Tinder como um gancho de aventuras e um suporte para se autoafirmar. Tudo muito rápido e volátil. O hoje é diferente do ontem. Falar que vai voltar pro ex é mostrar que você foi lerdo. Não percebeu nem soube aproveitar a deixa de 4,5 segundos que ela te deu. Agora, meu caro, a fila anda. Seu número de sorte 387 expirou. É que nem senha do Spoleto em praça de alimentação, saca?
f) Ela é insegura, tem medo de tomar decisões, demora muito pra fazer escolhas, tem medo de fazer escolhas erradas, mas também tem medo de não fazer escolha nenhuma. Ela não sabe o que quer. Mulher nenhuma sabe o que quer.
g) Aquele selfie com cara de intelectual que você tirou na Livraria da Vila até que despertou nela um certo interesse. Mas, no mundo real das relações, ela não foi com tua fuça. Além de mala e coxinha, você não tem sex appeal algum. Ela nem se deu ao trabalho de caprichar na criatividade da desculpa. Usar esse eufemismo desgastado soa tão patético e improvável quanto "vou sair para comprar cigarros".

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Esquadrão Suicida

Por Antonio Carlos C. Junior



Trata-se de um ótimo filme, com um inicio bem frenético. E um final surpreendente. Enredo bem amarrado, com uma breve descrição de cada personagem. Ótimo para quem não conhece o universo DC.

O carisma dos personagens também é muito bem explorado. Tive uma primeira impressão de terem focado muito no pistoleiro (Will Smith) achando que poderia rolar uma “willsmithzação” mas, no decorrer do filme, eles souberam dar bastante ênfase em todos os heróis/anti-heróis.

Como eu já imaginava, os dois protagonistas que souberam cativar bastante o publico com certeza foram o Coringa (Jared Leto) e sua namorada, Arlequina (Margot Robbie), trazendo uma pitada de insanidade e comédia à trama.

Sobre as especulações referentes ao filme, esqueçam. É um ótimo passatempo com alguns easter eggs dos próximos lançamentos do universo DC e também dos que já estrearam, como é o caso do Batman X Superman (um leve spoiler: no final pós-créditos, uma cena alusiva ao filme). Esquadrão Suicida é espetacular, com alguns momentos de adrenalina misturados a piadas e muita insanidade. Realmente, a DC vem se superando cada vez mais.


quinta-feira, 7 de julho de 2016

Protozoários

Trabalho escolar para fazer em casa. Pesquisa sobre protozoários.

Anos 50: você pega emprestado o Thesouro da Juventude de sua avó e procura o verbete no índice. Encontra o verbete no último dos 32 volumes da coleção.

Anos 60: você vai até uma biblioteca pública, pega dezenas de livros, pega outros tantos que nada têm a ver com a pesquisa, devora Kant, apaixona-se por Sartre, decora Marx e sai de lá líder do movimento estudantil.

Anos 70: você vai até uma biblioteca pública, participa de um sarau, descobre a maconha, transa com uma riponga na prateleira de Kerouac e sai de lá ator de teatro.

Anos 80: você paga o CDF da classe pra fazer a pesquisa com o dinheiro de sua mesada e passa a tarde modelando seu cabelo com gel antes de ir pro fliperama.

Anos 90: você descobre a existência do Google. Encontra 147.213 resultados para sua busca, gasta 80% do tempo tentando se reconectar à internet por conexão discada, copia e cola o texto da página UOL Ciência e passa o restinho da tarde vendo MTV.

Anos 2000: você cria uma comunidade no Orkut com o tema, recebe 537 comentários, copia e cola a resposta mais longa e prolixa e passa o resto da tarde no chat do ICQ.

Anos 2010: você não só se recusa a fazer a pesquisa como também questiona a existência dos protozoários e cria um grupo no WhatsApp com seus colegas de classe para fazer um motim exigindo a demissão do professor que utiliza métodos arcaicos e discriminatórios para explicar a origem da vida na Terra.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Smartphone

Situação: você está sem relógio.
Objetivo: ver as horas pelo seu smartphone.
Ação: tira o celular do bolso. Percebe uma ligação perdida de um número desconhecido. Abre pra ver o horário da ligação. Foi de madrugada, deve ter sido engano ou trote. Começa a receber mensagens de WhatsApp. Entra numa das conversas e responde. pro seu amigo. Ao mesmo tempo, recebe inúmeras outras de um grupo do qual você deveria deixar de participar há tempos. Deleta todas. Bota o grupo no silencioso. Fecha o Whats. É notificado de alteração de itinerário de uma linha de Campinas pelo Moovit. Ignora a mensagem. Recebe outro Whats. Tenta ler a mensagem inteira pela tela inicial. Não consegue, ela se apaga. Entra de novo no aplicativo. Lê na íntegra a mensagem de seu colega de trabalho avisando que vai chegar mais tarde. Responde laconicamente. Recebe uma mensagem da operadora informando de acréscimo do dígito 9 na região de Nossa Senhora das Dores do Montemor. Apaga a mensagem. Entra de novo no Whats. Vasculha sua lista pra se certificar de que ninguém te excluiu ou apagou a foto. Dá uma stalkeada na foto daquela amiga de leve. Volta. Entra no Instagram. Olha as 5 primeiras fotos, e só. Adiciona as 7 pessoas que acabaram de entrar. Sai do Insta. Entra no Facebook. Visualiza as principais notificações do dia. Tenta mandar mensagem pro amigo que não tem Whats. A conexão dá pau. Volta pro Whats, só pra ver se tem alguma novidade. Nada de novidade. Desliga o celular. Guarda no bolso.
Esquece de olhar as horas.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Tempo e espaço

De acordo com a Teoria da Relatividade, tempo e espaço são uma unidade geométrica unificada e estão profundamente entrelaçados.

A partir desse conceito, muita coisa pode mudar no nosso cotidiano e nas nossas relações pessoais. Por exemplo: quando sua namorada diz “acho que é melhor a gente dar um tempo”, talvez ela esteja se referindo a uns 3 quilômetros e 250 metros. Se o tempo dela é um eufemismo para encobrir algo mais drástico, como “nosso amor acabou”, é sinal de que, no fundo, ele corresponda a cerca de 4.213.827 quilômetros. Mais ou menos como ir daqui até o Acre. Ou voltar para 1980.

Entristecido, você recorre ao Tinder, ao POF ou qualquer outro aplicativo-cardápio. Vasculha as opções disponíveis, até que encontra uma pessoa praticamente 100% compatível, não fosse por um detalhe: ela é 22 quilômetros e 5 metros mais velha que você.

Mais um exemplo. Vamos supor que finalmente apareça outra namorada, que vive reclamando de que “você não me dá espaço”. Nessas horas, muita calma. Faça uma surpresa. Chegue em casa e dê a ela 2 horas e 47 minutos. Ah, junto com uma caixa de bombons.

Pronto, tudo certo. Então vocês decidem ter filhos. Quando ele completa 7 quilometrinhos, resolvem viajar de carro pra Poços de Caldas. Todo mundo um dia na vida vai pra Poços de Caldas. Durante TODO o caminho, seu belo e formoso garoto pergunta: “falta muito?”. Aí é que a coisa pega. É a primeira crise séria do casal. Você, o pai autoritário da história, diz: “uns 30 quilômetros, não enche”. Sua esposa, um pouco mais liberal, responde por cima: “calma, Diego. Daqui a 40 minutos a gente tá chegando”. E o filho mais uma vez foi o protagonista de um terremoto familiar. É, criança é esperta mesmo.

Quer mais crise? Outra cena. Imagine aquele frio. Não um frio qualquer. Um puta frio. Você chega em casa cansado, come qualquer coisa e se enfia debaixo das cobertas. Sim, vai direto dormir. A essa altura do campeonato, o sexo só ocorre a cada 680 metros. No meio da madrugada, sensação térmica de uma caveira chupando Halls extraforte, sua mulher puxa para si toda a lã existente sobre os lençóis. Aquela imaginária linha de Tordesilhas que divide a cama ao meio, esquece. Semanas depois, vocês discutem a relação e terminam um relacionamento de mais de 400 quilômetros de alegrias por causa de 18 minutinhos de cobertor.


quarta-feira, 8 de junho de 2016

Cochichar não vale

Aqui em São Paulo, num chamado "cinema de arte", a vinheta com aquelas informações de segurança orienta os espectadores a não falar durante a sessão, mas depois o locutor faz uma equivocada ressalva: "cochichar vale". Como assim, cochichar vale? Desde quando?

Sobre esse assunto, sou mais extremista que o Estado Islâmico. Ou berra, ou cala a boca. Ou é preto, ou é branco. Nada de ficar inventando tons de cinza para diminuir o impacto da atitude. Tudo bem que falar alto incomoda muita gente. Chutar a cadeira também. Tossir, idem. Barulho de saco de pipoca, papel de bala, holofote de smartphone, a mesma coisa. Mas tenho certeza de que o cochicho é uma invenção de novo-rico. Aquele povinho que vai ao cinema, ao teatro, ao concerto, quer atrapalhar a sessão o mínimo possível mas não aguenta segurar o comentário até o fim do espetáculo. Um comportamento supostamente delicado, mas tão desrespeitoso e anticivilizatório quanto. Cochichar é tão jeca quanto comer frango de talher. É que nem tomar banho morno.

Imagine duas situações possíveis, totalmente enquadradas no seu dia a dia cinematográfico. Situação 1: você está confortavelmente instalado em sua poltrona, o filme está para começar, o público aparentemente tranquilo. Faltando exatos 14 segundos para o início da sessão, surge uma horda de adolescentes gritando, derrubando pipoca no chão, acendendo smartphone, contando piada, rindo alto. Por um acaso do destino, resolvem se sentar na mesma fileira que você, ocupando-a de cabo a rabo. Antes que o filme de ação se transforme num mercado persa, você emite um sonoro SHHHHHH, tipo freada de ônibus de excursão, saca? Se continuarem a balbúrdia, você troca a onomatopeia implícita na desinência por um ululante SILÊÊÊNCIO, só pra ver se a porra da Geração Y se assusta. Provavelmente, vão continuar chutando o pau da barraca. Aí, você discretamente pega o copo de refrigerante do comparsa ao seu lado, derruba "sem querer" o líquido em sua perna e faz um hipócrita pedido de desculpas.

Situação 2: primeira sessão do dia, 13h30, sala ocupada predominantemente por velhinhas. A maioria, num estágio avançado de surdez. O lugar é o Reserva Cultural, mas poderia ser o Itaú Frei Caneca, o Bristol ou o Cinesesc. Aquilo é metalinguagem pura. Desde o momento em que adentram a sala, as senhorinhas descrevem a dificuldade de enxergar no escuro. Depois, reclamam da dificuldade de descer as íngremes escadas. E, por final, quando se sentam em seus lugares, narram to-das-as-ce-nas do filme em questão. Com direito a reprodução de diálogos, comentários e até um ou outro "não entendi". Você, então, faz a mesma coisa da situação 1: SHHHH. Obviamente, elas não vão ouvir. Pede silêncio. Elas vão achar que é personagem extracampo do filme. Aí, não tem jeito. Num caso irremediável desse, você se vê obrigado a despertar a besta-fera que há dentro de você. Olhe fixamente para elas, faz cara de possuído pelo demônio, tente dar um giro de 180º em seu pescoço, deixe a voz rouca e fale "doce de abóbora" de trás pra frente. Não tem erro: elas não vão dormir por uma semana. Se, mesmo assim, por uma razão inexplicável da natureza o falatório continuar, chegue em casa à noite e reze. Vai por mim. Quando se reza, as coisas acontecem.

Nos dois exemplos acima, a situação é chata, mas contornável, ainda que a duras penas e com uma certa dificuldade e dose de paciência. Você detecta o alvo, mira o alvo e solicita um pingo de silêncio e de cidadania ao alvo. Com o cochicho é diferente. Você não sabe direito de onde ele vem. É aquela massa amorfa de ruídos. É um disparo cometido por autor desconhecido. Parece uma nuvem de pernilongos que paira no ar. E o que dá mais raiva é aquele amontoado incompreensível de sílabas repletas de "p" e de "b". Em vez de pipoca e Halls, os cinemas deviam vender raquete elétrica na entrada. Por uma questão de princípios. E pra tentarmos exterminar essa raça de himenópteros que se acham intelectuais.

terça-feira, 7 de junho de 2016

Namorados

Sou mesmo um cara de sorte. No Dia dos Namorados, não vou precisar enfrentar filas de shopping para procurar aquele perfume dito "exclusivo", junto com outras dezenas de namorados procurando exatamente o mesmo perfume, todos eles tão exclusivos quanto eu. Não vou me dar ao trabalho porque, na verdade, nem preciso comprar o presente. Não preciso comprar o presente porque, na verdade, não estou namorando. Logo, o meu não-presente é totalmente dedicado a você, que me bloqueou do WhatsApp e postou fotos no Instagram acompanhada de um sarado, alegando que estava a fim de ficar um tempo sozinha.

Para o próximo Dia dos Namorados, fiz questão de não reservar aquela mesa no bistrô pensando em você, que da última vez reclamou que meu gosto para roupas e para música é péssimo. Portanto, demorei horas para não escolher um filé de Saint Peter com redução de frutas vermelhas e farofa de amêndoas. Logo, nada mais justo fazer um não-brinde ao nosso não-relacionamento e não abrir uma garrafa de Cabernet Sauvignon, safra 2009. Afinal, estamos não-comemorando aquele dia em que você falou que os homens são todos iguais, entretanto, me trocou por um muito mais igual do que eu.

Para a especialíssima data vindoura de 12 de junho, gastei todas as minhas energias para não procurar aquele vestido azul-escuro que você tanto paquerou durante meses na vitrine da loja. Só não sabia eu que, junto com o vestido, você também paquerou o vendedor da loja ao lado, aquele hipster de cabelo milimetricamente desgrenhado, barba delineadamente malfeita e um gibi de tatuagens em sua pele clara. Junto com o vestido, faço questão de não oferecer a você a calcinha preta de renda para a noite de amor que não iremos passar juntos, já que você muito provavelmente vai estar no bar com suas amigas e vai ficar com o primeiro homem que colar na sua mesa. Talvez o segundo.

Estou contando os minutos para não celebrarmos o dia em que não irei te dar nenhuma joia, não irei declamar poesia alguma, muito menos cochichar no seu ouvido palavras de baixo calão. Tudo isso porque você não me ama como nunca me amou antes. É um privilégio não ter você ao meu lado e, consequentemente, não rirmos juntos das piadas batidas, não chorarmos juntos no drama francês, não pedirmos uma pizza num sábado chuvoso, não ficarmos abraçados no sofá até pegarmos no sono. Felizes de nós, que juramos não amar eternamente um ao outro.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA DE UM E.T. EM VISITA AO BRASIL ou 1001 COISAS PARA SE OBEDECER ANTES DE MORRER ou BRASIL – PAÍS DA DIVERSIDADE E DA TOLERÂNCIA



Tocar apito pode. Bater panela não pode.

Comer mortadela pode. Comer coxinha, não.

Cuspir pode. Bater, nem pensar.

Ler a Veja não pode. Carta Capital, pode. Ou melhor, deve.

Usar vermelho pode. Usar amarelo, não.

Duvivier pode. Porchat, não.

Ouvir Chico, mais do que pode. Ouvir Lobão, tá louco?

Morar em Cuba pode. Morar em Miami não pode.

“Hay que endurecer” pode. “Ordem e progresso”, melhor não.

Vai pra Paulista? Ficar do lado do MASP pode. Do lado da FIESP, pega mal.

#ForaCunha pode. #ForaDilma, não.

Luís Nassif pode. Sardenberg, não.

Jô Soares pode mais ou menos. Danilo Gentilli, nem a pau.

Bolsa-Família deve. Bolsonaro, evite.

William Bonner não pode. William Waak, muito menos.

Silêncio em Cannes é protesto. Gritar de casa é balbúrdia.

José de Abreu pode. José Serra, nemfu.

Quebrar o Mc Donald’s pode. Quebrar o Brasil, aí é que pode mesmo.


sexta-feira, 6 de maio de 2016

Dados variáveis

- Pessoal, a partir de hoje vamos adotar aqui na agência um padrão de customização do nosso material de comunicação. Na parte dos dados variáveis, aqueles campos personalizados, precisamos pensar num nome que sirva para a marcação de todas as peças, de todos os nossos clientes. Queria ouvir a sugestão de vocês.
- Eu sempre uso Fulano de Tal.
- É, mas isso é comum demais. Desvaloriza o cara que tá recebendo o e-mail. O cliente vem reclamando disso.
- Por que então não usar João Alves?
- O anão do orçamento? Cê tá louco?
- Ah, tá... não sabia... não é da minha época...
- Lá na Pinnick & Partners Worlwide onde eu trabalhava, a gente sempre usava John Sample.
- Ah, sofisticado demais. Não gera empatia, identificação. Ninguém aqui no Brasil se chama John Sample.
- Eu acho que tem que ser um nome comum, do povo, pro cliente entender que a gente tá falando com o público dele. Tipo João da Silva.
- Ah, num sei... capaz do cliente achar que a gente SÓ tá mandando o e-mail pro João da Silva e o José dos Santos, por exemplo, vai ficar de fora.
- Por isso mesmo que eu acho que um nome fora do comum, pode ser estrangeiro mesmo, vai deixar bem claro que a gente não tá falando com ninguém específico, mas com todo mundo. Sei lá... Adam Smith...
- O Pai da Economia? Então bota Albert Einstein de uma vez!
- Calma, gente...
- Eu acho que tem que ser um nome raro, incomum, não precisa ser americano, nem europeu, nem o raio que o parta... pode ser brasileiro mesmo... mas um nome mais difícil, aí a gente não corre o risco de ter alguém na sala de reunião com esse nome pra encrencar com ele. Algo na linha de Adherbaldo Franciscus.
- Acho que não. Se o nome for ridículo demais, inusitado demais, o cliente vai ficar a reunião inteira prestando atenção nele e nem vai olhar pro resto da peça.
- Ei, ei! Gente, gente! Estamos perpetuando uma atitude machista do nosso mercado de trabalho. Nunca ninguém pensou num nome de mulher. E vocês sabem mais do que ninguém que as mulheres estão se emancipando e ocupando os mais altos cargos numa empresa que antes só era privilégio dos homens.
- Calma, Martha... não é nada disso... é que, quer queira quer não, a maioria dos nossos clientes são homens. A gente tentou marcar com um nome feminino na última campanha e o cliente gongou a peça, lembra disso?
- Eu acho que a gente devia usar o bom e velho Nonono.
- Muito anos 80.
- Eu sempre usei o nome do meu dupla pra marcar as peças: Érico FUCKS kkkkk
- Pronto, começou o bullying...
- Por que não usar nome de famoso, pra mostrar que é só marcação de layout? Sílvio Santos, Fernando Henrique, Erasmo Carlos...
- Eu acho que a gente devia usar Adriano Gonzaga.
- Eu iria pruma coisa mais coloquial, pra deixar a comunicação mais moderna: Beto Keller.
- Acho Diego Savassi bem legal.
- Gosto de Fernando Von Beckenbauer.
- Ricardo Moreira.
- Rodrigo Lopes.
- Eusébio da Paixão! Raquel Pedreira!
- Adilson Bartelli Thiago Pompeu Roberval Taylor Adolfo Brickman Giancarlo Madeira Raoni Tavares Rogério Villaça Gilson Campos Júlio César Azevedo Amauri de Souza...

E aquele barulho se formou. 250 nomes, nenhum consenso.
E os dias se passaram. E os meses se passaram. Até que, numa manhã qualquer, o presidente da agência recebe um e-mail falando que uma campanha deles entrou para o short list de uma premiação de comunicação dirigida. O texto da peça começa assim:
“Caro XXXXXXXXXXXXXX, você foi o ganhador da promoção Sorte em Dobro”.



terça-feira, 12 de abril de 2016

Enquanto durarem os estoques

No último fim de semana, recebi um tabloide de ofertas de um supermercado e fui pras compras. Chegando lá, vejo que um dos produtos anunciados estava em falta. Reclamei com a gerente e ela, num tom arrogante, disse laconicamente: “enquanto durarem os estoques”. Parece que, para o réu, essa frase é a salvação da lavoura. Ela blinda toda e qualquer eventual queixa do consumidor nos órgãos competentes. São os nefastos dizeres que protegem a relação unilateralmente. Parecia que a funcionária blasé apertou aquele botão da defesa magnética que tinha nos consoles do Atari. Um tipo de escudo invisível, um tapume mercadológico que esconde as picaretagens e pegadinhas da publicidade.

Na hora, fiquei puto. Fui atraído por uma coisa que não existe. Mas, pensando com um pouco mais de frieza, cheguei à conclusão de que essa frase, de tão genérica e evasiva, acaba não explicando nada e servindo de muleta para uma série de situações. Acho que também vou adotar essa insensibilidade jurídica no meu dia a dia, já que o tal supermercado se vê imune ao proferir tal enunciação.

Textos brilhantes, enquanto durarem os estoques de ideias criativas.
Ideias criativas, enquanto durarem os estoques de referências inusitadas.
Referências inusitadas, enquanto durar o estoque de tempo livre.
Amor incondicional, enquanto durar o estoque de paixonite aguda.
Simpatia e prestatividade, enquanto durar o estoque de paciência.
Baladas badaladas, enquanto durar o estoque do saldo bancário.
Poder de argumentação, enquanto durar o estoque de saliva.
150 abdominais, enquanto durar o estoque de ar nos pulmões.
Sorriso charmoso, enquanto durar o estoque de creme antioxidante.
Programa de índio de madrugada, enquanto durarem os estoques de psicotrópicos.
Bater panela, enquanto durarem os estoques de panelas.
Socar o inimigo, enquanto durar o estoque de adrenalina.
Críticas contundentes, enquanto durar o estoque de humor ácido.
Humor ácido, enquanto durarem os estoques de situações medíocres.
Comer doces, enquanto durar o estoque de ácido clorídrico no estômago.
Declarações românticas, enquanto durar o estoque de amor sofrido.
Contestações inflamadas, enquanto durar o estoque de combustível.
Frases dentro de um mesmo tema... acabou o estoque.


quinta-feira, 7 de abril de 2016

Eu quero

Quero acordar uma hora mais tarde.
Quero queijo brie no restaurante por quilo.
Quero ter um milhão de retweets.
Quero receber o 14º salário.
Quero ficar 10 anos mais jovem.
Quero voltar a fazer stand-up.
Quero menos fofoca na família.
Quero menos fofoca no trabalho.
Quero um novo Presidente pro país.
Quero outono o ano inteiro.
Quero que o dólar volte a 1 X 1 em relação ao Real.
Quero mais likes e menos blocks.
Quero a volta dos bens duráveis.
Quero ser o último entrevistado do Programa do Jô.
Quero o fim da palavra 'gourmet'.
Quero ver um show do Supersuckers no Brasil.
Quero comer a Geisy Arruda. Só comer.
Quero conhecer uma pessoa legal por dia.
Quero o fim da obrigatoriedade do voto.
Quero menos pane no metrô. E menos pânico também.
Quero ficar no máximo 10 minutos na sala de espera do consultório.
Quero que a crítica de Cinema não entre em extinção.
Quero que a corrupção seja considerada um crime hediondo.
Quero ouvir mais 'let's make love' e menos 'let's talk'.
Quero aprender a gostar de cerveja.
Quero voltar a gostar de Chantibon.
Quero ganhar um beijo na boca e, quem sabe, em outras partes duras do meu corpo.
Quero pagar a metade do preço em um ovo de Páscoa e, de tanto querer, já nem sei mais o que quero.

Apartamento

A crise não tá fácil pra ninguém.

Recebi um encarte de lançamento de um empreendimento imobiliário falando que, ao visitar o stand de vendas, eu ganharia um relógio. Não precisaria comprar nada, nem dar sinal. Era só visitar o local, falar com o corretor e retirar o brinde na saída.

Meu interesse pelo produto era, digamos, mediano. Mas, como era perto de casa e tinha o atrativo do aparato de pulso, lá fui eu. Cheguei lá, comi uns salgadinhos, prestei atenção na maquete como aluno de excursão presta atenção em bicho pré-histórico de museu, fiz algumas perguntas com cara de conteúdo, deixei meus dados de contato e saí com meu presente.

Pensando com um pouco mais de parcimônia, declinei da compra. Mas você sabe como é. Uma vez transmitidos seus contatos a um corretor, ali pra todo o sempre eles ficam. Não só a pessoa que te atendeu diretamente no dia, mas eles repassam seus dados a outros corretores.


Fui recebendo telefonemas, e-mails, spams e SMS de outros empreendimentos. Demonstrei desinteresse em todos. O último veio por WhatsApp. Imaginei se tratar de uma pessoa com mais experiência no ramo - e mais idade. Assim como a pessoa que me atendeu no local. Curioso, abri a foto e me deparei com uma gatíssima, tatuada, cabelos longos, lábios bem delineados. Ainda que sua beleza dividisse opiniões, resolvi responder a mensagem. Parti para metáforas que nada tinham a ver com a opção de compra. Falei da área útil, do playground, da hidromassagem e, quem sabe, do jantar à luz de velas na varanda gourmet. O retorno, é claro, foi nulo.


Pelo menos de uma coisa eu sei. Agora são, exatamente, 16h47.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Voto nulo

Diante do atual e decepcionante quadro político, estou cada vez mais convicto e propenso a votar nulo. Sou eleitor há praticamente 30 anos e devo ter anulado meu voto uma ou, no máximo, duas vezes. Veja o que eu acho sobre o assunto:
- Voto nulo não é sinal de protesto, é sinal de tristeza.
- Voto nulo não é opção, é falta de.
- O voto nulo é o retrato mais patético da obrigatoriedade do voto.
- O voto nulo é a consequência máxima do desgosto e desencanto da população.
- Voto nulo em nada tem a ver com anarquia, pois o sistema eleitoral não permite essa possibilidade.
- O voto nulo é o caminho mais perigoso e desiludido daqueles que acham que nenhum político presta.
- O voto nulo é o resultado da total descrença nas instituições políticas brasileiras.
- O voto nulo é a democracia descendo ladeira abaixo.
- O voto nulo é a resposta mais imediata de uma sociedade em estado de ebulição.
- O voto nulo é a constatação mais deprimente de que, diante de um quadro de milhares de parlamentares, nenhum deles representa o povo.
- E, pra concluir, o voto nulo é um ato de suicídio disfarçado de extermínio em massa.

quarta-feira, 9 de março de 2016

Concorrência

A mulher resolve abrir concorrência. Sua antiga agência-namorado se acomodou em fórmulas antigas, rotinas viciadas, longos prazos para a execução de tarefas e não atendia mais suas necessidades e expectativas. Solteira há intermináveis 12 dias, decide pedir ajuda a aplicativos, amigos e baladas para encontrar seu novo porto seguro.

O homem-agência resolve participar do processo de concorrência promovido pela mulher-cliente. Entra na página de seu blog para pegar o briefing. Manda mensagem anunciando interesse e é selecionado para apresentar, em local neutro e num curtíssimo espaço de tempo, todas as suas qualidades e competências.

Entusiasmado, o homem-agência volta para sua agência-casa e começa a pensar de que forma poderia não só atender, mas também fazer brilhar os olhos da mulher-prospect. Pede conselhos a amigos, contrata freelas, vara noites e devora pizzas. Tudo isso para acelerar o divino momento máximo de inspiração. Procura em sua agenda todo o histórico de ex-namoradas para que isso quem sabe possa servir de portfólio. Elimina quase a metade desse histórico. Numa luta contra si mesmo, insiste no labor criativo de encontrar, quase que por encanto, a fórmula para essa tão utópica conquista. O homem-bureau estava bastante convicto da força de seus adversários-obstáculos: homens endinheirados por multinacionais, másculos barbados e marombados, gigantes pela própria natureza, hipsters, descolados, matemáticos com QI de uma dúzia de golfinhos. Pensando bem, tira os hipsters da concorrência.

Sabe aquela inquietude, uma mistura de raiva e sono? Então. Era nesse estágio que o homem-azarão se encontrava quando, finalmente, alcançou a magnitude de solucionar o caso com aquela espetacular mentira photoshopada que os colegas de mercado chamam de “conceito”. E foi com essa linha-mestra de manipulação estética que o homem-desespero decidiu conquistar a mulher-a-fila-anda.
Chegou o dia do encontro. Reunião de apresentação de campanha marcada para as 14h. Lá na puta que pariu. Homem-pontual chega às 14h e espera no lobby. “Quer um café, uma água...?”. É a pergunta que tem como significado oculto “ela vai demorar pra caralho”. Dito e feito. Reunião começa pontualmente com 1 hora de atraso. É a prova de resistência, o primeiro quesito para avaliar o real interesse do homem pela mulher-concorrida.

Entram numa sala. Obviamente, o homem-convencido apresenta sua larga experiência na conquista do sexo oposto. Omite detalhes obscuros de sua vida e estampa, em grande angular, seus esporádicos cases de sucesso. Finaliza o discurso com a ladainha de que está sempre preparado para o novo. E chama ela de especial, única, exclusiva. Claro que ele fala isso para todas as concorrências, mas ela não precisa ficar sabendo disso. No fundo, ela sabe.

“Ameeeeeii”, declara a cliente-fófis, fazendo aquele icônico gesto de junção de polegares e dedos da mão, tão singelo quanto batido. Aproxima esse coração-símbolo ao peito e, num tom de mistério, diz que vai pensar sobre o assunto e que tem outros homens para avaliar. Num gesto de despedida com um pingo de esperança, o homem rouba um beijo rápido da mulher. Apenas para ter a momentânea sensação de vitória.

Passam-se alguns dias, noites, e nada. O homem-aflito liga, manda e-mails, WhatsApp. Até que, vencendo pela insistência, recebe a resposta: “Parabéns! Você ganhou a concorrência”.
Hora de comemorar. A mulher-prospect estava ganha. Agora vem o job.


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Cinemark

Tem muita coisa errada. Todo dia nos defrontamos com o erro. Erro no valor da conta, cobrança indevida, funcionários mal preparados, atrasos em prestação de serviços, produtos com defeito, e por aí vai. Mas, proporcionalmente ao número de falhas, de qualquer natureza, os casos de reclamação são raros. Não estou falando dos protestos, ou da geladeira queimada, ou do Sedex não entregue. Mas as situações corriqueira, "bobas", do dia a dia. O ônibus que não passa no horário. A demora no atendimento bancário. A fila que não anda na bilheteria do cinema. De um modo geral (desculpe-me a generalização), parece que o brasileiro se acomodou. Fica a sensação de que não adianta nada, ou o esforço é muito maior do que a recompensa.

Nas inúmeras vezes em que fui ao Cinemark, digamos que em quase metade delas tive problemas com agilidade das filas. Em diversos locais, horários, dias da semana. Nunca vi uma alma viva chiar. Deveria, claro, nunca mais frequentar qualquer cinema desta rede. Mas, com o monopólio da rede, o domínio imperial que massacra o cinema de rua e faz com que alguns filmes estejam passando somente nessa rede, não me restam muitas opções. E foram muitas, mas muitas vezes em que chamei o gerente para que alguma providência no futuro pudesse ser tomada a fim de sanar possíveis eventualidades. Parece que ninguém me ouviu.

Hoje, 5 de fevereiro, saiu uma reclamação minha no Guia da Folha de São Paulo sobre a demora no atendimento das filas e as respostas protocolares da assessoria de imprensa, que parece copiar e colar a mensagem sem sequer consultar as bases do erro. É a quinta reclamação minha publicada no folhetim. Todas elas, claro, tendo como alvo o Cinemark, campeão absoluto e isolado de reclamações de tal publicação. Para se ter uma ideia, saiu hoje também uma outra reclamação de uma outra leitora. Na maioria dos casos, a porta-voz da rede se desculpa e oferece um ingresso-cortesia como forma de minimizar o constrangimento ou tentar sanar de alguma maneira o transtorno causado. É uma atitude simpática, que evita a proliferação de uma imagem denegrida da rede, muito embora poucas providências concretas tornam-se visíveis.

Muito provavelmente, tudo vai continuar exatamente do jeito que está. Enquanto houver filas quilométricas e consumo desenfreado de ingressos, pipocas, bebidas e guloseimas, o Cinemark tá cagando pra mim e pro Guia. Mas eu fiz a minha parte. Não vou mudar em nada a atitude prepotente deles, mas ao menos consegui a atenção de você, leitor, que talvez irá repensar onde ver seu próximo filme. É mais do que provado que em nada me agrada esse cinema que nasceu arrogante, tornou-se bebê mimado, cresceu bagunceiro e, agora que completa 18 anos, torço muito para que chegue à maioridade com a maturidade necessária e o profissionalismo desejado. Caso contrário, continuarei reclamando quantas vezes forem necessárias, vide a texto publicado no Guia de hoje. Desta vez, sem ingresso-cortesia pra me fazer calar a boca.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Amor fast-food

- Boa tarde, senhor. Bem-vindo ao Moulin Rouge. Qual o seu pedido?
- Oi... eu queria aquela promoção...
- Qual promoção? Ruivinha fogosa, morena caliente ou gordinha mega big sexy?
- Hmmm, você me pegou... Qual é a que sai mais?
- Ruivinha fogosa tem saído bastante. Vai querer ela?
- Pode ser.
- Como o senhor vai querer?
- Como assim?
- Boceta raspada, peluda ou bigodinho?
- Bigodinho.
- Com anal ou sem anal?
- Sem.
- Fio-terra acompanha, senhor?
- Não, de jeito nenhum.
- OK... algo mais?
- Loira de entrada pra fazer um boquete, pode ser?
- Pode, sim senhor. Temos essas opções aqui.
(Atendente mostra ao cliente uma cartela com as imagens: loira platinada, falsa loira, loira 100% e loira peituda com uma tarja sobre a imagem escrito “esgotado”).
- Vou querer essa aqui (cliente aponta para a imagem desejada).
- Perfeito. Algum acompanhamento, senhor?
- O que vocês têm?
- Vibrador, chicotinho, meia-nove, beijo grego, calcinha comestível, ménage, SM, facial, gangbang, bizarro...
- Vou querer beijo na boca.
- Hmmm, senhor... beijo na boca a promoção encerrou semana passada.
- Que pena... então é só isso mesmo.
- Vai comer agora ou é pra viagem?
- Agora.
- OK. CPF na nota?
- Por favor.
- Pode falar.
(Cliente fornece os números do CPF).
- Forma de pagamento: crédito ou débito?
- Vale-refeição.
- Só inserir o cartão.
(...)
- OK. Tá aqui sua comanda, senha 236. Camisinha e sabonete ali no balcão. Tenha uma ótima refeição. Obrigado e volte sempre.