terça-feira, 12 de abril de 2016

Enquanto durarem os estoques

No último fim de semana, recebi um tabloide de ofertas de um supermercado e fui pras compras. Chegando lá, vejo que um dos produtos anunciados estava em falta. Reclamei com a gerente e ela, num tom arrogante, disse laconicamente: “enquanto durarem os estoques”. Parece que, para o réu, essa frase é a salvação da lavoura. Ela blinda toda e qualquer eventual queixa do consumidor nos órgãos competentes. São os nefastos dizeres que protegem a relação unilateralmente. Parecia que a funcionária blasé apertou aquele botão da defesa magnética que tinha nos consoles do Atari. Um tipo de escudo invisível, um tapume mercadológico que esconde as picaretagens e pegadinhas da publicidade.

Na hora, fiquei puto. Fui atraído por uma coisa que não existe. Mas, pensando com um pouco mais de frieza, cheguei à conclusão de que essa frase, de tão genérica e evasiva, acaba não explicando nada e servindo de muleta para uma série de situações. Acho que também vou adotar essa insensibilidade jurídica no meu dia a dia, já que o tal supermercado se vê imune ao proferir tal enunciação.

Textos brilhantes, enquanto durarem os estoques de ideias criativas.
Ideias criativas, enquanto durarem os estoques de referências inusitadas.
Referências inusitadas, enquanto durar o estoque de tempo livre.
Amor incondicional, enquanto durar o estoque de paixonite aguda.
Simpatia e prestatividade, enquanto durar o estoque de paciência.
Baladas badaladas, enquanto durar o estoque do saldo bancário.
Poder de argumentação, enquanto durar o estoque de saliva.
150 abdominais, enquanto durar o estoque de ar nos pulmões.
Sorriso charmoso, enquanto durar o estoque de creme antioxidante.
Programa de índio de madrugada, enquanto durarem os estoques de psicotrópicos.
Bater panela, enquanto durarem os estoques de panelas.
Socar o inimigo, enquanto durar o estoque de adrenalina.
Críticas contundentes, enquanto durar o estoque de humor ácido.
Humor ácido, enquanto durarem os estoques de situações medíocres.
Comer doces, enquanto durar o estoque de ácido clorídrico no estômago.
Declarações românticas, enquanto durar o estoque de amor sofrido.
Contestações inflamadas, enquanto durar o estoque de combustível.
Frases dentro de um mesmo tema... acabou o estoque.


quinta-feira, 7 de abril de 2016

Eu quero

Quero acordar uma hora mais tarde.
Quero queijo brie no restaurante por quilo.
Quero ter um milhão de retweets.
Quero receber o 14º salário.
Quero ficar 10 anos mais jovem.
Quero voltar a fazer stand-up.
Quero menos fofoca na família.
Quero menos fofoca no trabalho.
Quero um novo Presidente pro país.
Quero outono o ano inteiro.
Quero que o dólar volte a 1 X 1 em relação ao Real.
Quero mais likes e menos blocks.
Quero a volta dos bens duráveis.
Quero ser o último entrevistado do Programa do Jô.
Quero o fim da palavra 'gourmet'.
Quero ver um show do Supersuckers no Brasil.
Quero comer a Geisy Arruda. Só comer.
Quero conhecer uma pessoa legal por dia.
Quero o fim da obrigatoriedade do voto.
Quero menos pane no metrô. E menos pânico também.
Quero ficar no máximo 10 minutos na sala de espera do consultório.
Quero que a crítica de Cinema não entre em extinção.
Quero que a corrupção seja considerada um crime hediondo.
Quero ouvir mais 'let's make love' e menos 'let's talk'.
Quero aprender a gostar de cerveja.
Quero voltar a gostar de Chantibon.
Quero ganhar um beijo na boca e, quem sabe, em outras partes duras do meu corpo.
Quero pagar a metade do preço em um ovo de Páscoa e, de tanto querer, já nem sei mais o que quero.

Apartamento

A crise não tá fácil pra ninguém.

Recebi um encarte de lançamento de um empreendimento imobiliário falando que, ao visitar o stand de vendas, eu ganharia um relógio. Não precisaria comprar nada, nem dar sinal. Era só visitar o local, falar com o corretor e retirar o brinde na saída.

Meu interesse pelo produto era, digamos, mediano. Mas, como era perto de casa e tinha o atrativo do aparato de pulso, lá fui eu. Cheguei lá, comi uns salgadinhos, prestei atenção na maquete como aluno de excursão presta atenção em bicho pré-histórico de museu, fiz algumas perguntas com cara de conteúdo, deixei meus dados de contato e saí com meu presente.

Pensando com um pouco mais de parcimônia, declinei da compra. Mas você sabe como é. Uma vez transmitidos seus contatos a um corretor, ali pra todo o sempre eles ficam. Não só a pessoa que te atendeu diretamente no dia, mas eles repassam seus dados a outros corretores.


Fui recebendo telefonemas, e-mails, spams e SMS de outros empreendimentos. Demonstrei desinteresse em todos. O último veio por WhatsApp. Imaginei se tratar de uma pessoa com mais experiência no ramo - e mais idade. Assim como a pessoa que me atendeu no local. Curioso, abri a foto e me deparei com uma gatíssima, tatuada, cabelos longos, lábios bem delineados. Ainda que sua beleza dividisse opiniões, resolvi responder a mensagem. Parti para metáforas que nada tinham a ver com a opção de compra. Falei da área útil, do playground, da hidromassagem e, quem sabe, do jantar à luz de velas na varanda gourmet. O retorno, é claro, foi nulo.


Pelo menos de uma coisa eu sei. Agora são, exatamente, 16h47.