quinta-feira, 23 de junho de 2016

Tempo e espaço

De acordo com a Teoria da Relatividade, tempo e espaço são uma unidade geométrica unificada e estão profundamente entrelaçados.

A partir desse conceito, muita coisa pode mudar no nosso cotidiano e nas nossas relações pessoais. Por exemplo: quando sua namorada diz “acho que é melhor a gente dar um tempo”, talvez ela esteja se referindo a uns 3 quilômetros e 250 metros. Se o tempo dela é um eufemismo para encobrir algo mais drástico, como “nosso amor acabou”, é sinal de que, no fundo, ele corresponda a cerca de 4.213.827 quilômetros. Mais ou menos como ir daqui até o Acre. Ou voltar para 1980.

Entristecido, você recorre ao Tinder, ao POF ou qualquer outro aplicativo-cardápio. Vasculha as opções disponíveis, até que encontra uma pessoa praticamente 100% compatível, não fosse por um detalhe: ela é 22 quilômetros e 5 metros mais velha que você.

Mais um exemplo. Vamos supor que finalmente apareça outra namorada, que vive reclamando de que “você não me dá espaço”. Nessas horas, muita calma. Faça uma surpresa. Chegue em casa e dê a ela 2 horas e 47 minutos. Ah, junto com uma caixa de bombons.

Pronto, tudo certo. Então vocês decidem ter filhos. Quando ele completa 7 quilometrinhos, resolvem viajar de carro pra Poços de Caldas. Todo mundo um dia na vida vai pra Poços de Caldas. Durante TODO o caminho, seu belo e formoso garoto pergunta: “falta muito?”. Aí é que a coisa pega. É a primeira crise séria do casal. Você, o pai autoritário da história, diz: “uns 30 quilômetros, não enche”. Sua esposa, um pouco mais liberal, responde por cima: “calma, Diego. Daqui a 40 minutos a gente tá chegando”. E o filho mais uma vez foi o protagonista de um terremoto familiar. É, criança é esperta mesmo.

Quer mais crise? Outra cena. Imagine aquele frio. Não um frio qualquer. Um puta frio. Você chega em casa cansado, come qualquer coisa e se enfia debaixo das cobertas. Sim, vai direto dormir. A essa altura do campeonato, o sexo só ocorre a cada 680 metros. No meio da madrugada, sensação térmica de uma caveira chupando Halls extraforte, sua mulher puxa para si toda a lã existente sobre os lençóis. Aquela imaginária linha de Tordesilhas que divide a cama ao meio, esquece. Semanas depois, vocês discutem a relação e terminam um relacionamento de mais de 400 quilômetros de alegrias por causa de 18 minutinhos de cobertor.


quarta-feira, 8 de junho de 2016

Cochichar não vale

Aqui em São Paulo, num chamado "cinema de arte", a vinheta com aquelas informações de segurança orienta os espectadores a não falar durante a sessão, mas depois o locutor faz uma equivocada ressalva: "cochichar vale". Como assim, cochichar vale? Desde quando?

Sobre esse assunto, sou mais extremista que o Estado Islâmico. Ou berra, ou cala a boca. Ou é preto, ou é branco. Nada de ficar inventando tons de cinza para diminuir o impacto da atitude. Tudo bem que falar alto incomoda muita gente. Chutar a cadeira também. Tossir, idem. Barulho de saco de pipoca, papel de bala, holofote de smartphone, a mesma coisa. Mas tenho certeza de que o cochicho é uma invenção de novo-rico. Aquele povinho que vai ao cinema, ao teatro, ao concerto, quer atrapalhar a sessão o mínimo possível mas não aguenta segurar o comentário até o fim do espetáculo. Um comportamento supostamente delicado, mas tão desrespeitoso e anticivilizatório quanto. Cochichar é tão jeca quanto comer frango de talher. É que nem tomar banho morno.

Imagine duas situações possíveis, totalmente enquadradas no seu dia a dia cinematográfico. Situação 1: você está confortavelmente instalado em sua poltrona, o filme está para começar, o público aparentemente tranquilo. Faltando exatos 14 segundos para o início da sessão, surge uma horda de adolescentes gritando, derrubando pipoca no chão, acendendo smartphone, contando piada, rindo alto. Por um acaso do destino, resolvem se sentar na mesma fileira que você, ocupando-a de cabo a rabo. Antes que o filme de ação se transforme num mercado persa, você emite um sonoro SHHHHHH, tipo freada de ônibus de excursão, saca? Se continuarem a balbúrdia, você troca a onomatopeia implícita na desinência por um ululante SILÊÊÊNCIO, só pra ver se a porra da Geração Y se assusta. Provavelmente, vão continuar chutando o pau da barraca. Aí, você discretamente pega o copo de refrigerante do comparsa ao seu lado, derruba "sem querer" o líquido em sua perna e faz um hipócrita pedido de desculpas.

Situação 2: primeira sessão do dia, 13h30, sala ocupada predominantemente por velhinhas. A maioria, num estágio avançado de surdez. O lugar é o Reserva Cultural, mas poderia ser o Itaú Frei Caneca, o Bristol ou o Cinesesc. Aquilo é metalinguagem pura. Desde o momento em que adentram a sala, as senhorinhas descrevem a dificuldade de enxergar no escuro. Depois, reclamam da dificuldade de descer as íngremes escadas. E, por final, quando se sentam em seus lugares, narram to-das-as-ce-nas do filme em questão. Com direito a reprodução de diálogos, comentários e até um ou outro "não entendi". Você, então, faz a mesma coisa da situação 1: SHHHH. Obviamente, elas não vão ouvir. Pede silêncio. Elas vão achar que é personagem extracampo do filme. Aí, não tem jeito. Num caso irremediável desse, você se vê obrigado a despertar a besta-fera que há dentro de você. Olhe fixamente para elas, faz cara de possuído pelo demônio, tente dar um giro de 180º em seu pescoço, deixe a voz rouca e fale "doce de abóbora" de trás pra frente. Não tem erro: elas não vão dormir por uma semana. Se, mesmo assim, por uma razão inexplicável da natureza o falatório continuar, chegue em casa à noite e reze. Vai por mim. Quando se reza, as coisas acontecem.

Nos dois exemplos acima, a situação é chata, mas contornável, ainda que a duras penas e com uma certa dificuldade e dose de paciência. Você detecta o alvo, mira o alvo e solicita um pingo de silêncio e de cidadania ao alvo. Com o cochicho é diferente. Você não sabe direito de onde ele vem. É aquela massa amorfa de ruídos. É um disparo cometido por autor desconhecido. Parece uma nuvem de pernilongos que paira no ar. E o que dá mais raiva é aquele amontoado incompreensível de sílabas repletas de "p" e de "b". Em vez de pipoca e Halls, os cinemas deviam vender raquete elétrica na entrada. Por uma questão de princípios. E pra tentarmos exterminar essa raça de himenópteros que se acham intelectuais.

terça-feira, 7 de junho de 2016

Namorados

Sou mesmo um cara de sorte. No Dia dos Namorados, não vou precisar enfrentar filas de shopping para procurar aquele perfume dito "exclusivo", junto com outras dezenas de namorados procurando exatamente o mesmo perfume, todos eles tão exclusivos quanto eu. Não vou me dar ao trabalho porque, na verdade, nem preciso comprar o presente. Não preciso comprar o presente porque, na verdade, não estou namorando. Logo, o meu não-presente é totalmente dedicado a você, que me bloqueou do WhatsApp e postou fotos no Instagram acompanhada de um sarado, alegando que estava a fim de ficar um tempo sozinha.

Para o próximo Dia dos Namorados, fiz questão de não reservar aquela mesa no bistrô pensando em você, que da última vez reclamou que meu gosto para roupas e para música é péssimo. Portanto, demorei horas para não escolher um filé de Saint Peter com redução de frutas vermelhas e farofa de amêndoas. Logo, nada mais justo fazer um não-brinde ao nosso não-relacionamento e não abrir uma garrafa de Cabernet Sauvignon, safra 2009. Afinal, estamos não-comemorando aquele dia em que você falou que os homens são todos iguais, entretanto, me trocou por um muito mais igual do que eu.

Para a especialíssima data vindoura de 12 de junho, gastei todas as minhas energias para não procurar aquele vestido azul-escuro que você tanto paquerou durante meses na vitrine da loja. Só não sabia eu que, junto com o vestido, você também paquerou o vendedor da loja ao lado, aquele hipster de cabelo milimetricamente desgrenhado, barba delineadamente malfeita e um gibi de tatuagens em sua pele clara. Junto com o vestido, faço questão de não oferecer a você a calcinha preta de renda para a noite de amor que não iremos passar juntos, já que você muito provavelmente vai estar no bar com suas amigas e vai ficar com o primeiro homem que colar na sua mesa. Talvez o segundo.

Estou contando os minutos para não celebrarmos o dia em que não irei te dar nenhuma joia, não irei declamar poesia alguma, muito menos cochichar no seu ouvido palavras de baixo calão. Tudo isso porque você não me ama como nunca me amou antes. É um privilégio não ter você ao meu lado e, consequentemente, não rirmos juntos das piadas batidas, não chorarmos juntos no drama francês, não pedirmos uma pizza num sábado chuvoso, não ficarmos abraçados no sofá até pegarmos no sono. Felizes de nós, que juramos não amar eternamente um ao outro.