quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Fim de ano

Fim de ano. Época de fazer amiguinhos.

Todo mundo se amando. Todo mundo se abraçando. Mesmo que aquela enorme cesta de Natal que você carrega atrapalhe um pouco a proximidade do movimento.

Confraternização então, nem se fala. Jantar-balada da firma. Almoço da equipe da firma. Happy hour dos amigos do colégio com quem você estudou faz mais de 3 décadas.

Se bobear, teve festa dos vizinhos da rua também. Eu é que não fui convidado.

Falando em rua, é nesse período que começam a pipocar em sua caixa de correios um monte de cartões de Natal. O carteiro deixa o seu naquela caixa. Por motivos óbvios. O entregador de jornal, idem. Sim, ainda somos do tempo em que se lia jornal impresso em papel-jornal. O lixeiro pede sua comissão natalina. Afinal, se não fosse o serviço de sua coleta, estaríamos morando até agora submersos numa montanha de latas de atum e cascas de abacaxi. O funcionário que lê o relógio da luz também quer uma fatia desse bolo. Imagina só: o cara aparece no portão da sua casa uma única vez por mês, faz uma leitura de no máximo 45 segundos, vai embora te deixando um boleto de cobrança de imposto do Governo e ainda quer ganhar caixinha de Natal. O cara da água, idem. Mas não é só de luz, água e lixo que vive o cidadão paulistano. Nessa efeméride, única e tão somente nessa efeméride, brotam os funcionários do recapeamento asfáltico rogando por seu quinhão. Os capinadores da grama da calçada. Acho meio curioso isso: não sabia que minha grama só crescia em dezembro. Melhor mesmo continuar invejando a grama do vizinho, que cresce todos os meses do ano. E os limpadores de bueiro então? Você liga pra Prefeitura na época das enchentes, das festas, nunca tem gente disponível pro serviço. De repente, não mais que de repente, em dezembro aparece uma dúzia deles na sua casa. Certeza que brotaram dos bueiros. Tipo tartarugas ninja multiplicados por 4.

Ainda bem que não teve amigo secreto. Minha torcida para que não houvesse foi quase tão grande quanto minha torcida para ganhar sozinho a Mega da Virada. Não é por nada, não. Respeito quem goste da brincadeira. Mas, única e especificamente no meu caso, não tenho muita sorte com a coisa. Quando tiro alguém que gosto, vou atrás de um presente bem bacana. Ouviram bem, gente? Ir atrás, presente, em pleno mês de dezembro. Shopping mais lotado que o Lollapallooza. Vocês não fazem ideia do sacrifício que é procurar presente bacana nessa época. Entretanto, todavia, a pessoa que me tira não tem lá esse apreço todo por minha pessoa. Na hora de eu desembrulhar os incontáveis lacinhos que circundam a caixa, lá vem um 25 de Março. Que parte do “valor mínimo de 50 reais” a pessoa não entendeu?

Mas voltando. Natal, ano-novo, tudo junto ao mesmo tempo agora. Um monte de mensagens, e-mails, cartões virtuais, posts, gifs. Gente que te adora, ou apenas acha você um cara bacana, ou simplesmente adicionou seu nome numa lista de outras 278 pessoas antes do envio. Mas tudo bem. Houve um esforço, uma dedicação. Tá valendo do mesmo jeito.

Fim de ano. Minha vida recheada de luzes, de cores, estrelas, candelabros, copos de champanhe, feliz ano-novo, chag sameach... ah, mas VOCÊS não comemoram o Natal. Olha, querido, deixa te explicar uma coisa. Você acha que realmente esse negócio de deixar tudo iluminado, as casas e as ruas com luzes brilhantes e piscantes, vem mesmo do Cristianismo?

Fim de ano. Minha vida recheada de panetone, rabanada, nozes, castanhas, lentilhas. Minha vida recheada de peru, que também está recheado. Peru, por sinal, custando quase o mesmo que um iPhone. Na hora em que a moça do caixa pergunta “débito ou crédito?”, dá vontade de responder: “assalto”. E por que falta bacon na cidade, gente? É a nova dieta do Papai Noel? Até no Supermercado Irmãos Dias você encontra bacon. Menos em dezembro. OK, OK, bacon é vida. Mas é o tipo de item que você encontra fácil nos outros meses do ano. Até entendo essa escassez decorrente da lei da oferta e da procura. Mas uma coisa que não entendo é a polêmica que se instaura em relação à uva passa. Nossa, como tem hater de uva passa! Bastou o Afonso Padilha postar um vídeo falando sobre isso que, do mesmo bueiro dos caras da Prefeitura, surgiu essa legião de odiadores da uva passa. Não tem nada de mais com a fruta. É só uma uva que ficou 10 minutos no micro-ondas. Vai me dizer agora que você preferia kiwi dentro do panetone.

Fim de ano. Época de ficar mais gordo. Época de ficar mais pobre. Mas vale muito a pena. Estamos amando a todos.

Em janeiro a gente volta ao normal.


domingo, 15 de outubro de 2017

Parece que foi amanhã

Segundo Albert Einstein, o tempo é uma grandeza relativa. E de acordo com Érico Fuks, é traiçoeira também. Por mais relógios (sim, o relógio voltou a ficar na moda), despertadores e smartphones que a gente tenha, estamos sempre atrasados para alguma coisa. À medida que envelhecemos, o tempo torna-se ainda mais caquético quanto à sua irregularidade. Uma fila de banco que demora uns 40 minutos nos traz a sensação termodinâmica de um semestre. Em compensação, as 24 horas de um feriado mais parecem o tempo de cozimento de um miojo.

Quando acumulamos essa sensação de perdas e de ganhos por um período mais prolongado, aí sim nem parece que o tempo pertence ao nosso planeta. A gente não se conforma quando vê um menino fazer bar-mitzvah, por exemplo. "Nossa, carreguei ele no colo faz uns 5 anos atrás...". Não, não faz. Ele vai completar 13 anos mês que vem. E carregar a Torá no colo também.

Há exatos 6 meses atrás, conheci uma pessoa incrível. Se parece mais, se parece menos, não sei. Ao tempo, eu me refiro. Incrível, com certeza ela é. Vira e mexe a gente relembra alguns momentos marcantes para que eles fiquem guardados em nossa história. Para que não se percam nas nuvens, na cloud, ou fiquem armazenados em algum arquivo morto ou diretório impossível de ser localizado. Essas memórias trazem de volta desde incontidas gargalhadas até aquele sorriso aberto e contemplativo de saudade.

Mas não é só o passado que nos alimenta. Estamos sempre no devir. A gente não pensa só no amanhã, como no depois de amanhã também. Fazemos planos como se o futuro fosse algo muito próximo, uma grandeza iminente que pode desabrochar a qualquer momento.


Obrigado, Paola Raia, por fazer valer a pena cada minutos desses 180 dias passados. Torço muito para que o futuro amanhã seja uma grandeza infinita, onde possam caber todos os nossos planos, as nossas vontades e o nosso amor. Afinal, parece que o mundo ainda não acabou.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Horário de verão

Ainda não se sabe ao certo se neste ano vai haver o horário de verão. Aquele empréstimo compulsório que o povo cede ao Governo. Tiram de nós uma hora do nosso sagrado domingo para devolver só no começo do ano que vem, lá pelos idos de março. Pior: sem juros, sem correção monetária. Descontam da fonte 24 horas e quando devolvem, as mesmas 24 horas, sem um segundinho a mais.

A razão alegada de tal imposição é a economia de energia. Redução do consumo de luz elétrica, ar-condicionado e inseticida de tomada. Motivo justo. Evitemos o desperdício. O problema está na forma como o Governo realiza tal confisco. Adiantam automaticamente todos os computadores, celulares e relógios de rua. Não cabe recurso.

Se esses minutos fossem investidos para melhorias em nosso país, tudo bem. O Governo arrecadaria bilhões de minutos, contabilizados no minutômetro instalado no Centro de São Paulo, e utilizaria a verba para obras públicas de infraestrutura. Investiria esse montante temporal para oferecer agilidade em filas de banco, esperas telefônicas, sinal de wi-fi e filas de caixa de baladas. Na Alemanha é assim. Na Dinamarca é assim. A França está adotando esse modelo. Portugal estuda a implementação dessa prática... pensando bem, não. Na questão de entendimento de piadas, Portugal continua bem devagar.

Não é o que ocorre no Brasil. Aqui é o país do jeitinho. “Só mais um minutinho”, “um minuto de sua atenção”. E continuamos atrasados. Nestas terras tupiniquins, arrecada-se um volume de tempo equivalente à Pré-História para oferecer serviços equivalentes à duração da Semana de Arte Moderna. Isso sem falar nos constantes esquemas de corrupção. Quadrilhas envolvidas no desvio de segundos públicos. Recentemente, foi gravado um vídeo em que um assessor do Governo foi flagrado com 500 mil minutos dentro de um cronômetro, o que acarretou o início da Operação Hora Certa. Todos os dias vemos na TV depoimentos de delação premiada, em que empresários e executivos da Rolex e da Dimep denunciam políticos envolvidos em fraude e lavagem de períodos. Muitos citados foram presos, mas a maioria conseguiu a liberdade porque entrou com recurso de absolvição de banco de horas. Alguns políticos cumprem pena em prisão domiciliar, mas os governos de alguns estados já alegaram que falta relógio de pulso eletrônico para todos os criminosos. Mais recentemente ainda, 51 milhões de centésimos foram encontrados no apartamento de um influente ex-ministro. Se a coisa continuar assim, é provável que nem o Presidente da República escape da punição. Deputados de partidos adversários já falam em impeachment: se comprovada a corrupção, o representante-mor da nação terá de devolver 2 anos e 5 meses de seu mandato aos cofres públicos.

Não sei se o horário de verão vai ser bom ou ruim. Sensação de sair do trabalho com o dia claro, tomar banho gelado sem sofrimento, ver o Jornal Nacional em pleno pôr-do-sol, tudo muito bonito, mas apenas medidas de fachada. Estamos enfrentando uma crise cronológica sem precedentes, como não se via há décadas. Prova disso é que diretor e roteiristas já estão trabalhando numa adaptação para o cinema: A Hora do Pesadelo.


terça-feira, 12 de setembro de 2017

A bilheteria é para todos

Arte é confronto. É o embate dos contrários. É a forma de expressão que só se intensifica por meio de conflitos e provocações. Nem que sejam meramente internos. Só assim o indivíduo cresce. Só assim a sociedade evolui.

Quem me conhece um pouco melhor sabe que não sou lá muito chegado às terminologias “de esquerda” ou “de direita”. Sob esse ponto de vista, o mundo mudou. Vemos uma série de governos ditos “de um lado” praticando ideologias consideradas “de outro lado”, em todos os territórios do planeta. Políticas conservadoras, práticas ditatoriais, nada têm a ver com essa divisão. Servem tanto para um quanto para outro. Acredito mais na fissão “eficiência de gestão” x “incompetência de gestão”. Esquerda ou direita me parece um julgamento simplista, maniqueísta. Uso raramente, apenas para resumir ou simplificar um conceito de senso comum, quando não quero adentrar em detalhes. Senso comum, diga-se de passagem, que nada tem a ver com bom senso. Procuro observar o mundo, sob a ótica política, mais como um crítico inconformado do que um flanelinha: “mais pra esquerda, vem pra direita, aí tá bom...”.

Dito isso, queria falar um pouco sobre um assunto recente que me chamou a atenção. Não se trata da exposição patrocinada pelo Santander. Que, por sinal, passou pelos mesmos crivos policialescos dos árbitros das redes sociais. Na verdade, trata-se de um boicote feito por parte de uma “elite pensante” em relação ao comparecimento nas salas de cinema para ver “Polícia Federal”. E, posteriormente, a equivocada comemoração para os resultados de bilheteria considerados “pequenos”.

Acho tudo isso uma grande bobagem. Um gesto partidário que beira a infantilidade. Algo tão pueril quanto telefonar para um programa televisivo matinal ou andar na rua carregando um balão vermelho. Em primeiro lugar, pelos números que falam por si. Tá certo que não alcançaram as expectativas megalomaníacas, mas “Polícia Federal” fez, no feriado prolongado, quase meio milhão de pagantes. Foi a maior estreia nacional de 2017.

Mas, aonde quero chegar? Como cinéfilo, apreciador controverso da arte, acho que todo e qualquer filme deve ser visto. Do conservadorismo “direitista” de Clint Eastwood, diretor por sinal muito bem aceito pelos corretores da Sétima Arte, ao panfletarismo proletário “esquerdista” de Ken Loach. Se algumas críticas e publicações anteciparam que Polícia Federal faz um retrato cômico e caricato dos investigadores, coloca o departamento em estado incólume de beatificação, ou peca ao não aprofundar os fatos, a meu ver isso não são argumentos suficientes para a tal greve. Até porque, na miopia de sua raiva, os precursores do “não vou” mal perceberam que, nos últimos anos, vem surgindo uma classe política que não se afirma como “de direita”. São os “ex-esquerda”, que também lutaram contra a ditadura, votaram no Lula lá no começo, mas se decepcionaram com os rumos tomados por algumas lideranças. Talvez não sejam nem de esquerda nem de direita, apenas desnorteados diante de tanta roubalheira e impunidade. O próprio diretor (conforme falado na coletiva de imprensa, eu estava lá) faz parte desse novo nicho.

Cinema é ruptura na forma e no conteúdo mas, na questão dos produtores e realizadores, acredito que eles devem andar bem grudadinhos. Principalmente o cinema brasileiro, que compete com as intensas e covardes estratégias de marketing das majors para que seus blockbusters alcancem o topo das bilheterias. Pensar que meio milhão de brasileiros abriu mão das futilidades e das commodities de consumo dos shoppings para ver o filme, ainda que esta seja a parte ínfima e menos lucrativa de um pacote composto por baldes de pipoca e litros de refrigerante, é um dado que não pode ser desprezado. Estamos assistindo, todos os dias, fora das telonas, à maior investigação político-criminal da história do país. Não podemos nos submeter à arrogância de certos bedéis da arte, que nos orientam a boicotar o filme. Ainda que finalizado de maneira torpe e carregada nas tintas, a Operação Lava Jato provoca um mínimo de interesse a ser discutido.

Por favor, deixem a Paris Filmes lançar seus filmes “de direita”, como o requentado Plano Real. Deixem a Vitrine Filmes lançar seus filmes “de esquerda”. Apesar de suas formas radicais e ideologias obtusas, ou talvez justamente por isso. Fazer campanhas contrárias não é inconformismo, é imbecilidade. Somos bombardeados por quase uma dúzia de estreias toda semana. Ainda que os filmes “de direita” se utilizem das mesmas estratégias comerciais dos filmes de terror ou das franquias de super-heróis, ver um filme brasileiro abraçar seu público não deixa de ser um ato de resistência. Lugar de pessoas é na sala de cinema, desde que não conversem durante a projeção, não usem o celular e não chutem a cadeira da frente. A única pessoa que gosta de sala vazia é o bilheteiro: ele tem menos trabalho para destacar os ingressos. Cinema cheio faz bem, principalmente a nós mesmos, cidadãos contribuintes, pagadores de impostos. Com bilheterias mais gordas, é possível que nosso produto tupiniquim necessite menos da mendicância das leis de incentivo, o atual antibiótico responsável pela sobrevivência da nossa arte.

Se existe hoje o Movimento Brasil Livre, que de liberdade não prega nada, existe também o Movimento Cinema Livre, oculto nas entrelinhas das redes sociais, mas que se vale dos mesmos métodos persuasivos de censura. E é quase tão perigoso quanto. Não é isso que eu quero para o futuro do nosso país. Nem para o presente. Queria mesmo é poder ver abraçados, segurando cartazes ou não, tanto o Kléber Mendonça quanto o Marcelo Antunez, mais o Eugênio, o Adirley, o Bruno, o Caetano, o Marco, os irmãos Salles e muitos outros que, com suas diferenças estéticas e políticas, gritam por suas ideias e fazem sua arte ecoar nas pessoas e não nos vazios. O resto é palhaçada fora das telas.


terça-feira, 25 de julho de 2017

Gestão pública X gestão privada

GESTÃO PRIVADA
A empresa comete uma grande cagada.
Os sócios pensam em 2 saídas.

Plano A:
Abafar o caso, indenizar os possíveis lesados, fazer um recall do produto.
Investir pesado em Propaganda. Comunicação focada em transparência e eficiência.
Modernizar a marca.
Alterar os livros de Contabilidade. Criar operações financeiras fantasmas. Reduzir os prejuízos do livro-caixa.
Valorizar as ações.
Vender a empresa para uma multinacional por uma quantia estratosférica.
Enterrar a marca nacional.
Com a dinheirama da compra, o dono passa o ano em Genebra.

Plano B:
Demitir os funcionários. Deixar de pagar indenizações. Sofrer processos trabalhistas aos montes. Deixar correr esses processos.
Transferir os bens para o nome de outra pessoa.
Sucatear o patrimônio.
Pedir concordata. Tentar o perdão da dívida na Justiça.
Fechar a empresa.
Enquanto o nome da companhia fica sujo na praça, dono foge e passa uma temporada em Genebra.


GESTÃO PÚBLICA
O Governo comete uma grande cagada.
Em discurso, Presidente fala que não existe Plano B.
Deixa a estrutura estatal mastodôntica exatamente como está.
Não corta um centavo dos gastos públicos.
Aumenta as benécies dos parlamentares em troca de favores políticos.
Cria estratégias para abafar as investigações.
Empurra com a barriga as principais reformas legislativas.
Faz um mandato-tampão baseado em emendas.
Troca metade do ministério. A cada 2 meses.
Convoca o melhor Ministro da Economia pra dar um jeito.
Aumento de impostos para cobrir rombos.
Índice de confiança do setor empresarial continua em queda.
Taxa de juros não cai, inflação idem, desemprego sobe. PIB quase zero.
Queda da produção. Queda da produtividade. Mais impostos. Presidente afirma que povo vai entender.
Cai o Ministro da Economia. Cai a Economia.
Em meio à maior crise política do século, Presidente é convocado a participar de conferência mundial sobre sustentabilidade. Em Genebra.


quinta-feira, 13 de julho de 2017

Mais é menos

Por uns instantes achei que tivéssemos entrado no Século 22. Uma intensa campanha do Pão de Açúcar e do Extra, especificamente seus programas de fidelidade Pão de Açúcar Mais e Clube Extra, totalmente sintonizada com tendências e hábitos de consumo. A comunicação visa chamar o consumidor a baixar os respectivos aplicativos. Com o mote “desconto só pra você, só no aplicativo”, ou algo similar, imaginei se tratar do suprassumo de uma campanha exclusiva e personalizada. Ou seja: o sistema do app se “emparelha” ao sistema da rede, o sistema da rede vasculha o histórico de compras do cliente, detecta as marcas e categorias de produtos mais compradas nos últimos meses/semanas/dias e, a partir desses dados, oferece a ele ofertas e promoções condizentes com esse levantamento. Ou seja: um consumidor de cerveja passaria a receber ofertas de Heineken, Skol, Itaipava, Stella. Uma consumidora de sabonetes e shampoos passaria a receber ofertas de Dove, Palmolive, Nivea. Apenas um exemplo, sem preconceitos. Ou seja: nem o consumidor de cerveja receberia oferta de Nivea, nem a consumidora de sabonetes receberia oferta de Heineken. Ou seja: eu, com meu histórico de consumo inveterado de refrigerantes, energéticos, atuns enlatados, salgadinhos e demais tranqueiras engordativas, achei que, finalmente, pudesse dispensar as páginas e páginas dos encartes e teria, no meu celular, um aplicativo que me entende tão bem, mas tão bem, quase um amigo íntimo, daqueles que dá vontade de adicionar no Facebook. SÓ QUE NÃO.

Em primeiro lugar, veio a maratona que me enlouquece: cadastro. Não sei se também acontece com vocês, mas perco horas tentando decifrar o jeito certo de preencher a porra dos campos e espaços em branco. Neste caso específico, o problema foi o telefone. Não havia um “exemplo de preenchimento”. Então digitei só números com prefixo da cidade. Errado. Depois, só números sem o prefixo da cidade. Errado. Prefixo da cidade entre parênteses, sem espaço do número de telefone. Errado. Com espaço. Errado. Com hífen entre os 4 dígitos. Sem hífen. Enfim, imaginem vocês como estava meu estado de humor após 10 tentativas. Depois dessa, só mesmo um Honda Civic pela metade do preço para fazer do Pão de Açúcar Mais um app de gente feliz. SÓ QUE NÃO.

Segundo passo: “folhear” as ofertas disponíveis, ativar as que te interessam, mostrar seu celular ao caixa na hora da compra. Um processo um pouco mais complicado, que exige alguns passos a mais em relação ao arcaico ler, botar no carrinho e pagar. Mas tudo bem: estamos décadas à frente da concorrência, estamos sendo os protagonistas do big brother do consumo, estamos diante da tecnologia-psiquiatra que te ouve, te entende e te dá um lencinho. SÓ QUE NÃO.

Nesse processo embrionário e empírico de novas funcionalidades para o telefoninho que a gente carrega no bolso, só me apareceram ofertas de banana, tomate, ovo, papel higiênico, frigideira e inseticida. Todo supermercado do mundo faz oferta de inseticida. Ou as indústrias deveriam produzir menos, ou as pessoas deveriam comprar mais. Questão de equilíbrio. E, até onde eu saiba, essas mesmas ofertas padronizadas apareceram pro cervejeiro, pra moça que gosta de tomar banho, pro João, pro José, pra D. Ermelina.

Podem continuar me chamando de obsoleto, old school, retrógrado, cliente de antiquário. Mas vamos combinar: pelo menos no bom e velho encarte de papel, aquela coisa impressa e anti-ecológica que vem dentro do jornal que ninguém mais lê, eu faço a festa com todas as bugigangas em promoção. Alta tecnologia pra me vender banana? Vai se foder!


quinta-feira, 18 de maio de 2017

Políticos

Sempre quis acreditar que a generalização é um caminho perigoso. Que existem maus políticos e bons políticos. Assim como maus médicos e bons médicos. Maus advogados e bons advogados. Penso duas vezes, ou até mais, antes de tecer comentários derrotistas e colocar tudo como farinha do mesmo saco. Isso em nada contribui para o debate. Ou até mesmo para se mudar a realidade generalizada. Sempre achei que a massificação adjetivada enfraquece o discurso. E justamente os maus modelos poderiam servir de referência para o processo de aceleração das transformações. Para se pensar sobre as mudanças de modo mais coerente. E tentar construir um país melhor.

Mas aí me aparece o motorista de ônibus que ultrapassa o veículo da frente e não para no ponto, conforme ocorreu ontem comigo. Ou um pilantra que inventa desculpas esfarrapadas para dar um calote num amigo meu pelos serviços prestados, como aconteceu nesta semana. Ou um vizinho que joga o lixo no telhado da sua casa, como acontecia há alguns anos. Vizinho, por sinal, político. Ou aquela pessoinha que usa a fila preferencial no supermercado para desovar um carrinho lotado de compras. Ou o sujeito que joga papel na rua. Passa o farol vermelho. Taca fogo em bancas de jornal. Gruda o chiclete nos assentos dos coletivos. Rabisca cédulas. Cospe nos fones dos orelhões, muito embora ninguém mais use essa geringonça.

O que estamos assistindo, no âmbito macro, nada mais é do que o reflexo dessa sociedade podre. Políticos – eleitos diretamente por nós – deitando e rolando nas mamatas do governo. Os políticos são um recorte da sociedade. Eles não só inspiram o conjunto da população a macaquear e proliferar seus gestos ignóbeis, como também nasceram dessa sociedade, e levam esses hábitos sinistros para os mais altos escalões. Uma via de mão dupla. Esburacada, tortuosa e com semáforos quebrados.

Nada mais me assusta. Nada mais me deixa perplexo. Só fico cada vez mais triste com essa corja que nos representa e com esse zé povinho que nos cerca. Um nasceu do outro. Tanto aquele que está na mídia, por ter subornado o silêncio de um colega preso, quanto aquele que emporcalha o país no modo invisível. Tanto aquele que participa de mirabolantes golpes milionários lá longe em Brasília quanto o tal do vizinho que tá cagando pro seu sono e liga o pagode no volume máximo. É por causa desse tipo de cidadão escroto que, voltando ao tópico da generalização, quando mostrei minha relutância em nivelar nossos compadres por baixo e procurei enxergar alguma qualidade na raça que compõe esse Brasil colorido e plural, digo agora: “esqueçam tudo o que falei”.

Assistindo a todo esse transporte de malas de dinheiro, à compra de joias com a grana da Saúde, conversas telefônicas negociando valores e, mais recentemente ao pronunciamento da não-renúncia, fico imaginando que, para o pequeno escroque, fazer uma conversãozinha proibida na esquina da R. Augusta com a Alameda Santos não pega nada. Pois no Brasil a única lei que “pega” é a lei de Gérson. É esse tipo de pulha que escolhe os políticos de hoje. É esse tipo de canalha que se transforma no político de amanhã.

Morram todos vocês, seus filhos de uma puta. De preferência, de câncer no cu.


quarta-feira, 5 de abril de 2017

Tinder

(Mais considerações sobre o Tinder)

Tudo muito rápido. Tudo muito muito. Na nossa sociedade, ninguém tem tempo a perder. Seja lá o que significa o conceito de “perder tempo”. Nos relacionamentos, é a mesma coisa. Aquela ideia de amadurecer a relação amadureceu de podre. Tudo tem que ser muito certeiro. “Assertivo”, palavra-bosta da moda. E o Tinder, como causa ou reflexo desse comportamento, não poderia ser diferente. Basta deslizar o dedo sobre a tela para se desvincular de alguém e partir pra próxima. Com o novo Namoro na TV em formato de app, temos a capciosa sensação de que milhões de pessoas estão solteiras e desesperadas. Milhares são compatíveis com você. Centenas dão like. Em dezenas rola match. E meia-dúzia quer dar pra você. Talvez uma até queira mesmo. Mas só se você for muito gente boa ou se rolar uma descarga elétrica no primeiro encontro a tal ponto de desencadear uma atração mortífera e visceral. Caso contrário, o Tinder funciona mais ou menos como o Uber: milhares de pessoas passeando perto de você, existe a necessidade de abrir o app pra chamar essa pessoa e, se tudo der certo, ela vai te achar. Só que com uma diferença: no Tinder você não ganha balinha nem copinho d’água ao utilizar o serviço. Ao contrário do serviço de táxi, em que há a certeza de que você nunca mais na vida vai ver o motorista novamente, com o Tinder ainda existe uma remota possibilidade de um novo encontro. Mas pra isso você precisa beirar a perfeição no début. Aqui o ditame “a primeira impressão é a que fica” cedeu lugar ao “a ÚNICA impressão é a que fica”. Afinal, ninguém quer perder tempo investindo na relação ou descobrindo os mistérios do outro. Mais fácil perder tempo passando o dedo sobre um tampo de vidro enquanto se escuta o Spotify.
Portanto, diante dessas conclusões absolutamente pessoais, quero finalizar com uma espécie de tributo, homenagem, ou apenas uma derivação da música Construção, de Chico Buarque.

“Armou daquela vez como se fosse a última
Reservou um bistrô para o próximo sábado
Olhou praquela mulher como se fosse a única
Beijinho no rosto como se fosse íntimo
Contou suas vantagens se achando o máximo
Poema sobre poema num momento mágico
Agarrou aquela mulher de um jeito ridículo
Levou um fora como se fosse um bêbado
Pagou aquela conta se sentindo uma lástima
Abriu aquela porta andando trôpego
Entrou no carro do Uber atrapalhando o tráfego”.


segunda-feira, 3 de abril de 2017

Filme

(Dicas para cineastas)
Como ganhar prêmios nos principais festivais de cinema do mundo:

- Crie um título nada condizente com a história ou de significado muito simbólico e restrito. Por exemplo: se o filme se chama Vaca Zebu, em nenhum momento aparece ou é citado o animal.
- Contrate um ator novato e outro decadente. Sempre.
- Seja um amigo da natureza. Crie planos como se fosse um fotógrafo da National Geographic. Dê closes em bichos. Tá em crise criativa? Sem problemas. Filme uma correnteza por vários minutos, isso serve sempre de metáfora para alguma coisa em aberto ao espectador. E mato, muito mato. Adentre florestas. Seja íntimo das folhas. E, se possível, filme uma cópula de gafanhotos.
- Esqueça os planos e contraplanos rebuscados. Simplicidade ao máximo. Nas cenas de diálogo, basta uma única pessoa olhando fixamente pra câmera, estilo portrait, e corte seco pro interlocutor, no mesmo ângulo.
- Abuse dos planos longos. Mas longos mesmo. Daqueles que dão tempo do espectador ir ao banheiro e ainda comprar um Kit Kat na bonbonniere.
- Crie cenas que causam no espectador uma vontade incontrolável de dormitar no meio da sessão. E na hora de participar de debates, cite sempre essa cena em que todo mundo dormiu na sala.
- Esqueça qualquer relação lógica de tempo e espaço. Relativize até as últimas consequências a temporalidade dos fatos. Dica: rainha atendendo a um celular dentro de sua carruagem. Homens ateando fogo com isqueiro Zippo nas Cruzadas. Astronauta vestindo abrigo Adidas na nave espacial de 2400.
- Para reforçar essa crise atemporal, finalize um filme de época (ou qualquer outro) com uma música dos Ramones. Sempre.
- Subverta a linearidade histórica dos fatos. Sugestão: Maria Antonieta tendo um caso com Freud. Madonna tendo um caso com Nietsche. Ou Freud tendo um caso com Nietsche, tanto faz.
- Contrate sósias. Eles são imprescindíveis para as cenas finais, em que o protagonista se intercala com seu alter ego, como se fosse um jogo de espelhos.


terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Filhos

Nunca tive filhos. Não que eu saiba. Pelo menos aqui em casa nenhuma mulher tocou a campainha com três rebentos de colo, todos eles de olhos verdes, cabelos cacheados e brincos nas orelhas pra provar que são meus. Nada contra. Até tenho amigos meus, pais e felizes. Mas nesse aspecto sou meio machadiano. Faço do epílogo de Memórias Póstumas de Brás Cubas o meu mantra. Lá o livro se encerra com a frase "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria".

Não que essa convicção seja algo sólido, já que tá na moda falar que nossas crenças são líquidas e nossos princípios se dissolvem no ar. Talvez um dia eu mude de ideia. Essa postura não é estanque, estamental. Mas por enquanto é por ela que eu me baseio pra tocar minha vida. Quem sabe um dia eu encontre uma pessoa que me faça querer ter filhos. Uma mulher que traga ao nosso convívio a possibilidade de se fazer concessões para se atingir o equilíbrio do relacionamento. Uma musa que traga sobre a questão muito amor, respeito e diálogo, com argumentos persuasivos, como por exemplo... um trezoitão apontado pra minha cabeça, sei lá.

Não pretendo ter filhos por vários motivos. O primeiro deles é de ordem individual, mesmo. Puro egoísmo da minha parte. Caso eu os tivesse, teria de abandonar a Galeria do Rock e passar a frequentar a Ri Happy. Teria de trocar Velozes e Furiosos pela Peppa Pig. Passaria a acordar umas quatro vezes por noite pra acalentar choros. Trocar fraldas. Teria de limpar o cocô dos outros, sem demonstrar qualquer tipo de ânsia de vômito pra não criar traumas na criança. Bebês podem até alegrar seu dia e mudar sua vida com aquele olhar cúmplice, aquele sorriso que se forma em câmera lenta e faz você esquecer que tem que pagar o IPVA. Mas, numa análise mais fria, não deixa de ser um moto perpétuo de comer, chorar, cagar, chorar, dormir, chorar. Se eu quisesse um mecanismo para se injetar alimentos e depois limpar a mistura processada não precisaria ter filhos. Basta um liquidificador. Pelo menos tirando da tomada ele para de berrar.

A segunda razão segue a linha daquilo que todo mundo que opta por não ter filhos prega. Um algarismo a mais num mundo tão lotado. Um inocente ser humano tendo de conviver com todas as desgraças que o homem produziu. Uma pessoa que nasceu sem pedir e teria de lutar pela sobrevivência. Um indivíduo que perpetuaria nossos vícios genéticos, que foi mais ou menos o que Brás Cubas falou no fim do livro do começo deste texto.

Por último, não posso deixar de mencionar alguns agravantes em relação a épocas anteriores. Sinceramente, confesso meu fracasso didático ao não conseguir explicar para o futuro rebento uma série de comportamentos, práticas e atitudes da sociedade moderna. Criei um distanciamento inacabável sobre a geração que vem depois da Geração Z e nem faço ideia de qual letra do alfabeto é utilizada pra denominá-la. Por exemplo:
- Teria de explicar ao meu filho que material escolar é lápis preto. Que uniforme é tênis preto. Mas que ele jamais poderia chamar o coleguinha de preto pra não correr o risco de ser expulso por racismo infantil.
- Teria de conviver com o fato de que o Érico Jr. já nasceria sabendo todas as atualizações dos sistemas operacionais, sem precisar recorrer aos tutoriais do Youtube. E avisaria que, já aos 3 anos de idade, é ele quem iria me ensinar como funciona esse telefoninho que a gente carrega no bolso.
- Explicaria que, durante a ditadura, políticos de esquerda hoje são de direita. E políticos de direita que apoiavam a ditadura hoje apoiam os políticos de esquerda.
- Que aos 4 anos ele deixaria de usar fraldas e aos 70 deveria voltar a usá-las.
- Televisão, só se for programa com fundo de teor educativo. Tipo desenho animado que no final ensina a escovar os dentes ou reciclar o lixo. Nada de He-Man ou esses mangás que hipnotizam criança. Três Patetas, Os Trapalhões? Nem pensar.
- Que antigamente ele teria de falsificar carteirinha pra entrar em filme pra 18 anos por causa da censura. E que hoje não existe mais censura, mas ele continuaria impedido de entrar em alguns filmes por causa da classificação indicativa.
- Avisaria que, nos filmes em que ele pode entrar, sem censura e sem classificação indicativa, ele não iria entender mais da metade da trama, pois as distribuidoras encomendariam pesquisas de mercado para que 40% da história agrade os pais com referências de outros filmes, 20% agrade os adolescentes com gírias que só eles entendem e 10% agrade as mães naquela parte em que todo mundo da sala dorme. Pelo menos ele sairia da sessão entendendo tudo de porcentagem.
- Que a mistura de arroz, feijão, salada e mistura hoje é feita com salada e não com mistura.
- Apesar de alguns casais de amigos serem totalmente contra, falaria a ele que tudo bem pedir chupeta pra mãe aos 2 anos de idade. Tudo bem pedir chupeta pra empregada aos 5 anos. Mas que ele jamais poderia pedir uma chupeta pra amiga de turma quando completasse 14 anos. Uns 8 anos mais tarde, talvez.


terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Senhas

(Num futuro próximo)

- Boa tarde, seja bem-vindo.
- Boa tarde, obrigado.
- Por favor, digite sua senha.
...
- Senha inválida. Digite novamente. 14 dígitos.
...
- Senha inválida novamente. Tente não usar números sequenciais nem números muito fáceis de decorar: datas de aniversário, CPF, celular da ex-namorada, inscrição no PIS/Pasep, protocolo de reclamação da NET...
...
- Pronto, agora sim. Confirme sua senha, por favor.
...
- Perfeito. Agora digite os 4 primeiros números do seu cartão do banco, sem os zeros.
...
- Okaaay... agora, digite seu código de acesso ao sistema.
...
- Código inválido. Tente novamente, por favor.
...
- Estranho... tá demorando pra aparecer no sistema... pronto, agora sim. Agora, digite o número que aparece na chave de segurança do seu aplicativo.
- Peraí, preciso abrir o aplicativo.
- Sem problemas.
- Pronto, taqui.
- Achou? Vá em configurações, depois em configurações personalizadas, depois em adicionar códigos, depois em avançado, depois em chave de segurança. Vai aparecer um código de 12 números. É só digitar.
...
- Ih, expirou o tempo. É que esse código é randômico e muda a cada 15 segundos. Tente novamente, por favor. Com a nova chave de segurança que aparecer na sua tela.
- Ai, que saco...
- Desculpe, são os procedimentos. Mas é rapidinho, falta pouco.
...
- Prontinho! Agora vire o rosto pra câmera... não, não... queixo mais pra cima... vire o rosto um pouquiiinho pra direita... perfeito! Coloque seu indicador direito aqui, por gentileza, para validação biométrica...
...
- Ótimo! Agora olhe fixamente para esse ponto luminoso aqui, sem piscar, para escaneamento de retina.
...
- Maravilha! Pode passar a catraca. Lembramos que este ônibus tem destino ao Largo de Pinheiros e a previsão do tempo de viagem é de 47 minutos e 25 segundos. Caso queira desembarcar em algum ponto antes, aperte o botão da campainha com o mesmo dedo que você fez a validação biométrica e encoste sua boca bem perto do microfone embutido, bem ao lado do seu assento. Fale ao motorista o número da parada em que você deseja descer, e em seguida fale pausadamente a senha alfanumérica que você recebeu por e-mail na semana passada. Caso não tenha recebido este e-mail ou tenha esquecido a senha, por favor dirija-se a alguém de nossa equipe para que possamos fazer o procedimento do seu desembarque com segurança. Tenha em mãos seus RG, CPF, documento com foto e comprovante de residência para que possamos iniciar a abertura de um protocolo de ocorrência. A Transtur agradece a sua preferência e tenha uma boa viagem.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Jaqueline

Hoje vamos falar da Jaqueline. Quando relembrei os tempos áureos do Alexandre, teve gente que veio com insinuações de cunho homofóbico, fazendo supor que eu tivesse algum tipo de atração recôndita e enrustida pelo colega. Então, para não deixar dúvidas a respeito de minhas preferências amorosas, o foco do dia será a Jaqueline.

Antes de começar, queria tranquilizar o leitor em dois aspectos. Primeiro, é bom deixar claro que a Jaqueline não comeu 9 mulheres no Carnaval. Não sei nem por que estou dizendo isso, mas vai que alguém aqui pense que existe uma certa semelhança entre os protagonistas na questão da idolatria. Não existe. Pelo menos, não que eu saiba. A única similaridade que veremos a seguir é que os episódios aconteceram na mesma escola, na mesma década e afetaram diretamente a mesma pessoa – no caso, eu. Em segundo lugar, aqui não se trata de uma história na linha de Harry Potter, em que você precisa ler todos os livros anteriores para compreender o capítulo seguinte. Claro, se você tiver curiosidade de ler ou reler o texto do Alexandre, vou ficar muito contente.

Estamos em 1985. Não tinha Facebook. Nem Orkut. Nem celular. Nem e-mail. Não tinha nem computador. Quer dizer, até tinha. Mas era propriedade da NASA e ocupava uma sala do tamanho de Itaquera. Tudo isso parece óbvio. De fato, é. Mas são argumentos imprescindíveis para se contextualizar o fato e acompanhar as aventuras deste escriba sem maiores estranhezas. Na época, não tinha essa de “me adiciona no WhatsApp”. A única maneira de se adquirir o número do telefone (fixo, de 6 dígitos) de alguém era por meio de consultas em listas telefônicas, chamadas pelos americanos de catálogo. Havia três tipos: Assinantes, em que você fazia a busca pelo sobrenome; Endereços, o nome já diz tudo; e Páginas Amarelas, com vários anúncios de empresas, um amontoado de papel-seda que não servia pra nada (não pense bobagem, seu narcodependente...). A não ser que você precisasse urgentemente de serviços de descupinização.

A história de hoje não tem nada a ver com cupins, mas versa sobre um tema igualmente corrosivo: a paixão. Tudo começou na sala da Diretoria. Calma, vou explicar. Nunca fui baderneiro. Eu acabara de entrar para o 3º Colegial. Em termos de equivalência, não sei o que corresponde hoje com o atual currículo, mas essa palavra (Colegial) vem do grego e significa “difícil pra caralho”. Tudo o que você aprendeu até então cai por terra. Se você era fera nas equações de segundo grau, teria doravante de enfrentar quase o alfabeto inteiro dentro de fórmulas matemáticas com potenciações que tendem ao infinito. Descobre que é possível tirar raiz quadrada de número negativo. Descobre que algumas partículas gramaticais não têm função sintática alguma e servem apenas para enfeitar a frase. Descobre que o único lugar do planeta onde você vai achar o elemento químico tungstênio é na ponta da sua caneta esferográfica. E, pior de tudo: descobre que aquela menininha da primeira fila que um dia foi dentuça e estrábica está tão gata que faz o coração da classe inteira bater mais forte. E isso nada tem a ver com as aulas de Biologia.

Voltemos à Diretoria. Naquela época, para se ter direito ao uso do Passe Escolar, que concede o benefício de se pagar metade do valor da passagem dos transportes públicos, era necessário preencher um formulário e pagar o equivalente a 5 vezes o valor da tarifa vigente. Em dinheiro de hoje, na cidade de São Paulo, essa quantia significa R$ 19,00. Em todos os anos era essa a prática adotada pelo colégio. Por algum motivo de força maior, naquele ano em questão, do início da implementação regular do horário de verão, da morte de Tancredo Neves e do lançamento do primeiro De Volta para o Futuro, decidiram fazer diferente. Alegando falta de verbas, custos extras de logística e a necessidade de um fundo de reserva para emergências, cobraram um ágio de 100%. Um absurdo. Um acinte à ética educacional. Fui reclamar. E lá na sala oficial do castigo encontrei uma outra indignada, aquela que em poucos dias seria minha musa amada.

Jaqueline fazia o tipo mulherão. Alta, esbelta, olhos grandes e escuros, lábios espessos e carnudos, coxas fortes, braços longos. Se o colégio fosse o Burger King, Jaqueline seria o Whopper Duplo. Diante dela, a diretora virou uma formiguinha. E acho que foi essa mistura de postura contestadora e sensualidade dos gestos que me encantou. Imagina aquela cena típica de filme dos anos 80. À medida que a rebelde vociferava, sua voz ia caindo para background, até emudecer de vez e ceder lugar a uma música do Everly Brothers. Tudo o que eu conseguia ver eram lábios se mexendo em câmera lenta, dançando ao ritmo de um tema que passava bem longe da carteirinha superfaturada. No fundo, acho que era uma promoção da escola: você paga uma cobrança indevida de R$ 19,00 e leva de brinde pra casa a arritmia e o desassossego.

Eu era um garoto tímido. Não, você não tá entendendo. Era tímido meeesmo. Vermelho-Ferrari era praticamente minha cor default. Jamais poderia imaginar uma situação em que eu me declarasse de cara limpa à cachopa venusiana. Tinha de pensar em outros meios. Telefone, por exemplo. Eu ligaria pra ela na zona de conforto do meu lar, me sentiria mais à vontade para conversar sem que ela me visse e, entre um colóquio às escuras e outro, surgiriam afinidades e conexões. Mas eu precisava saber o número dela. Perguntar, impossível. Mais fácil encontrar um bilhete premiado da Mega Sena dentro da caixa de sapatos do meu avô.

É aí que entram as listas telefônicas. Meu plano infalível consistia em descobrir o número e ligar. Se ela por acaso perguntasse como descobri... sinceramente, nunca pensei nessa possibilidade. Mas não faz mal. Nessa hora entraria o improviso jazzístico da coisa, pra deixar tudo mais natural. Ou eu desligaria na cara morrendo de vergonha, o que viesse primeiro. Bom, primeiramente, é bom salientar que eu não sabia o sobrenome dela. Estudávamos em classes diferentes. Ela fazia o Magistério, ia às aulas somente alguns dias por semana. Eu não conhecia ninguém do Magistério a ponto de tomar a liberdade de perguntar o sobrenome da Jaqueline. E se fosse Silva? Ou Santos? Com certeza, só conseguiria falar com ela depois que terminasse a faculdade. Então, tive de incrementar meus planos diabólicos: lista de Endereços. De alguma forma, teria de descobrir onde ela mora, para que pudesse fazer a consulta no catálogo de logradouros. Não que eu seja um stalker profissional, mas só me restava segui-la até sua casa como única alternativa.

Para que nada parecesse criminoso, para que tudo tivesse a imagem de algo espontâneo, ocasionado pelas coincidências da vida, meu plano foi rascunhado com a precisão cirúrgica de detalhes. Num primeiro dia, pegaria o mesmo ônibus que ela. Sim, ela voltava pra casa de ônibus. Não faria sentido algum ela reivindicar a justiça na cobrança do documento se alguém a conduzisse de carro ou de moto até sua casa. Minha ideia era descer um pouco depois, para não parecer perseguição. E, num outro dia, pegaria o mesmo ônibus que ela, só que entraria nele um ponto antes. Desceria no mesmo ponto e andaria calmamente, bem atrás dela, sem abordá-la, e daí anotaria seu endereço. Tudo muito lógico e natural, nada vindo da cabeça de um psicopata.

Primeiro dia. Entramos no coletivo. Imaginei que ela fosse descer coisa de 6 ou 7 pontos depois. Que nada. Ela morava na puta-que-pariu. Não é à toa que esbravejava tanto na Diretoria. Andar de ônibus, para minha Dulcineia juvenil, era tão vital quanto respirar este oxigênio que nos afaga. Mas o tímido e enamorado discípulo não foge à luta. Esperei ela descer e, conforme planejado, puxei a cordinha no teto para o ônibus parar no ponto seguinte.

No segundo dia, pedi ajuda a um amigo meu. Um grande amigo, por sinal. Achei que seria mais estratégico. Contei rapidamente o plano e ele não só entendeu perfeitamente como também fez questão de ser o coadjuvante dessa empreitada. A ideia era essa: ver mais ou menos o horário de saída da moça, ou sair minutos antes, ir até o ponto anterior e pegar o mesmo ônibus. Esse meu amigo é muito ponta-firme. Leal, companheiro de verdade. Só que recebeu uma educação familiar muito rígida, regrada. E tinha uma mania um tanto obsessiva. Sempre que a gente saía, ele ligava pra casa dele umas 5 ou 6 vezes pra avisar os pais que estava tudo bem. Um excesso de preocupação a meu ver descabido diante dos riscos que corríamos indo a um fliperama ou ao Jack in the Box. Mas OK, quem sou eu pra dizer o que é correto e o que foge dos padrões da normalidade. Só lembrando: anos 80, gente. Nada de celular. Para se comunicar remotamente, o jeito era usar os telefones públicos. E aí entra em cena a icônica ficha, moeda inspiradora da expressão “cair a ficha”. Estávamos no ponto, tudo nos conformes. Até que aparece um orelhão bem na nossa frente. Meu amigo não teve dúvidas: ligar pra casa avisando que chegaria um pouquinho mais tarde. Foi o tempo suficiente para que passasse o ônibus que precisávamos pegar. “Calma, vai dar tudo certo”, disse ele. Olha, não sei você, mas SEMPRE que alguém me fala isso é um prenúncio de que vai dar bosta.

Não acredito em Deus. Nem em forças superiores. Nem em energia, nada disso. Mas, naquele momento, alguma coisa fora do nosso alcance compreensivo aconteceu. Poucos minutos depois, passa um outro ônibus da mesma linha. Vazio, bem vazio. Por estar mais vazio, obviamente recolheu menos pessoas. Por pegar menos passageiros, conseguiu ultrapassar o ônibus em que se encontrava minha Inês de Castro. É sério. Parecia cena de filme policial. Única diferença é que os criminosos éramos nós.

Chegamos ao destinatário um pouco antes da Jaqueline. Ficamos de tocaia numa construção abandonada, não lembro ao certo. De repente, ela passa. Agora, era só anotar o endereço da casa dela pra depois procurar na lista. Ela caminha, lentamente, e entra. Era um condomínio fechado.

Amigo que é amigo dá provas incontestes de amizade. Meu fiel companheiro ligou para os apartamentos do condomínio, um por um, perguntando pela Jaqueline. Não encontrou em nenhum deles. Fim da história.


domingo, 22 de janeiro de 2017

Alexandre

De repente me lembrei de um amigo de longa data. Isso mesmo, longa data. 1983, mais precisamente. Estava no 1º Colegial. As aulas já tinham começado e mais ou menos em março ele se integra à classe. Foi logo depois do Carnaval. Fazia o tipo bonitão: cabelos castanhos escorridos, pele bronzeada, olhos verdes, voz grossa e ligeiramente rouca. Mas não era daquele tipo de ficar expondo músculos ou acenando pras menininhas na quadra esportiva. Ele era mais introspectivo, mais na dele. Alexandre, chamava-se o gajo. Muito inteligente e passava uma imagem de pessoa sensível. Ah, e fumava também. Lembre-se: começo dos anos 80. Naquela época, fumar era blasé. Como houve uma entrada muito grande de alunos egressos de outras escolas e um remanejamento que até hoje não entendo quais critérios foram utilizados, acabei caindo numa classe em que a maioria era de baderneiros. Alunos péssimos em todas as matérias. Não havia "turma do fundão". A classe inteira era a turma do fundão. E eu tive uma certa dificuldade de adaptação. Por isso, o Alexandre me chamou a atenção logo de cara. Parecia se destacar naquele turbilhão que não queria nada com nada.
Lembro também do momento em que ele foi se enturmando com os colegas e, no recreio, comentou que tinha transado com 9 mulheres naquele Carnaval. Lógico, não acreditei. Isso não era possível de acontecer. Pelo menos não com um moleque. Não numa cidade fora de Salvador. Mas, assim como um professor prova o Teorema de Pitágoras, ele tentou provar por A + B que não estava mentindo. Quase jurou de pé junto. Pelo sim pelo não, adotei ele como meu ídolo. Em uma década eu não consegui comer 9 mulheres diferentes. Pelo menos não naquela década em questão.
Só que tudo nessa vida tem seus dois lados, suas contradições e contrapartidas. Alexandre fazia o tipo perfeito pra se ter como melhor amigo, mas levava uma vida complicada. Os pais tinham acabado de se separar. Anos 80, gente. Filhos de pais separados eram vistos como bestas-feras na escola. Acabara de adotar, ao lado de seu corriqueiro sobrenome português, um sobrenome alemão, complicadíssimo, oriundo do segundo marido de sua mãe. Ele tinha ido morar uns tempos em Santos e acabara de voltar pra São Paulo. Morava perto do colégio, consequentemente, era meu vizinho. Não parava em colégio algum. O quanto ele tinha de inteligência ele tinha de despreocupado. Não estudava pras provas. Mas era meu ídolo. Talvez por tudo isso mesmo. Uma cara legal que me dava lição de vida. Algo que não constava nos alfarrábios escolares.
Um dia, veio estudar em casa. Conversou com minha mãe. Descobriu-se ali que, entre um assunto e outro, minha mãe conhecia o avô dele, que era do bairro. Resumindo, o Alexandre era isso. Próximo e distante. Crânio e vagal. Simples e complicado. Comedor e apaixonado.
Lembro também uma vez em que ele me chamou pra conversar. Questões amorosas, meu assunto preferido. Pleno domingão. Ele estava a fim de uma garota, não sei dizer com exatidão o que tinha acontecido. Queria resolver essa parada com ela e me chamou junto. Pra quem estava acostumado a assistir ao programa do Sílvio Santos e estudar pra prova de Física do dia seguinte, aquela intimação veio a calhar. Senti-me honrado. Na minha paranoia mental, de alguma forma também achava que pudesse ser um ídolo dele.
Chegamos à casa da moça. Na minha paranoia mental, achei que seria uma figura imprescindível na conciliação do casal. Uma espécie de psiquiatra juvenil. Talvez fosse esse o motivo do convite. Mas não. Logo que nos apresentamos, o par em crise me enxotou para o quarto e ficou conversando na sala. Devo ter ligado a TV, não me recordo. Devo ter ligado meus pensamentos. Não sei. Só sei que, em momento algum, eu ouvi gritos, discussões, desaforos, pratos quebrados. Pelo contrário. Quando um casal está aparando suas arestas, resolvendo suas diferenças, é outro tipo de barulho que o amor faz.
Fomos embora. Alexandre me contando em detalhes o que tinha rolado. Eu não queria saber. O segurador de velas que vos escreve não estava nem aí para ouvir relatos do percurso de mãos, dedos e partes do corpo mais pontiagudas. No fundo, eu queria sim. Queria saber o que tinha acontecido enquanto eu assistia pela oitava vez o Didi Mocó imitando a Maria Bethânia. Estava com inveja e ao mesmo tempo com ódio do Alexandre. Aquilo não se faz com um amigo. Mas ele continuava sendo meu ídolo.
Os dias se passaram, Alexandre foi ficando cada vez mais escasso. Faltava às aulas. Faltava às provas. Alegou problemas cardíacos, o que caía como uma luva nessa composição de pessoa complicada. Até que sumiu de vez. Repetiu de ano, é claro. E, nas férias do ano seguinte, veio me fazer uma visita. Tocou a campainha de casa e me pediu emprestado o livro de História, já que teria de estudar tudo de novo. Jurou devolvê-lo. Nunca mais o vi. Nem o livro, muito menos o Alexandre.
Facebook anda muito chato ultimamente. Postagens inexpressivas, discussões inócuas, agressões verbais, entreveros políticos equivocados. Mas a rede social também faz milagres. É capaz de achar pessoas que você não vê há séculos. Apesar de replicar muito mimimi, o Face também funciona como uma espécie de investigador de pessoas desaparecidas. Facebook is the new caixa de leite. E lá fui eu procurar o sumido Alexandre. Digitei o sobrenome comum e encontrei dezenas de perfis. A maioria, molecada postando selfie. Também encontrei diversos perfis-fantasma, aqueles de contorno amorfo branco num fundo azul-calcinha. Digitei o impronunciável sobrenome alemão e não encontrei ninguém. Aí fiquei pensando. Por onde anda Alexandre? Será que ele ficou careca e barrigudinho? Ou será que continua arrancando suspiros por onde passa? Virou escriturário coxinha? Analista de TI? Filósofo? Ou vive comendo as secretárias sobre a máquina de xerox? Não, isso não. Quase não existe mais máquina de xerox nas empresas. Mas fiquei curioso. Aquela irreverência introspectiva ainda permanece na pessoa, ou cedeu lugar a uma série de comportamentos previsíveis e nada fora da caixa? Seria Alexandre um mitômano? Aquele rebuliço em sua vida aconteceu de fato? Ou ele era mais um personagem de ficção? Seria ele um embuste, um engodo? Não sei. E o Facebook não me ajudou em nada pra descobrir.
Fico com a sensação de tê-lo encontrado por acaso, muito tempo depois. Na rua, talvez. Uma segunda chance que o destino divino nos deu de reatar o contato. Mas a memória é fraca e traiçoeira. Não sei se isso é uma vaga lembrança ou um sonho. O fato é que nunca mais soube do Alexandre. E guardo comigo, na idolatria amargurada, o capítulo adolescente das 9 mulheres que ele comeu no Carnaval.


quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Boeuf Bourguignon

Concurso de MasterChef. Desafio: preparar o Boeuf Bourguignon.

Candidato nº 1: Eric Clapton.
Compra 2 kg de filé mignon. Separa 300 g do miolo do miolo e corta em cubos. Joga o resto fora. Seleciona 1 cenoura plantada ao norte do Marrocos e corta em finas rodelas. Escolhe 1 alho-poró das reclusas fazendas da Índia, desfia e joga na panela. Pega 1 cebola plantada ao norte do Chile e seleciona apenas 4 camadas. Aquece em fogo brando, até caramelizar. Joga sobre os cubos de carne 350 ml de vinho tinto Malbec, grand reserva de uma vinícola familiar de Lion, safra 2005. Ao topo, salpica 8 finas rodelas de champignon de Paris, junto com parcas e contidas pitadas de sal e pimenta-do-reino da Malásia, aquece por 45 minutos e coloca num prato de louça chinesa. Desenha na louça as iniciais E. C. com aceto balsâmico e leva o prato aos jurados.

Candidato nº 2: Yngwie Malmsteen.
Coloca na panela 2 kg de filé mignon comprados no Pão de Açúcar. Pega 1 cenoura e corta em estrelinhas, meia-lua e cavalo-marinho. Acende uma labareda no fogão para impressionar o júri. Pega 1 cebola inteira, joga pra cima e faz o tubérculo cair em outra panela, tipo modo de preparo de panqueca. Pega o alho-poró, estica a mão pra frente e aponta a verdura pra plateia, como se estivesse querendo hipnotizá-la. Joga o alho na panela. Pega uma garrafa de vinho e bebe um pouco, mas sem engolir o líquido. Com a outra mão, acende uma tocha. Cospe o líquido do vinho sobre a tocha, olhando pra cima. Taca champignon sobre a carne flamejante. Bota um pouco de sal, pimenta e orégano. Bota mais um pouco de mostarda, creme de leite e alcaparras. Adiciona ovo, bacon, milho, cheddar e queijo ralado. Ao encerrar o preparo, faz um malabarismo e joga o prato na mesa. Aguarda aplausos e faz o júri vir se servir.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Profecias para os próximos anos (ou coisas que não aconteciam e vão começar a acontecer)


- Você vai ter uma dificuldade imensa em escrever à caneta.
- Você não vai ter dificuldade alguma em escrever a lápis, porque nunca mais vai encontrar um lápis.
- Vai olhar para o telefone fixo da sua casa por alguns segundos e tentar se lembrar para quem está ligando.
- Vai se esquecer como se preenche um cheque.
- Abrir um tutorial do Google para saber como usar um toca-discos de vinil.
- Decorar mais da metade da terminologia científica de bulas de remédios.
- Passar a ler o verso dos rótulos de embalagens de alimentos e produtos de limpeza.
- Você não vai saber o nome dos seus vizinhos.
- Vai demorar mais tempo pra consultar um guia de ruas.
- Resolver com pílulas seus problemas de ereção. E de depressão.
- Vai ter que caprichar tanto nas renovações de senhas a tal ponto de esquecer todas.
- Vai ter na sua carteira uma quantidade de cartões bem maior do que o número de cédulas.
- Vai rir da cara do médico quando ele falar que é virose.
- Tentar abrir ou fechar a porta de sua casa por controle remoto.
- Conversar por WhatsApp com as pessoas que moram com você.
- Vai fazer planos para 2018 mas não vai ter a mínima ideia do que fazer no próximo fim de semana.
- Vai se autodiagnosticar todo dia.
- Em comparação com seus pais, vai receber um número de informações 20 vezes maior. E ter uma capacidade de concentração 100 vezes menor.
- Vai usar (alguns) livros apenas para deixar o monitor mais alto.
- Iniciar e terminar um diálogo apenas usando emoticons.
- Dar nome de super-herói pro seu cachorro.
- Seu guarda-roupas vai ser 50% academia, 30% balada e 20% trabalho.
- Vai ler apenas o primeiro e o último parágrafo de um texto.
- Mudar de hábitos alimentares a cada seis meses. E de religião também.
- Começar um relacionamento por app. E terminar também.