quarta-feira, 5 de abril de 2017

Tinder

(Mais considerações sobre o Tinder)

Tudo muito rápido. Tudo muito muito. Na nossa sociedade, ninguém tem tempo a perder. Seja lá o que significa o conceito de “perder tempo”. Nos relacionamentos, é a mesma coisa. Aquela ideia de amadurecer a relação amadureceu de podre. Tudo tem que ser muito certeiro. “Assertivo”, palavra-bosta da moda. E o Tinder, como causa ou reflexo desse comportamento, não poderia ser diferente. Basta deslizar o dedo sobre a tela para se desvincular de alguém e partir pra próxima. Com o novo Namoro na TV em formato de app, temos a capciosa sensação de que milhões de pessoas estão solteiras e desesperadas. Milhares são compatíveis com você. Centenas dão like. Em dezenas rola match. E meia-dúzia quer dar pra você. Talvez uma até queira mesmo. Mas só se você for muito gente boa ou se rolar uma descarga elétrica no primeiro encontro a tal ponto de desencadear uma atração mortífera e visceral. Caso contrário, o Tinder funciona mais ou menos como o Uber: milhares de pessoas passeando perto de você, existe a necessidade de abrir o app pra chamar essa pessoa e, se tudo der certo, ela vai te achar. Só que com uma diferença: no Tinder você não ganha balinha nem copinho d’água ao utilizar o serviço. Ao contrário do serviço de táxi, em que há a certeza de que você nunca mais na vida vai ver o motorista novamente, com o Tinder ainda existe uma remota possibilidade de um novo encontro. Mas pra isso você precisa beirar a perfeição no début. Aqui o ditame “a primeira impressão é a que fica” cedeu lugar ao “a ÚNICA impressão é a que fica”. Afinal, ninguém quer perder tempo investindo na relação ou descobrindo os mistérios do outro. Mais fácil perder tempo passando o dedo sobre um tampo de vidro enquanto se escuta o Spotify.
Portanto, diante dessas conclusões absolutamente pessoais, quero finalizar com uma espécie de tributo, homenagem, ou apenas uma derivação da música Construção, de Chico Buarque.

“Armou daquela vez como se fosse a última
Reservou um bistrô para o próximo sábado
Olhou praquela mulher como se fosse a única
Beijinho no rosto como se fosse íntimo
Contou suas vantagens se achando o máximo
Poema sobre poema num momento mágico
Agarrou aquela mulher de um jeito ridículo
Levou um fora como se fosse um bêbado
Pagou aquela conta se sentindo uma lástima
Abriu aquela porta andando trôpego
Entrou no carro do Uber atrapalhando o tráfego”.


segunda-feira, 3 de abril de 2017

Filme

(Dicas para cineastas)
Como ganhar prêmios nos principais festivais de cinema do mundo:

- Crie um título nada condizente com a história ou de significado muito simbólico e restrito. Por exemplo: se o filme se chama Vaca Zebu, em nenhum momento aparece ou é citado o animal.
- Contrate um ator novato e outro decadente. Sempre.
- Seja um amigo da natureza. Crie planos como se fosse um fotógrafo da National Geographic. Dê closes em bichos. Tá em crise criativa? Sem problemas. Filme uma correnteza por vários minutos, isso serve sempre de metáfora para alguma coisa em aberto ao espectador. E mato, muito mato. Adentre florestas. Seja íntimo das folhas. E, se possível, filme uma cópula de gafanhotos.
- Esqueça os planos e contraplanos rebuscados. Simplicidade ao máximo. Nas cenas de diálogo, basta uma única pessoa olhando fixamente pra câmera, estilo portrait, e corte seco pro interlocutor, no mesmo ângulo.
- Abuse dos planos longos. Mas longos mesmo. Daqueles que dão tempo do espectador ir ao banheiro e ainda comprar um Kit Kat na bonbonniere.
- Crie cenas que causam no espectador uma vontade incontrolável de dormitar no meio da sessão. E na hora de participar de debates, cite sempre essa cena em que todo mundo dormiu na sala.
- Esqueça qualquer relação lógica de tempo e espaço. Relativize até as últimas consequências a temporalidade dos fatos. Dica: rainha atendendo a um celular dentro de sua carruagem. Homens ateando fogo com isqueiro Zippo nas Cruzadas. Astronauta vestindo abrigo Adidas na nave espacial de 2400.
- Para reforçar essa crise atemporal, finalize um filme de época (ou qualquer outro) com uma música dos Ramones. Sempre.
- Subverta a linearidade histórica dos fatos. Sugestão: Maria Antonieta tendo um caso com Freud. Madonna tendo um caso com Nietsche. Ou Freud tendo um caso com Nietsche, tanto faz.
- Contrate sósias. Eles são imprescindíveis para as cenas finais, em que o protagonista se intercala com seu alter ego, como se fosse um jogo de espelhos.