sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

O dia em que fui campeão de supino


Essa história é velha, verídica e, até então, restrita a alguns amigos. Mas agora eu faço questão de compartilhar.
Primeiro, vamos contextualizar. Meados dos anos 80. Eu estava entrando na faculdade. Naquela época não tinha nada disso que a gente vê hoje: diagnóstico de taxa de bioimpedância, exames ergométricos, personal fitness, Pilates, Apple Watch. Tudo era mais orgânico, mais raiz, mais na raça mesmo. Os aparelhos de ginástica eram raros. A maioria dos exercícios era feita com aqueles pesos de chumbo cujo formato lembra os balões amarrados de festa infantil. Ou um osso de frango, o que sua imaginação permitir.
Ah, só um parêntesis. Pra quem ainda não sabe, nunca pisou numa academia, supino é uma modalidade em que o atleta fica deitado numa mesa estreita e precisa erguer uma barra com pesos colocados nas laterais. Não tem nada a ver com aquela barrinha comestível de doce de banana. Aliás, nem sei por que tal guloseima leva esse nome.
Voltando à contextualização. O clube em questão é a Hebraica. Comecei a fazer musculação (na época chamavam isso de modelagem) quando tinha mais ou menos 15 ou 16 anos. Fiz só alguns meses. Parei. Voltei. E parei de novo. Que nem gente adulta de hoje. Paga a anuidade na Companhia Atlética e só frequenta o primeiro trimestre. Eu não tinha muita paciência com esse esporte solitário. Não aguentava ficar me olhando no espelho por mais de 1 hora tentando levantar um cachorrinho da Cofap em cada braço. Mal consigo me olhar no espelho por 30 segundos, quando escovo os dentes. Era muito narcisismo pra mim. E outra: ao ver os demais frequentadores exibindo seus músculos avantajados, ficava imaginando que demoraria umas 3 décadas pra ficar igual a eles. Dizem que com o tempo seu corpo se acostuma e infla mais rápido, que nem fermento. Mas eu não quis esperar. Preferia passar essas horas dentro do cinema. Ou no Mc Donald’s.
Quem dava aula pra gente era o Roberto. Ele era muito bom. Só que não tinha lá muito saco pra compartilhar seus conhecimentos. Com sua protuberante barriga que escapava da minúscula camiseta regata, preferia ficar na sua salinha lendo jornal. Seu nível de humor, entretanto, era inversamente proporcional ao seu proeminente abdômen. Perto dele, os propedeutas de Harry Potter eram uns anjos. Com aluno novato como eu então, nem se fala. Errar uma série o deixava mais emputecido do que dono de Mercedes quando bate o carro. Só que com o pessoal que treina ele era mais dedicado. Treino de verdade. Aquele povo que passava metade do dia na academia, participando de campeonatos. Eram os halterofilistas do clube. Nossa, faz muito tempo que não ouço essa palavra... enfim, esses atletas se emporcalhavam de giz e faziam aquela cara de quem está defecando pra tentar levantar uma barra com discos de chumbo que parecem rodas de caminhão. Nós, mortais que não nascemos em Asgard, não temos muita noção do peso dessa engrenagem a não ser quando ela cai no chão. A cada término de exercício desses bárbaros, ouvia-se um estrondo. Parecia que estavam implodindo a Hebraica. Eu não sabia se estava em Pinheiros ou em Cabul. E o carrancudo Roberto é quem treinava esses discípulos como se estivessem indo pra guerra.
Aí anos depois eu tava em casa, sossegado, e um amigo meu me liga. Ele me fala do campeonato de supino que a Hebraica iria realizar entre seus sócios. Claro que declinei do convite, alegando estar destreinado. Pode parecer irônico ou patético. Afinal, 2 bimestres de academia não treinam ninguém. Além daquele papo todo do espírito esportivo, ele tentou me convencer de que, caso eu vencesse, iria ganhar uma medalha e um vale-sanduba e refri. Conseguiu.
Outro parêntesis. Naquela época eu era magro, magro, muito magro. Eu até comia bem. O problema era engordar. Uma vez ouvi alguém dizer que eu era o Rei Momo de Biafra. Tudo bem, naqueles tempos não existia bullying, era tudo frescura. E as categorias desse tipo de competição eram divididas por peso. Não por idade, nem por tempo de prática esportiva. Por peso. Como nos anos 80 não tinha isso de ergonomia o cacete a quatro, uma das táticas dos competidores pra perder peso rapidamente e mudar de categoria era mascar chiclete. No meu caso, a única forma de pular de categoria seria me botar no rodízio do Grupo Sérgio antes da prova.
Então lá estava eu, na tenra flor da idade, 18 anos, recém-aprovado na Escola Superior de Propaganda e Marketing, estudante das teorias da Comunicação, leitor assíduo de Camus e Kafka, diante de meus mais temerosos rivais: o Abrãozinho, de 11 anos; o Isaquinho, de 14 anos; e o Jacozinho, de 12 anos, assíduo discípulo das aulas de bar-mitzvah. Fazíamos parte da categoria que leva algum nome associativo à magreza dos candidatos: pena, mosca, pulga, bactéria, sei lá.
Na plateia, só havia 2 tipos de pessoa: as menininhas, que pagavam pau pros levantadores de Fiat Palio; e as tiazonas, aquelas gorduchinhas senhoras mães, tias e avós dos atletas mirins. Eu, portanto, não tinha nenhuma torcida organizada. Muito diferente dos áureos tempos em que ganhei um troféu de judô e conseguia levar uma galera pra me assistir, sem grandes esforços. Aqui, sentia-me como o Rocky Balboa antes da fama, um sujeito desconhecido e pouco amistoso entrando em algum clandestino campo inimigo. Como o melhor do torneio sempre fica para o final, obviamente a categoria peso hidrogênio é que começou o campeonato. Devo ter sido o segundo ou o terceiro a disputar o consagrado prêmio. Tanto faz. Ninguém estava prestando atenção mesmo. De longe, pra quem estava meio perdido com o que acontecia, eu era nada mais do que a visão de um sorvete de coco no palito tentando erguer o pandulho de algumas sacas de arroz.
Até que não fiz feio. Comparado aos atletas que enchiam de orgulho os sócios da Hebraica, eu era poeira cósmica. Mas, pelas leis da Física, consegui elevar praticamente outro Érico. Em termos absolutos, coloquei no alto muito mais quilogramas do que os demais infantes arqui-inimigos judaicos. E, ao final da competição, veio a recompensa: medalha de bronze.
Eu tinha duas coisas a fazer. Ficar quieto, deixar por isso mesmo, e fazer a alegria dos jovens promissores e toda a sua horda presente. Afinal, o que conta é o espírito esportivo. Eu não poderia ali estragar o momento, o início de uma carreira em ascensão. Ou então, lutar pelos meus direitos, denunciar a fraude, fazer valer a ética e a justiça desportiva, sem levar muito em conta a possível decepção da torcida alheia.
Quer saber? Se hoje eu tô cagando e andando pra boa parte da colônia semita, imagina há mais de 3 décadas atrás, no auge da minha rebeldia pré-adulta. Eu era um contestador, e tive de levar isso às últimas consequências, principalmente nas horas em que isso poderia afetar a folgada classe dominante. Pensei em fazer aquilo que é certo e justo, ainda mais quando o que estava em jogo era uma das coisas mais significativas pra mim: a medalha de ouro, um sanduba e um refri. Chamei um dos membros da comissão técnica: “Senhor membro da comissão técnica... errr... acho que houve um equívoco...”.
Agora imagina o miniestádio da Hebraica, quase inteiro, olhando fixamente pra você, com aquela cara de ódio. Imagina o mimado do Jacozinho aos prantos. Quer saber? Foda-se.
- Moço, me vê um cheeseburger e uma Coca, por favor.


quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Réveillon 2019


RÉVEILLON COM HADDAD
Festa fechada em seu apartamento, somente para os familiares e amigos mais próximos.
Clima intimista, luz baixa e incenso.
O ex-prefeito usa uma camisa branca e recebe os convidados na porta.
Festa americana: cada um traz seu prato de aperitivos.
Vai até a janela e acena para os bikers que gritam seu nome na rua.
Cumprimenta, uma por uma, as amigas de sua esposa que vão chegando. Maior concentração de mulheres por m2 do bairro.
Comunica a todos que está se tornando vegano.
Ouve de uma das amigas de sua esposa um discurso sobre os efeitos terapêuticos da quinoa. Faz um esforço danado pra não dormir durante a conversa.
Lamenta a ausência da Marilena Chauí.
Liga o toca-discos e coloca o primeiro álbum do grupo Tarancón. Em vinil.
Vai até a cozinha pra pegar mais gelo e sente um cheiro forte de baseado. Dá um pega só pra não ficar chato. Somente um trago.
Quando se aproxima a meia-noite, reúne todos à mesa central da sala. Entram os garçons contratados, que servem pratos encomendados do Saj.
Cita versos de um poema hindu que fala sobre prosperidade.
Explica resumidamente o mjadra, prato típico árabe à base de lentilhas.
Durante a contagem regressiva, abre uma garrafa de champagne Taittinger Brut Reserve branco que trouxe de Paris.
Pede para a brigada servir um sorbet de limão siciliano e um licor de sobremesa.
Vai até a vitrola e coloca Araçá Azul, de Caetano.
Despede-se dos primeiros convidados que começam a se retirar.
Vai até a área de serviço e pega um balde com pano para limpar o vômito na sala de alguém que excedeu nas bebidas.
Chama um Uber para a amiga fã de quinoa.

RÉVEILLON COM BOLSONARO
Churrasco na área coletiva de um condomínio fechado.
Festança para mais de 100 convidados: parentes, amigos, parentes dos parentes, apoiadores políticos e todo o pelotão do 23º Batalhão Militar de Petrópolis.
Entrada pelo condomínio mediante identificação e revista dos pertences.
O futuro presidente recebe os convidados vestindo uma bermuda preta e a camisa alviverde do Ademir da Guia, de 1974.
Bate continência para o segurança do condomínio.
De brincadeira, faz o gesto de uma facada nas costas do churrasqueiro, numa alusão ao ataque que sofreu durante a campanha.
Tira selfies com alguns convidados, à frente da churrasqueira e da cabeça de boi pendurada na parede que orna o local.
À medida que as carnes vão sendo servidas, faz tudo quanto é piadinha possível de duplo sentido em relação à gastronomia da ocasião: linguiça, picanha, maminha, e por aí vai. “Vou enfiar meu espeto no seu lombo!” é sua frase mais singela que dirige a um correligionário presente.
Ri de suas próprias piadas.
Bota pra tocar o CD do Negritude Júnior em um aparelho portátil.
Diz se sentir injustiçado em relação ao fato de ter sido acusado de racista durante sua campanha. “Eu até ouço música de preto!”.
O CD começa a pular. Fica com raiva e bota a culpa no filho pelo estrago.
Troca por um CD do Agnaldo Rayol.
Dá um tapão na bunda de uma amiga de sua esposa que serve alguns convidados.
Faz cara feia quando um dos garçons lhe serve salada e maionese. Ao recusar, diz: “Maionese é coisa de baitola, tá OK?”.
Joga a gordura da picanha para a tropa de pitbulls espalhada pelo terreno. Faz sinal de joinha.
Minutos antes da contagem regressiva, reúne os convidados à mesa e chama um padre contratado para celebrar a ocasião com algumas orações.
Coloca a mão no peito, olha pra cima e chora quando o padre recita o versículo 35 dos Salmos em sua prece.
Ordena aos garçons servir as dúzias de garrafas do espumante La Chamiza Mendoza Brut, compradas no Carrefour.
Faz o gesto air gun de metralhadora a cada rolha de plástico que estoura.
Faz um vídeo pelo WhatsApp e manda uma mensagem de feliz ano novo pelo Twitter.
Acompanha até o carro os primeiros convidados que começam a se retirar. Pisa num cocô de cachorro e bota a culpa no outro filho por ser tão relapso com os animais.
Volta para a festa e, num gesto peculiar de delicadeza, pede pra sua esposa Michelle: “Amoreco, traz logo a sobremesa que o pessoal já tá querendo ir embora, pô!”.
Encerra o momento único com uma célebre frase: “É pavê ou é pacumê?”.


terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Bubblekill


A gente sabe que o país está em crise quando vê várias lojas fecharem. Nem estou falando das paleterias, coqueluche de 3 anos atrás que tinham sua morte certa e decretada. Ou das livrarias, que não acompanharam as tendências de consumo. Bares, boates, baladas, restaurantes, têm seus ciclos: fecham e abrem a toda hora. Tem também os lugares micados, cujos estabelecimentos duram menos do que uma estação do ano. Mas acho preocupante quando você vê um local abandonado, com a placa “aluga-se”, de um tipo de negócio no auge do seu modismo. Hamburgueria gourmet, por exemplo. Se fechou, é porque a carne é ruim. Ou os sócios não souberam trabalhar, não tinham o dom pro comércio. Ou abriram o negócio certo, só que no lugar errado. Ou aquilo lá era fachada de doleiro ou contrabandista.

Dias atrás, vi uma placa “vende-se” na porta da Bubblekill ao lado do metrô Ana Rosa. Uma rede coreana de drinks exóticos, estilo do it yourself. Você escolhe um tipo de água ou chá, depois escolhe o sabor que acompanha a bebida e, por último, o sabor de umas bolinhas que finalizam o acepipe. Como você percebeu, um longo processo até o preparo final. Se perder no meio do caminho é tiro e queda. É tipo um Subway líquido. E essas bolinhas coloridas é que dão o toque, que são o diferencial. Para se ter uma ideia, na unidade da 24 de Maio, dentro da Galeria do Rock, a loja estava bombando nos primeiros meses de sua inauguração. Isso deve fazer pouco mais de 1 ano. Havia uma fila enorme competindo com os espaços das lojas de tênis e dos camelôs. De longe, não dava pra saber direito o motivo de tanto movimento. A casa parece uma balada techno, uma rave urbana, com suas luzes em tons de azul, verde-limão e aquele púrpuro típico de luz-negra. Deve ter algum tipo de cocaína ou alucinógeno dentro dessas bolinhas, só pode. Ninguém sai de casa e enfrente fila pra tomar soda com sagu.

Muito estranho, portanto, a loja da Ana Rosa falir. Primeiro, porque essa modinha é recente. Não deu tempo de ficar obsoleta. Segundo, porque leva a marca coreana. Samsung e Hyundai são coreanos. Não tem como dar errado. E terceiro, muito difícil um lugar que vende ecstasy disfarçado de vitamina sucumbir aos tempos.


segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

A oitava


- Pois não, senhor. Em que posso ajudar?
- Bom dia. Eu queria uma oitava.
- Oi??
- ... Tava. Eu vim retirar uma oitava que está faltando.
- Desculpe, não tô entendendo...
- Eu comprei este CD de ópera aqui na loja faz 2 semanas. “La Solitudinem”, regida pelo maestro Klaus Von Rochmann, durante um concerto beneficente que a Orquestra Filarmônica de Estocolmo fez em Paris. Repare que no Opus 6, segundo ato, movimento allegro, tá faltando uma oitava do violoncelo, assim que ele faz a introdução para a entrada das outras cordas. Um pouco antes do coro.
- Um momentinho só, eu vou verificar com meu gerente. Me empresta o CD, por favor.
(Minutos depois).
- É, realmente tá faltando mesmo. O senhor tem razão.
- Sim, eu sei... e como vamos resolver? Que tipo de oitava tem aí na loja?
- Olha, senhor... na verdade a oitava tá em falta. Tem muita procura. Na semana passada vieram os meninos da Orquestra de Heliópolis, precisavam fazer um ensaio, e levaram tudo o que a gente tinha no estoque. Eu tenho aqui algumas unidades da oitava de flauta, pode ser?
- Não vai adiantar muito, né? Na verdade eu queria mesmo é a oitava do cello.
- Me passa seu telefone, eu entro em contato assim que chegar.
- Então, moço... é que eu queria levar pra casa hoje mesmo. Vocês sempre ficam de entrar em contato e nunca ligam. Eu moro longe, não queria perder a viagem.
- Aí fica meio difícil.
- Bom, já que não tem, me vê aí o que você tiver. Pode ser um bemol, sustenido, uma clave, um Lá maior...
- É que tem um custo adicional... vou ver com meu gerente se ele autoriza. Momentinho.
(Minutos depois).
- Então... o problema é o seguinte: a gente recebeu uma quantidade limitada desses itens. São artigos importados e vieram numerados. Não tem como a gente repor.
- Bom, se vira... na falta de algum item, eu tenho direito a levar outro item semelhante que estiver disponível na loja, sem ter que arcar com a diferença. Tá no Código do Consumidor.
- Se o senhor quiser, nós temos algumas colcheias, fusas, semifusas... o senhor pode levar sem precisar pagar.
- Mas isso custa uma ninharia. Pelo preço de uma oitava eu compro uma dúzia dessas. Eu sairia perdendo.
- O senhor pode levar duas.
- Eu quero minha oitava! Agora! Senão eu vou ligar pro Procon!
(Gerente percebe a confusão e vem correndo. Intervém na conversa. Estende a mão ao cliente).
- Olá, boa tarde. Meu nome é Ricardo, tudo bem? Então, eu analisei seu caso, o senhor tem toda razão. Infelizmente ocorreu uma lacuna nessa gravação, que é original. Uma gravação única, de ótima qualidade, que realça bem os graves. Sem chiados. Eu tenho esse CD em casa, ouço direto. Muito estranho acontecer isso com o senhor... Mas infelizmente no momento não temos nenhuma oitava disponível, então eu peço a sua compreensão que eu entrarei em contato diretamente com o maestro para ele gravar essa oitava que está faltando. Pode ser?
- Vocês já foram melhores. Hoje em dia o cliente não tem direito a mais nada. Fazer o que, né? Um absurdo isso. Só me diz uma coisa: gravação de estúdio ou em auditório?


quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

TinderChef


Se existisse o TinderChef, meu perfil seria:
- Filé bem passado
- Ovo de gema dura
- Tudo bem passas no arroz
- Batata palha é pra misturar com o strogonoff
- Feijão sempre por cima do arroz
- Arroz-feijão com macarrão, nunca
- Ketchup na pizza, jamais
- Hot dog, só o básico: mostarda e, de vez em quando, ketchup ou purê. Nada de maionese, catupíry, milho, batata palha, queijo ralado (?) ou qualquer outra tranqueira
- Queijo ralado, só se for parmesão vendido em pedaço. Esses pacotinhos de queijo curado que parece farofa, nem pensar
- Dispenso palmito
- Odeio maracujá
- Maionese em hamburger, de preferência de fabricação própria e servida à parte. Em todo caso, um item totalmente dispensável, que encobre o sabor dos ingredientes e faz o pão parecer um tobogã
- Mortadela, sempre fatias finíssimas. Fatia grossa é motivo de denúncia
- Sim, fritas podem ser chuchadas na casquinha do Mc Donald’s e fazem uma boa combinação
- Gosto de frutas cristalizadas e acho chocotone bem insípido
- Camarões miúdos melhores que graúdos
- Manga na salada, melhor não
- Bolo de frutas vermelhas muuuito melhor que torta de morango
- Não me venha com salgadinho feito de massa podre, tipo empada
- Osso de frango é pra se jogar fora e não pra se chupar
- Gordura da picanha, corta
- Tanto faz chamar de biscoito ou de bolacha: só cai bem na larica


segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Resistência


Ser resistência é boicotar uma rede de supermercados não por acreditar que ela seja favorável à morte de animais, mas por tomar uma atitude que afete o bolso dos proprietários no sentido de se exigir medidas mais enérgicas e efetivas no combate a esse tipo de delito.
Ser resistência é protestar, ao vivo e nas redes sociais, contra tal abuso criminoso, a tal ponto de deixar o agressor, supostamente contratado para zelar por nossa segurança, com o “cu na mão” ao ver a repercussão do caso, até então tratado como uma normalidade corriqueira longe dos holofotes.
Ser resistência é ligar para a prefeitura denunciando o mau serviço da linha de ônibus que você pega todo dia, enquanto os outros passageiros dizem que isso não vai dar em nada.
Ser resistência é exigir o troco correto na padaria, mesmo tendo de ouvir da pessoa atrás da fila que 10 centavos não vão te deixar mais rico. E, por uma questão de coerência, ser resistência é também devolver o troco que lhe foi dado a mais.
Ser resistência é fazer um escarcéu no banco, de forma totalmente gratuita, chamando a atenção dos demais clientes em relação à demora, à burocracia e ao pornográfico valor das taxas cobradas, enquanto a tal instituição financeira gasta milhões na mídia pra te convencer que o banco foi feito pra você.
Ser resistência é andar de bicicleta pra manter uma vida mais saudável e não alimentar a máfia dos estacionamentos e dos flanelinhas.
Ser resistência é gastar mais com cultura e menos com pipoca. É optar pela arte alternativa num mercado que deu carta branca pras distribuidoras exibirem seus blockbusters em quantas salas quiserem.
Ser resistência é optar por ver filmes e peças teatrais remontados dos textos dos anos 70, que caíram no ostracismo durante a abertura política e voltaram a ser atualíssimos em plena adolescência do Século 21.
Ser resistência é quebrar o barraco nos supermercados que não matam cachorro, mas cobram valores por suas mercadorias diferentes dos anunciados nas gôndolas e nos encartes.
Ser resistência é brigar, lutar, esbravejar. Não necessariamente com uma arma.
Ser resistência é mostrar ao mundo que você nasceu pra incomodar.
Ser resistência é fazer piada política em vez de humor-bullying. É ser provocativo e estimular a reflexão entre uma gargalhada e outra.
Ser resistência é cutucar feridas em vez de cutucar no Facebook.
Ser resistência é não ter medo do risco de perder amigos por causa dos valores que você apregoa e nos quais você acredita.
Ser resistência é tentar empurrar pra frente uma engrenagem que está se mexendo pra trás.
Ser resistência é muito mais do que ornar a foto do seu perfil com uma coroa de palavras bonitas. É tentar encontrar algum sentido nessa sociedade que não faz sentido algum.
Desculpe a sinceridade, mas 2019 não vai ser um ano nada brilhante. Por isso, resistir é mais do que necessário. Vou continuar fazendo aquilo que sempre soube fazer. Serei polêmico, serei controverso, serei amargo, serei retórico, serei eu mesmo. Não espere menos de mim.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Feliz 2019


- Robson?
- Patrícia?
- Bom dia.
- Prazer. Pode entrar.

(...)

- É raro ver motorista mulher nessa profissão. Geralmente eu pego homem... quer dizer, motorista homem.
- (Risos). Entendi. É que eu tô dando uma força pro meu marido, que tá desempregado.
- O que ele faz?
- Engenheiro. Tava trabalhando numa metalúrgica, que faliu. Aí começou a mandar currículo. Só que a situação tá difícil, sabe? Faz mais de 2 anos que ele tá desempregado. Aí teve de prestar concurso.
- Passou?
- Passou. Terceiro lugar.
- Parabéns! E quando ele começa?
- Na verdade, já era pra ele ter começado. Só que cancelaram o concurso por suspeita de fraude. Tão investigando. Parece que as vagas foram compradas, que um pessoal aí tava passando as respostas pra filho de juiz, sei lá... então, por enquanto, ele vai ter que esperar... fiscal ambiental.
- Ah, que bom. Trabalhar ao ar livre, junto com a natureza, isso sim é vida.
- Mais ou menos, Robson. Iam chamar ele pra trabalhar em Mucuriaé. Conhece? Interior do Mato Grosso.
- Cidade calminha, todo mundo conhece todo mundo...
- Até demais. A cidade é tão pequena que quase lincharam o prefeito. Se envolveu numas obras superfaturadas, passou os bens pro nome da mulher, mas não teve jeito. A Federal foi atrás dele e ele agora tá preso. Crime de corrupção, lavagem de dinheiro e envolvimento com quadrilhas. Os amigos dele que também fazem a milícia do local. Lá tem muito posseiro, morre gente direto. Eles não querem nem saber, já vão atirando. Meu marido ia fiscalizar o corte ilegal de madeira. Esses caminhões que transportam árvore da mata virgem, sabe? Só que não é fácil. Lá é tudo terra de coronel. Semana passada morreram uns trabalhadores ligados ao MST. Deu até no Fantástico.
- Bom... o importante é ir pra luta. Pelo menos você tá aqui na batalha.
- É... preciso garantir o leite das crianças. Minha filha acabou de nascer.
- Parabéns! Como ela se chama?
- Maria Eulália.
- Sua filha se chama Maria Eulália?
- Não... o nome dela é Rita... desculpa, tava pensando em outra coisa... Maria Eulália é o nome do hospital onde ela tá internada. Acordou essa madrugada com dor de ouvido, a gente teve que levar ela correndo e daqui a pouco preciso pegar ela. Chegamos às 4 da manhã e nossa senha era 237, acredita? Absurdo esse país...
(...)
- Quer que segue pelo caminho do Waze ou o senhor tem alguma preferência de trajeto?
- Pode ir pelo Waze. Ele tá indicando pra ir reto e depois virar lá na frente, né?
-... Peraí, deixa eu conectar... momentinho... mais um pouquinho... moço, o senhor conhece o caminho? Deu um pau aqui no aplicativo e ele tá recalculando a rota. Tá mostrando uma rua aqui, mas é em Ferraz de Vasconcelos... acho que tá com problema...
- Sem problemas. Eu vou falando. Tá vendo aquele supermercado? Só ir naquela direção.
- O senhor vai pra alguma festa? Assim, todo arrumado... me desculpe falar, mas eu sou direta...
- Nada. Audiência. Batida de trânsito. Me chamaram pra ser testemunha.
- Testemunha? Mas quando é coisa de trânsito não precisa só levar o BO pra delegacia?
- Precisaria se não tivesse morte envolvida. Vou testemunhar contra o motorista. Passou a milhão o farol vermelho e pegou de jeito um motoboy. Morreu na hora, coitado. O motorista tava embriagado, carta vencida, uma porrada de ponto na carteira e ainda fugiu sem prestar socorro. Só pegaram o cara porque acabou a gasolina do carro na outra esquina. Aí me chamaram pra depor. Eu quase ia atravessar a rua quando ocorreu a colisão. Por pouco o desgraçado não me pega. Isso porque eu tava atrasado. Se eu tivesse atravessado a rua um pouco antes, nada disso teria acontecido comigo. Mas, quem mandou? Fiquei lá no banco mais de meia hora esperando a filha da puta da gerente me liberar o empréstimo.
- Empréstimo?
- É. Empréstimo pra pagar um outro empréstimo. Preciso acertar as contas com o atual marido da minha ex-mulher. Aquele corno manso desgraçado. Pedi uma grana emprestada pra abrir um negócio... um café, sabe? Só que as coisas começaram a dar errado, meu ex-sócio me roubou tudo e fugiu do país, me deixou pra trás. Agora eu tenho que assumir as dívidas pro meu nome não ficar sujo no SPC. Fui pedir um valor pro cara, na confiança... só que o pela-saco é um agiota. É claro que eu vou pagar, só que o mão-de-vaca quer tudo até semana que vem, aquele muquirana que não vale a água que bebe... pode ligar o ar, por favor? Tá abafado...
- Ih, moço. Infelizmente tá quebrado. Levei pra arrumar, paguei mil reais, acredita? O mecânico falou que é uma pecinha que fica perto da suspensão, que compromete o funcionamento do ar quando o carro balança. Peça difícil de arrumar. Mas ele falou que tá na garantia.
- E você levou o carro de volta?
- Levei. Mas ninguém atendeu. O portão tava fechado. Toquei na vizinha e ela falou que ele com a família se mudaram pro interior. Iam fechar a oficina. Então, vai desse jeito mesmo (risos). Mas se quiser pode pegar uma balinha.
- Hummm... não tô vendo balinha nenhuma aqui...
- Ah, esqueci. Desculpa, moço. É que eu dei todas prum garoto no semáforo.
- Aí sim. Gesto de caridade. O importante é ajudar quem precisa.
- Ajudar nada. Quero mais é que eles morram. O moleque tava noiado, veio pra cima de mim com um caco de vidro. Meu vidro tava aberto, eu vacilei. É que sem ar, ninguém aguenta esse calorão. Falou pra eu entregar a bolsa, o celular. Eu é que fui esperta. Dei esse saquinho de bala só pra distrair, aí o farol abriu e eu saí arrancando. Passei o maior susto. Bando de craqueiro do caralho...
- Ontem eu tava voltando da balada e vi um carro na minha frente sendo assaltado. O motoqueiro apontou o trezoitão pro motorista. Coisa de segundos. Nessas horas a gente tem que dar graças a Deus que não aconteceu com a gente. A qualquer hora podemos ser os próximos. Questão de sorte ou azar.
- É, não tá fácil pra ninguém. Ainda bem que minha sogra tá dando uma força.
- Ah, é? O que ela faz?
- Tá ajudando a fazer salgadinho pra gente vender.
- Que ótimo! Pelo menos ninguém morre de fome (risos). São gostosos?
- Uma delícia. Pena que ela teve que interromper a produção. Precisa regularizar a situação. Aquele negócio lá, como chama? MEU, MEI... sei lá. Coisa da prefeitura. No começo ela fazia os salgadinhos de boa, sem precisar de nada disso. Mas aí teve uma vizinha que reclamou, chamou a Vigilância Sanitária. Parece que a velha passou mal. Até foi parar no hospital, coitada. Coxinha estragada. Também, falei pra ela: qualidade é importante, Dona Mirtes. Só ingrediente novo. Nada de comida vencida. Mas não. Ela é teimosa, foi lá no supermercado do bairro, aproveitou uma promoção de frango que eles tavam fazendo. Só que a carne tava fora do prazo de validade. Isso é um perigo.
- Nossa, perigoso mesmo.
- Eu tava contando com esse dinheiro pra pagar a escola da Fabiana.
- Da Rita, você quis dizer...
- Não, da Fabiana. A mais velha. Nossa, já tá uma moça, você precisa ver. Minha filha do meu outro casamento. Fiz besteira, casei cedo, engravidei. Gregório, aquele traste. Chegava bêbado em casa, batia na gente, mas eu não deixei barato não. Peguei ele com outra, aí não teve jeito. Peguei minhas coisas, mais a Fabi, e fomos pra casa da minha mãe.
- Pelo menos lá é mais sossegado...
- Até que era. Até eu descobrir que o amante da minha mãe, aquele encosto, filho do demo, entrava de noite no quarto da minha filha querendo fazer graça. Deus me livre, não quero nem pensar numa coisa dessas. Minha mãe conheceu ele na igreja. Ele é pastor. Como são as coisas, né? Durante o dia ele prega a palavra de Deus e de noite quando chega em casa vem fazer pecado com a família dos outros. Isso já vai fazer 2 anos. Minha filha teve que fazer um aborto e nem sabe quem é o pai da criança. Ela tava saindo com 2 caras do colégio... Deus me livre e me guarde, tomara que o pai não seja essa coisa que mora com minha mãe... foi um trauma pra minha filha... deu dezenove reais.
- O aborto?
- Não, moço... ah, desculpe. A corrida. Já chegamos.
- Passa no crédito, por favor.
- O senhor se importaria em pagar em dinheiro? Me desculpe, mas a maquininha tá fora do sistema, porque nosso cadastro foi temporariamente bloqueado, porque eles estão atualizando a ficha dos motoristas, e aí precisam de um tempo pra normalizar a situ...
- OK, sem problemas. Tá aqui.
- Ih, acho que não vou ter trocado...
- Tudo bem, pode ficar.
- Muitíssimo obrigada, moço. É Robson, né? Muito obrigada e um ótimo ano pro senhor.
- Feliz ano novo pra você também.


quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Educação Física


Professor: Pessoal, um minutinho, por favor. Neste ano a diretoria decidiu que as aulas vão ser um pouco diferentes. A gente vai trabalhar técnicas e exercícios de 2 esportes ao longo do período. E é vocês que vão decidir! Cada um escolhe um esporte. Os 2 esportes mais votados é que a gente vai trabalhar. Peguem a folhe em cima da mesa, escolham um esporte, coloquem o nome e botem a folha na minha mesa.

(Alguns minutos depois)
Professor: Pessoal, atenção: os esportes escolhidos foram... tcharã-rã... rúgbi e futebol americano!

(Alguns dias depois)
Roberto: Érico, vem cá, rapidão. A casa caiu.
Érico: Qual foi, Betão?
Roberto: Corre! Lá na quadra, na aula de Educação Física. O pessoal tá se pegando. Nem deu 20 minutos de jogo e os caras já vieram com tudo pra cima dos adversários. Tá mó quebra-pau. Chute na boca, soco no olho. Tem até sangue na quadra. A coisa tá feia. Vem ajudar!
Érico: Ué, mas e o professor? Ele não tá lá como juiz?
Roberto: Ele disse que não tem como controlar os alunos. Vixe, cê não faz ideia. Os caras estão com o sangue nos olhos. O perigo é de alguém até se machucar mais grave.
Érico: Mas eu não conheço as regras de rúgbi.
Roberto: Sem problema. Vem lá ajudar. Corre!
Érico: Mas se tem gente machucada, então é melhor levar no departamento médico.
Roberto: E você não sabe como funciona o departamento médico da escola? Sempre fechado, o enfermeiro nunca tá lá, falta curativo, o pessoal do Centro Acadêmico entra escondido e rouba o álcool e o éter pra misturar na bebida nas festinhas... se liga!
Érico: Tá, mas... eu não posso fazer nada.
Roberto: Pode sim! AGORA é o momento que você pode fazer a diferença!
Érico: Betão, Betão... meu amigo de longa data... vamos lá: o professor pede pra gente escolher um esporte. Eu escolhi o futebol. É simples, é nosso, é verde e amarelo... qualquer outro esporte, pra mim tava tudo bem também. Eu sei jogar. Basquete, vôlei, hande, o cacete a quatro. Até botcha pra mim tava DE BOA. Lembra? A gente vai buscar o Seu Walcir na casa dele, que deve ter se aposentado há uns 20 anos, e pede pra ele ensinar a gente de novo. Até montanhismo pra mim era OK. Cê num lembra daquele professor maluco que só ficou um semestre e adorava ir pras montanhas?
Roberto: Pode crer...
Érico: Mas não. Vocês escolhem os PIORES esportes. Os mais violentos e sanguinários. E aí vão com tudo pra aula. Com todo esse ódio e essa vontade de ganhar a qualquer custo. E aí, o que acontece? Se fodem na quadra e agora você quer que EU vá lá pra socorrer as vítimas?
Roberto: Érico, Érico... pensa bem... a gente vai lá pra evitar um mal maior. Uma catástrofe sem precedentes de um esporte...
Érico: ... que VOCÊS escolheram!
Roberto: Deixa eu terminar... a situação é grave, cara. Tá todo mundo lá. O professor Eusébio de Matemática, por exemplo. Odeia rúgbi. E tá lá dando uma força. A tia Cidinha, do primário, lembra? Ela nem conhece esses esportes. Nunca ouviu falar. E tá lá.
Érico: Betão, meu brother. Sinto muito. Essa briga não é minha.
Roberto: Tu é um covarde mesmo. Desde aquela época que você veio me falar que tava a fim da Marilene e não teve coragem de se declarar pra ela.
Érico: A questão não é essa. É que o rúgbi...
Roberto: Esquece o rúgbi! Foda-se o rúgbi! Já não é mais do rúgbi que eu tô falando! É da preservação dos princípios esportivos aqui desta instituição. Se a coisa continuar assim, o próximo reitor do ano que vem pode fechar a quadra. E proibir a prática de esportes pelos alunos. QUALQUER esporte! O seu futebolzinho, o meu rúgbi, tudo, tudo! O que você tem a me dizer?
Érico: Calma, Betão. Eu entendo, eu concordo, mas não há nada que eu possa fazer. Não entendo piciroca de Medicina, se eu tentar ajudar posso piorar ainda mais o estado de saúde dos colegas.
Roberto: Isso. Faz isso mesmo. Foge da raia, seu arregão. Fica aí se escondendo. Não tem coragem de ir lá e dar a cara pra bater. Solidariedade, mano. Sabe o que é isso? Não precisa conhecer Medicina, nem rúgbi, nem porra nenhuma. É ir lá, estar presente, dar um abraço nos colegas que estudam ao seu lado... e que amanhã podem nem mais estar nessa escola...
Érico: Não seja melodramático...
Roberto: Mas não. Prefere ficar aí se escondendo nos seus livros de História. Cara... história é a gente que faz... nas quadras, não nos quartos... é a sua oportunidade de mudar tudo... acabar com essa violência. E o que eu ouço de você? Que vai se omitir. Não quer se envolver. Acha que não tem nada a ver com isso. Acorda, Érico!
Érico: Betão, menos, tá? Você vem me falando que eu posso ser o médico doutor salvador dessa situação... mas, na verdade... a única coisa que você espera de mim e precisa de mim é que eu faça o trabalho sujo... que nem o Seu Abelardo da limpeza... nossa amizade, tão longa e tão sólida, mas no fundo a única coisa que você vem me pedir é pra limpar a merda toda... de uma cagada que VOCÊ fez!
Roberto: Mano... eu não esperava isso de você. A gente é brother, mais de 10 anos de amizade. Já bebemos juntos, vomitamos juntos, choramos juntos... Eu esperava tudo de você, menos isso. Você me decepcionou. Ó só: tô indo pra quadra AGORA. Se você não for comigo, não precisa me procurar nunca mais. Acabou.
Érico: Calma aí, Betão... vamos conversar...
Roberto: Não me procure nunca mais!


quarta-feira, 18 de julho de 2018

Astrologia


Tem momentos em que a gente acorda com o ânus virado pra Lua. Todo mundo já deve ter tido essa sensação. Encontrar dinheiro na rua duas vezes no mesmo dia. Receber simultaneamente propostas irrecusáveis de emprego. Ou propostas irrecusáveis de namoro, tanto faz. Ganhar uma rifa. Pelos meus cálculos, essas situações devem ocorrer a cada 20 anos, no máximo. Ou a cada ano em que o Brasil é campeão, já que o assunto ainda é Copa. Aliás, nunca entendi esse metafórico ditado. Fico tentando imaginar que relação existe entre a sorte, o acaso, a fortuna da vida, e despertar com seu fiofó apontado para o satélite natural da Terra.
Já nos demais dias da nossa existência, ocorre o fenômeno inverso. Ganhamos muita prática e habilidade em pisar em cocô de cachorro na rua em vez de achar dinheiro. Ser premiado com uma pomba que defeca justamente sobre sua cabeça, entre milhares de escolhas possíveis. Perder o ônibus que acabou de passar. Encontrar seu chefe no elevador no único dia do ano em que você chega atrasado no trabalho. Esquecer o celular num lugar a que você nunca mais vai voltar. Se for mulher, tomar chuva no dia em que fez escova. Se for homem, falar logo no primeiro encontro sobre o assunto mais traumático da vida da crush.
Existe também o que se chama de maré de azar. Não basta se ferrar uma, duas vezes. Tem que ser numa sequência, em ligação em série, como se a vida fosse uma canastra de má sorte de 2 a ás. É romper com a mulher, ser demitido e quase ser atropelado na mesma semana. Ser assaltado duas vezes no mesmo dia. Escorregar na banheira enquanto o frango tá torrando no forno.
A esses fatores meio sem explicação, que só nos demonstram a impotência de guiar nosso futuro, alguns “especialistas” atribuem a um conjunto da ordem celestial, tão lógico e científico quanto o programa da Ana Maria Braga. Falam em uma conspiração astral, como se todo o cosmos se reunisse escondido no banheiro e concordasse: “Hoje vamos foder a vida do Érico”. Isso mais parece um complô. Fico aqui desenhando mentalmente a figura imagética da Ursa Maior saindo de um restaurante de luxo com uma mala de dinheiro recebida de Orion, em troca de favores ilícitos para mudar o destino de alguém.
Realmente não entendo. Qual a relação entre o que a gente faz e o que os astros fazem? De que forma um pode influenciar o outro? Se um garoto resolve jogar bola em vez de ir pra escola, isso não muda em absolutamente nada o alinhamento dos planetas. A regra também vale para o sentido inverso. Se a Lua resolve de madrugada passar na casa de Capricórnio, não tenho nada a ver com isso. Deixa rolar o clima. Quem não quer passar uma noite à base de vinho branco e salmão com molho de frutas vermelhas ervas finas? Essa coisa de influência... a gente não precisa se meter na vida dos outros. Vai ver eles se conheceram no Tinder. Deixe um pouco de lado sua incontida vontade de fazer fofoca.
Da mesma forma, se Mercúrio resolve parar na casa de Áries, o problema é dele. Vai ver foi cobrar uma dívida. Filar uma janta porque na sua geladeira só tinha água, salsicha e requeijão vencido. Ou foram passar a madrugada jogando Xbox. Aliás, nem dá pra saber onde fica a casa de Mercúrio. Só sei que fica longe pa-ra-ca-ra-lho. Sempre imaginei que o suprassumo da lonjura fosse a casa da minha ex, que mora em Osasco. Duvido que algum motorista de Uber aceite uma corrida até Mercúrio. A distância é tão grande que resolveram criar uma medida chamada anos-luz. Mais ou menos assim: se fosse possível viajar na velocidade da luz (portanto, esquece os voos da TAM), você iria pra Mercúrio como a Maisa e voltava como a Dercy Gonçalves. E os números para mensurar são tão absurdos que se privilegiam de fazer parte da Física Quântica. Aliás, quero dar um beijo de língua em quem inventou a Física Quântica. Ela consegue explicar o inexplicável da natureza. Imagine a cena: “Érico... Érico Fuks... encontrei essa calcinha debaixo do sofá... de quem é essa calcinha?”. “É da Física Quântica, uai”.
Mas voltando a Mercúrio. Além de longe, lá não tem PORRA NENHUMA. Nem um cassino básico pra justificar o esforço. Olha, se é pra viajar uma distância interminável e chegar num lugar ermo e inóspito onde não há nada, não precisa ir até Mercúrio. Basta pegar o trem pra Ferraz de Vasconcelos. Pelo menos durante o trajeto você pode comprar um novo carregador de celular pela metade do preço.


quinta-feira, 14 de junho de 2018

Copa


Não vou torcer contra o Brasil.
Mas também não vou torcer a favor do Brasil.
Simplesmente não vou torcer.
Futebol não é minha língua.
Os 200 milhões de comentaristas que me desculpem, mas não vou falar nada.
A concentração vai ser no meu silêncio.
Podem gritar, podem vibrar. Eu não vou ouvir.
Não faz sentido algum torcer para profissionais que ganham um BMW por hora.
Não torcem para você. Nunca torceram. Aliás, nem sabem quem você é.
Não faz sentido algum torcer para exibicionistas que andam de Armani como se isso fosse exemplo de superação.
Não se envolvem em questões políticas. Não abraçam causas. Não apoiam ONGs. Talvez até o façam, mais por marketing do que por princípios.
Nasceram nas favelas, mas esqueceram o Brasil.
Pegaram a ponte aérea, da Baixada Fluminense para Manchester.
Vêm pra cá como turistas.
Alienígenas que pousam em nosso território a cada década.
Minha torcida é para os médicos, professores, artistas. Caminhoneiros, até.
Não faz sentido pintar o rosto, maquiar a rua, abrir o sorriso desdentado, estampar uma beleza que não existe, num dos piores momentos da nossa história.
E não estou falando só de política.
Falar que somos todos um só, num só coração, que #tamojunto por um ideal maior, é uma atitude no mínimo hipócrita. Ou ingênua.
Nunca se brigou tanto por nada nas redes sociais.
Nunca fomos tão polarizados. Ou bipolares.
Vivemos num tempo do mais alto e execrável individualismo.
Anunciantes, podem continuar vendendo refrigerante pra mim. Me forçando a abrir uma conta. A trocar de shampoo. A comprar um carro. Mas, por favor, não me peçam para torcer. Isso é pedir muito. Dinheiro jogado fora: o grito de gol não vai sair.
Meus caros, vocês pisaram na bola. Pisaram feio.
Estamos num momento de penalidade máxima.
Continuem aí, no jogo do “ame-o ou deixe-o”.
Eu vou fazer o que mais sei fazer: ignorar.

terça-feira, 12 de junho de 2018

Na feira


- Olhaí, olhaí, freguesa. Pois não, senhora?
- Eu queria um namorado.
- Com espinha ou sem espinha?
- Não não. O senhor não me entendeu. Tô procurando um namorado. Alguém pra sair comigo, pegar um cinema, dar uns beijos, dormir de conchinha...
- Conchinha? Tem ostra aqui. Vai levar, freguesa?
- Não, obrigada. É que...
- Garoupa, quer? Tá bem bonita.
- Obrigada. Acredito que seja bonita mesmo. Olha, eu respeito a diversidade, a comunidade gay, mas meu negócio é homem mesmo.
- GA-ROU-PA. Tem traíra, se a senhora quiser.
- Não, vixe! Chega de traíra na minha vida. Se eu te contar cada roubada que passei, a gente não sai daqui hoje. Na verdade eu procuro um homem sincero, companheiro, que entenda a gente.
- Entender vocês? Kkkk
- Deixa eu terminar. Eu tô a fim de achar o amor definitivo da minha vida. Mas não esses príncipes de contos de fada. Quero alguém de carne e osso.
- Olha, barraca de carne é a terceira pra lá. Pergunta pelo Seu João que ele faz um precinho pra senhora. Fala que você veio do Ademir.

- Bom dia. Eu queria um...
- Pra viagem, freguesa?
- Como o senhor sabe? Eu queria alguém que fosse comigo pros lugares mais exóticos. Alguém pra conhecer o mundo, aprender novos costumes, novas línguas.
- Tem língua aqui, vai querer?
- Ai, credo! Mas deixa eu terminar. Eu sou praia, eu sou campo, eu sou trilha, eu sou cidade, adoro viver a vida...
- Coração?
- Isso é uma cantada?
- Não, senhora... magina... a senhora vai levar coração hoje? Tá bom, bonito e barato.
- Coração barato... tsã... era só o que faltava. Minha vida já tá complicada demais. Ah, os homens são tão vulgares...

- Moça bonita não paga, mas também não leva. Bom dia, freguesa.
- Eu queria um...
- Maduro?
- Com certeza! Um homem, assim, experiente... vivido... bem resolvido... que conhece as mulheres... que sabe agradar uma mulher... entende a mulher...
- Entende a mulher? Kkkk
- Por que todo mundo ri quando eu falo isso? Enfim... quero alguém estabelecido. Cansei de me envolver com moleque, gente imatura, despreparada...
- Chupa aqui.
- O senhor me respeita!
- Tô falando da laranja, senhora. Pode provar, tá bem docinha.
- Ah, tá. Então, como eu tava falando... o mercado tá difícil, sabe? Mas eu procuro alguém divertido, alto-astral, inteligente, que me faça cafuné, que me faça bem...
- Banana?
- E você acha que eu tenho cara de quem tá procurando um banana? Eu, hein?
- Tô falando dessa banana aqui. Tem prata, nanica...

- Bom diiiia, freguesa.
- Bom dia. Eu queria um... achei! É ele! É ELE! Finalmente encontrei o amor da minha vida.
- Muito bem! Quer que embrulhe?
- Não, eu prometo ser bem honesta com ele.
- O fiel aqui...
- Mas é ÓBVIO que ele tem que ser fiel!
- Tô falando do fiel da balança. O ponteiro. Tá marcando...
- Ai, nem me fale em balança. Preciso fazer uma dieta ur-gen-te! E malhar!
- Tá marcando 2 quilos. Tá bom ou quer mais?
- Tá ÓTIMO!
- A senhora não vai se arrepender. Chegando em casa vai ver que é bem fresquinho.
- Não, peraí... para, para tudo! Um pouco meigo, sensível e delicado, até aí tudo bem. Mas... fresquinho... fresquinho definitivamente NÃO! Quer saber? Deixa quieto, não vou levar nada. Já vi que aqui eu não vou encontrar o que procuro. Só tem bagaço! Pra mim chega! Desisto. Só uma última coisa...
- Pois não, senhora.
- Onde tem um supermercado aqui perto?

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Meu futuro primeiro encontro

Não fui eu que pedi. Me incluíram, sem minha autorização, numa comunidade facebookiana de solteiros. Como esse passou a ser recentemente meu status, OK também fazer parte dela e ver o que acontece. Não preciso denunciar o anônimo que me botou lá. É um grupo de poucas interações. Uma balada micada. Com a vantagem de não ter banda cover tocando “parabéns” à meia-noite para os aniversariantes do dia. Passei pela página de modo superficial, rápido e desinteressado como quem lê revista em consultório. Me chamou a atenção um perfil de uma moça com cara de quem fez o papel da Branca de Neve no colégio. Ela deve usar maquiagem à base de porcelanato. Não tem uma espinha, uma ruga. Em lugar nenhum. Deve deixar uma quiromante bem confusa. Seu semblante traz uma sensação boa. Alto-astral. Seu sorriso não é forçado. Ela passa a imagem de segurança. De poder. Deve trabalhar na Berrini. E passar as férias esquiando em Aspen. Eu passo minhas férias no Guarujá. Quando sobra dinheiro. Sei lá, parece que ela tem muitas qualidades. Destacou-se fácil da maioria dos perfis da comunidade. Até porque essa maioria é de homens que tiram selfie fazendo biquinho em frente ao espelho da academia. Ou dentro do Honda Civic. Sim, meu caros. A humanidade não tem mais salvação. É o fim dos tempos. Homem também faz selfie de biquinho na Smart Fit, entre um supino e outro.
Dei um “oi” nos comentários de sua foto e esperei resposta. Que chegou mais ou menos 10 dias depois. Poderia ter ficado puto. Poderia achar que ela trabalha no telemarketing da NET. Mas entendi a situação. Ela foi respondendo por ordem de chegada. Que nem atendimento do SUS. Como eu não agendei horário de chat, fui atendido somente quando chegou minha vez. Minha senha era 637.
Começamos o diálogo com aquelas perguntas protocolares. Formulário-padrão de entrevista de emprego. Como eu previa, ela ocupa uma função foda. Nem lembro direito, mas sei que é alto escalão. Aquilo não é um cargo, é uma oração subordinada. 4 ou 5 palavras e umas iniciais no meio que só servem pra te humilhar. Gestora de Franquias IT Aplicadas ao Pequeno Varejo. Corregedora Master XP em Prevenção a Fraudes e Delitos. Vice-Presidente MHD em Análise de Riscos e Oportunidades. Se colocar todos os cargos de onde ela trabalha no papel, sai a continuação do Harry Potter.
Minha pergunta seguinte foi bem besta. Homem fica meio retardado quando tenta se aproximar de uma mulher. “O que você pretende nesta comunidade?”. Criar um evento #ForaTemer. Vender Cogumelos do Sol. Fazer novas amizades. Claro que não, ô idiota! Amigos a gente faz na sinagoga. No curso de stand-up. Quem entra numa comunidade chamada Solteiros e Solteiras de São Paulo é porque está procurando sua cara-metade. Pode ser um casamento. Um namoro sério. Um namoro divertido. Até uma trepada, quem sabe. Ou, na maioria dos casos, o que de fato acontece é uma sequência de 300 mensagens no WhatsApp e um encontro de um dia só. Uma relação efêmera e casual de 3 horas, que começa no Star Wars e termina no Starbuck’s.
Se ela é uma pessoa bem resolvida, e provavelmente muito seletiva, você deve estar se perguntando: o que ela está fazendo numa comunidade de losers, e ainda por cima virtual, onde só dá maluco? É fácil de responder. Sim, existem aristocratas que além de ricos são bonitões. Ela poderia ficar com qualquer um deles fácil. O problema é que a elite brasileira é uma bosta. Esses Mansur, Garneros da vida, aparecem na coluna da Mônica Bergamo mas todos eles cometeram grandes crimes contra a nação. O mais gritante é que todos namoraram a Adriane Galisteu. Thor Batista, por exemplo. Ele é deus nórdico só no nome. Um babaca. Deve ser muito chato namorar um cara cujo hobby preferido é atropelar ciclista. Então, é possível que ela tenha entrado na rede por uma questão de experimentação. Deixar aflorar o lado insólito da vida. Entrar em contato com o excêntrico. Sei lá.
Na sequência do nosso diálogo virtual... aliás, esqueci de apresentar a pessoa. É Anna, com 2 NN. Não sou besta, né? Claro que esse não é seu nome verdadeiro. Mas eu gosto. Anna é nome de gente rica. Empoderada (odeio essa palavra). Anna Pegova, Anna Hickmann, Anna Karenina. Nome de quem empresta sua imagem a comercial de cosméticos. Portanto, essa pessoa relatada doravante será chamada de Anna. Que continua sendo um mistério. Sabe aquela história de que a música “Parabéns a você” não é de domínio público, mas foi criada por uma velhinha de 90 anos que mora no sul do Texas, e cada vez que alguém canta ou toca essa música tem que depositar uma porcentagem dos royalties na conta dela? Então, eu tô desconfiado de que a Anna é neta dessa velhinha. Disse que tem um casal de filhos adolescentes e me mandou a foto deles. Sei não, mas acho que ela alugou esses pimpolhos num brechó. Duvido que o pirulão de 1,80m tenha saído daquele ventre imaculado.
Mas voltando ao chat. Mencionei o churrasquinho grego, a Galeria do Rock e o Largo do Paissandu. Não se trata de um convite, claro. É mais pra testar seu nível de conhecimentos sobre estudos antropológicos. Ela conhece o Largo do Paissandu. Viu nos noticiários na semana retrasada. Antes disso, achava que era a capital do Bangladesh.
Próximo assunto: cinema. Meu território, meus domínios. Falei que frequentava mais os cinemas da região da Paulista. Pela localização, pela programação, enfim... Ela respondeu que as cadeiras não são confortáveis. Vou repetir: as-cadeiras-não-são-confortáveis. Aquela informação me caiu como uma pedra. Minha vivência cinéfila ruiu. Passei metade da adolescência dentro do Cine Astor. Parte das cadeiras do Itaú Frei Caneca estão mais fofas graças às minhas nádegas. Conheço os funcionários do Belas Artes pelo nome. Se ela estiver se referindo ao Centro Cultural, está coberta da razão. Aquelas cadeiras duras e sem encosto são ótimas... para monges tibetanos que dormem no chão. Nivelam qualquer opulência. E até hoje não entendo por que raios eles quiseram imitar cadeira de balanço de parque infantil.
Para a musa do capitalismo, o cinema preferido é, adivinhem: Cinépolis JK Iguatemi. Vou dar um briefing pra quem não conhece. Lá, um concierge dentro da sala serve pipoca ao azeite trufado com uma taça de cabernet sauvignon. A poltrona é mais confortável que minha cama. Quando você senta nela, a primeira coisa que precisa fazer é pegar o celular e botar pra despertar às 7h. A lateral da cadeira tem mais botão que o painel do carro da minha mãe. Tem botão pra elevar o apoio dos pés. Botão pra inclinar o encosto. Certeza que se você apertar os 2 botões juntos vem uma oriental te fazer shiatsu. Pena que só passa blockbuster. Se passasse algum filme do Lav Diaz (pra quem nunca ouviu falar desse diretor, um curta-metragem dele dura 4 horas) eles não venderiam ingresso. Venderiam uma diária. A bilheteira te entregaria o ticket junto com uma toalha, Havaianas e sabonete líquido. E naquele complexo não existe “sala comum”. A sala VIP É a sala comum. A hierarquia é sala VIP, sala Ultra VIP, sala Mega VIP e Olimpo. Com a grana do ingresso mais R$ 200 dá pra dar a entrada numa kitchenette. Uma vez eu encontrei o Wagner Moura naquele cinema. Estava deixando currículo com a gerente.
Não definimos ainda o local do encontro. O cine-ostentação é uma possibilidade. Não quero fazer que nem todo homem faz. Chegar uma hora antes e dizer pra ela “acabei de chegar, é minha primeira cerveja”. Vamos tentar sincronizar horários. Vamos chegar mais ou menos juntos. Ela de Hilux, eu de Terminal Capelinha. Não tenho carro, não gosto de dirigir. Mas isso ela não precisa saber. Tem muita coisa da minha vida que ela não precisa saber. Pelo menos não no primeiro encontro. Que eu tive lúpus eritematoso subagudo. Durante 2 anos da minha vida, meu rosto parecia um campo minado de varíola. Ou que nas aulas de lambada ninguém queria dançar comigo e eu treinava sozinho em frente ao espelho. Ou que o pessoal da firma acertou a quina da Mega Sena e eu não entrei no bolão. Ela não precisa saber nada disso. Só o básico, o resumo da minha vida: nasci / peguei autógrafo do Pelé / entrei na ESPM / entrevistei o Tarantino / vim aqui te conhecer. É mais do que o suficiente.
Ela também não precisa saber de alguns detalhes programados para o próprio dia. Vocês sabem, hoje em dia tem um Carrefour Express em cada esquina. Compro um sanduíche integral de peito de peru e tá tudo certo. Simulo uma certa indisposição na hora do encontro. Não vou gastar o olho da cara pra comprar pipoca com redução de aceto balsâmico preparada pelo Alex Atala. A única pipoca que conheço vem com redução de milho. Cansei de comprar saquinho pela metade.
Mas vai dar tudo certo. Já pedi o adiantamento do 13º. Segui o protocolo para impressionar pessoas. Entrei no Google. Decorei o nome de todas as espécies de abelhas em extinção. Aprendi as expressões básicas em mandarim. Treinei um monte de coisa que vi em tutorial: saltos de parkour, fazer crepe suzette na mesa, trocar a bateria de iPhone... pensando bem, esse não. É impossível trocar a bateria de iPhone. Tô confiante. Talvez não role nada. Talvez ela dê a desculpa clássica “vou comprar cigarros”. Faz parte da vida. O que importa é a tentativa. No Cinépolis JK Iguatemi. Capaz dela achar que EU seja o concierge. Mas tudo bem. Vamos ver. Mas antes, preciso dizer uma coisa muito séria: se for pedir vinho dentro do cinema, que seja um Merlot chileno, reserva 2012.

terça-feira, 29 de maio de 2018

A greve da letra Z


Parecia uma reivindicação besta. A categoria que ocupa o 26º lugar no alfabeto fez uma série de solicitações, em virtude das recentes medidas léxicas que só ampliaram as desigualdades e trouxeram ainda mais injustiças ao cenário gramatical vigente.
A lista, encaminhada ao presidente do Acordo Ortográfico, era imensa. A primeira reivindicação, talvez a mais importante, era trazer mais visibilidade à categoria. A letra Z não queria mais ser a última do alfabeto e, portanto, a menos utilizada. Queria ser a 5ª, logo abaixo do D. Isso traria uma valorização à classe. Além disso, os representantes sindicais do Z pleitearam que a letra tivesse, do ponto de vista fonético, um som próprio e exclusivo, reforçando sua identidade própria. O “s” da palavra “casa”, por exemplo, estaria doravante proibido de ter o som de “z”, cabendo-lhe todas as implicações legais caso o descumprimento da determinação permaneça. Dentro da mesma pauta, outra reivindicação foi a renomeação de diversos termos do nosso vocabulário. “Obeso” passaria a ser “obezo”. “Coisa” seria “coiza”. “Exame”, “ezame”. E por aí vai. Como adendo ao parágrafo, a categoria solicitou que o termo importado “WhatsApp” fosse oficialmente incorporado ao nosso idioma na forma de “Zapzap”, conforme pronunciado nas comunidades de baixo poder aquisitivo. Em nota, um dos membros do Conselho da Letra Z alega que esta é a mais limpinha do teclado, o que gera uma terrível discriminação em relação às sujas, gastas e afundadas “a”, “s” e “#”.
No início, as entidades procuradas ignoraram a solicitação. Protocolaram o requerimento e a coisa ficou por isso mesmo. Já que o nosso vernáculo é tão vasto e rico, na abundância de suas 25 companheiras de escrita, todas essas solicitações, se atendidas, poderiam gerar um desequilíbrio nas contas públicas e colocariam em risco a possibilidade de se gerar um efeito cascata. Além disso, nosso delicado momento econômico não seria propício a tais mudanças, já que isso poderia onerar os fabricantes de componentes linguísticos. Todos os teclados e telas touch screen deveriam ser refabricados. O que, pra falar a verdade, não seria problema algum, no país do kit de primeiros socorros, do extintor de incêndio veicular tipo ABC e da tomada de 3 pontos.
Revoltados, os integrantes da letra Z adotaram medidas mais radicais. Da noite para o dia, organizaram um motim de proporção nacional. No início da semana passada, todas as letras “z” desapareceram dos vocábulos, criando um vácuo existencial. A sociedade não se acostumou ao “a_ul” no lugar de “azul”. “Ami_ade” ao invés de “amizade”. Como se não bastasse, os piqueteiros foram além. Bloquearam o acesso a toda e qualquer consulta, impressa ou virtual, aos verbetes iniciados por Z. De repente, não mais do que de repente, o dicionário terminou no Y.
As consequências imediatas foram terríveis. O zinco sumiu das prateleiras. A música ficou mais pobre sem a zabumba e o zouk. As cenas de zumbi tiveram de ser refeitas. O zoológico foi desativado. Zeladores foram pro olho da rua. Zagueiros foram pro banco de reserva. O estoque de zero ficou praticamente zerado. A Operação Zelotes foi interrompida. Teve racionamento de zimogênio, seja lá o que isso possa significar. Houve briga por zíper. A imprensa sensacionalista colocou em suas manchetes: “Se a paralisação continuar, daqui 1 mês as zebras deixarão de existir”.
Quem foi a favor da greve comemorou. A cidade estava vazia. Ou melhor, va_ia. Por alguns dias, nada de zombaria. De zorra. Zoeira. Ninguém zanzando por aí. Zangados na rua eram cada vez mais raros. E o que é melhor: finalmente o país se viu livre do Zika Vírus. E do zunido do seu inseto transmissor.
Em caráter emergencial, o Ministro da Língua Portuguesa solicitou a importação de 20 milhões de letras para que a pane não se agravasse. Apenas como medida cautelar. Porém, com a alta do dólar, foram obrigados a estreitar relações comerciais com a Al Jazeera, o lugar mais abundante do planeta em estoque de letras pouco convencionais. Isso, claro, quebrou protocolos oficiais e gerou um certo mal-estar no Congresso.
O Governo, débil e incompetente, vivendo a maior crise dos últimos tempos, atendeu a maioria das solicitações apenas na tentativa de se manter no cargo até o fim do mandato. Entre diálogos e carreatas, o que sobrou foi uma série de trapalhadas. A mais grave foi o Corregedor dos Neologismos, flagrado dormindo em sessão na plenária que debatia o assunto. O cartunista Ziraldo não perdeu tempo: tacou um balloon escrito “zzzzzzzzzzzzzzzzz” sobre a imagem do perdulário. Um tremendo desperdício, em época de restrição de consumo.
Apesar de boa parte das reivindicações atendidas, a greve continuou. Filas e mais filas nos cartórios. Quilômetros de aglomerações de Zulmiras, Zózimos, Zuleikas e, principalmente, do tal do Zé. Baderneiros incentivaram o quebra-quebra. O “Z” do luminoso da fachada da danceteria Zais foi furtado. Ninguém sabia mais o que os manifestantes queriam. Um dos líderes do movimento declarou: “existe uma clara infiltração política, orquestrada pela elite imperialista e conservadora norte-americana, que colocou títeres das letras estrangeiras “W”, “X” e “Y” se misturando ao grupo, com o único objetivo de atrapalhar as negociações e causar ainda mais repúdio da população”.
Por ora, a situação está relativamente sob controle. O zabaione voltou ao mercado, ainda que com o reabastecimento incerto. Fabricantes de azulejos retiraram o ágio. O Governo reduziu os impostos do azeite, subsidiando sua produção e gerando um rombo bilionário aos cofres públicos.
Não é um final feliz, com “z” no final. Mas é o que temos. A greve do “H” está programada pra semana que vem. Enquanto isso, vamos empurrando nossas palavras com a barriga. E torcendo por um texto mais justo. Seja o que Zeus quiser.


quinta-feira, 24 de maio de 2018

Quando o Tinder e o Uber se encontram


- Carol?
- Marcos?
- Oi, prazer.
- Como cê tá? (beijinho, beijinho).
- Achei que cê era mais alto... assim, pela foto...
- Jura? Ah, sei lá... essa foto eu tirei na praia, faz tempo, vai ver eu ...
- Não, não me leve a mal. Tá bom assim... homem muito alto também não dá, né? Rs
- E aí? Pra onde a gente vai? Pegar um cineminha?
- Tava pensando num japonês.
- Seu ex? (...) Ah, restaurante... pô, foi mal, desculpa.
- Tem um em Moema que é muito bom.
- Fechou. Posso seguir o caminho do Waze ou você tem alguma preferência?
- Não, de boa.
- Em compensação você é mais gata pessoalmente do que na foto. Tá bom o ar ou quer mais frio?
- Tá bom assim, obrigada...
- Quer uma balinha? Água? Fica à vontade.
(No restaurante)
- Me conta: o que você faz?
- Sou advogada... taurina, ou seja, tenho um gênio meio forte... rs... Separada, tenho um casal de filhos que são o amor da minha vida... ah, tenho outro filho também: meu gato, o Rory. E eu sou assim mesmo, isso que você tá vendo. Sou bem simples, odeio falsidade, odeio homem que enrola a mulher, sabe? Mas e você, quero saber de você.
- Ah, sei lá... não tenho muito o que falar de mim, não. Eu sou engenheiro. Trabalhei 17 anos numa firma que fechou. Aí você sabe... tive que me adaptar à realidade, me reciclar, procurar novos desafios... tô aí, no corre...
- E você gosta?
- Ah, tem dia que o movimento é bom. Pego umas 7, 8 pessoas... mas no geral tá fraco...
- Ah, vários parceiros por dia... rs... E o que fez você entrar no app?
- É que eu saio pouco, sabe? Não tenho tempo. Então eu tô a fim de achar a pessoa certa. Nada de aventura, essas coisas... na noite rola muita besteira, entende? Eu prefiro uma coisa mais sossegada. E você?
- Eu me separei faz um tempinho. Tive uns relacionamentos depois, mas nada sério. Na verdade eu tô procurando novos caminhos, novos horizontes. Em busca de uma nova direção pra minha vida, saca? Não adianta o GPS apontar pra esquerda se eu quero ir pra direita, tipo isso... Eu meio que cansei de ser conduzida de modo convencional. Hoje eu sou mais do caminho alternativo... não vou comer esse sushi, você vai querer?
- Passa pra mim.
- Cansei de ser pressionada, de seguir o que os outros falam.
- Você não faz ideia. Tem cada gente estranha nesse mundo... ontem mesmo, entrou um casal no carro, aparentemente normal. Bem vestidos e tal... Mas dava pra ver que o cara tava cheiradaço... a mulher então, vixe... vomitou no assoalho, acredita? Ah, não dá... cansei também...
- É, pelo menos isso a gente tem em comum... pedir a conta?
(...)
- Então tá. Foi um prazer. (Beijinho, beijinho, e de repente surge um beijinho maior do que um simples beijinho). Não, para... cê tá confundindo as coisas... hoje vamos ficar por aqui. Boa noite. Pode encerrar a corrida.
- Foi mal. A gente se vê novamente?
- Vamos ver. Eu te mando uma mensagem. Ah, é crédito.
- Só me faz um favor. Depois não esquece de me avaliar.


quinta-feira, 26 de abril de 2018

Professor bom é professor sujo


Hoje praticamente tudo se aprende por conta própria no Google. O resto nos é ensinado por professores em auditórios tecnológicos, com recursos multimídia e direito a coffee break. Aquele professor vestindo um impecável Armani, microfone de lapela e caneta laser pra apontar em sua apresentação Power Point os principais tópicos do conteúdo de seus conhecimentos técnicos. Tudo muito bonito, muito clean e muito caro.

Mas bom mesmo era o professor de antigamente. Aquele propedeuta que andava com o cabelo bagunçado e cheio de caspa pra evocar Einstein. Usava a camisa polo de todos os dias, que nunca ornava com o sapato gasto e de cadarço, frequentemente desamarrado num pé. Em seu pescoço, estava pendurado o óculos de grau, utilizado somente para leitura. Professor que urrava com a alma, passava todo o exercício do seu saber na base do gogó e ficava rouco pelo menos 1 vez por semana. Circulava sempre com as mãos sujas de giz, que emporcalhavam o avental branco com uma coloração mista de amarelo, laranja e carmim. Um avental levemente amassado, com os bolsos bem cheios, e a gente não sabia se eram preenchidos por questões da prova, calculadora ou a metade sobrante de um pão com mortadela. Aquele sim, era professor de verdade. Que suava, que sangrava e que fazia a gente aprender.


quarta-feira, 18 de abril de 2018

O fim do mundo


Atendimento: Pessoal, acabei de chegar do cliente e peguei um baita briefing. Campanha grande: o fim do mundo. É concorrência.
Criação: Ah, tá... e qual o prazo?
Atendimento: Urgente. Falaram que o mundo vai acabar no dia 23, então precisamos levar as ideias antes pra eles aprovarem... concorrência gigantesca, são mais de 15 agências envolvidas. Já tava tudo fechado, mas aí eu fui lá entregar o job da Guerra da Síria, eles gostaram e deram pra gente essa oportunidade de participar. Tipo uma exceção.
Criação: Sei... e qual a verba?
Atendimento: Não foi definida. Mas por que vocês precisam saber?
Criação: Faz toda diferença. A gente precisa entender se o cliente vai gastar uma caralhada, aí a gente pode pensar num ataque de mísseis aéreos com todas as potências envolvidas. Ou então, se for campanha custo zero, a gente pode bolar uma queda de meteorito.
Atendimento: A gente precisa impressionar. Ideias do caralho. Essa conta é muito importante pra agência. Se vocês acham melhor apresentar propostas bem caras não tem problema. Depois eu ajusto o orçamento na planilha. (...) Só dando um toque: a gente PRECISA ganhar essa porra dessa conta. Perdemos a conta do aquecimento global e vocês viram, né? Todo o departamento de new business foi mandado embora.
Criação: E qual o target?
Atendimento: Olha, o público que vai ser impactado é meio assim tipo... mundo, sabe? Toda a galera. Mas essa campanha vai ser focada pros líderes, formadores de opinião, decisores... Pensa no Trump. Mas tem que ser algo que agrade também aquele outro lá. Baixar Wallassad... Baixar Wassalab... Wasabi... ah, sei lá. E aquele outro também, aquele chinês: King Kong Jun.
Criação: Ele é norte-coreano.
Atendimento: Ah, vocês entenderam.
Criação: E tem algum policy?
Atendimento: Criação livre. Só não pode falar dos concorrentes. Nada de comparar com Marte ou citar Júpiter nas peças. Viu, Kléber?
Atendimento: Ah, outra coisa. Vamos fazer algo bem up to date. Nada de coisa retrô, nada de extinção dos dinossauros, dilúvio, vulcão, isso que vocês apresentaram no job da semana passada. Ah, e vamos levar opções. Mínimo 3. Vocês marcam uma ideia no layout e as outras só faz o key visual. No final, vocês fazem uma defesinha das ideias, pode ser? Por enquanto deixa data, local e horário com marcação nonono. Depois eu passo as informações direitinho e coloco as referências na rede.
Atendimento (saindo da sala, fala baixinho e com sorriso ao mesmo tempo confiante e sarcástico): A gente vai ganhar.
(...)
Criação 1: Alô, é do consultório do Dr. Rogério? Eu tinha uma consulta hoje, mas vou ter que desmarcar... isso... semana que vem? OK, pode ser. Obrigado, tchau tchau.
Criação 2: Pessoal, vocês vão querer do quê? Tô fazendo o pedido agora. Meia portuguesa, meia calabresa tá bom pra todo mundo?

Dia seguinte. 18h55. Chega na sala o diretor de criação. Um hipster gourmetizado. Camisa branca da Dudalina, calça jeans preta, bota Timberland escura, óculos com armação em casco de tartaruga comprado num brechó em Londres, cabelo espetado com gel, barba aparada e brinco de diamante na orelha esquerda. Tem cara de metidinho, afetadinho, antipático. No fundo, é mesmo. Aquela cara de quem está sempre querendo espirrar, sabe?
Diretor de criação: E aí, pessoal? Cês tão criando aquela campanha do fim do mundo? Posso dar uma olhada?
Criação (preocupada): A gente já entregou uns roughs e alinhou as propostas com o atendimento. Estamos trabalhando em conjunto e o pessoal falou que tá tudo OK, que o caminho criativo é esse. Mas se você quiser olhar...
Diretor de criação olha as peças e não esboça a mínima reação. Não faz cara de surpresa, de agrado, não ensaia uma única risada de canto da boca. Sua cara de espirro fica ainda mais acentuada.
Silêncio sepulcral no ambiente. Sons de teclado lá da outra sala parecem tambores. Estagiário tira o fone de ouvido, começa a falar uma frase gritando empolgado e engole a frase no meio. Criação com o cu na mão.
Diretor de criação: Olha, eu não conheço o cliente, mas se eu fosse Deus eu reprovava tudo. Tá tudo muito flat, muito bife na chapa. Sem brilho, sem emoção. Isso aqui, ó: citar o Apocalipse. Bem déjà vu, né não? Redator, falta um conceito, uma ideia bem amarrada. Tá tudo meio solto. Isso aqui da doença de laboratório é até legal, mas cadê o insight criativo? Cadê as premissas? E você, diretor de arte: botar fundo preto pra falar de fim do mundo é beeem clichê. Batido demais. Pessoal, é sério. Se nós formos os últimos a apresentar, o cliente vai dormir. A gente tem que dar show!  Cadê a ação de ativação? Faltou o viral no Facebook. Inventa um lance que pareça fake news, aí na sequência a gente mostra a campanha de verdade. Senti falta disso, um lance meio teaser. Tipo: “prepare-se: o fim está próximo. Sua última chance de pular de paraquedas e beijar na boca a gostosa da sua vizinha”. Sei lá, tô chutando... só uma ideia... mas o caminho é esse...
(...)
Diretor de criação: Bom, tô indo pra academia. Amanhã de manhã eu tenho uma reunião no cliente e chego mais tarde. Me mandem por e-mail. Qualquer coisa, pode me mandar um áudio no Whats.
(...)
Criação: Pessoal, meia muçarela, meia frango com catupiry todo mundo come?

Dia seguinte. 18h55.
Atendimento (esbaforido e empolgado): Criação, acabei de voltar da apresentação. O cliente a-mou as ideias. Ele CHOROU! Muito do caralho. Cês estão de parabéns. Ele só pediu alguns ajustes, eu vou entrar com o pedido. Coisa pouca, bobagem. Aqui eles querem poupar as crianças, os idosos, a população de baixa renda e os cachorrinhos, pra não correr o risco de ficar politicamente incorreto.
Criação: Ué... mas não é O FIM DO MUNDO?
Atendimento: Então... era pra ser... tava tudo alinhado... mas aí entrou o pica das galáxias e resolveu mudar tudo. Não vai ser um fim do mundo global. Eles querem uma coisa meio catástrofes em alguns pontos do planeta. E não pode ser fim geral total porque o contrato de patrocínio com a Nike só se encerra no ano que vem.
(...)
Atendimento: Outra coisa: não podemos falar em “fim do mundo” pra não ficar tão agressivo. Precisamos suavizar um pouco a mensagem. Deixar algo como “o que vem por aí”. Ah, e não podemos usar armas. Nada de canhões, nem armas químicas. E não mostrar gente morrendo. Nem o planeta escurecendo. Algo mais clean, mais subjetivo. De resto, tá aprovado!

Semana seguinte.
Criação: E aí, já temos a resposta da concorrência?
Atendimento: Então... a cliente ACABOU de me mandar um e-mail. Eles decidiram cancelar o job. A verba foi toda alocada pra Copa do Mundo, que passou a ser prioridade. Mas semestre que vem eles vão voltar com o job e eles já prometeram que a gente vai participar do processo. A cliente adorou a agência, a gente conseguiu botar um pé lá dent...
Diretor de criação: Licença, desculpe interromper. Criação, só lembrando: amanhã a gente apresenta o job de ataque terrorista. Cês já começaram a pensar em alguma coisa?
(...)
Criação: Pessoal, o que acham meia escarola, meia atum?


sexta-feira, 9 de março de 2018

DR de hoje


- Amor. Benzinho...
- Quê? Tô dormindo...
- Acorda. Precisamos entrar no chat.
- Que foi?
- Precisamos atualizar nosso status.
- Como assim?
- Isso que você acabou de ouvir. Precisamos reavaliar o CRM.
- Mas o que tá pegando?
- Nossa relação B2B não é mais a mesma. Cê não me prioriza no seu time sheet. Cê não me dá os inputs necessários. Cê não me dá um tratamento customizado.
- Como assim, meu Candy Crush? Você é 360 pra mim. Você é meu foco inspiracional. Sem você eu sou 0 GB.
- Acho que nossa clusterização chegou ao fim.
- Não faça isso, pelamordedeus! Vamos conversar.
- Nosso user experience não tá legal. E tem mais. Soube que seu programa de fidelização não está otimizado. Você vacilou na estratégia de loyalty comigo.
- Quem te disse isso?
- Minha amiga me disse que você viralizou suas táticas de approach e criou um buzz na social media.
- Esse database não confere! O máximo que fiz ontem foi um casual day no bar com os amigos member-get-member.
- Sei... vai desobedecendo as regras de compliance que você vai ver...
- É sério. Eu juro por tudo quanto é sagrado que por você eu sou full service.
- Ah, sei lá... tá tudo meio esquisito... as planilhas não batem... num tá legal.
- Quer fazer um roadmap? A gente redefine o escopo do business intelligence e dá um restart.
- Mas aí precisamos alinhar o core business. Sei não...
- Amore... para com isso... vem cá... deixa eu te dar um beijo... isso... chega mais... vem pra cá...
- Ai, para... assim você me deixa louca... isso... não para... continua... vem... isso...
- Vem cá, benzinho, vou te...
- Ah, não! De jeito nenhum! Pode parar! Back-end, nem pensar!

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Adeus ano novo

Era pra ser como a virada de um mês qualquer. Do dia 31 de julho para 1º de agosto. De 31 de outubro para 1º de novembro, véspera de Finados. De 31 de março para 1º de abril, dia da mentira. Mas, especificamente na virada de 31 de dezembro para 1º de janeiro, Dia da Confraternização Universal, período em que a Terra completa seu movimento de translação ao redor do Sol, somos imbuídos pelo desejo de mudança. Acreditamos no poder extraordinário da transformação. Trata-se, na verdade, da transição de um dia qualquer. Um minuto qualquer. Mas não. Nós, seres humanos esclarecidos, somos levados a crer que, a partir deste minúsculo pulo do ponteiro do relógio, seremos outros. Da noite para o dia, iniciaremos uma dieta, entraremos na academia, plantaremos uma árvore. E o mundo, é claro, será outro também.

E assim nasceu o feliz ano novo de 2018. Com chuvas intermitentes e nenhuma providência tomada pela Prefeitura para combater as enchentes e alagamentos. Assim como em 2017. Assim como em 2016. Ou em 1734. Este mais recente rebento do Século 21 trouxe um aumento no preço da passagem de ônibus. Antecipou aquilo que, infelizmente, já vinha ocorrendo nos anos anteriores, só que nos meses seguintes ao primeiro: o suicídio de uma estrela do rock dos anos 90. 2018 chegou chegando com uma série de notícias e reportagens sobre acidentes e atropelamentos causados por rachas. É verdade, meu caro. O homem do terceiro milênio ainda idolatra Vin Diesel e acha que apostar corrida de carrinho é sua prova mais inconteste de supremacia e evolução. O ano veio com político que come gente e política que mata gente. Quer mais? Tem mais, sim senhor. A Organização Mundial de Saúde colocou o Estado de São Paulo inteiro como zona de risco da febre amarela. Isso mesmo. Nós, índios, corremos o risco de morrer de febre, aquela doença que já foi detectada num dos primos primatas de nossa selva.

O que esperar de fevreiro? Não sei. Tirando o Carnaval, não faço a mínima ideia. Só sei que a ceia do último Réveillon continua posta na mesa, exatamente do jeitinho que você deixou.


domingo, 14 de janeiro de 2018

Gato

"O gato subiu no telhado", dito pelo(a):

- Pessimista: "O gato, que já tava velhinho, subiu no telhado de vidro".
- Otimista: "O gato deve ter feito alguma coisa errada, mas ainda bem que tem 7 vidas".
- Político: "No meu governo eu prometo construir 15 mil lares para animais abandonados e 7 mil moradias com telhados revestidos".
- Atriz norte-americana: "Ele abusou sexualmente de mim. No telhado. Odiei, mesmo ele sendo um gato".
- Juiz da Lava-Jato: "Senhor felino, como o senhor explica a reforma do telhado do seu tríplex no Guarujá?".
- Colecionador de grupos de WhatsApp: "Bom diiiia! Boa segunda-feira pra todossss!!! Miau miau ^^ ^^ ^^
- Facebookiano típico: "É inconcebível a sociedade aceitar o fato de um animal mimado e criado em apartamento escalar uma posição de superioridade e abrigar-se no conforto de um telhado, em relação à população carente, que nem tem teto pra se cobrir".
- Hater: "Gatos, vão tomar no cu".
- Maconheiro: "O gato subiu no... no... no... rsssssss".
- Kim Jong-un: "Gatos, olhem pra cá: BUUUUM!".
- Donald Trump (em seu Twitter): "Gatos são imbecis. Vou expulsar todos eles do meu país".
- Dilma Rousseff: "Eu saúdo os gatos. Eles são animais que bebem leite porque são mamíferos... e comem peixe... embora tenham medo de água... e as listras... dos cachorros... quer dizer, dos gatos...".
- Jair Bolsonaro: "Que porra é essa? Não basta eles vadiarem nas ruas, agora inventaram de subir no telhado? Que palhaçada é essa? No meu governo não vai ter essa bagunça não. Carrocinha pra todos eles".
- Carlos Alberto Sardenberg: "A taxa de elevação do gato nos fundos do telhado ultrapassou os índices previstos pelos economistas em relação à taxa dos cachorros, por exemplo".
- Pabllo Vittar: "Não sou gato. Nem gata. Nem cisgato. Apenas um ser humano em busca de escalar a liberdade sobre o telhado".
- Politicamente correto: "O animal costumeiramente perseguido pelo cachorro escondeu-se nas alturas por meio de sua acessibilidade".
- Professor catedrático: "O Felis catus galgou em direção à cobertura residencial de cerâmica".