Atendimento: Pessoal, acabei de chegar do cliente e peguei
um baita briefing. Campanha grande: o fim do mundo. É concorrência.
Criação: Ah, tá... e qual o prazo?
Atendimento: Urgente. Falaram que o mundo vai acabar no dia
23, então precisamos levar as ideias antes pra eles aprovarem... concorrência
gigantesca, são mais de 15 agências envolvidas. Já tava tudo fechado, mas aí eu
fui lá entregar o job da Guerra da Síria, eles gostaram e deram pra gente essa
oportunidade de participar. Tipo uma exceção.
Criação: Sei... e qual a verba?
Atendimento: Não foi definida. Mas por que vocês precisam
saber?
Criação: Faz toda diferença. A gente precisa entender se o
cliente vai gastar uma caralhada, aí a gente pode pensar num ataque de mísseis
aéreos com todas as potências envolvidas. Ou então, se for campanha custo zero,
a gente pode bolar uma queda de meteorito.
Atendimento: A gente precisa impressionar. Ideias do
caralho. Essa conta é muito importante pra agência. Se vocês acham melhor
apresentar propostas bem caras não tem problema. Depois eu ajusto o orçamento
na planilha. (...) Só dando um toque: a gente PRECISA ganhar essa porra dessa
conta. Perdemos a conta do aquecimento global e vocês viram, né? Todo o departamento
de new business foi mandado embora.
Criação: E qual o target?
Atendimento: Olha, o público que vai ser impactado é meio
assim tipo... mundo, sabe? Toda a galera. Mas essa campanha vai ser focada pros
líderes, formadores de opinião, decisores... Pensa no Trump. Mas tem que ser
algo que agrade também aquele outro lá. Baixar Wallassad... Baixar Wassalab... Wasabi...
ah, sei lá. E aquele outro também, aquele chinês: King Kong Jun.
Criação: Ele é norte-coreano.
Atendimento: Ah, vocês entenderam.
Criação: E tem algum policy?
Atendimento: Criação livre. Só não pode falar dos
concorrentes. Nada de comparar com Marte ou citar Júpiter nas peças. Viu,
Kléber?
Atendimento: Ah, outra coisa. Vamos fazer algo bem up to
date. Nada de coisa retrô, nada de extinção dos dinossauros, dilúvio, vulcão, isso
que vocês apresentaram no job da semana passada. Ah, e vamos levar opções.
Mínimo 3. Vocês marcam uma ideia no layout e as outras só faz o key visual. No
final, vocês fazem uma defesinha das ideias, pode ser? Por enquanto deixa data,
local e horário com marcação nonono. Depois eu passo as informações direitinho
e coloco as referências na rede.
Atendimento (saindo da sala, fala baixinho e com sorriso ao
mesmo tempo confiante e sarcástico): A gente vai ganhar.
(...)
Criação 1: Alô, é do consultório do Dr. Rogério? Eu tinha
uma consulta hoje, mas vou ter que desmarcar... isso... semana que vem? OK, pode
ser. Obrigado, tchau tchau.
Criação 2: Pessoal, vocês vão querer do quê? Tô fazendo o
pedido agora. Meia portuguesa, meia calabresa tá bom pra todo mundo?
Dia seguinte. 18h55. Chega na sala o diretor de criação. Um
hipster gourmetizado. Camisa branca da Dudalina, calça jeans preta, bota
Timberland escura, óculos com armação em casco de tartaruga comprado num brechó
em Londres, cabelo espetado com gel, barba aparada e brinco de diamante na
orelha esquerda. Tem cara de metidinho, afetadinho, antipático. No fundo, é
mesmo. Aquela cara de quem está sempre querendo espirrar, sabe?
Diretor de criação: E aí, pessoal? Cês tão criando aquela
campanha do fim do mundo? Posso dar uma olhada?
Criação (preocupada): A gente já entregou uns roughs e
alinhou as propostas com o atendimento. Estamos trabalhando em conjunto e o
pessoal falou que tá tudo OK, que o caminho criativo é esse. Mas se você quiser
olhar...
Diretor de criação olha as peças e não esboça a mínima
reação. Não faz cara de surpresa, de agrado, não ensaia uma única risada de
canto da boca. Sua cara de espirro fica ainda mais acentuada.
Silêncio sepulcral no ambiente. Sons de teclado lá da outra
sala parecem tambores. Estagiário tira o fone de ouvido, começa a falar uma
frase gritando empolgado e engole a frase no meio. Criação com o cu na mão.
Diretor de criação: Olha, eu não conheço o cliente, mas se
eu fosse Deus eu reprovava tudo. Tá tudo muito flat, muito bife na chapa. Sem
brilho, sem emoção. Isso aqui, ó: citar o Apocalipse. Bem déjà vu, né não?
Redator, falta um conceito, uma ideia bem amarrada. Tá tudo meio solto. Isso
aqui da doença de laboratório é até legal, mas cadê o insight criativo? Cadê as
premissas? E você, diretor de arte: botar fundo preto pra falar de fim do mundo
é beeem clichê. Batido demais. Pessoal, é sério. Se nós formos os últimos a
apresentar, o cliente vai dormir. A gente tem que dar show! Cadê a ação de ativação? Faltou o viral no
Facebook. Inventa um lance que pareça fake news, aí na sequência a gente mostra
a campanha de verdade. Senti falta disso, um lance meio teaser. Tipo: “prepare-se:
o fim está próximo. Sua última chance de pular de paraquedas e beijar na boca a
gostosa da sua vizinha”. Sei lá, tô chutando... só uma ideia... mas o caminho é
esse...
(...)
Diretor de criação: Bom, tô indo pra academia. Amanhã de
manhã eu tenho uma reunião no cliente e chego mais tarde. Me mandem por e-mail.
Qualquer coisa, pode me mandar um áudio no Whats.
(...)
Criação: Pessoal, meia muçarela, meia frango com catupiry
todo mundo come?
Dia seguinte. 18h55.
Atendimento (esbaforido e empolgado): Criação, acabei de
voltar da apresentação. O cliente a-mou as ideias. Ele CHOROU! Muito do
caralho. Cês estão de parabéns. Ele só pediu alguns ajustes, eu vou entrar com
o pedido. Coisa pouca, bobagem. Aqui eles querem poupar as crianças, os idosos,
a população de baixa renda e os cachorrinhos, pra não correr o risco de ficar
politicamente incorreto.
Criação: Ué... mas não é O FIM DO MUNDO?
Atendimento: Então... era pra ser... tava tudo alinhado...
mas aí entrou o pica das galáxias e resolveu mudar tudo. Não vai ser um fim do
mundo global. Eles querem uma coisa meio catástrofes em alguns pontos do
planeta. E não pode ser fim geral total porque o contrato de patrocínio com a
Nike só se encerra no ano que vem.
(...)
Atendimento: Outra coisa: não podemos falar em “fim do mundo”
pra não ficar tão agressivo. Precisamos suavizar um pouco a mensagem. Deixar
algo como “o que vem por aí”. Ah, e não podemos usar armas. Nada de canhões,
nem armas químicas. E não mostrar gente morrendo. Nem o planeta escurecendo.
Algo mais clean, mais subjetivo. De resto, tá aprovado!
Semana seguinte.
Criação: E aí, já temos a resposta da concorrência?
Atendimento: Então... a cliente ACABOU de me mandar um
e-mail. Eles decidiram cancelar o job. A verba foi toda alocada pra Copa do
Mundo, que passou a ser prioridade. Mas semestre que vem eles vão voltar com o
job e eles já prometeram que a gente vai participar do processo. A cliente
adorou a agência, a gente conseguiu botar um pé lá dent...
Diretor de criação: Licença, desculpe interromper. Criação,
só lembrando: amanhã a gente apresenta o job de ataque terrorista. Cês já
começaram a pensar em alguma coisa?
(...)
Criação: Pessoal, o que acham meia escarola, meia atum?