quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Educação Física


Professor: Pessoal, um minutinho, por favor. Neste ano a diretoria decidiu que as aulas vão ser um pouco diferentes. A gente vai trabalhar técnicas e exercícios de 2 esportes ao longo do período. E é vocês que vão decidir! Cada um escolhe um esporte. Os 2 esportes mais votados é que a gente vai trabalhar. Peguem a folhe em cima da mesa, escolham um esporte, coloquem o nome e botem a folha na minha mesa.

(Alguns minutos depois)
Professor: Pessoal, atenção: os esportes escolhidos foram... tcharã-rã... rúgbi e futebol americano!

(Alguns dias depois)
Roberto: Érico, vem cá, rapidão. A casa caiu.
Érico: Qual foi, Betão?
Roberto: Corre! Lá na quadra, na aula de Educação Física. O pessoal tá se pegando. Nem deu 20 minutos de jogo e os caras já vieram com tudo pra cima dos adversários. Tá mó quebra-pau. Chute na boca, soco no olho. Tem até sangue na quadra. A coisa tá feia. Vem ajudar!
Érico: Ué, mas e o professor? Ele não tá lá como juiz?
Roberto: Ele disse que não tem como controlar os alunos. Vixe, cê não faz ideia. Os caras estão com o sangue nos olhos. O perigo é de alguém até se machucar mais grave.
Érico: Mas eu não conheço as regras de rúgbi.
Roberto: Sem problema. Vem lá ajudar. Corre!
Érico: Mas se tem gente machucada, então é melhor levar no departamento médico.
Roberto: E você não sabe como funciona o departamento médico da escola? Sempre fechado, o enfermeiro nunca tá lá, falta curativo, o pessoal do Centro Acadêmico entra escondido e rouba o álcool e o éter pra misturar na bebida nas festinhas... se liga!
Érico: Tá, mas... eu não posso fazer nada.
Roberto: Pode sim! AGORA é o momento que você pode fazer a diferença!
Érico: Betão, Betão... meu amigo de longa data... vamos lá: o professor pede pra gente escolher um esporte. Eu escolhi o futebol. É simples, é nosso, é verde e amarelo... qualquer outro esporte, pra mim tava tudo bem também. Eu sei jogar. Basquete, vôlei, hande, o cacete a quatro. Até botcha pra mim tava DE BOA. Lembra? A gente vai buscar o Seu Walcir na casa dele, que deve ter se aposentado há uns 20 anos, e pede pra ele ensinar a gente de novo. Até montanhismo pra mim era OK. Cê num lembra daquele professor maluco que só ficou um semestre e adorava ir pras montanhas?
Roberto: Pode crer...
Érico: Mas não. Vocês escolhem os PIORES esportes. Os mais violentos e sanguinários. E aí vão com tudo pra aula. Com todo esse ódio e essa vontade de ganhar a qualquer custo. E aí, o que acontece? Se fodem na quadra e agora você quer que EU vá lá pra socorrer as vítimas?
Roberto: Érico, Érico... pensa bem... a gente vai lá pra evitar um mal maior. Uma catástrofe sem precedentes de um esporte...
Érico: ... que VOCÊS escolheram!
Roberto: Deixa eu terminar... a situação é grave, cara. Tá todo mundo lá. O professor Eusébio de Matemática, por exemplo. Odeia rúgbi. E tá lá dando uma força. A tia Cidinha, do primário, lembra? Ela nem conhece esses esportes. Nunca ouviu falar. E tá lá.
Érico: Betão, meu brother. Sinto muito. Essa briga não é minha.
Roberto: Tu é um covarde mesmo. Desde aquela época que você veio me falar que tava a fim da Marilene e não teve coragem de se declarar pra ela.
Érico: A questão não é essa. É que o rúgbi...
Roberto: Esquece o rúgbi! Foda-se o rúgbi! Já não é mais do rúgbi que eu tô falando! É da preservação dos princípios esportivos aqui desta instituição. Se a coisa continuar assim, o próximo reitor do ano que vem pode fechar a quadra. E proibir a prática de esportes pelos alunos. QUALQUER esporte! O seu futebolzinho, o meu rúgbi, tudo, tudo! O que você tem a me dizer?
Érico: Calma, Betão. Eu entendo, eu concordo, mas não há nada que eu possa fazer. Não entendo piciroca de Medicina, se eu tentar ajudar posso piorar ainda mais o estado de saúde dos colegas.
Roberto: Isso. Faz isso mesmo. Foge da raia, seu arregão. Fica aí se escondendo. Não tem coragem de ir lá e dar a cara pra bater. Solidariedade, mano. Sabe o que é isso? Não precisa conhecer Medicina, nem rúgbi, nem porra nenhuma. É ir lá, estar presente, dar um abraço nos colegas que estudam ao seu lado... e que amanhã podem nem mais estar nessa escola...
Érico: Não seja melodramático...
Roberto: Mas não. Prefere ficar aí se escondendo nos seus livros de História. Cara... história é a gente que faz... nas quadras, não nos quartos... é a sua oportunidade de mudar tudo... acabar com essa violência. E o que eu ouço de você? Que vai se omitir. Não quer se envolver. Acha que não tem nada a ver com isso. Acorda, Érico!
Érico: Betão, menos, tá? Você vem me falando que eu posso ser o médico doutor salvador dessa situação... mas, na verdade... a única coisa que você espera de mim e precisa de mim é que eu faça o trabalho sujo... que nem o Seu Abelardo da limpeza... nossa amizade, tão longa e tão sólida, mas no fundo a única coisa que você vem me pedir é pra limpar a merda toda... de uma cagada que VOCÊ fez!
Roberto: Mano... eu não esperava isso de você. A gente é brother, mais de 10 anos de amizade. Já bebemos juntos, vomitamos juntos, choramos juntos... Eu esperava tudo de você, menos isso. Você me decepcionou. Ó só: tô indo pra quadra AGORA. Se você não for comigo, não precisa me procurar nunca mais. Acabou.
Érico: Calma aí, Betão... vamos conversar...
Roberto: Não me procure nunca mais!