Professor: Pessoal, um minutinho, por favor. Neste ano a
diretoria decidiu que as aulas vão ser um pouco diferentes. A gente vai
trabalhar técnicas e exercícios de 2 esportes ao longo do período. E é vocês
que vão decidir! Cada um escolhe um esporte. Os 2 esportes mais votados é que a
gente vai trabalhar. Peguem a folhe em cima da mesa, escolham um esporte,
coloquem o nome e botem a folha na minha mesa.
(Alguns minutos depois)
Professor: Pessoal, atenção: os esportes escolhidos foram...
tcharã-rã... rúgbi e futebol americano!
(Alguns dias depois)
Roberto: Érico, vem cá, rapidão. A casa caiu.
Érico: Qual foi, Betão?
Roberto: Corre! Lá na quadra, na aula de Educação Física. O
pessoal tá se pegando. Nem deu 20 minutos de jogo e os caras já vieram com tudo
pra cima dos adversários. Tá mó quebra-pau. Chute na boca, soco no olho. Tem
até sangue na quadra. A coisa tá feia. Vem ajudar!
Érico: Ué, mas e o professor? Ele não tá lá como juiz?
Roberto: Ele disse que não tem como controlar os alunos.
Vixe, cê não faz ideia. Os caras estão com o sangue nos olhos. O perigo é de
alguém até se machucar mais grave.
Érico: Mas eu não conheço as regras de rúgbi.
Roberto: Sem problema. Vem lá ajudar. Corre!
Érico: Mas se tem gente machucada, então é melhor levar no
departamento médico.
Roberto: E você não sabe como funciona o departamento médico
da escola? Sempre fechado, o enfermeiro nunca tá lá, falta curativo, o pessoal
do Centro Acadêmico entra escondido e rouba o álcool e o éter pra misturar na
bebida nas festinhas... se liga!
Érico: Tá, mas... eu não posso fazer nada.
Roberto: Pode sim! AGORA é o momento que você pode fazer a
diferença!
Érico: Betão, Betão... meu amigo de longa data... vamos lá: o
professor pede pra gente escolher um esporte. Eu escolhi o futebol. É simples,
é nosso, é verde e amarelo... qualquer outro esporte, pra mim tava tudo bem
também. Eu sei jogar. Basquete, vôlei, hande, o cacete a quatro. Até botcha pra
mim tava DE BOA. Lembra? A gente vai buscar o Seu Walcir na casa dele, que deve
ter se aposentado há uns 20 anos, e pede pra ele ensinar a gente de novo. Até
montanhismo pra mim era OK. Cê num lembra daquele professor maluco que só ficou
um semestre e adorava ir pras montanhas?
Roberto: Pode crer...
Érico: Mas não. Vocês escolhem os PIORES esportes. Os mais
violentos e sanguinários. E aí vão com tudo pra aula. Com todo esse ódio e essa
vontade de ganhar a qualquer custo. E aí, o que acontece? Se fodem na quadra e
agora você quer que EU vá lá pra socorrer as vítimas?
Roberto: Érico, Érico... pensa bem... a gente vai lá pra
evitar um mal maior. Uma catástrofe sem precedentes de um esporte...
Érico: ... que VOCÊS escolheram!
Roberto: Deixa eu terminar... a situação é grave, cara. Tá
todo mundo lá. O professor Eusébio de Matemática, por exemplo. Odeia rúgbi. E
tá lá dando uma força. A tia Cidinha, do primário, lembra? Ela nem conhece
esses esportes. Nunca ouviu falar. E tá lá.
Érico: Betão, meu brother. Sinto muito. Essa briga não é
minha.
Roberto: Tu é um covarde mesmo. Desde aquela época que você
veio me falar que tava a fim da Marilene e não teve coragem de se declarar pra
ela.
Érico: A questão não é essa. É que o rúgbi...
Roberto: Esquece o rúgbi! Foda-se o rúgbi! Já não é mais do
rúgbi que eu tô falando! É da preservação dos princípios esportivos aqui desta
instituição. Se a coisa continuar assim, o próximo reitor do ano que vem pode
fechar a quadra. E proibir a prática de esportes pelos alunos. QUALQUER
esporte! O seu futebolzinho, o meu rúgbi, tudo, tudo! O que você tem a me
dizer?
Érico: Calma, Betão. Eu entendo, eu concordo, mas não há
nada que eu possa fazer. Não entendo piciroca de Medicina, se eu tentar ajudar
posso piorar ainda mais o estado de saúde dos colegas.
Roberto: Isso. Faz isso mesmo. Foge da raia, seu arregão.
Fica aí se escondendo. Não tem coragem de ir lá e dar a cara pra bater.
Solidariedade, mano. Sabe o que é isso? Não precisa conhecer Medicina, nem
rúgbi, nem porra nenhuma. É ir lá, estar presente, dar um abraço nos colegas
que estudam ao seu lado... e que amanhã podem nem mais estar nessa escola...
Érico: Não seja melodramático...
Roberto: Mas não. Prefere ficar aí se escondendo nos seus
livros de História. Cara... história é a gente que faz... nas quadras, não nos
quartos... é a sua oportunidade de mudar tudo... acabar com essa violência. E o
que eu ouço de você? Que vai se omitir. Não quer se envolver. Acha que não tem
nada a ver com isso. Acorda, Érico!
Érico: Betão, menos, tá? Você vem me falando que eu posso
ser o médico doutor salvador dessa situação... mas, na verdade... a única coisa
que você espera de mim e precisa de mim é que eu faça o trabalho sujo... que
nem o Seu Abelardo da limpeza... nossa amizade, tão longa e tão sólida, mas no
fundo a única coisa que você vem me pedir é pra limpar a merda toda... de uma cagada
que VOCÊ fez!
Roberto: Mano... eu não esperava isso de você. A gente é
brother, mais de 10 anos de amizade. Já bebemos juntos, vomitamos juntos,
choramos juntos... Eu esperava tudo de você, menos isso. Você me decepcionou. Ó
só: tô indo pra quadra AGORA. Se você não for comigo, não precisa me procurar
nunca mais. Acabou.
Érico: Calma aí, Betão... vamos conversar...
Roberto: Não me procure nunca mais!