sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

O dia em que fui campeão de supino


Essa história é velha, verídica e, até então, restrita a alguns amigos. Mas agora eu faço questão de compartilhar.
Primeiro, vamos contextualizar. Meados dos anos 80. Eu estava entrando na faculdade. Naquela época não tinha nada disso que a gente vê hoje: diagnóstico de taxa de bioimpedância, exames ergométricos, personal fitness, Pilates, Apple Watch. Tudo era mais orgânico, mais raiz, mais na raça mesmo. Os aparelhos de ginástica eram raros. A maioria dos exercícios era feita com aqueles pesos de chumbo cujo formato lembra os balões amarrados de festa infantil. Ou um osso de frango, o que sua imaginação permitir.
Ah, só um parêntesis. Pra quem ainda não sabe, nunca pisou numa academia, supino é uma modalidade em que o atleta fica deitado numa mesa estreita e precisa erguer uma barra com pesos colocados nas laterais. Não tem nada a ver com aquela barrinha comestível de doce de banana. Aliás, nem sei por que tal guloseima leva esse nome.
Voltando à contextualização. O clube em questão é a Hebraica. Comecei a fazer musculação (na época chamavam isso de modelagem) quando tinha mais ou menos 15 ou 16 anos. Fiz só alguns meses. Parei. Voltei. E parei de novo. Que nem gente adulta de hoje. Paga a anuidade na Companhia Atlética e só frequenta o primeiro trimestre. Eu não tinha muita paciência com esse esporte solitário. Não aguentava ficar me olhando no espelho por mais de 1 hora tentando levantar um cachorrinho da Cofap em cada braço. Mal consigo me olhar no espelho por 30 segundos, quando escovo os dentes. Era muito narcisismo pra mim. E outra: ao ver os demais frequentadores exibindo seus músculos avantajados, ficava imaginando que demoraria umas 3 décadas pra ficar igual a eles. Dizem que com o tempo seu corpo se acostuma e infla mais rápido, que nem fermento. Mas eu não quis esperar. Preferia passar essas horas dentro do cinema. Ou no Mc Donald’s.
Quem dava aula pra gente era o Roberto. Ele era muito bom. Só que não tinha lá muito saco pra compartilhar seus conhecimentos. Com sua protuberante barriga que escapava da minúscula camiseta regata, preferia ficar na sua salinha lendo jornal. Seu nível de humor, entretanto, era inversamente proporcional ao seu proeminente abdômen. Perto dele, os propedeutas de Harry Potter eram uns anjos. Com aluno novato como eu então, nem se fala. Errar uma série o deixava mais emputecido do que dono de Mercedes quando bate o carro. Só que com o pessoal que treina ele era mais dedicado. Treino de verdade. Aquele povo que passava metade do dia na academia, participando de campeonatos. Eram os halterofilistas do clube. Nossa, faz muito tempo que não ouço essa palavra... enfim, esses atletas se emporcalhavam de giz e faziam aquela cara de quem está defecando pra tentar levantar uma barra com discos de chumbo que parecem rodas de caminhão. Nós, mortais que não nascemos em Asgard, não temos muita noção do peso dessa engrenagem a não ser quando ela cai no chão. A cada término de exercício desses bárbaros, ouvia-se um estrondo. Parecia que estavam implodindo a Hebraica. Eu não sabia se estava em Pinheiros ou em Cabul. E o carrancudo Roberto é quem treinava esses discípulos como se estivessem indo pra guerra.
Aí anos depois eu tava em casa, sossegado, e um amigo meu me liga. Ele me fala do campeonato de supino que a Hebraica iria realizar entre seus sócios. Claro que declinei do convite, alegando estar destreinado. Pode parecer irônico ou patético. Afinal, 2 bimestres de academia não treinam ninguém. Além daquele papo todo do espírito esportivo, ele tentou me convencer de que, caso eu vencesse, iria ganhar uma medalha e um vale-sanduba e refri. Conseguiu.
Outro parêntesis. Naquela época eu era magro, magro, muito magro. Eu até comia bem. O problema era engordar. Uma vez ouvi alguém dizer que eu era o Rei Momo de Biafra. Tudo bem, naqueles tempos não existia bullying, era tudo frescura. E as categorias desse tipo de competição eram divididas por peso. Não por idade, nem por tempo de prática esportiva. Por peso. Como nos anos 80 não tinha isso de ergonomia o cacete a quatro, uma das táticas dos competidores pra perder peso rapidamente e mudar de categoria era mascar chiclete. No meu caso, a única forma de pular de categoria seria me botar no rodízio do Grupo Sérgio antes da prova.
Então lá estava eu, na tenra flor da idade, 18 anos, recém-aprovado na Escola Superior de Propaganda e Marketing, estudante das teorias da Comunicação, leitor assíduo de Camus e Kafka, diante de meus mais temerosos rivais: o Abrãozinho, de 11 anos; o Isaquinho, de 14 anos; e o Jacozinho, de 12 anos, assíduo discípulo das aulas de bar-mitzvah. Fazíamos parte da categoria que leva algum nome associativo à magreza dos candidatos: pena, mosca, pulga, bactéria, sei lá.
Na plateia, só havia 2 tipos de pessoa: as menininhas, que pagavam pau pros levantadores de Fiat Palio; e as tiazonas, aquelas gorduchinhas senhoras mães, tias e avós dos atletas mirins. Eu, portanto, não tinha nenhuma torcida organizada. Muito diferente dos áureos tempos em que ganhei um troféu de judô e conseguia levar uma galera pra me assistir, sem grandes esforços. Aqui, sentia-me como o Rocky Balboa antes da fama, um sujeito desconhecido e pouco amistoso entrando em algum clandestino campo inimigo. Como o melhor do torneio sempre fica para o final, obviamente a categoria peso hidrogênio é que começou o campeonato. Devo ter sido o segundo ou o terceiro a disputar o consagrado prêmio. Tanto faz. Ninguém estava prestando atenção mesmo. De longe, pra quem estava meio perdido com o que acontecia, eu era nada mais do que a visão de um sorvete de coco no palito tentando erguer o pandulho de algumas sacas de arroz.
Até que não fiz feio. Comparado aos atletas que enchiam de orgulho os sócios da Hebraica, eu era poeira cósmica. Mas, pelas leis da Física, consegui elevar praticamente outro Érico. Em termos absolutos, coloquei no alto muito mais quilogramas do que os demais infantes arqui-inimigos judaicos. E, ao final da competição, veio a recompensa: medalha de bronze.
Eu tinha duas coisas a fazer. Ficar quieto, deixar por isso mesmo, e fazer a alegria dos jovens promissores e toda a sua horda presente. Afinal, o que conta é o espírito esportivo. Eu não poderia ali estragar o momento, o início de uma carreira em ascensão. Ou então, lutar pelos meus direitos, denunciar a fraude, fazer valer a ética e a justiça desportiva, sem levar muito em conta a possível decepção da torcida alheia.
Quer saber? Se hoje eu tô cagando e andando pra boa parte da colônia semita, imagina há mais de 3 décadas atrás, no auge da minha rebeldia pré-adulta. Eu era um contestador, e tive de levar isso às últimas consequências, principalmente nas horas em que isso poderia afetar a folgada classe dominante. Pensei em fazer aquilo que é certo e justo, ainda mais quando o que estava em jogo era uma das coisas mais significativas pra mim: a medalha de ouro, um sanduba e um refri. Chamei um dos membros da comissão técnica: “Senhor membro da comissão técnica... errr... acho que houve um equívoco...”.
Agora imagina o miniestádio da Hebraica, quase inteiro, olhando fixamente pra você, com aquela cara de ódio. Imagina o mimado do Jacozinho aos prantos. Quer saber? Foda-se.
- Moço, me vê um cheeseburger e uma Coca, por favor.


quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Réveillon 2019


RÉVEILLON COM HADDAD
Festa fechada em seu apartamento, somente para os familiares e amigos mais próximos.
Clima intimista, luz baixa e incenso.
O ex-prefeito usa uma camisa branca e recebe os convidados na porta.
Festa americana: cada um traz seu prato de aperitivos.
Vai até a janela e acena para os bikers que gritam seu nome na rua.
Cumprimenta, uma por uma, as amigas de sua esposa que vão chegando. Maior concentração de mulheres por m2 do bairro.
Comunica a todos que está se tornando vegano.
Ouve de uma das amigas de sua esposa um discurso sobre os efeitos terapêuticos da quinoa. Faz um esforço danado pra não dormir durante a conversa.
Lamenta a ausência da Marilena Chauí.
Liga o toca-discos e coloca o primeiro álbum do grupo Tarancón. Em vinil.
Vai até a cozinha pra pegar mais gelo e sente um cheiro forte de baseado. Dá um pega só pra não ficar chato. Somente um trago.
Quando se aproxima a meia-noite, reúne todos à mesa central da sala. Entram os garçons contratados, que servem pratos encomendados do Saj.
Cita versos de um poema hindu que fala sobre prosperidade.
Explica resumidamente o mjadra, prato típico árabe à base de lentilhas.
Durante a contagem regressiva, abre uma garrafa de champagne Taittinger Brut Reserve branco que trouxe de Paris.
Pede para a brigada servir um sorbet de limão siciliano e um licor de sobremesa.
Vai até a vitrola e coloca Araçá Azul, de Caetano.
Despede-se dos primeiros convidados que começam a se retirar.
Vai até a área de serviço e pega um balde com pano para limpar o vômito na sala de alguém que excedeu nas bebidas.
Chama um Uber para a amiga fã de quinoa.

RÉVEILLON COM BOLSONARO
Churrasco na área coletiva de um condomínio fechado.
Festança para mais de 100 convidados: parentes, amigos, parentes dos parentes, apoiadores políticos e todo o pelotão do 23º Batalhão Militar de Petrópolis.
Entrada pelo condomínio mediante identificação e revista dos pertences.
O futuro presidente recebe os convidados vestindo uma bermuda preta e a camisa alviverde do Ademir da Guia, de 1974.
Bate continência para o segurança do condomínio.
De brincadeira, faz o gesto de uma facada nas costas do churrasqueiro, numa alusão ao ataque que sofreu durante a campanha.
Tira selfies com alguns convidados, à frente da churrasqueira e da cabeça de boi pendurada na parede que orna o local.
À medida que as carnes vão sendo servidas, faz tudo quanto é piadinha possível de duplo sentido em relação à gastronomia da ocasião: linguiça, picanha, maminha, e por aí vai. “Vou enfiar meu espeto no seu lombo!” é sua frase mais singela que dirige a um correligionário presente.
Ri de suas próprias piadas.
Bota pra tocar o CD do Negritude Júnior em um aparelho portátil.
Diz se sentir injustiçado em relação ao fato de ter sido acusado de racista durante sua campanha. “Eu até ouço música de preto!”.
O CD começa a pular. Fica com raiva e bota a culpa no filho pelo estrago.
Troca por um CD do Agnaldo Rayol.
Dá um tapão na bunda de uma amiga de sua esposa que serve alguns convidados.
Faz cara feia quando um dos garçons lhe serve salada e maionese. Ao recusar, diz: “Maionese é coisa de baitola, tá OK?”.
Joga a gordura da picanha para a tropa de pitbulls espalhada pelo terreno. Faz sinal de joinha.
Minutos antes da contagem regressiva, reúne os convidados à mesa e chama um padre contratado para celebrar a ocasião com algumas orações.
Coloca a mão no peito, olha pra cima e chora quando o padre recita o versículo 35 dos Salmos em sua prece.
Ordena aos garçons servir as dúzias de garrafas do espumante La Chamiza Mendoza Brut, compradas no Carrefour.
Faz o gesto air gun de metralhadora a cada rolha de plástico que estoura.
Faz um vídeo pelo WhatsApp e manda uma mensagem de feliz ano novo pelo Twitter.
Acompanha até o carro os primeiros convidados que começam a se retirar. Pisa num cocô de cachorro e bota a culpa no outro filho por ser tão relapso com os animais.
Volta para a festa e, num gesto peculiar de delicadeza, pede pra sua esposa Michelle: “Amoreco, traz logo a sobremesa que o pessoal já tá querendo ir embora, pô!”.
Encerra o momento único com uma célebre frase: “É pavê ou é pacumê?”.


terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Bubblekill


A gente sabe que o país está em crise quando vê várias lojas fecharem. Nem estou falando das paleterias, coqueluche de 3 anos atrás que tinham sua morte certa e decretada. Ou das livrarias, que não acompanharam as tendências de consumo. Bares, boates, baladas, restaurantes, têm seus ciclos: fecham e abrem a toda hora. Tem também os lugares micados, cujos estabelecimentos duram menos do que uma estação do ano. Mas acho preocupante quando você vê um local abandonado, com a placa “aluga-se”, de um tipo de negócio no auge do seu modismo. Hamburgueria gourmet, por exemplo. Se fechou, é porque a carne é ruim. Ou os sócios não souberam trabalhar, não tinham o dom pro comércio. Ou abriram o negócio certo, só que no lugar errado. Ou aquilo lá era fachada de doleiro ou contrabandista.

Dias atrás, vi uma placa “vende-se” na porta da Bubblekill ao lado do metrô Ana Rosa. Uma rede coreana de drinks exóticos, estilo do it yourself. Você escolhe um tipo de água ou chá, depois escolhe o sabor que acompanha a bebida e, por último, o sabor de umas bolinhas que finalizam o acepipe. Como você percebeu, um longo processo até o preparo final. Se perder no meio do caminho é tiro e queda. É tipo um Subway líquido. E essas bolinhas coloridas é que dão o toque, que são o diferencial. Para se ter uma ideia, na unidade da 24 de Maio, dentro da Galeria do Rock, a loja estava bombando nos primeiros meses de sua inauguração. Isso deve fazer pouco mais de 1 ano. Havia uma fila enorme competindo com os espaços das lojas de tênis e dos camelôs. De longe, não dava pra saber direito o motivo de tanto movimento. A casa parece uma balada techno, uma rave urbana, com suas luzes em tons de azul, verde-limão e aquele púrpuro típico de luz-negra. Deve ter algum tipo de cocaína ou alucinógeno dentro dessas bolinhas, só pode. Ninguém sai de casa e enfrente fila pra tomar soda com sagu.

Muito estranho, portanto, a loja da Ana Rosa falir. Primeiro, porque essa modinha é recente. Não deu tempo de ficar obsoleta. Segundo, porque leva a marca coreana. Samsung e Hyundai são coreanos. Não tem como dar errado. E terceiro, muito difícil um lugar que vende ecstasy disfarçado de vitamina sucumbir aos tempos.


segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

A oitava


- Pois não, senhor. Em que posso ajudar?
- Bom dia. Eu queria uma oitava.
- Oi??
- ... Tava. Eu vim retirar uma oitava que está faltando.
- Desculpe, não tô entendendo...
- Eu comprei este CD de ópera aqui na loja faz 2 semanas. “La Solitudinem”, regida pelo maestro Klaus Von Rochmann, durante um concerto beneficente que a Orquestra Filarmônica de Estocolmo fez em Paris. Repare que no Opus 6, segundo ato, movimento allegro, tá faltando uma oitava do violoncelo, assim que ele faz a introdução para a entrada das outras cordas. Um pouco antes do coro.
- Um momentinho só, eu vou verificar com meu gerente. Me empresta o CD, por favor.
(Minutos depois).
- É, realmente tá faltando mesmo. O senhor tem razão.
- Sim, eu sei... e como vamos resolver? Que tipo de oitava tem aí na loja?
- Olha, senhor... na verdade a oitava tá em falta. Tem muita procura. Na semana passada vieram os meninos da Orquestra de Heliópolis, precisavam fazer um ensaio, e levaram tudo o que a gente tinha no estoque. Eu tenho aqui algumas unidades da oitava de flauta, pode ser?
- Não vai adiantar muito, né? Na verdade eu queria mesmo é a oitava do cello.
- Me passa seu telefone, eu entro em contato assim que chegar.
- Então, moço... é que eu queria levar pra casa hoje mesmo. Vocês sempre ficam de entrar em contato e nunca ligam. Eu moro longe, não queria perder a viagem.
- Aí fica meio difícil.
- Bom, já que não tem, me vê aí o que você tiver. Pode ser um bemol, sustenido, uma clave, um Lá maior...
- É que tem um custo adicional... vou ver com meu gerente se ele autoriza. Momentinho.
(Minutos depois).
- Então... o problema é o seguinte: a gente recebeu uma quantidade limitada desses itens. São artigos importados e vieram numerados. Não tem como a gente repor.
- Bom, se vira... na falta de algum item, eu tenho direito a levar outro item semelhante que estiver disponível na loja, sem ter que arcar com a diferença. Tá no Código do Consumidor.
- Se o senhor quiser, nós temos algumas colcheias, fusas, semifusas... o senhor pode levar sem precisar pagar.
- Mas isso custa uma ninharia. Pelo preço de uma oitava eu compro uma dúzia dessas. Eu sairia perdendo.
- O senhor pode levar duas.
- Eu quero minha oitava! Agora! Senão eu vou ligar pro Procon!
(Gerente percebe a confusão e vem correndo. Intervém na conversa. Estende a mão ao cliente).
- Olá, boa tarde. Meu nome é Ricardo, tudo bem? Então, eu analisei seu caso, o senhor tem toda razão. Infelizmente ocorreu uma lacuna nessa gravação, que é original. Uma gravação única, de ótima qualidade, que realça bem os graves. Sem chiados. Eu tenho esse CD em casa, ouço direto. Muito estranho acontecer isso com o senhor... Mas infelizmente no momento não temos nenhuma oitava disponível, então eu peço a sua compreensão que eu entrarei em contato diretamente com o maestro para ele gravar essa oitava que está faltando. Pode ser?
- Vocês já foram melhores. Hoje em dia o cliente não tem direito a mais nada. Fazer o que, né? Um absurdo isso. Só me diz uma coisa: gravação de estúdio ou em auditório?


quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

TinderChef


Se existisse o TinderChef, meu perfil seria:
- Filé bem passado
- Ovo de gema dura
- Tudo bem passas no arroz
- Batata palha é pra misturar com o strogonoff
- Feijão sempre por cima do arroz
- Arroz-feijão com macarrão, nunca
- Ketchup na pizza, jamais
- Hot dog, só o básico: mostarda e, de vez em quando, ketchup ou purê. Nada de maionese, catupíry, milho, batata palha, queijo ralado (?) ou qualquer outra tranqueira
- Queijo ralado, só se for parmesão vendido em pedaço. Esses pacotinhos de queijo curado que parece farofa, nem pensar
- Dispenso palmito
- Odeio maracujá
- Maionese em hamburger, de preferência de fabricação própria e servida à parte. Em todo caso, um item totalmente dispensável, que encobre o sabor dos ingredientes e faz o pão parecer um tobogã
- Mortadela, sempre fatias finíssimas. Fatia grossa é motivo de denúncia
- Sim, fritas podem ser chuchadas na casquinha do Mc Donald’s e fazem uma boa combinação
- Gosto de frutas cristalizadas e acho chocotone bem insípido
- Camarões miúdos melhores que graúdos
- Manga na salada, melhor não
- Bolo de frutas vermelhas muuuito melhor que torta de morango
- Não me venha com salgadinho feito de massa podre, tipo empada
- Osso de frango é pra se jogar fora e não pra se chupar
- Gordura da picanha, corta
- Tanto faz chamar de biscoito ou de bolacha: só cai bem na larica


segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Resistência


Ser resistência é boicotar uma rede de supermercados não por acreditar que ela seja favorável à morte de animais, mas por tomar uma atitude que afete o bolso dos proprietários no sentido de se exigir medidas mais enérgicas e efetivas no combate a esse tipo de delito.
Ser resistência é protestar, ao vivo e nas redes sociais, contra tal abuso criminoso, a tal ponto de deixar o agressor, supostamente contratado para zelar por nossa segurança, com o “cu na mão” ao ver a repercussão do caso, até então tratado como uma normalidade corriqueira longe dos holofotes.
Ser resistência é ligar para a prefeitura denunciando o mau serviço da linha de ônibus que você pega todo dia, enquanto os outros passageiros dizem que isso não vai dar em nada.
Ser resistência é exigir o troco correto na padaria, mesmo tendo de ouvir da pessoa atrás da fila que 10 centavos não vão te deixar mais rico. E, por uma questão de coerência, ser resistência é também devolver o troco que lhe foi dado a mais.
Ser resistência é fazer um escarcéu no banco, de forma totalmente gratuita, chamando a atenção dos demais clientes em relação à demora, à burocracia e ao pornográfico valor das taxas cobradas, enquanto a tal instituição financeira gasta milhões na mídia pra te convencer que o banco foi feito pra você.
Ser resistência é andar de bicicleta pra manter uma vida mais saudável e não alimentar a máfia dos estacionamentos e dos flanelinhas.
Ser resistência é gastar mais com cultura e menos com pipoca. É optar pela arte alternativa num mercado que deu carta branca pras distribuidoras exibirem seus blockbusters em quantas salas quiserem.
Ser resistência é optar por ver filmes e peças teatrais remontados dos textos dos anos 70, que caíram no ostracismo durante a abertura política e voltaram a ser atualíssimos em plena adolescência do Século 21.
Ser resistência é quebrar o barraco nos supermercados que não matam cachorro, mas cobram valores por suas mercadorias diferentes dos anunciados nas gôndolas e nos encartes.
Ser resistência é brigar, lutar, esbravejar. Não necessariamente com uma arma.
Ser resistência é mostrar ao mundo que você nasceu pra incomodar.
Ser resistência é fazer piada política em vez de humor-bullying. É ser provocativo e estimular a reflexão entre uma gargalhada e outra.
Ser resistência é cutucar feridas em vez de cutucar no Facebook.
Ser resistência é não ter medo do risco de perder amigos por causa dos valores que você apregoa e nos quais você acredita.
Ser resistência é tentar empurrar pra frente uma engrenagem que está se mexendo pra trás.
Ser resistência é muito mais do que ornar a foto do seu perfil com uma coroa de palavras bonitas. É tentar encontrar algum sentido nessa sociedade que não faz sentido algum.
Desculpe a sinceridade, mas 2019 não vai ser um ano nada brilhante. Por isso, resistir é mais do que necessário. Vou continuar fazendo aquilo que sempre soube fazer. Serei polêmico, serei controverso, serei amargo, serei retórico, serei eu mesmo. Não espere menos de mim.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Feliz 2019


- Robson?
- Patrícia?
- Bom dia.
- Prazer. Pode entrar.

(...)

- É raro ver motorista mulher nessa profissão. Geralmente eu pego homem... quer dizer, motorista homem.
- (Risos). Entendi. É que eu tô dando uma força pro meu marido, que tá desempregado.
- O que ele faz?
- Engenheiro. Tava trabalhando numa metalúrgica, que faliu. Aí começou a mandar currículo. Só que a situação tá difícil, sabe? Faz mais de 2 anos que ele tá desempregado. Aí teve de prestar concurso.
- Passou?
- Passou. Terceiro lugar.
- Parabéns! E quando ele começa?
- Na verdade, já era pra ele ter começado. Só que cancelaram o concurso por suspeita de fraude. Tão investigando. Parece que as vagas foram compradas, que um pessoal aí tava passando as respostas pra filho de juiz, sei lá... então, por enquanto, ele vai ter que esperar... fiscal ambiental.
- Ah, que bom. Trabalhar ao ar livre, junto com a natureza, isso sim é vida.
- Mais ou menos, Robson. Iam chamar ele pra trabalhar em Mucuriaé. Conhece? Interior do Mato Grosso.
- Cidade calminha, todo mundo conhece todo mundo...
- Até demais. A cidade é tão pequena que quase lincharam o prefeito. Se envolveu numas obras superfaturadas, passou os bens pro nome da mulher, mas não teve jeito. A Federal foi atrás dele e ele agora tá preso. Crime de corrupção, lavagem de dinheiro e envolvimento com quadrilhas. Os amigos dele que também fazem a milícia do local. Lá tem muito posseiro, morre gente direto. Eles não querem nem saber, já vão atirando. Meu marido ia fiscalizar o corte ilegal de madeira. Esses caminhões que transportam árvore da mata virgem, sabe? Só que não é fácil. Lá é tudo terra de coronel. Semana passada morreram uns trabalhadores ligados ao MST. Deu até no Fantástico.
- Bom... o importante é ir pra luta. Pelo menos você tá aqui na batalha.
- É... preciso garantir o leite das crianças. Minha filha acabou de nascer.
- Parabéns! Como ela se chama?
- Maria Eulália.
- Sua filha se chama Maria Eulália?
- Não... o nome dela é Rita... desculpa, tava pensando em outra coisa... Maria Eulália é o nome do hospital onde ela tá internada. Acordou essa madrugada com dor de ouvido, a gente teve que levar ela correndo e daqui a pouco preciso pegar ela. Chegamos às 4 da manhã e nossa senha era 237, acredita? Absurdo esse país...
(...)
- Quer que segue pelo caminho do Waze ou o senhor tem alguma preferência de trajeto?
- Pode ir pelo Waze. Ele tá indicando pra ir reto e depois virar lá na frente, né?
-... Peraí, deixa eu conectar... momentinho... mais um pouquinho... moço, o senhor conhece o caminho? Deu um pau aqui no aplicativo e ele tá recalculando a rota. Tá mostrando uma rua aqui, mas é em Ferraz de Vasconcelos... acho que tá com problema...
- Sem problemas. Eu vou falando. Tá vendo aquele supermercado? Só ir naquela direção.
- O senhor vai pra alguma festa? Assim, todo arrumado... me desculpe falar, mas eu sou direta...
- Nada. Audiência. Batida de trânsito. Me chamaram pra ser testemunha.
- Testemunha? Mas quando é coisa de trânsito não precisa só levar o BO pra delegacia?
- Precisaria se não tivesse morte envolvida. Vou testemunhar contra o motorista. Passou a milhão o farol vermelho e pegou de jeito um motoboy. Morreu na hora, coitado. O motorista tava embriagado, carta vencida, uma porrada de ponto na carteira e ainda fugiu sem prestar socorro. Só pegaram o cara porque acabou a gasolina do carro na outra esquina. Aí me chamaram pra depor. Eu quase ia atravessar a rua quando ocorreu a colisão. Por pouco o desgraçado não me pega. Isso porque eu tava atrasado. Se eu tivesse atravessado a rua um pouco antes, nada disso teria acontecido comigo. Mas, quem mandou? Fiquei lá no banco mais de meia hora esperando a filha da puta da gerente me liberar o empréstimo.
- Empréstimo?
- É. Empréstimo pra pagar um outro empréstimo. Preciso acertar as contas com o atual marido da minha ex-mulher. Aquele corno manso desgraçado. Pedi uma grana emprestada pra abrir um negócio... um café, sabe? Só que as coisas começaram a dar errado, meu ex-sócio me roubou tudo e fugiu do país, me deixou pra trás. Agora eu tenho que assumir as dívidas pro meu nome não ficar sujo no SPC. Fui pedir um valor pro cara, na confiança... só que o pela-saco é um agiota. É claro que eu vou pagar, só que o mão-de-vaca quer tudo até semana que vem, aquele muquirana que não vale a água que bebe... pode ligar o ar, por favor? Tá abafado...
- Ih, moço. Infelizmente tá quebrado. Levei pra arrumar, paguei mil reais, acredita? O mecânico falou que é uma pecinha que fica perto da suspensão, que compromete o funcionamento do ar quando o carro balança. Peça difícil de arrumar. Mas ele falou que tá na garantia.
- E você levou o carro de volta?
- Levei. Mas ninguém atendeu. O portão tava fechado. Toquei na vizinha e ela falou que ele com a família se mudaram pro interior. Iam fechar a oficina. Então, vai desse jeito mesmo (risos). Mas se quiser pode pegar uma balinha.
- Hummm... não tô vendo balinha nenhuma aqui...
- Ah, esqueci. Desculpa, moço. É que eu dei todas prum garoto no semáforo.
- Aí sim. Gesto de caridade. O importante é ajudar quem precisa.
- Ajudar nada. Quero mais é que eles morram. O moleque tava noiado, veio pra cima de mim com um caco de vidro. Meu vidro tava aberto, eu vacilei. É que sem ar, ninguém aguenta esse calorão. Falou pra eu entregar a bolsa, o celular. Eu é que fui esperta. Dei esse saquinho de bala só pra distrair, aí o farol abriu e eu saí arrancando. Passei o maior susto. Bando de craqueiro do caralho...
- Ontem eu tava voltando da balada e vi um carro na minha frente sendo assaltado. O motoqueiro apontou o trezoitão pro motorista. Coisa de segundos. Nessas horas a gente tem que dar graças a Deus que não aconteceu com a gente. A qualquer hora podemos ser os próximos. Questão de sorte ou azar.
- É, não tá fácil pra ninguém. Ainda bem que minha sogra tá dando uma força.
- Ah, é? O que ela faz?
- Tá ajudando a fazer salgadinho pra gente vender.
- Que ótimo! Pelo menos ninguém morre de fome (risos). São gostosos?
- Uma delícia. Pena que ela teve que interromper a produção. Precisa regularizar a situação. Aquele negócio lá, como chama? MEU, MEI... sei lá. Coisa da prefeitura. No começo ela fazia os salgadinhos de boa, sem precisar de nada disso. Mas aí teve uma vizinha que reclamou, chamou a Vigilância Sanitária. Parece que a velha passou mal. Até foi parar no hospital, coitada. Coxinha estragada. Também, falei pra ela: qualidade é importante, Dona Mirtes. Só ingrediente novo. Nada de comida vencida. Mas não. Ela é teimosa, foi lá no supermercado do bairro, aproveitou uma promoção de frango que eles tavam fazendo. Só que a carne tava fora do prazo de validade. Isso é um perigo.
- Nossa, perigoso mesmo.
- Eu tava contando com esse dinheiro pra pagar a escola da Fabiana.
- Da Rita, você quis dizer...
- Não, da Fabiana. A mais velha. Nossa, já tá uma moça, você precisa ver. Minha filha do meu outro casamento. Fiz besteira, casei cedo, engravidei. Gregório, aquele traste. Chegava bêbado em casa, batia na gente, mas eu não deixei barato não. Peguei ele com outra, aí não teve jeito. Peguei minhas coisas, mais a Fabi, e fomos pra casa da minha mãe.
- Pelo menos lá é mais sossegado...
- Até que era. Até eu descobrir que o amante da minha mãe, aquele encosto, filho do demo, entrava de noite no quarto da minha filha querendo fazer graça. Deus me livre, não quero nem pensar numa coisa dessas. Minha mãe conheceu ele na igreja. Ele é pastor. Como são as coisas, né? Durante o dia ele prega a palavra de Deus e de noite quando chega em casa vem fazer pecado com a família dos outros. Isso já vai fazer 2 anos. Minha filha teve que fazer um aborto e nem sabe quem é o pai da criança. Ela tava saindo com 2 caras do colégio... Deus me livre e me guarde, tomara que o pai não seja essa coisa que mora com minha mãe... foi um trauma pra minha filha... deu dezenove reais.
- O aborto?
- Não, moço... ah, desculpe. A corrida. Já chegamos.
- Passa no crédito, por favor.
- O senhor se importaria em pagar em dinheiro? Me desculpe, mas a maquininha tá fora do sistema, porque nosso cadastro foi temporariamente bloqueado, porque eles estão atualizando a ficha dos motoristas, e aí precisam de um tempo pra normalizar a situ...
- OK, sem problemas. Tá aqui.
- Ih, acho que não vou ter trocado...
- Tudo bem, pode ficar.
- Muitíssimo obrigada, moço. É Robson, né? Muito obrigada e um ótimo ano pro senhor.
- Feliz ano novo pra você também.