Helvécio começou sua busca pelo autoconhecimento. Para isso,
decidiu mudar radicalmente sua vida. Virou vegano. Aboliu a carne vermelha, a
carne branca, a carne de siri. Aboliu os prazeres da carne também. Agora, só
sexo tântrico. Aquele amor físico em que se fica mais de 3 horas numa mesma
posição, sem o contato direto entre corpos opostos. Ao final do rito, difícil
saber se vem a vontade de gozar ou de dormir. A sensação orgástica máxima é a
massagem pélvica. Com um incenso fumegante no ambiente, ao som das cítaras de Ravi
Shankar.
Na questão culinária, Helvécio aboliu também o mel, o ovo,
as saúvas e qualquer outra espécie animal ou substância produzida por elas.
Nada de causar sofrimento a um ser, por mais protozoário que seja. Passou a
adotar também a penitência como estilo de vida. Dormir no chão. Fazer voto de
silêncio. Dar chibatadas nas próprias costas. Em compensação, aderiu a práticas
mais saudáveis. Tai-chi chuan. Yoga ayurvedica. RPG. Meditação com atenção
focada.
O maior sonho de Helvécio agora é conhecer o cume do planeta
e os ancestrais templos religiosos da região. Trocou a Disney pelo Tibete. Programou-se
pra isso. Já estudou o roteiro, comprou a passagem com 4 anos de antecedência
(antes disso, tá tudo esgotado), reservou um quarto rústico numa pousada perto
de uma colônia de discípulos religiosos. Fez curso de filosofia oriental. Inscreveu-se
nas aulas sobre técnicas de respiração para encarar a altitude do país. Raspou
a cabeça. Passou a vestir batas e túnicas. Até entrou num grupo de WhatsApp
para discutir sobre as especificidades desse pedaço de mundo.
Tudo isso porque Helvécio precisa se encontrar com o
monge-mor para saber o verdadeiro sentido da vida. Ele quer respostas para esse
mundo tão complicado. Um exercício metafísico de reflexão.
Eis que Helvécio vai ao Tibete. Escala montanhas, caminhando
a pé uma distância equivalente ao trecho entre São Paulo e Santos. Marca a
entrevista com espera de mais de mês. Até que o tão aguardado dia chega. À
frente do rio Yun-Xiao, aparece o abade Ho-Pin Tse, do templo Wahshjrhuta. Com
os olhos semicerrados e as mãos juntas e esticadas apontando para o céu, Helvécio
pergunta ao monge qual o verdadeiro sentido da vida. E o sábio responde de
maneira definitiva:
- As cervejas podem até ter um gosto diferente entre si. Mas
as latinhas de todas elas fazem o mesmo som efervescente.