Meu #tbt de hoje não é nenhuma foto de rosto com espinhas ou
cabelo mullet. Até porque eu nunca tive cabelo mullet. É um textão de uma
situação ocorrida há mais ou menos 7 anos. Contextualizando: eu havia acabado
de terminar um namoro de 9 anos e achava que tinha perdido a prática da
paquera. Sim, paquera. Sete anos atrás, não tinha nada disso de match e crush
era apenas a lembrança de um refrigerante de laranja. Combinei de sair com um
amigo meu, que, na verdade, eu o conheci porque ele fez um curso junto com
minha ex (olha só, que doideira...). Na época ele era muito solícito comigo,
pois eu estava passando por uma série de problemas pessoais e ele ali, sempre
muito atencioso e prestativo. Ele era daqueles caras antenados, descolados, que
conhecem balada hipster, têm uma lista interminável de amigos (e amigas), ficam
por dentro de todos os “picos”.
Pois bem. Marcamos de sair num sábado. O objetivo era, sem
meias-palavras, “arrumar mulher”. Ao invés de sairmos perambulando pela noite
(o que também seria uma boa ideia), preferi me precaver e consultar alguns
roteiros mais, digamos, certeiros. Abri a Vejinha, na seção de bares e baladas
(ainda existe essa coluna? Aliás, ainda existe a Vejinha?), fui direto ao
título “paquera” e lá encontrei como opção o Igrejinha. Um bar perto da
Consolação, que mistura os estilos gótico com o multicolorido, o moderno com o
retrô, que une a religiosidade e o paganismo num mesmo espaço. A ideia era
fazer ali um esquenta e, quem sabe, futuramente, o que der e vier. Entramos,
sentamo-nos perto da porta, pedimos o cardápio. Meu amigo, querendo esbanjar conhecimentos
etílicos, pediu aquela bebida com os índices mais apropriados de teor alcoólico,
que melhor harmoniza com o clima noturno, que traz a fruta com o mais indicado
nível de maturação. Eu escolhi o drink pelo nome mesmo. Quanto mais palavras
estranhas na descrição, mais a minha cara. Vieram as bebidas. Desnecessário
dizer que a minha estava muuuito melhor do que a do meu amigo. Ele deu umas
bebericadas no copo dele e, num esquema de puro escambo, acabou com o meu acepipe
em questão de minutos.
Como chegamos um pouquinho cedo em relação à média das
pessoas que saem à noite, notamos que o bar foi cada vez enchendo mais... de
homens. Até aí, tudo bem. Mulheres demoram pra se arrumar e adentram mais tarde
aos recintos, sentindo-se as princesas da escuridão. Homens é que se precipitam
precocemente, enchem a cara enquanto esperam seus alvos e, no momento da
abordagem, já estão bêbados e só falam bobagem. Na verdade, homem nem precisa
de álcool pra falar bobagem. Mas, enfim... Igrejinha lotada, e nada de mulher.
Desconfiei que o foco do tal templo submerso nos bas-fonds era outro. Nada
contra, veja bem. Pelo contrário. Em hipótese alguma quero aqui fazer qualquer
tipo de apologia à homofobia. É que, no caso específico, nossos objetivos eram
outros. E a diminuta abadia naquela noite não iria satisfazer nossas
necessidades. Pedimos a conta, fomos embora.
Meu fiel companheiro então começa a fazer umas ligações e
marca um esquema num bar no bom e velho Baixo Augusta. Era um bar de rock, com
open bar, em que havia um tipo de rodízio de bandas cover se revezando no palco.
Bandas cover. Open bar. Prestou atenção? Não tinha como eu me dar bem num lugar
em que eram servidas cerveja quente com tubaína genérica. Mas, pra quem começou
a pândega numa capela com cultos à pederastia, tudo o que viesse a seguir era
lucro. Entramos na metaleira pocilga.
Fomos recebidos pela amiga do meu amigo. Pessoa do bem,
muito simpática, acolhedora. Ela nos apresentou um amigo, um magrela muito
gente boa também. Em seguida, chegou outra amiga, uma moça cujas medidas
perimétricas estavam um pouquiiinho acima dos padrões estéticos da nossa
sociedade. Usava uma camiseta surrada do Slayer. Gente, na boa. Slayer é uma
puta banda, talvez uma das melhores do mundo. Mas balada com camiseta da banda,
dos tempos em que eles lançaram Show no Mercy, não dá. Mas era o que tinha pra
hoje. Quer dizer, pra ontem. Pra sete anos atrás. Meu parça, a amiga anfitriã
gente boa, o magrela também gente boa, e aquele barril de chopp venerando
Satanás. Parecia um grupo muito bacanas, mas que em nada iria saciar meu lado
machista-cafajeste de “pegar mulher”. Eis que de repente, não mais do que de
repente, emerge das profundezas do oceano a encantadora beldade da festa. Tipo
vinheta antiga do Fantástico, sabe? Apareceu do nada e conseguiu me hipnotizar.
Não lembro ao certo, mas acho que a outra ponta do meu sorriso foi parar lá na
Caio Prado. Aí sim, eu finalmente tinha ganho a noite. Bastava eu me concentrar
nos meus propósitos: falar um pouquinho quase nada de mim, mostrar que conhecia
todas as versões originais das músicas que estavam sendo tocadas e enfrentar o
suadouro da fila do SUS pra pegar uma cerveja pra ela. Estava tudo certo e eu
era a pessoa mais feliz do mundo.
Até que apareceu um homem. Gato, lindo de morrer. Calma, vou
explicar. Eu não fiquei a fim dele. E ele não ficou a fim da minha musa
imaginária. É que parece que ele era o ex, ou teve um caso com a
rechomchudinha. E entrou acompanhado. Tire suas próprias conclusões. Visualize
a cena. A pequena obesa trocando ideia com a réplica do Eddie Vedder, que lhe
dá um bilhete azul sem mais delongas. Dali pra frente, só show de horror. A
colega, que até então parecia empolgada com o festival de música ruim, começa a
definhar como se fosse um balão de gás murchando. E senta-se ao chão. E começa
a chorar. Você, que um dia já foi jovem, que já frequentou baladas fortes, que
já viu de quase tudo nessa vida, sabe qual é o próximo passo de quem chora
porque levou um pé nas nádegas: beber. E dá-lhe aguardente.
A partir desse momento, houve uma sucessão de conversas,
diálogos, lencinhos, calmantes, ombros amigos. Como um bom samaritano, até meu
compadre notívago tentou consolar a rotunda garota. O problema mesmo foi o
climão gerado por esse vexatório espetáculo à parte, que exigiu até a moderação
do segurança. Minha Vênus calipígia começou a ficar cada vez mais inacessível.
Eu e meu amigo convidamos o restante sóbrio do grupo para ir a outro lugar.
Pela cara deles, topariam com certeza. Mas alegaram ter de fazer a escolta para
aquela ébria bolha de carne. “Eu tô bem”, ela disse, num tom meio alto, meio
mole e meio ranzinza. E você sabe, meu caro. Quando bêbado fala “eu tô bem”, é
sinal de que ele não está NADA bem.
Conformados com o fracasso, eu e meu amigo nos despedimos da
trupe e decidimos encerrar a noite numa hamburgueria próxima. Fizemos o pedido.
Fomos até a mesa. No meio da degustação, toca o celular dele. Era a amiga gente
boa. Falou que a bebaça começou a dançar ensandecidamente, até que caiu trôpega
e bateu a cabeça no chão. Estavam indo pro hospital. E meu amigo, solícito como
sempre, resolveu acompanhar o quarteto. Pra mim, aquela noite foi um amontoado
de absurdos. Coisa de dar inveja pro Buñuel e pro Dalí. Eu já não sabia mais o
que pensar. Até que meu amigo fala algo do tipo:
- Eu sei, foi vacilo... foi mal... a noite foi uma bosta... mas eu não sossego
enquanto não te fizer um favor... questão de honra... coisa pessoal, de
cavalheiro...
- Já sei. Vai me dar o resto da sua batatinha.
- Não, não. Tá vendo aquela moça ali? Aquela! Eu vou até a mesa dela pegar o
telefone dela.
- Boa sorte. Manda ver.
- Não! Eu vou pegar o número dela pra dar PRA VOCÊ!
- Queisso... desencana... precisa não... de boa. Vambora.
- Não. Eu vou lá, pego o telefone, passo pra você e vou pro hospital. Aí você
troca uma ideia com ela. Questão de honra.
Vamos recapitular. Drink exótico. Homens se agarrando. Amiga
gente boa. Camiseta velha do Slayer. Musa fantástica. Cerveja quente. Sósia do
Eddie Vedder. Choro e embriaguez. E mais choro. E mais embriaguez. Hambúrguer
com nome de banda. Ligação a caminho do hospital. Diante desse conjunto de
improbabilidades, assistir à cena de um casal que não se conhece apontando o
tempo todo pra mim não era nada.
Peguei o papelzinho gentilmente cedido pelo meu amigo, antes
de partir rumo ao pronto-socorro. Não havia números. Apenas o nome da
desconhecida e seu endereço do Facebook. Fui até sua mesa, tentei explicar o
inexplicável. Ela disse que já estava de saída. No dia seguinte, acessei a maior
rede social mundial. Encontrei o perfil da moça. Em seu último e mais recente
post, estava escrito o seguinte: “Migas, cês acreditam? Ontem um tiozinho pediu
pro amigo dele pegar meu telefone. Como pode, um cara de mais de 40 anos achar
que eu vou querer alguma coisa com ele? Nem teve coragem de vir direto,
precisou chamar o amigo. Claro que dei o número errado, né? Eu, hein? Tô fora”.