quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Ex X ex


Que a sociedade anda cada vez mais polarizada, todo mundo sabe. Petralhas X bolsominions. Flamengo X Fluminense. Biscoito X bolacha.
O que me estranha é que eu, mesmo com minhas críticas ferrenhas a essa categorização maniqueísta, percebi que andei polarizando um certo nicho dos meus vínculos sociais. Mais especificamente, minhas ex-namoradas.
Sei claramente que é muito difícil rotular e encaixotar em pastas de arquivos pessoas de comportamentos, visões de mundo e texturas de pele tão diferentes entre si. Conheci essas pessoas em momentos distintos da minha vida. Cada uma com seu modo idiossincrático e único de se expressar. Foram relacionamentos (namoros, casos, ficações, efêmeros ou longevos, não importa) com suas nuances, suas particularidades, seus 50 tons de cinza.
Mas, fazendo uma retrospectiva dessa diminuta lista de ex, a constatação da polaridade chega a me assustar. Existem aquelas com quem mantenho uma saudável relação de amizade até hoje. Claro, o namoro com nem todas elas acabou de maneira tão pacífica. Mas, depois que a poeira baixou, ou talvez por uma sensação póstuma de arrependimento ou de culpa, de ambas as partes, houve a reconciliação. Por outro lado, existe o grupo nem tão amistoso assim. Nesse arquivo encontram-se as ex que terminantemente me deletaram de suas vidas, como se a separação fosse litigiosa e a convivência posterior pudesse eventualmente ser maléfica. Por mais que eu não queira, acabo tendo que dividir meus antigos amores entre atuais amigas e inimigas. É como se, na hipótese de eu realizar uma festa, teria de dividir a lista entre aqueles que com certeza eu convidaria e as que definitivamente não convidaria.
A gente luta por uma sociedade mais plural, mais diversa, mais ampla e mais profunda. No entanto, a gente não consegue sair desse campo magnético polarizado nem mesmo nos nossos pequenos meios sociais. Doido isso, não?


terça-feira, 17 de setembro de 2019

Anedóticos Anônimos


- Boa noite. Meu nome é Érico...
(Saudação do grupo em coro uníssono) – Ooooi, Érico...
- Tenho 51 anos, sou solteiro... e faz 2 semanas que eu não conto uma piada.
Aplausos coletivos.
(Moderador do grupo) – Quer falar sobre isso? Conta pra gente sua história. No seu tempo.
- No começo eu não gostava de piada. Nem um pouco. Quando vinha aquele cara em festa... aquele tiozinho que você só encontra em casamento e enterro, sabe? Quando começava a contar piada de português, de papagaio, eu fingia que ia pegar uma bebida e caía fora. Pra contar piada eu era muito ruim também. Esquecia o final, começava a rir antes de terminar de contar, repetia o final, dava uma explicação básica do final... como se a pessoa não fosse capaz de entender...
Breve pausa para uma tossida. Prossigo.
- Até que um amigo meu me chamou pra assistir a um show de stand-up. Ele ganhou ingresso VIP e não tinha ninguém com quem ir. No começo é sempre assim, né? A pessoa te introduz no mundo do crime pra você pegar o gostinho pela coisa. Eu até tentei escapar, inventei uma desculpa esfarrapada, falei que não podia perder o último capítulo da novela... não colou. Fomos até o local, um lugar com fachada de bar, numa rua bem escura, sabe? Quando a gente desceu do carro e o segurança da casa revistou a gente, pensei: “Ih, fodeu”. Mas de boa. Entramos na tranquilidade. Eu sinceramente não fui lá pra rir não. Não tava a fim. Mas, cara... quando começou o show... eu quase me mijei nas calças. Foi muuuito bom. Ducaralho.
(Moderador) – É, de vez em quando a vida traz surpresas...
- E aí eu comecei a ter vontade de ir a outros shows. Só que dessa vez eu tive de pagar, né? Sempre assim. A primeira dose de humor vem de mão beijada. Depois, você tem que batalhar. Fui ao Comedians. Mó grana. Fui ao Renaissance, mais caro ainda. E como lá o show só começa à meia-noite, tive de voltar de Uber. Bota mais dinheiro nessa brincadeira. Fui num show aqui, outro ali, e não parei mais.
(Moderador) – É um paradoxo, certo? Primeiro você odiava piada, depois passou a amar o humor. Como você lidou com isso?
- Não sei explicar. Foi algo que me pegou sem eu estar preparado. Coisa de amigo que acaba te influenciando. E você não quer se ver fora da roda. No começo, distância total. Mas aquilo foi me viciando. E a grana foi acabando. Eu sempre quis fazer as coisas honestamente, pra manter a dignidade. Mas chegou uma hora que não dava mais. A vontade de ver os caras arrebentando no palco era incontrolável. A primeira vez que peguei uma grana emprestada... quer dizer, não foi exatamente um empréstimo... mas eu prometo devolver... eu vi a bolsa da minha mãe aberta e peguei umas notas. Usei a grana pra ir ao show do Danilo Gentili. Mas não parou aí. Vendi a bicicleta do meu irmão pra ir ao show do Thiago Ventura. E foi piorando. Até que um dia usei uma arma de brinquedo, quebrei o vidro do carro de uma senhora parada no farol, peguei a bolsa, o celular, a corrente pra comprar ingresso pro show do Whindersson Nunes. Eu estava no fundo do poço. E o pior...
Começo a chorar convulsivamente. Paro. Respiro fundo. Volto a falar.
- O pior de tudo é que eu nem gosto do Whindersson Nunes. Acho ele um mala, só faz piada de mau gosto, sem graça....
- ... Continuando... além de ouvir, eu comecei a gostar de contar piada. Fiz curso e tal. No começo era até saudável. Só que com o tempo eu peguei uma obsessão pela coisa. E ficou doentio o negócio. Só pensava em criar piada, 24 horas por dia. Um vício mesmo. Setup e punchline, setup e punchline, o tempo todo... teve um dia que meu chefe me demitiu porque eu fiz uma piada usando a regra de 3 com ele. Briga de bar, por exemplo. Levei uma porrada porque fiz um call back com um cliente.
Pausa. Soluços. Volto a dar meu relato.
- Eu até pegava leve. Piadoca de salão, sabe? É são-paulino gay, japonês com pinto pequeno, loira burra, judeu mão-de-vaca... Mas, conforme fui pegando gosto, parti para temas mais pesados. Comecei a fazer piada de preto, de cadeirante, de mulher grávida, de doente mental, de fanhoso, de gordo... até fiz uma piada com a Madre Teresa de Calcutá, acredita?
(Moderador) – E como sua família e seus amigos encararam isso?
- A maioria não gostou. Eu comecei a ficar chato, inconveniente. Estava alucinado, fazendo piada infame. Amigos do Facebook me bloquearam. A família começou a me evitar, só porque eu fazia piada com o Bolsonaro. Parentes distantes me silenciaram no Whats. Colegas de trabalho me botaram no modo soneca. Quando fui ver, estava sozinho, totalmente sozinho...
Volto a chorar. Paro.
- Eu estava tão transtornado que fazia piada com qualquer coisa pra saciar meu vício. Quando não vinha uma puta sacada, uma reversão cômica, ia na base do trocadilho mesmo. Pavê ou pacumê, setembro chove, Wim Wenders e aprendenders... o que viesse pela frente.
(Moderador) – E como você fez pra sair desse buraco negro?
- Força de vontade. Fiz uma viagem interior. Uma busca pelo autoconhecimento. E comecei a orar bastante. Quando vinha a tentação, eu logo pensava em alguma coisa trágica pro pensamento fugir. Acidente, desmatamento, incêndio, volta da CPMF, atual ministério... Hoje sou uma pessoa melhor. Ainda não estou curado. Mas sei que estou no caminho certo. Piada, nunca mais.


segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Da Igreja para o hospital


Meu #tbt de hoje não é nenhuma foto de rosto com espinhas ou cabelo mullet. Até porque eu nunca tive cabelo mullet. É um textão de uma situação ocorrida há mais ou menos 7 anos. Contextualizando: eu havia acabado de terminar um namoro de 9 anos e achava que tinha perdido a prática da paquera. Sim, paquera. Sete anos atrás, não tinha nada disso de match e crush era apenas a lembrança de um refrigerante de laranja. Combinei de sair com um amigo meu, que, na verdade, eu o conheci porque ele fez um curso junto com minha ex (olha só, que doideira...). Na época ele era muito solícito comigo, pois eu estava passando por uma série de problemas pessoais e ele ali, sempre muito atencioso e prestativo. Ele era daqueles caras antenados, descolados, que conhecem balada hipster, têm uma lista interminável de amigos (e amigas), ficam por dentro de todos os “picos”.

Pois bem. Marcamos de sair num sábado. O objetivo era, sem meias-palavras, “arrumar mulher”. Ao invés de sairmos perambulando pela noite (o que também seria uma boa ideia), preferi me precaver e consultar alguns roteiros mais, digamos, certeiros. Abri a Vejinha, na seção de bares e baladas (ainda existe essa coluna? Aliás, ainda existe a Vejinha?), fui direto ao título “paquera” e lá encontrei como opção o Igrejinha. Um bar perto da Consolação, que mistura os estilos gótico com o multicolorido, o moderno com o retrô, que une a religiosidade e o paganismo num mesmo espaço. A ideia era fazer ali um esquenta e, quem sabe, futuramente, o que der e vier. Entramos, sentamo-nos perto da porta, pedimos o cardápio. Meu amigo, querendo esbanjar conhecimentos etílicos, pediu aquela bebida com os índices mais apropriados de teor alcoólico, que melhor harmoniza com o clima noturno, que traz a fruta com o mais indicado nível de maturação. Eu escolhi o drink pelo nome mesmo. Quanto mais palavras estranhas na descrição, mais a minha cara. Vieram as bebidas. Desnecessário dizer que a minha estava muuuito melhor do que a do meu amigo. Ele deu umas bebericadas no copo dele e, num esquema de puro escambo, acabou com o meu acepipe em questão de minutos.

Como chegamos um pouquinho cedo em relação à média das pessoas que saem à noite, notamos que o bar foi cada vez enchendo mais... de homens. Até aí, tudo bem. Mulheres demoram pra se arrumar e adentram mais tarde aos recintos, sentindo-se as princesas da escuridão. Homens é que se precipitam precocemente, enchem a cara enquanto esperam seus alvos e, no momento da abordagem, já estão bêbados e só falam bobagem. Na verdade, homem nem precisa de álcool pra falar bobagem. Mas, enfim... Igrejinha lotada, e nada de mulher. Desconfiei que o foco do tal templo submerso nos bas-fonds era outro. Nada contra, veja bem. Pelo contrário. Em hipótese alguma quero aqui fazer qualquer tipo de apologia à homofobia. É que, no caso específico, nossos objetivos eram outros. E a diminuta abadia naquela noite não iria satisfazer nossas necessidades. Pedimos a conta, fomos embora.

Meu fiel companheiro então começa a fazer umas ligações e marca um esquema num bar no bom e velho Baixo Augusta. Era um bar de rock, com open bar, em que havia um tipo de rodízio de bandas cover se revezando no palco. Bandas cover. Open bar. Prestou atenção? Não tinha como eu me dar bem num lugar em que eram servidas cerveja quente com tubaína genérica. Mas, pra quem começou a pândega numa capela com cultos à pederastia, tudo o que viesse a seguir era lucro. Entramos na metaleira pocilga.

Fomos recebidos pela amiga do meu amigo. Pessoa do bem, muito simpática, acolhedora. Ela nos apresentou um amigo, um magrela muito gente boa também. Em seguida, chegou outra amiga, uma moça cujas medidas perimétricas estavam um pouquiiinho acima dos padrões estéticos da nossa sociedade. Usava uma camiseta surrada do Slayer. Gente, na boa. Slayer é uma puta banda, talvez uma das melhores do mundo. Mas balada com camiseta da banda, dos tempos em que eles lançaram Show no Mercy, não dá. Mas era o que tinha pra hoje. Quer dizer, pra ontem. Pra sete anos atrás. Meu parça, a amiga anfitriã gente boa, o magrela também gente boa, e aquele barril de chopp venerando Satanás. Parecia um grupo muito bacanas, mas que em nada iria saciar meu lado machista-cafajeste de “pegar mulher”. Eis que de repente, não mais do que de repente, emerge das profundezas do oceano a encantadora beldade da festa. Tipo vinheta antiga do Fantástico, sabe? Apareceu do nada e conseguiu me hipnotizar. Não lembro ao certo, mas acho que a outra ponta do meu sorriso foi parar lá na Caio Prado. Aí sim, eu finalmente tinha ganho a noite. Bastava eu me concentrar nos meus propósitos: falar um pouquinho quase nada de mim, mostrar que conhecia todas as versões originais das músicas que estavam sendo tocadas e enfrentar o suadouro da fila do SUS pra pegar uma cerveja pra ela. Estava tudo certo e eu era a pessoa mais feliz do mundo.

Até que apareceu um homem. Gato, lindo de morrer. Calma, vou explicar. Eu não fiquei a fim dele. E ele não ficou a fim da minha musa imaginária. É que parece que ele era o ex, ou teve um caso com a rechomchudinha. E entrou acompanhado. Tire suas próprias conclusões. Visualize a cena. A pequena obesa trocando ideia com a réplica do Eddie Vedder, que lhe dá um bilhete azul sem mais delongas. Dali pra frente, só show de horror. A colega, que até então parecia empolgada com o festival de música ruim, começa a definhar como se fosse um balão de gás murchando. E senta-se ao chão. E começa a chorar. Você, que um dia já foi jovem, que já frequentou baladas fortes, que já viu de quase tudo nessa vida, sabe qual é o próximo passo de quem chora porque levou um pé nas nádegas: beber. E dá-lhe aguardente.

A partir desse momento, houve uma sucessão de conversas, diálogos, lencinhos, calmantes, ombros amigos. Como um bom samaritano, até meu compadre notívago tentou consolar a rotunda garota. O problema mesmo foi o climão gerado por esse vexatório espetáculo à parte, que exigiu até a moderação do segurança. Minha Vênus calipígia começou a ficar cada vez mais inacessível. Eu e meu amigo convidamos o restante sóbrio do grupo para ir a outro lugar. Pela cara deles, topariam com certeza. Mas alegaram ter de fazer a escolta para aquela ébria bolha de carne. “Eu tô bem”, ela disse, num tom meio alto, meio mole e meio ranzinza. E você sabe, meu caro. Quando bêbado fala “eu tô bem”, é sinal de que ele não está NADA bem.

Conformados com o fracasso, eu e meu amigo nos despedimos da trupe e decidimos encerrar a noite numa hamburgueria próxima. Fizemos o pedido. Fomos até a mesa. No meio da degustação, toca o celular dele. Era a amiga gente boa. Falou que a bebaça começou a dançar ensandecidamente, até que caiu trôpega e bateu a cabeça no chão. Estavam indo pro hospital. E meu amigo, solícito como sempre, resolveu acompanhar o quarteto. Pra mim, aquela noite foi um amontoado de absurdos. Coisa de dar inveja pro Buñuel e pro Dalí. Eu já não sabia mais o que pensar. Até que meu amigo fala algo do tipo:
- Eu sei, foi vacilo... foi mal... a noite foi uma bosta... mas eu não sossego enquanto não te fizer um favor... questão de honra... coisa pessoal, de cavalheiro...
- Já sei. Vai me dar o resto da sua batatinha.
- Não, não. Tá vendo aquela moça ali? Aquela! Eu vou até a mesa dela pegar o telefone dela.
- Boa sorte. Manda ver.
- Não! Eu vou pegar o número dela pra dar PRA VOCÊ!
- Queisso... desencana... precisa não... de boa. Vambora.
- Não. Eu vou lá, pego o telefone, passo pra você e vou pro hospital. Aí você troca uma ideia com ela. Questão de honra.

Vamos recapitular. Drink exótico. Homens se agarrando. Amiga gente boa. Camiseta velha do Slayer. Musa fantástica. Cerveja quente. Sósia do Eddie Vedder. Choro e embriaguez. E mais choro. E mais embriaguez. Hambúrguer com nome de banda. Ligação a caminho do hospital. Diante desse conjunto de improbabilidades, assistir à cena de um casal que não se conhece apontando o tempo todo pra mim não era nada.

Peguei o papelzinho gentilmente cedido pelo meu amigo, antes de partir rumo ao pronto-socorro. Não havia números. Apenas o nome da desconhecida e seu endereço do Facebook. Fui até sua mesa, tentei explicar o inexplicável. Ela disse que já estava de saída. No dia seguinte, acessei a maior rede social mundial. Encontrei o perfil da moça. Em seu último e mais recente post, estava escrito o seguinte: “Migas, cês acreditam? Ontem um tiozinho pediu pro amigo dele pegar meu telefone. Como pode, um cara de mais de 40 anos achar que eu vou querer alguma coisa com ele? Nem teve coragem de vir direto, precisou chamar o amigo. Claro que dei o número errado, né? Eu, hein? Tô fora”.


domingo, 1 de setembro de 2019

Emo again


Ontem vi uma moça com uma camiseta onde estava escrito: “Make Brazil emo again”. Na hora, achei meio ridículo. Aquilo me soou tão patético e tão datado quanto os neo-ripongas e suas batas indianas, ou mesmo quem desfila de coturnos gastos e cabelo moicano tentando imitar o visual dos Sex Pistols. Não é possível, no fim da segunda década do Século 21, venerar um estilo de vida que se ornava de cabelos escorridos pra frente, olhos pintados de preto e uma lagriminha de Hena tatuada perto da bochecha. Nada contra o gênero musical, muito pelo contrário. Ainda hoje, adoro ouvir as bandas que abraçam o emotional hardcore, de onde se abreviou para emocore, até virar essa corruptela, emo. Ou “punk melódico”, como ficou conhecido no mundinho artístico. Aprecio Taking Back Sunday, Rise Agaisnt ou até mesmo os primeiros – e mais viscerais – trabalhos do 30 Seconds to Mars. Gosto mais ainda dos precursores dessa onda, os protozoários chamados Jimmy Eat World, Saves the Day, Get Up Kids, Mineral, Braid, e por aí vai. E respeito as bandas nacionais, como CPM 22 e NX Zero, que ao menos englobam músicos competentes. O que me incomoda mesmo é o esterótipo do gênero, é a ideologia transformada em produto de consumo, é a estética reduzida ao nada, é o ideal de rebeldia juvenil que vira motivo de deboche. Tão piegas e caricato quanto aquela indumentária gótica, encostada no guarda-roupas cheirando a naftalina, que só serve pra ser usada em festa à fantasia.

Mas aí eu fiquei olhando aquela camiseta preta, cobrindo a branquela hipster que provavelmente tinha acabado de sair de alguma mobilização na Paulista, e pensei melhor. Faz todo sentido o Brasil voltar a ser emo. De uns tempos pra cá, vivemos uma truculência tão grande, que nada mais apaziguador do que a emoção pra trazer de volta aquilo que antecipadamente enterramos. Passamos a adotar o discurso hater, excluímos família e amigos dos nossos convívios, transformamos nossas páginas nas redes sociais em outdoors exibidores do ódio e da intolerância. E temos como exemplo, aquele paradigma que vem lá de cima, a bestialidade miliciana, o modus operandi brucutu, o comportamento vil e rasteiro, a apologia às arminhas. O giganrte acordou, de fato. Mas, dessa vez, o gigante é do mal. Despertamos o que há de pior em nós. Hoje somos bestas-feras prontas para devorar o outro.

Ontem fui ver Yesterday. O filme. Calma, não vou dar spoiler. Mas aí lembrei que eu tenho uma camiseta com os dizeres “all you need is love”. Talvez a gente precise de um pouco disso mesmo. Esse tipo de retrocesso. O paz-e-amor que brotou em Liverpool. Não esse retrocesso da ditadura, da terra plana, da volta do sarampo. A gente precisa voltar um pouco atrás e lembrar que um dia, talvez um único dia, fomos felizes.

E hoje faz 80 anos que começou a Segunda Guerra. E tem gente aí, microrganismos toscos desse tal gigante de Brasília, que foi comemorar essa data nefasta. Portanto, vamos voltar a ser emo. Vamos regurgitar menos e amar mais. Vamos resgatar o nosso lado cafona. E por falar em cafona: gratidão.