sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Sorry, Baby

Existem várias pessoas, amigos e conhecidos meus, que deixam de apreciar os filmes devido à sensação de que nada acontece. Pois acho isso um dos grandes méritos da obra. Principalmente aqui.

Escrito, dirigido e protagonizado por Eva Victor, indicada ao Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz, Sorry, Baby mostra um supostamente pacato cotidiano da professora universitária Agnes e seu entorno, como a amizade com  Lydie, uma homossexual prestes a dar à luz.

Somente após alguns bons minutos de cenas iniciais é que se instaura o conflito da trama, que faz Agnes repensar os rumos de sua vida. A sinopse oficial dá conta de se tratar de um evento trágico, a fim de não dar spoiler.

Sem cair em exageros dramáticos, ou levantar bandeiras ideológicas feministas, Sorry, Baby consegue segurar até o fim sua dramaturgia potente, sem ser escabrosa. É o tipo de filme que "nem parece que é filme", dada a naturalidade como as coisas se desenrolam.


sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Corações Jovens

Existe uma escala de vários graus para se abordar temas considerados polêmicos. Corações Jovens, filme holandês sobre a descoberta da homossexualidade na adolescência, não passa de um nível mínimo. Existe um cuidado - até excessivo - para que o assunto se apresente de modo bem leve, quase pueril.

Elias é um menino tímido, recatado. Sua vida muda com a chegada de Alexander, um adolescente vizinho e colega de escola. Mais despojado e assumidamente gay, Alexander faz o tipo galã juvenil, com um expressivo semblante rebelde que vagamente lembra Johnny Depp em início de carreira. Isso é bom para o filme.

Daí vem a obviedade do conflito: Elias deve dar vazão a seus sentimentos homoafetivos recém-aflorados ou permanecer se declarando hétero para não sofrer preconceitos dos amigos e da família?

Concomitantemente com o Festival Mix Brasil em diversas capitais do país, com uma larga oferta de filmes que abordam a diversidade dentro da temática LGBTQIA+, a estreia de Corações Jovens neste momento pode ajudar na bilheteria. 

Mas o tom adocicado demais faz com que o longa se distancie da proposta majoritária do festival. É apenas um teenager movie que amansa questões mais delicadas.


sexta-feira, 24 de outubro de 2025

A Meia-Irmã Feia

Nesta produção da Noruega/Dinamarca/Romênia/Polônia/Suécia, temos uma versão de Cinderela sob o ponto de vista de Elvira, uma das irmãs "malvadas". A gata borralheira em questão assume um papel secundário, recaindo sobre ela não a obrigação dos trabalhos forçados, mas a beleza natural e as escapadas sexuais às escondidas.

Tudo aqui gira em torno da, como o título sugere, meia-irmã complexada que se encanta pelo príncipe. Ela quer se aproximar dele por causa de uma paixão súbita. Já a madrasta vê ali a oportunidade de um casamento entre ambos para adquirir um título de nobreza e salvar a família da miséria por causa de dívidas contraídas após a morte do esposo.

Elvira sofre bullying desde sempre. Acha-se obesa e não se encaixa nos padrões de pulcritude da época. Cria uma obsessão para se transformar em uma formosa e recatada dama e, para isso, submete-se a procedimentos cirúrgicos agressivos e uma dieta pouco convencional.

O filme elabora bem o drama da tirania estética. Mas não é sobre isso. A Meia-Irmã Feia vai além, trazendo a rigidez corporal como ponto de partida para um lugar entre o terror e o bizarro.

Até mesmo nas primeiras cenas, quando o pai da família ainda era vivo, o espectador entra em contato com um universo supostamente feliz, mas com pitadas de humor ácido: tortas na cara durante um jantar. É a indicação do filme-pastelão, que não encontra um lugar certo e confortável dentro de um gênero específico.

À medida que os objetivos de Elvira avançam, o filme traz mais elementos, com uma boa dose de exagero, para mostrar uma sociedade sem caráter. A diretora Emilie Blichfeldt não nos poupa de imagens beirando o sexo explícito dentro de uma história que nasceu conto de fadas. As cenas que trabalham o corpo humano como uma espécie em laboratório flertam até com o mais escatológico de Yorgos Lanthimos. Trata-se de um filme que mistura o pesado, como por exemplo a agulha penetrando a pele do olho para o implante de cílios postiços, com o ligeiramente cômico. E sem final feliz.

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Ruídos

A Coreia do Sul já nos trouxe trabalhos de diretores consagrados, como Hong Sang-soo, Park Chan-wook, Kim Ki-duk, o oscarizado Bong Joon-ho, entre outros. Mas, em relação ao gênero terror, ainda precisamos aguardar mais um pouquinho.

Com a atriz Kim Soo-jin fazendo sua estreia na direção, Ruídos é um thriller psicológico pouco diferente daquilo que já conhecemos. Ju-young, uma jovem com deficiência auditiva, decide investigar o desaparecimento de sua irmã, vista pela última vez em seu apartamento. À medida que se aprofunda na busca, começa a perceber sons estranhos ecoando pelo apartamento e a presença de uma pessoa sinistra.

A ideia até que parece interessante. Mesclar barulho com perda de audição, colocar em primeiro plano a estranheza que o som causa às pessoas. Mas o resultado é um tanto genérico, baseado em sustos fáceis. 


Praia do Silêncio

Depois de realizar dois filmes adaptados do teatro, em que a verborragia predomina, o diretor Francisco Garcia optou agora por fazer um trabalho em que a narrativa se constrói na relação entre silêncio e palavra. 

Com poucos elementos cênicos e econômico também no andamento das sequências, o filme se baseia na falta de diálogo entre um professor aposentado, isolado em seu trailer no meio da mata, que se comunica através de cartas com sua filha, surda, após a morte de sua mãe. Ela almeja o reencontro, ele prefere o distanciamento. Por meio da narração em off podemos perceber essa incomunicabilidade entre gerações.

Embora traga um panorama mais sensível e intimista de um microcosmo, simbolizando metaforicamente uma realidade maior, Praia do Silêncio é mais intenção do que resultado. A simplicidade - sem abrir mão da poesia - está em cada detalhe. Tudo foi pensado para ser sucinto. Mas o ritmo vagaroso e a suposta falta de emoção nas declamações textuais tornam o filme relativamente monocórdico. Existe uma tensão dramática, porém, muito mais fora do que dentro do filme.


quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Sr. Blake ao Seu Dispor

Existe um nicho no cinema que poderia receber diversos adjetivos. É aquele tipo de filme inofensivo, despretensioso, que comumente vem ganhando o apelido de "sessão da tarde", em alusão ao horário sem censura em que é exibido, dado seu teor leve e descompromissado de questões mais árduas e potentes.

Sr. Blake ao Seu Dispor encaixa-se perfeitamente nessa categoria. Traz uma bela paisagem de algum recanto turístico da França e a veia cômica afiada de John Malkovich como principais destaques. Ele interpreta Andrew Blake, um empresário inglês de sucesso que cai em depressão após a morte de sua mulher. Decide abrir mão de tudo e passar uma temporada no hotel-castelo onde conheceu sua esposa. Ali, entretanto, encontra uma realidade um pouco diferente: o palacete está abandonado, com poucos funcionários, e a proprietária Madame Beauvillier (Fanny Ardant) se vê atolada em dívidas. Ela pretende reinaugurar o hotel, após a morte do marido, mas precisa de um tempo para isso e, no momento, não está preparada para receber hóspedes. Para contornar a situação, Blake se disfarça de mordomo do hotel no sentido de poder usufruir da estadia.

Com uma direção precisa e pouco inventiva do também roteirista Gilles Legardinier, o filme cumpre o que promete. Não é ousado, não arrisca, mas também não faz feio. É o famoso "filme feito pra agradar". Com um roteiro desprovido de barrigas e seguindo uma lógica cartesiana, mais um elenco de apoio igualmente competente, Sr. Blake é uma saborosa imersão nas atuações e paisagens que não deixam a desejar. Merece até ser brindado com a finalização de resenhas do século passado: diversão garantida.


quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Bambi: Uma Aventura na Floresta

 Um dos pontos a favor desta produção francesa, escrita e dirigida por Michel Fessler, é que Bambi foi totalmente filmado com animais reais, sem o uso de CGI (efeitos de computação gráfica). Isso traz um certo respiro ao cinema, uma espécie de resgate aos alicerces do gênero.

A história já é conhecida: o nascimento e crescimento do cervo Bambi e sua tentativa de sobrevivência na floresta. Aquilo que a Disney já nos contou e que, pelo fato de ter perdido os direitos autorais, não detém mais o monopólio dessa fábula infantil. Mas é bom avisar: não é um filme de terror, ao contrário dos anteriores Cinderela, Mickey, Ursinho Pooh e quetais.

Apesar de uma certa falta de ritmo, o resultado até que é interessante. Cenas captadas do ambiente natural dos animais que, com o esmero de uma montagem precisa, passam a impressão de que os bichos estão "interpretando" personagens.

A grande falha fica por conta, entretanto, da narração dublada. Diferentemente dos igualmente franceses Migração Alada e Oceanos, ambos dirigidos por Jacques Perrin, o filme deixa claro tomar partido da história. Apesar de os comparados serem documentários e Bambi, uma obra de ficção, vale a pena mostrar essa correlação para provar que muito se perde quando é o recurso narrativo que tenta sustentar o roteiro. Aqui, ao contrário da valorização dos silêncios, temos uma quase torcida organizada, que não economiza adjetivos infantiloides para conduzir a trama. 

terça-feira, 5 de agosto de 2025

Atena

Logo de cara dá pra ver que Atena é um filme todo errado. Começa com a morte misteriosa de um suposto magnata e, no peito dele, está tatuada a inscrição "estuprador". No meio das reviravoltas e investigações, entra em cena Carlos, um repórter investigativo vivido pelo canastrão Thiago Fragoso. E, finalmente, aparece a personagem-título, vivida por Mel Lisboa, uma justiceira que recria o visual gótico-futurista de Charlize Theron em Atômica. 

Ostentando uma maquiagem carregada até a retina, de fazer inveja a qualquer Marilyn Manson, e ainda por cima mascando chiclete nas cenas mais "tensas", Lisboa imprime um retrato mais do que hiperbólico e caricato à protagonista. 

Mas o maior problema talvez não recaia na insossa Mel, que de doce não tem nada. O filme é dirigido por Caco Souza, que já nos agraciou com pérolas da ruindade do cinema brasileiro, como 400 Contra 1, Inversão e por aí vai. Bebendo diretamente da fonte de Rubem Fonseca, o diretor parece ter se apaixonado pelo gênero policialesco de folhetim, mas nada aprendeu com o tempo. Embora cuide de assuntos sensíveis, como abuso sexual e violência contra mulheres, Atena não passa de um arremedo de clichês absolutamente esquecíveis. De boas intenções... o resto você já sabe.

Filhos

Difícil imaginar um clima ameno em filme sobre o sistema prisional. Filhos, uma coprodução franco-dinamarquesa, até começa insinuando um ambiente pacífico. Eva, agente penitenciária de uma ala de condenados por crimes de baixa periculosidade, mantém uma rotina digamos, comum. Existe ali uma hierarquia, mas nenhum indício de que algo possa subverter a ordem.

O plot twist acontece quando Eva, pela imagem de uma câmera de segurança, observa a chegada de um jovem truculento entrando no presídio, na ala de segurança máxima. Ela pede ao seu superior que seja transferida para esse setor carcerário, a fim de cuidar do novo delinquente.

Temos, portanto, praticamente um outro filme. Menos romantizado e mais mundo-cão. Mais verossímil para obras que abordam esse tema. Além, é claro, de um tom de mistério no sentido de se matar a curiosidade do espectador: por que Eva optou por sair da zona de conforto e lidar com um suposto crápula?

Esse aspecto de thriller se reforça graças à atuação dramática da atriz Sidse Babett Knudsen. Contida e ao mesmo tempo expressiva, econômica nos gestos e olhares, mas sem deixar escapar todo um sentimento interno de mágoa e rancor. Filhos é um filme que segura a dureza do assunto, sem fazer concessões ou se deixar levar por sentimentalismos.


quarta-feira, 9 de julho de 2025

Nós Contra Eles

Não deu. Tentamos uma medida conciliatória, mas a própria sociedade preferiu manter a polarização. Até nosso presidente da República ressaltou essa diferença antagônica de opinião, percepção e conduta econômica e social.

Tem mais jeito não. É canhoto do lado esquerdo da política, destro do lado direito. Não existe mais o centro. A não ser o das atenções. Até mesmo o Centrão, que nunca foi de ocupar o lado periférico, optou por um lado da esfera. Terceira via, só se for de boleto ou RG.

Em suas redes sociais, o queijo ralado comunicou que não faz mais par com o molho de tomate. Sem entrar em detalhes, finalizou o texto dizendo que não seria mais possível a convivência com quem adota a cor vermelha como bandeira ideológica.

Ferro e fogo também solicitaram, quase que simultaneamente, que a expressão popular que utiliza ambos os sujeitos deixe de existir. A rigidez de caráter de um, ante o esquentamento comportamental de outro, fizeram estremecer uma relação sólida de décadas. Unha e carne ainda não se manifestaram, mas já faz um bom tempo que não são vistos juntos.

Duplas sertanejas cogitam a possibilidade de seguir o mesmo caminho. Embora todas façam parte da mesma segmentação política, desfrutando altos cachês em comícios eleitorais disfarçados de eventos culturais, divergências sobre quem é a primeira e quem faz a voz de fundo aceleraram o desgaste entre elas. Bruno e Marrone, Fernando e Sorocaba, Zezé di Camargo e Luciano agora fazem parte do passado. É comum, em cidades do interior paulista, a população ver os ônibus da turnê com um dos nomes apagados em caráter provisório. Ou até mesmo pedaços de papel colados sobre o elemento que não faz mais parte da excursão. Uma coisa é certa: grande parte desses cantores percebeu que a carreira dos sertanejos decolou somente depois que o parceiro morreu. Como foi o caso de Leonardo e João Paulo, por exemplo. Mas, até o fechamento desta crônica, nenhum caso de tentativa de assassinato foi registrado. 

Essa separação, de acordo com os envolvidos, também serve para cada uma das partes desenvolver e demonstrar seu talento individual, sem se ofuscar atrás do brilho do comparsa. E deixar mais claro, para toda a sociedade, quem é quem. Afinal, Sandy e Júnior são filhos de qual cantor?

Em relação às duplas femininas, esse rompimento já é um caso antigo. São elas que incorporaram o verdadeiro sentido do antagonismo "nós x eles": metade do tempo elas se ocupam com agenda de shows, a outra metade investem atacando a ex na mídia. Sobram ofensas e desaforos sobre quem é a mais feia, a mais gorda e a mais bêbada.

Em nota, a goiabada informou que encerrou o contrato de parceria com o queijo branco. De acordo com a sobremesa, a separação ocorreu de forma justa e amigável. Procurada, a assessoria do queijo não quis se pronunciar.

A ESPM (Escola Superior de Propaganda & Marketing), onde concluí meu curso de graduação, agora se divide em ESP e ESM. Na época em que ali estudei, era comum nossas tias e avós perguntarem se eu estava gostando do curso de "propagandaemarketing", como se fosse uma coisa só. Para evitar esse tipo de confusão, optaram pela separação. Agora, o currículo acadêmico visa à formação de uma especialização totalmente desvinculada da segunda. Em Propaganda, as aulas passaram a ter conteúdo meramente artístico, não se levando em conta o orçamento de campanha, as características do produto ou o posicionamento de mercado do cliente. Ensina-se, basicamente, como criar anúncios, stories ou e-mails marketing (ops, mudou: agora é e-mail propaganda) com os pés sobre a mesa, olhando para o teto, até surgir alguma inspiração. Já o Marketing aboliu de vez as estratégias de comunicação. O importante é vender, vender, vender. 

Afetados diretamente pelo racismo estrutural, o preto e o branco também decidiram pôr fim à conturbada relação. Por questões de segurança, o azeviche solicitou à Justiça medidas cautelares e protetivas de distanciamento social por parte da alva e pálida cor. Faixas de pedestre deixaram de existir nas grandes capitais. Biscoito Oreo, agora somente no sabor de morango. Livros de História foram reeditados e sofreram adequações: o trecho que fala da TV em preto-e-branco foi apagado dos arquivos. 

O meio, ou melhor, 1/2 matematicamente falando, quem diria, foi seguir rumo próprio. Se por acaso precisar perguntar a alguém que horas são, acrescente mentalmente uma margem de erro para evitar atrasos, pois respostas como "duas e meia" não são mais permitidas. Das mesma forma, o Cinema também foi afetado pela ruptura. Filmes como Oito e Meio, ou 9 1/2 Semanas de Amor, foram arredondados para Oito (mais fácil de memorizar, Fellini que me desculpe) e 10 Semanas de Amor, respectivamente.

Continuando, de maneira mais sucinta: Sansão e Dalila anunciaram o divórcio. Litigioso. Lilo e Stitch, sucesso de bilheteria, optaram por seguir carreira-solo. Bonnie e Clyde resolveram se separar depois que um deles descobriu enriquecimento ilícito do outro, sem comprovação da origem dos rendimentos. Os palhaços Atchim e Espirro também se desuniram. Ambos estão tratando uma virose no hospital. 

É isso, minha gente. Acabou o casamento. Agora é cada um por si, defendendo seus próprios direitos e interesses, e um odiando o outro. Até que a vida os separe.