domingo, 7 de março de 2021

Réquiem

O Brasil está morrendo. Falência múltipla dos órgãos. Não é uma morte brusca, repentina. Como se tivesse levado um tiro no peito. Como se fosse acometido por um infarto fulminante. Como se tivesse sido atropelado. Na verdade, o Brasil foi atropelado. Ficou parado, distraído, fora da faixa da História. E o mundo passou por cima dele, sem piedade. Nosso país vai falecendo aos poucos. Não de punhalada certeira. Mas de soquinhos no estômago. Golpinhos de canivete.

Na guerra contra o vírus, as baixas são diárias. Não se trata de uma bomba de Hiroshima, ou de um extermínio em massa. Perdemos a batalha dia após dia, sem que um único tiro de revólver seja disparado pelo inimigo. Uma derrota baseada na estratégia de grão em grão. Ficou muito fácil para o vilão se sair vitorioso. As missões de resgate e salvamento nunca chegam. Não temos um comandante. Para o psicopata oligofrênico que nos dirige, a coragem do guerreiro se caracteriza por atravessar o front sem camisa no inverno. Ou andar pelas ruas sem máscara. Todos os outros que se escondem nas trincheiras ou aguardam a chegada de munição, de acordo com o limítrofe, são covardes. Temos aí um exemplo de capitão que promove táticas suicidas, justamente por não oferecer tática nenhuma à sua tropa. Nós, os medrosos, os maricas, estamos apavorados só de assistir a esse crescente genocídio em doses homeopáticas. 

Do ponto de vista econômico, nossa situação é igualmente falimentar. Da mesma maneira, não houve um crack da Bolsa para assassinar de uma só vez todos os investidores. A coisa é paulatina. Comércio fechando as portas um por um. Auxílio emergencial que só tapa buracos. Quando chegar. Caímos 6 posições no ranking das economias mundiais. A inflação volta, as taxas de juros começam a subir novamente, e ninguém em sã consciência acredita mais na prosperidade dessa nação em ruínas. Fracassamos nas relações diplomáticas, perdemos lugar nas negociações internacionais. Não resta ao exterior o mínimo de credibilidade num território que devasta suas riquezas naturais para atender a interesses específicos de curral.

Outro órgão vital que vem definhando por etapas: o meio ambiente. Nunca se devastou tanto de nossas áreas verdes como nos últimos anos. Nosso pulmão padece por asfixia gradual. Árvores são derrubadas, uma por uma. Com decretos aprovados às escuras, com o afrouxamento das leis ambientais, seguimos o rumo do nosso enterro na base do "passa a boiada".

Estão nos matando pela boca. Não só pela fome, mas também pela vontade de nos calar. Uma censura que vem sendo imposta de tiquinho em tiquinho, silvertape por silvertape. Não como na época dos anos de chumbo, em que majores e coronéis invadiam teatros para interromper apresentações e prender atores considerados subversivos. Não como fazia a Solange Hernandes, que cortava cenas do cinema nacional, como era advertido nas cartelas que antecediam a exibição dos filmes. Não como no auge do AI-5, em que grupos organizados invadiam as redações dos jornais e davam um sumiço em seus colunistas, alegando posteriormente um suicídio sem provas. Aqui a coisa é mais lenta, mais branda, mas não menos perigosa. Criam-se medidas para extinguir verbas obtidas por meio da Lei Rouanet previamente destinadas a cidades que cumprirem o isolamento social. Criam-se acordos de "cala-boca" que obrigam professores universitários a não falarem mal do presidente, no exercício de suas funções. É notório que o atraso no repasse de verbas federais aos estados se dá por conta de divergências ideológicas entre seus líderes.

Morre em conta-gotas o país que vem sendo destituído de sua democracia constitucional. Cargos de confiança e de chefia estão sendo militarizados tintim por tintim. Dessa forma, escapa-se da acusação de golpe de estado. É um nome que vem sendo convocado depois de outro, como se fosse uma lista de chamada. Isso sem falar nas constantes ameaças e no risco iminente de voltarmos para a ditadura. "Quem decide o sistema de governo é o Exército". "Se tudo tudo tivesse que depender de mim, não viveríamos neste regime".

O Brasil está morrendo porque temos um sociopata no poder. O discurso de morte está a toda hora em suas falas. "Não sou coveiro". "Fui treinado para matar, não para salvar vidas". "Até quando vão ficar chorando?". Sua obsessão por armas virou um caso patológico muito além de ideologias direitistas. Não é razoável que o país tenha, como prioridade, o aval para que cada cidadão possa ter em sua posse 6 revólveres dentro de casa. 

Mas, principalmente e sobretudo, o país está morrendo por causa de sua nação. Perdemos todas as nossas forças de lutar para a virada do jogo. Não existe uma oposição sólida e consistente que possa fazer frente a essa chacina presidencial. Perdemos nossa vontade de acreditar num futuro melhor, pois isso nos parece ao mesmo tempo risível e utópico diante da crua realidade. Perdemos qualquer sinal de vitalidade e de esperança, já que esse ato heroico exige de nós um esforço hercúleo. Estamos entubados, vítimas da nossa desgraça que nos acometeu por capítulos. Que venha a extrema unção e um enterro ao menos digno.