quinta-feira, 16 de junho de 2022

Armadilha Explosiva

Quando se pensa em filmes franceses de ação, nos vêm à cabeça as megaproduções capitaneadas por Luc Besson. Armadilha Francesa é, de fato, produzido pela equipe do cineasta. Só que aqui não rolam cenários futuristas, assassinos de aluguel ou perseguições de carros. A relação do filme com automóvel é diferente.

Tudo se passa num estacionamento de prédio residencial. Fred tenta ligar seu carro de manhã e não consegue. Sai do veículo e quem se incumbe disso é sua companheira Sonia. Ao fazer isso, Sonia ativa uma bomba-relógio escondida no motor, que inicia a contagem regressiva de 30 minutos até o momento da explosão.

O cenário está todo ali. Um casal, dois filhos pequenos dentro do carro e uma equipe de colegas de profissão de Sonia, especialista em desarmar minas. Essa delimitação de espaço quase minimalista, entretanto, não tira o suspense. Pelo contrário. O diretor e roteirista Vanya Peirani-Vignes mostra-se habilidoso em criar tensão suficiente com poucos recursos e dimensões cênicas mais contidas. Aqui neste caso, menos é mais.


sábado, 11 de junho de 2022

Um Dia para Sempre

Está comprovado que o forte dos alemães não é a comédia. Eles até tentam, mas o resultado fica meio duro, calcado em fórmulas já feitas. 

Um Dia para Sempre conta a história de Zazie, que recebe um convite para o casamento de seu melhor amigo Philipp com sua arquirrival Franziska. Contrária à ideia, ela tenta salvar o amigo e sabotar o matrimônio. Por causa de um loop temporal, isso acontece repetidamente, todos os dias.

Essa modinha do universo paralelo, metaverso, conseguiu chegar ao cinema germânico. Não se restringe mais aos heróis da Marvel. Na prática, é como se Zazie estivesse enfrentando a mesma situação em infinitos mundos diferentes e simultâneos.

Mas o filme não se debruça nas teorias da Física Quântica. Ele mais parece um repeteco do clássico O Feitiço do Tempo. Até mesmo no close do relógio tocando na hora de acordar.

Lançado para aproveitar o Dia dos Namorados, o filme tem gosto de bombom Caribe. Não é exatamente ruim. Mas é sempre o último a sair da caixa.


sexta-feira, 3 de junho de 2022

Tempos pastelões

Domingo passado, um visitante do Museu do Louvre atirou uma torta no quadro da Monalisa. Não me atualizei sobre a notícia, mas me parece que não dá ainda pra saber ao certo as motivações do infrator: se foi um surto psicótico, uma vontade efêmera e midiática de ter sua fama por 15 minutos ou uma manifestação autêntica de protesto à arte exibida.

Arte não foi exatamente o que vimos na última Virada Cultural, aqui em São Paulo e longe de Paris. Tumultos, roubos, furtos, arrastões, brigas e apresentações interrompidas marcaram o fim de semana que supostamente deveria ser o palco de confraternizações. Isso não é exatamente uma novidade. A gente não consegue esquecer, nos primórdios do evento, a pancadaria ocorrida durante o show dos Racionais MCs, na Praça da Sé. Mas a indigesta Virada de 2022 teve ingredientes extras que não podem deixar de ser mencionados, o que contribuiu drasticamente para o fiasco. Em primeiro lugar, a pandemia. Criou-se um falso testemunho na cabeça da população de que a doença foi embora. Não é verdade. A disseminação do vírus, é fato, está controlada. Mas não consigo imaginar, por mais que eu torcesse para que isso finalmente voltasse a acontecer, um pingo de segurança num amontoado de cerca de 10 mil pessoas sem máscara. Segurança foi uma palavra bem em falta na patuscada que adentrou a madrugada paulistana. Os principais tabloides noticiaram que faltou policiamento para conter atos de vandalismo ou agressões físicas. Soma-se a isso o reflexo da dispersão dos dependentes de crack por todo o centro da cidade, após uma apressada, atabalhoada e violenta ação da Prefeitura de intervenção na Cracolândia. E, já que o assunto é Prefeito, não dá pra tecer muitos elogios a Ricardo Nunes. O alcaide em questão quase não está fazendo nada no sentido de oferecer melhorias pra metrópole. Vejo o sujeito como um Celso Pitta, versão 2.2. Mais um vice que assume o comando principal do cargo na história republicana brasileira. Prefeito-tampão. Se a atuação dele é pífia e irrelevante no âmbito do transporte público, habitação, escolas municipais, segurança pública, reforma e manutenção de vias e logradouros, que dirá então em áreas tão historicamente adjacentes quanto Artes e Cultura? Por mais controverso que fosse, o falecido Bruno Covas ao menos tinha livre trânsito e exercia franco diálogo com lideranças artísticas. Nunes, nesse sentido, é quase tão opaco quanto Regina Duarte, só que sem dar escândalos ou pitis. E não podemos deixar de falar, é evidente, da recessão econômica. Estamos passando por uma sucessão bélica. Ligação em série de uma guerra biológica, seguida por uma guerra nuclear. A consequência disso, obviamente, é o alastramento da miséria. Não dá para figurar, portanto, um cenário tranquilo na hora de se assistir ao show da Luísa Sonza.

Mas calma que tem mais. Estamos em ano eleitoral. A polarização não só não deixou de existir, como temos a sensação de que se acirrou ainda mais. Na família, no trabalho, nas redes sociais. Não seria diferente num evento artístico, né? Pelas atrações anunciadas, a Virada teve mais a cara dos hinos e das hashtags "Lula lá" e "Fora Bolsonaro". Mas temos também o outro lado. O discurso armamentista de quem ocupa o alto comando deve ter incentivado facções mais radicais, nem tão abertas a uma saudável troca de ideias após goles de cerveja e cachaça.

Sinceramente? Eu estava torcendo para que tivesse acontecido um episódio bem retrô, típico dos nossos tempos. Que os embates ideológicos e as manifestações de protesto à arte fossem mais leves e mais cômicas. Que as brigas fossem de mentirinha, com direito a sopapos e tortas na cara. Igual à maneira como o maluquinho do Louvre se defrontou diante de algo que não gostou. Queria que voltássemos aos tempos cinematográficos do Gordo e o Magro, dos Trapalhões, dos Três Patetas. Falta um pouco ao seio de nossa sociedade esse revival grotesco, jocoso, patético. Instantes de ódio repentino, mas que no final tudo acabava em chantili. Mais bolo e menos bala, por favor. Chega de pregações de ódio contaminando nosso sangue. Chega de censurar a mamadeira de piroca e liberar a venda de pistola. O resultado disso você já sabe. Com o preço do leite, do trigo, dos ovos, sai mais em conta interagir com a arte carregando um trezoitão.


quinta-feira, 2 de junho de 2022

Está Tudo Bem

 Não se deixe levar pelo estado de espírito que o título do filme sugere. Contém ironia. Aqui, estamos falando de um personagem de 85 anos, magistralmente interpretado por André Dussollier, que sofre um AVC e, durante sua internação após o acidente, pede pras filhas o ajudarem em seu suicídio.

Esse novo trabalho de François Ozon mergulha fundo nas relações humanas. Não se trata, portanto, de uma apologia ou levantamento de discussões e polêmicas sobre a eutanásia. Claro, algumas questões burocráticas são expostas, como a necessidade de se fazer uma viagem à Suíça para o descanso eterno premeditado. Mas o miolo diz muito mais sobre o convívio familiar e as indagações dialéticas do ser humano. Vida e morte são servidos no mesmo prato, assim como o amor e o ódio. Faz parte da nossa natureza.