quarta-feira, 30 de março de 2016

Voto nulo

Diante do atual e decepcionante quadro político, estou cada vez mais convicto e propenso a votar nulo. Sou eleitor há praticamente 30 anos e devo ter anulado meu voto uma ou, no máximo, duas vezes. Veja o que eu acho sobre o assunto:
- Voto nulo não é sinal de protesto, é sinal de tristeza.
- Voto nulo não é opção, é falta de.
- O voto nulo é o retrato mais patético da obrigatoriedade do voto.
- O voto nulo é a consequência máxima do desgosto e desencanto da população.
- Voto nulo em nada tem a ver com anarquia, pois o sistema eleitoral não permite essa possibilidade.
- O voto nulo é o caminho mais perigoso e desiludido daqueles que acham que nenhum político presta.
- O voto nulo é o resultado da total descrença nas instituições políticas brasileiras.
- O voto nulo é a democracia descendo ladeira abaixo.
- O voto nulo é a resposta mais imediata de uma sociedade em estado de ebulição.
- O voto nulo é a constatação mais deprimente de que, diante de um quadro de milhares de parlamentares, nenhum deles representa o povo.
- E, pra concluir, o voto nulo é um ato de suicídio disfarçado de extermínio em massa.

quarta-feira, 9 de março de 2016

Concorrência

A mulher resolve abrir concorrência. Sua antiga agência-namorado se acomodou em fórmulas antigas, rotinas viciadas, longos prazos para a execução de tarefas e não atendia mais suas necessidades e expectativas. Solteira há intermináveis 12 dias, decide pedir ajuda a aplicativos, amigos e baladas para encontrar seu novo porto seguro.

O homem-agência resolve participar do processo de concorrência promovido pela mulher-cliente. Entra na página de seu blog para pegar o briefing. Manda mensagem anunciando interesse e é selecionado para apresentar, em local neutro e num curtíssimo espaço de tempo, todas as suas qualidades e competências.

Entusiasmado, o homem-agência volta para sua agência-casa e começa a pensar de que forma poderia não só atender, mas também fazer brilhar os olhos da mulher-prospect. Pede conselhos a amigos, contrata freelas, vara noites e devora pizzas. Tudo isso para acelerar o divino momento máximo de inspiração. Procura em sua agenda todo o histórico de ex-namoradas para que isso quem sabe possa servir de portfólio. Elimina quase a metade desse histórico. Numa luta contra si mesmo, insiste no labor criativo de encontrar, quase que por encanto, a fórmula para essa tão utópica conquista. O homem-bureau estava bastante convicto da força de seus adversários-obstáculos: homens endinheirados por multinacionais, másculos barbados e marombados, gigantes pela própria natureza, hipsters, descolados, matemáticos com QI de uma dúzia de golfinhos. Pensando bem, tira os hipsters da concorrência.

Sabe aquela inquietude, uma mistura de raiva e sono? Então. Era nesse estágio que o homem-azarão se encontrava quando, finalmente, alcançou a magnitude de solucionar o caso com aquela espetacular mentira photoshopada que os colegas de mercado chamam de “conceito”. E foi com essa linha-mestra de manipulação estética que o homem-desespero decidiu conquistar a mulher-a-fila-anda.
Chegou o dia do encontro. Reunião de apresentação de campanha marcada para as 14h. Lá na puta que pariu. Homem-pontual chega às 14h e espera no lobby. “Quer um café, uma água...?”. É a pergunta que tem como significado oculto “ela vai demorar pra caralho”. Dito e feito. Reunião começa pontualmente com 1 hora de atraso. É a prova de resistência, o primeiro quesito para avaliar o real interesse do homem pela mulher-concorrida.

Entram numa sala. Obviamente, o homem-convencido apresenta sua larga experiência na conquista do sexo oposto. Omite detalhes obscuros de sua vida e estampa, em grande angular, seus esporádicos cases de sucesso. Finaliza o discurso com a ladainha de que está sempre preparado para o novo. E chama ela de especial, única, exclusiva. Claro que ele fala isso para todas as concorrências, mas ela não precisa ficar sabendo disso. No fundo, ela sabe.

“Ameeeeeii”, declara a cliente-fófis, fazendo aquele icônico gesto de junção de polegares e dedos da mão, tão singelo quanto batido. Aproxima esse coração-símbolo ao peito e, num tom de mistério, diz que vai pensar sobre o assunto e que tem outros homens para avaliar. Num gesto de despedida com um pingo de esperança, o homem rouba um beijo rápido da mulher. Apenas para ter a momentânea sensação de vitória.

Passam-se alguns dias, noites, e nada. O homem-aflito liga, manda e-mails, WhatsApp. Até que, vencendo pela insistência, recebe a resposta: “Parabéns! Você ganhou a concorrência”.
Hora de comemorar. A mulher-prospect estava ganha. Agora vem o job.