terça-feira, 18 de novembro de 2014

Críticos de Cinema

Crítico tradicional: analisa o filme como uma sequência de imagens, e não uma derivação de HQ. Espécie em extinção, com um nível de abundância comparável aos reservatórios de água da Cantareira.

Crítico up-to-date: blogueiro, twitteiro, fanpageiro. Suas resenhas não se alongam por mais do que 140 caracteres. Seu juízo de valores vem acompanhado por uma hashtag. Sua avaliação é medida por um emoticon. Se gostou do filme, finaliza a resenha com um “like”.

Crítico blasé: analisa um filme do tipo “Quero Matar Meu Chefe 2” como se fosse escrever pra Cahiers du Cinema. Não se cansa de usar termos como “contra plongée”, “diegese” e “mise-en-scéne” nas frases mais simples. Senta-se na primeira fila do cinema, ao centro, para ter uma visão simétrica e catártica do filme.

Crítico bissexto: aparece nas cabines de imprensa uma vez a cada quatro anos. E o que é pior: tem um programa semanal na mídia e discorre sobre as estreias com a maior desenvoltura.

Crítico redes sociais: é imediatista, faz a crítica ENQUANTO assiste ao filme. Nunca desliga o celular durante a projeção. Está sempre conectado no Face, Twitter, Whatsapp. Tem sempre muita coisa pra dizer para um monte de gente do mundo inteiro, ao mesmo tempo. Consultado sobre o que achou do filme, entretanto, resume-se a dizer: “maneiro”, “da hora”.

Crítico cosplay: não dá pra dizer exatamente que se trata de um “crítico”. É o sujeito que aparece fantasiado a caráter na cabine de imprensa. Ninguém sabe de onde surge o personagem temático (pois ele não frequenta as demais cabines) nem exatamente pra onde escreve, provavelmente algum blog específico, site de entretenimento. Ou é um dos integrantes do CQC, que a gente nunca guarda o nome porque o programa tá sempre mudando seu quadro de repórteres.

Crítico festival: o mais viajandão de todos. Consegue perder Jogos Vorazes, que ficará em cartaz por uns 4 meses, porque estará nos festivais e mostras da Bahia, Sergipe, Rondônia e Tocantins. Sim, existe festival de cinema em Tocantins. É um daqueles 38 brasileiros que conhecem o Acre de cabo a rabo. Geralmente é convidado para integrar o júri, fazer a curadoria e, se precisar, picotar os ingressos na entrada do cinema. Sua cidade natal transforma-se, para ele, num ponto turístico utópico. Faz questão de dizer que perdeu a pré-estreia de Interestelar porque esteve num festival de cinema da Amazônia, em que os filmes eram projetados nos reflexos das águas da pororoca de uma nascente próxima a uma reserva indígena da tribo dos Caribós.

Crítico tapete vermelho: de um modo geral, odeia ver filme. Acha um saco ter que ficar sentado no escuro por quase 2 horas. Por outro lado, “ama de paixão” ir a coletivas de imprensa, puxar o saco do elenco, falar que acompanha a carreira de todos os atores desde criancinha. Geralmente escreve para alguma revista de fofoca. Vai a todas as pré-estreias, fotografa a equipe, faz um monte de selfie com os atores e, inclusive, com os cartazes e displays do filme. Nas redes sociais, é só elogios, bafafás e tititis. Entende tudo do babado dos bastidores, mas sabe muito pouco sobre a Sétima Arte.

Crítico fila-boia: não assiste exclusivamente, mas dá grande prioridade a filmes em cabines de imprensa acompanhados por café da manhã. Vai a coletivas de imprensa por causa do brunch, mas nem sempre acompanha as tais coletivas. Frequenta as pré-estreias por causa dos coquetéis. Pode-se dizer que ele ganha o dia (e, consequentemente, o filme ganha nota máxima em sua avaliação) quando sai da sala com algum tipo de brinde ou mimo.

Crítico repentista: já vem com opinião formada pra tudo, até mesmo antes do filme começar. É o primeiro a sair da sala pra dizer pros assessores de imprensa o que achou. Mentaliza o texto que vai escrever na metade da projeção. Para ele, o ideal seria escrever mesmo sem ver o filme, pois assistir a tal obra pode interferir em seus pontos de vista.

Crítico vidente: que Mãe Dinah, que nada. Este crítico é especialista em prever o futuro. Prova disso são as frases de seu próprio texto: “As crianças vão adorar”; “Um filme que vai agradar a todos os públicos”; “Certeza de sucesso absoluto”; “Sério candidato a Oscar”, entre outras pérolas da adivinhação.

Crítico adjetivo: dispensa explicações adjetivas. Então vamos lá a um provável texto dele: “Com um roteiro bem-amarrado e uma atuação esplêndida do redivivo ator, o diretor transforma as fragilidades de uma cidade decadente num espetáculo de pura beleza, com uma fotografia irretocável que enaltece as particularidades de um povo precário. Essa espetacular sequência de magia, riqueza e encantamento seduz até mesmo o mais despreparado dos espectadores, que não fica imune ao impacto dramático de um elenco de apoio firme e consistente. Brilhante! Formidável! Obra-prima!”

Crítico major: embora o cinema esteja aos poucos mudando seus formatos e concepções, este crítico ainda é daqueles que dividem a Sétima Arte entre “filmes-cabeça” e “filmes-pipoca”. Do primeiro grupo, ele passa longe. Só vai a “cabine-evento”, em que um megaconglomerado de pessoas faz a muvuca no hall do cinema. Só escreve sobre blockbusters. Seu último filme de arte foi “Tropa de Elite”. Fica estupefato quando descobre, por meio do site Filme B, que o ano contou com mais de 400 estreias, enquanto ele jurava de pé junto que o número de lançamentos em cinema não passava de 30. Nunca ouviu falar de Marion Cotillard e acha que Ian Holm é apenas um tiozinho do Senhor dos Anéis.

Crítico spoiler: conscientemente ou não, é aquela pessoa que faz questão de contar o final do filme. Embora certas cenas sejam imprescindíveis para sua análise, ele acaba passando um pouco do limite entre o que é teaser e o que revela todo o mistério da história.

Crítico sinopse: faz uma pequena confusão entre o que é análise crítica, resenha e sinopse, este último fácil de ser consultado. Emite poucas opiniões e às vezes passa a impressão de que não viu o filme. Escreve algo do tipo: "O filme conta a história de um garoto que, após perder os pais num trágico acidente, viaja em busca do paradeiro de sua avó. No caminho, encontra uma série de tipos estranhos que mudam sua vida. Perda de tempo".

Crítico político: encontra um viés político-ideológico em toda e qualquer parte do filme: "A cena em que o marido vira de lado após o sexo com sua esposa é uma clara alusão à sua preferência política pela esquerda, onde percebemos uma tendência ao marxismo-stalinismo após ele dizer a ela 'boa noite, meu amor', como se estivesse prenunciando a chegada do movimento revolucionário na calada da noite".

Crítico pelo-em-ovo: escreve aquilo que só ele mesmo conseguiu enxergar: "A cena do homem erguendo o braço para pegar um copo d'água é uma referência velada à fase simbólica e obscura de Buñuel. Ao tomar lentamente a água, com a câmera alta num plano fechado sobre o copo, temos a nítida impressão de um mergulho no universo onírico de Tarkovski, evidentemente em sua fase mais experimental".

Crítico superlativo: discorre sobre um filme como se fosse o último. Escreve um texto como se não houvesse amanhã: "Trata-se do pior filme da década, um escorregão na carreira do diretor, o melhor e mais contundente de sua geração. Aqui, ele peca pelos seus exageros e obviedades, na escolha do elenco mais pífio da nova safra de atores. Nem parece o mesmo que realizou o mais definitivo filme sobre a Guerra do Vietnã".

Crítico Hortelino: costuma errar com frequência a grafia de sobrenomes, as datas, filmografias, troca nome de atores, confunde personagens e mistura subtítulos.

Crítico VIP: não admite ser chamado de crítico. É correspondente internacional. Mora em Los Angeles, vai a todos os festivais de Cannes, Berlim, Veneza, Toronto, Locarno. Em seu quarto, uma foto emoldurada ao lado de George Lucas. Tem o autógrafo de Helen Mirren e Jack Nicholson. Divulga informações privilegiadas que nem o IMDB é capaz de fornecer. Frequentador assíduo de junkets e sets de filmagem. Tem mais intimidade para fazer uma entrevista por telefone com a Catherine Zeta-Jones do que conversar com sua própria mãe.

Crítico multimídia: por uma questão de praticidade, identifica-se como colaborador da Veja. Mas escreve também para a Folha de São Paulo. E pro Estadão também. Tem um programa semanal na Band News e no Ronnie Von. Já escreveu diversos artigos pro Omelete, Cineclick, AdoroCinema, revista Bravo, IstoÉ Gente. Foi um dos editores da extinta revista SET. Esporadicamente, é colaborador da Cinética e da Contracampo. No começo de carreira, escreveu pras Gazetas de tudo quanto é bairro de São Paulo. Em suas horas vagas, atualiza seu blog. Sobre Cinema.

Crítico crítico: faz jus à fama da profissão. Reclama da péssima qualidade da produção atual. Reclama da Lei Rouanet. Reclama dos atrasos dos assessores de imprensa. Reclama dos colegas de profissão. Reclama de não ter recebido o press release em tempo hábil. Se o filme é bom, reclama das poltronas e do ar-condicionado da sala.