Em Publicidade aprendemos que, quando uma mensagem é
repetida várias vezes, procura-se ampliar a cobertura e reforçar seu conceito.
Entretanto, um dos efeitos negativos é a perda de sua eficácia. A sensação de
ver tudo igual, sem alguma novidade ou qualquer atrativo que nos tenha passado
despercebido da primeira vez, nos faz virar a página, mudar de canal, apagar o
e-mail. O discurso perde sua força e entra na nossa cabeça como um fundo sonoro
com o qual já passamos a nos acostumar.
Durante a pandemia, a sociedade se sensibilizou com as falas
dos governos locais, da OMS e até do então Ministro da Saúde. A importância do
isolamento, o #FiqueEmCasa, lavar as mãos sempre e, mais recentemente, o uso
obrigatório de máscaras. Talvez nos primeiros minutos de confinamento alguns
cidadãos não estivessem levando a coisa tão a sério. Mas, em seguida, houve uma
certa adesão geral e compreensão dos fatos. Tanto é que os índices de
isolamento eram relativamente bons.
Só que os pronunciamentos das autoridades foram se
reprisando. E, consequentemente, perdendo sua força e credibilidade. Quando se
fala que esse é um momento muito importante para adotarmos as medidas
preventivas de segurança e seguirmos corretamente as orientações da ciência e
da saúde, isso quer dizer que no momento imediatamente anterior não era? Ao
ouvirmos diversas vezes, em modo looping, que o pico da pandemia ainda não foi
atingido e que a quarentena precisará ser esticada, passa-se a sensação de que
alguma coisa está errada. Na cabeça do homem comum, nada diplomado em Medicina
ou Matemática, conclui-se que ou deixaram de acertar nos cálculos ou as medidas
iniciais não foram corretamente aplicadas. Isso sem falar no atual desgoverno
federal, que desobedece a todas as regras sanitárias, provoca os governantes
menores e veta artigos de lei, usando critérios meramente pessoais, no sentido
de tornar o processo de retomada ainda mais flexível. E mais perigoso.
O fato é que a população meio que ficou de saco cheio. Não
só de permanecer trancada por mais de 100 dias, como também de obedecer a
comandos baseados no repeteco. No Brasil e no mundo. De Nova York a Nova
Iguaçu.
As cenas que vimos nos últimos dias, em que notívagos
invadiram e lotaram bares e mesas na calçada, aglomeradíssimos e sem o uso de
máscara, são ao mesmo tempo trágicas e patéticas. Esse comportamento burlesco
de um povo até então preso em regime domiciliar pode suscitar algumas
interpretações. O mais ululante foi a afronta. O tapa na cara aos órgãos
fiscalizadores. A onipotência da fala do nosso presidente, agora convertida nas
camadas imediatamente abaixo na pirâmide social. Enquanto a classe operária dos
entregadores de pizza trabalhava devidamente paramentada com os equipamentos de
proteção individual, os emergentes criavam suas leis próprias durante sua efêmera diversão. Tudo junto e misturado. Os garçons e motoboys, mais vulneráveis ao
vírus devido à sua condição social, ocupando o mesmo espaço dos novos-ricos que
acham que o corona já passou. Uma falsa sensação de imunidade com impunidade. Aquela
muvuca poderia ser também entendida como um basta. Um alegórico brinde à
apressada carta de alforria, sem nada a se comemorar. Ou talvez, em última
análise, a pulsão de morte que também habita no ser humano. Se é para viver o
novo normal como um ermitão, um indivíduo incel, se é para abdicar de sua
sexualidade e sua forma gregária de convívio, melhor nem viver. Vamos à la
playa, morra quem morrer. O neodarwinismo necropolítico está aí para poupar
quem tiver a sorte de ser poupado. Fez-se de conta que aquela mesa de bar foi a
última ceia dessa quarentena que nunca termina, muito menos com final feliz.
Saúde a todos os incompetentes, que não souberam conduzir sua manada. Agora só
resta pedir a porção de picanha no réchaud e aguardar a chegada da
vacina de Oxford. Enquanto isso, o democrático vírus poderia estar ali
circulando livremente entre todos os cuspes impregnados nos copos de cerveja.
Seja no pub de Londres, seja na calçada do Leblon. A imagem ridícula do
fracasso da Humanidade.