terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Omnilever

Concordo com o que uma amiga minha disse na mesa de algum almoço da semana passada: é praticamente impossível passar um dia inteiro sem se deparar com algum produto da Unilever. Ela tem toda razão. A empresa, que antes era notória por fabricar o sabonete Gessy, parece que ao longo das décadas foi comprando tudo o que via na frente, com a fome devastadora de um trator sem freio. Hoje a multinacional fabrica desde produtos de higiene e limpeza até sorvetes de palito. Menos mal. O fabricante de picolés em questão um dia foi propriedade de uma conhecida empresa de cigarros. Com esse domínio de mercado e monopólio das marcas, a empresa praticamente faz o que quer. Desde o lançamento de tendências até o sumiço de determinadas categorias de produtos. A Unilever é onipresente, onipotente e, não duvido, onisciente de todos os bastidores da economia dos supermercados. Vem investindo pesado em segmentos que prezam o bom-gosto e uma melhor qualidade de vida. Lança constantemente produtos considerados inovadores e, não raro, faz que faz para extinguir determinadas espécies ameaçadas pelo Homem. Às vezes acerta em cheio. Outras, nem tanto. Acabei de experimentar uma versão de sabonete cremoso, digamos, um pouco estranha. Claro que é inerente a nós oferecer uma certa resistência para o novo. Mas vai demorar um pouco pra eu me acostumar a esse modelo de banho. Não é líquido nem sólido. Aliás, estou convencido de que a poderosa multi está fazendo de tudo pra acabar com o sabonete em pedra. A novidade tem um perfume excessivamente forte e me trouxe um certo incômodo para a pele. Cremosidade ou suavidade é uma coisa, sensação melequenta é outra. Nesse sentido, 1 a 0 para a versão líquida, que se dissolve rapidamente em contato com a água, traz o frescor necessário e não exige o trabalho dobrado de retirada do produto debaixo do chuveiro. Dentifrício é outro setor que parece estar passando por uma revolução. Daqui a alguns anos, é certo que o creme dental não vai mais existir. Há uma nova apresentação de higiene bucal, em gel, que acho que ainda não pegou. Comprei um kit com três unidades, mais uma nécessaire grátis, e paguei uma bagatela pelo pacote. O lado bom disso tudo é que o oligopólio que toma conta das 24 horas do nosso dia pode arriscar mais, ousar, avançar, fazer tentativas e erros. Por outro lado, se eles resolverem acabar com o papel higiênico de uma hora pra outra, só pra citar um exemplo, seremos raquíticos demais pra reclamar.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Saudades da MTV

Por incrível que possa parecer, ver videoclipes na MTV é uma atividade saudosista. Hoje quase não passa esse formato musical naquela que foi a pioneira do gênero. Com o Youtube arrasando e a proliferação dos reality shows e programas besteirol, o clipe perdeu sua razão de ser. Mas ainda há brechas. No sábado à noite, eu "estava mudando de canal" (aquela velha desculpa pra quem não quer admitir que sintonizou determinado programa) e achei um tal de Lab Clássicos. Pois é, meus amigos, videoclipe já pode ser chamado de clássico. E a seleção musical não era ruim não, muito pelo contrário. Daria muito bem pra voltar a ser pano de fundo de baladinhas alternativas. Logo que entrei, peguei um repertório anos 90 calcado em bandas indie shoegazer, como Pixies, Dinosaur Jr. No bloco seguinte o pot-pourri focou os anos 80: Human League, The Mission, Sisters of Mercy. Acabou o programa. Logo depois veio o Lab Trash que, entre outras coisas, tocou J. Geils Band. A idéia foi ótima. Mas eu, como deixei de ser madrugador há um certo tempo, adormeci rapidamente.

São Paulo, São Paulo

Apesar da chuva e das instabilidades (quaisquer que sejam), fim de ano traz coisas boas. Não é só presente não. De um modo geral, o trânsito tá bem mais tranqüilo. A cidade fica mais gostosa, sem aquele frenesi que a caracteriza. Muita gente já saiu de férias, as compras já foram feitas, agora vem a calmaria. Existem os que não abrem mão de viajar, mas quem prefere ficar em São Paulo nessa época do ano pode aproveitar melhor a cidade. Ela fica menos caótica. A taquicardia é substituída por passeios de maior respiro. Em dezembro e janeiro, São Paulo se entrega, se deixa ser observada. O esvaziamento de carros nos permite enxergar a cidade em seu próprio esqueleto, como se fôssemos notívagos à espreita do nascer do sol. Nessas horas, temos de admitir que São Paulo tem sua beleza própria, mesmo que enclausurada em sua feiúra encardida.

O Renascimento de Paris

Talvez você não se lembre, mas a distribuidora Paris Filmes já foi relativamente grande aqui no Brasil. Isso nos anos 80. Dominava os lançamentos de filmes-B e tinha circuito exibidor próprio, concentrado principalmente em shoppings. Ficou fora de atividade no começo dos anos 90 e renasceu das cinzas há cerca de quatro anos, com novas propostas, nova presidência e uma nova gestão comercial. Hoje a distribuidora mantém seu foco em filmes de ação ou terror, como Rogue, Os Estranhos, Quebrando Regras, O Nevoeiro e por aí vai. Normalmente lança seus filmes na rabeira dos concorrentes. Não dá pra se dizer que tem a preferência dos exibidores. Seu discutível acervo e algumas de suas apostas equivocadas levam a crer que a Paris é daquelas que disputam um espacinho nos cinemas sem o mesmo poder de fogo de uma Fox, Warner ou Paramount. Às vezes, comete alguns acertos de relativo sucesso, como O Perfume, O Clã das Adagas Voadoras. Foi a primeira a acreditar na franquia Jogos Mortais, que hoje mudou de mãos e tá na Buena Vista. A Cidade-Luz do circuito cinematográfico começou 2008 de forma apática, mas no segundo semestre despejou uma série de filmes acumulados. A maioria deles, voltada para o público cinéfilo da região da Paulista, como Fay Grim, Caótica Ana, Na Mira do Chefe, Eu Sou Juani. Nesta semana de feriados, a quantidade de lançamentos foi bastante tímida diante da média: somente dois filmes. E ambos da tal distribuidora. Gomorra é um peso-pesado sobre a máfia italiana e ocupa todos os cinemas com uma programação mais diversificada. Bastante recomendado. Mas a grande coqueluche é Crepúsculo, creio eu o maior lançamento de toda a história da Paris. Devido ao estrondoso sucesso lá fora, ele veio aqui com força toda, ocupando até três salas em alguns shoppings. Um lançamento comparável, em cópias, a Harry Potter, Batman, Homem Aranha. O filme em si não tem nada demais. Começa insosso e melhora um pouco no final. Mas existe uma explicação para o fenômeno. É também uma adaptação de best-seller publicado em vários livros, como uma saga. Tem apelo voltado especificamente ao jovem, o que mostra quem realmente vai ao cinema. Mas o principal é perceber a releitura shakesperiana da obra vampírica, o que comprova que o célebre escritor inglês não ficou obsoleto. Crepúsculo traz uma roupagem emo a uma família de dráculas vegan, algo assim. Diante de hábitos seculares gastronomicamente corretos, há um amor impossível. Lendo assim parece brega demais, mas o filme trata disso sim senhor. O efêmero e o imortal travando um dilema de escolhas e os Montecchio e Capuleto pra atrapalhar esta decisão. Se você achava que Johnny Depp estava pálido demais pra fazer o papel de Edward Mãos de Tesoura, prepare-se pra quantidade de talco esparramado na pele dos licantropos hematófagos.

Mc Zero

Não me canso de falar mal do Mc Donald’s. Nem sei por que continuo indo a tal lanchonete, mas sei por que continuo falando mal dela. Que a comida tem gosto de plástico e o padrão de atendimento deixa bastante a desejar, isso todo mundo tá calvo de saber. Já se foi o tempo em que uma rede de fast food servia food na velocidade fast. Não sei se o negócio é comigo, se há alguma estampa na minha testa, mas em praticamente 90% das vezes em que vou lá há algum tipo de problema com meu pedido. Ou eu peço algum sanduíche que não consta em estoque e o prazo para preparo é mais demorado (sou obrigado a adivinhar qual lanche é a bola da vez), ou o atendente erra meu pedido ou esquece algum item. Não sei se acontece com todo mundo, mas assim que me perguntam aquela decorada frase “qual seu pedido?” e eu vou responder, a pessoa olha pro lado, dá atenção pro ajudante, muda de assunto, volta a atender a pessoa que estava antes de mim na fila, repõe o estoque de canudos, sei lá. Claro que, com essa “atenção”, só pode dar coisa errada. Ainda mais quando peço pra trocar o acompanhamento ou faço alguma solicitação fora do script. Amigos leitores, conselho de heavy user: evitem mudar alguma coisa do cardápio, como por exemplo mudar o acompanhamento para saladinha, refri sem gelo, hambúrguer sem picles, sanduba sem maionese. Pode ter certeza de que sua experiência será bem sofrida. Já é muito difícil para os pouca-prática seguir aqueles risquinhos das comandas de papel. Mas o meu dessabor dessa vez não foi com a gastronomia, mas com a Álgebra. Na sexta-feira passada pedi no quiosque de sorvete do centro de Alphaville um produto que, com adicionais e tudo, custa R$ 6,25. Quis ajudar, quis mostrar meu lado samaritano. Dei à prestativa porém sonsa atendente uma nota de R$ 10 mais uma moeda de R$ 0,25. Se eu lascasse da carteira uma nota de R$ 50, capaz de sair tudo certo. Mas não, comigo as coisas têm de ser bem diferentes. Havia ali uma cara de interrogação típica de estudante despreparado para a prova de vestibular. Eu não estava colocando a pessoa contra a parede, exigindo dela o raciocínio rápido para extrair raiz quadrada, nem a lógica metafísica da Teoria do Caos. Sim, ali havia um certo caos, mas o motivo era outro. Após três ou quatro tentativas e erro, quis pedir de volta o dinheiro e separar as migalhas do valor exato, numa mistura de se prontificar para a agilidade do serviço ou demonstração de irritação com o baixo nível intelectual da funcionária. Num país em que se exige ginásio completo para vigias de empresa de segurança, é improvável que a maior multinacional de pronto-a-comer feche os olhos para este requisito classificatório. E não foi a primeira nem a segunda vez em que isso ocorreu comigo. Já teve um caso em que eu tive de rabiscar com caneta uma simplíssima equação matemática no verso de um papel-bandeja, pois a atendente nessa ocasião teimava em não me dar o troco correto. Essa falta de sabedoria é maior do que um problema específico do Mc Donald’s. Num país em que se idolatram jogadores de futebol e pagodeiros como símbolos do sucesso profissional, é óbvio que está se dando cada vez menos importância à cultura e ao exercício do saber. Infelizmente, a tendência é só piorar. O vexame no quiosque foi revoltante, mas é a prova de uma realidade triste. Tá na cara que não é interesse de governo nenhum investir em Educação. Uma sociedade culturalmente mais rica tem maiores condições de derrubar o poder, o que não é bom para quem domina estas capitanias. Enquanto isso, essa camada da população que ironicamente faz bico na lanchonete pra pagar os estudos alimenta nossas bocas com junk food mal-servido e alimenta as aviltantes estatísticas que colocam o Brasil entre os piores do mundo nos critérios básicos de desenvolvimento.

Like a... like a...

Quem é rei nunca perde a majestade. A eterna diva do pop, Madonna Ciccone Ritchie, escorregou na maionese no show do Rio de Janeiro mas não perdeu sua compostura. Parecia que o tombão fez parte do show. E em São Paulo deu uma engasgada na letra de Like a Virgin, alegando esquecer músicas “velhas”. Não é a maneira mais sadia de um artista encerrar sua turnê mundial. Mas ela pode. Ela é a madona de cedro. Como uma virgem que se inicia no mundo da fama, a diva dos anos 80 incitou a formação de filas nos portões do estádio a dias do show começar. Cindy Lauper, sua concorrente de um escalão menor, fez um show politicamente corretíssimo. E ninguém ouviu falar.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Balanço 2008

Bom, tá na hora, né? 2008 indo embora, hora do balanço, momento de reflexão. Como é o primeiro que faço aqui, vou experimentar um modelo bem simples, começando pelos piores (de tudo quanto é categoria, sem ordem ponderada de importância) e encerrando com as chaves de ouro, à medida que vou me lembrando delas.

Piores:
Queda da Bolsa
Crise financeira
Falência das montadoras
Casal Nardoni
Nelson Dantas
George Bush
Enchentes em Santa Catarina
Furto das doações para as vítimas das enchentes
Defenestração da família do pagodeiro
Hugo Chávez
Evo Moralez
Playback do show Bloc Party
Projeção digital
Mostra de Cinema
Amy Winehouse
Morte do Bernie Mac
Piti do Nizan Guanaes


Melhores:
Barack Obama
Derrota da Marta
Death Magnetic, do Metallica
Batman
Heath Ledger
Zé do Caixão
Lucros da Petrobras
Chinese Democracy, finalmente
Campanha da Oi celulares
Fuerza Bruta
A nova cara da Rua Augusta
Salas de projeção 3D
Frilas, muitos frilas
Shopping Cidade Jardim
Wall-E
Leila Lopes
Inauguração da praça Juceva
Peter Brook no SESI Paulista
Novas regras do call center

Lula chulé

Não é à toa que a popularidade do nosso Presidente não cai. O PT está em ruínas, a crise econômica ameaça o Brasil, mas Luís Inácio continua firme e forte. Ele é quem realmente entende o povo, fala a língua do povo. Seus discursos são uma mistura de pregação de palanque político com bate-papo de chá da tarde. A empáfia collorida do pretérito, arrogante na mesma proporção de sua desonestidade, não colou. A retórica esclarecida do Mr. Sorbonne mostrava quão longa era a distância entre a plebe e o nosso Presidente Real. Já o Lula não se deixa intimidar por jargões burocráticos engravatados. É preciso ser homem de coragem para assumir que o país sifu e que ele se importa mais com o resultado do Curíntia no fim de semana do que com os indicadores econômicos. E coragem não significa necessariamente ter aquilo roxo ou comer buchada na feira. Agora El Rei provou que tem o dom para ser piadista. Aproveitou que a sapatada do Bush ainda é notícia quente para falar sobre o cheiro de chulé que poderia emanar da sala caso alguém resolvesse fazer o mesmo que o jornalista xiita. Lula é o retrato mal-acabado do Brasil: auto-irônico, repentista, espirituoso. É o apêndice do lado de cá das Tordesilhas. Mantém o bom-humor, mesmo durante esta inevitável queda vertiginosa.

Obrigado, do crepúsculo do meu coração

Quando bem-feito e bem divulgado, um blog ajuda a ganhar dinheiro ou notoriedade. Algumas páginas pessoais recebem milhares de acessos diários. Clarah Averbuck, por exemplo, ficou conhecida graças aos seus relatos-crônica na Internet. Não é o meu caso. Comecei nessa jornada faz pouco tempo, tenho uma certa dificuldade (ou falta de tempo) em atualizar seu conteúdo com uma certa regularidade e não manjo muito de recursos que podem deixar a página mais atrativa. Fiz há pouco tempo atrás uma promoção (concurso cultural é o mais correto) com o objetivo primeiro de me desfazer de uma série de ingressos que recebi da distribuidora. Dá dó jogar fora, ainda mais quando o produto final está vinculado à arte. Mas esse approach serviu também para eu conhecer um pouco mais quem me lê, quem me acha no meio de tanta informação, quem é que realmente está a fim de realizar um propósito e pra isso se dá ao trabalho de mandar e-mail, pensar numa resposta, ser criativo, estar inspirado. Tenho acesso para consultar uma página de dados, de hits, de cliques, etc. Mas esses números me dizem pouca coisa, até porque quem me lê não é a Álgebra. No começo, imaginei que apenas alguns amigos meus mais próximos é que acessavam esporadicamente as lentilhas vesgas, mais por comiseração do que por interesse. Mas fiquei surpreso com as respostas crepusculares que recebi. Nem tanto pela quantidade, que até que foi relativamente modesta. Mas foi providencial eu saber que meu público é composto por pessoas heterogêneas, de diversos perfis, idades, comportamentos. Recebi e-mails até de outros estados. Isso que é poder de alcance. Curiosamente, a maioria das participações foi feminina. Coincidência? Será que o filme ou o livro é voltado prioritariamente a elas? Quero agradecer de coração vampiresco a participação de todo mundo. Graças a vocês, a cota de ingressos disponíveis acabou, o que me deixa satisfatoriamente aliviado. Continuem assim. E sejam sempre bem-vindos. Suas visitas são muito mais importantes e prazerosas do que os mecânicos dados de acesso.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Mobilização, invasão ou acomodação?

Existem propostas que chacoalham o mercado. E existem as overpromises. Em todas as vezes que vou ao circuito Arteplex, aparece antes do filme um comercial, na minha modesta opinião, um tanto quanto pretensioso. A empresa MovieMobz parte de uma premissa verdadeira para vender seu peixe: mobilização é poder. Concordo plenamente. Essa ótima frase nos faz lembrar das revoluções, dos grandes movimentos culturais e dos palanques de grandes concentrações de pessoas. Da frase em diante, as imagens me decepcionam cada vez mais. Sem deixar muito claro (de propósito, talvez) que tipo de mobilização a empresa prega e qual poder é obtido com ela, sobe uma seqüência de imagens de filmes como Cheiro do Ralo, O Escafandro e a Borboleta, Juno, entre outros. É o poder de mobilizar os cinéfilos? Mobilizar a programação de alguns circuitos? A proposta parece interessante: dar ao espectador-internauta a possibilidade de escolher um filme que será exibido em um horário exclusivo, substituindo o filme em cartaz. Em primeiro lugar, não se trata exatamente de uma liberdade de escolha propriamente dita. Existe no site uma quantidade relativamente limitada de filmes à disposição. E, pelo que vejo, nenhuma raridade ou filme que tenha ficado pouco tempo em circuito. Nada que traga aquela aura cineclubista. A maioria, filmes que não foram sucessos de bilheteria mas conseguiram ser apreciados pelo público assíduo por terem ficado um bom tempo em cartaz. Muitos deles, já nas prateleiras das locadoras ou em exibição na TV paga. Não vejo essa iniciativa como algo de fato mobilizador. Pra mim, isso nada mais é do que um pay-per-view em telona. E, por tudo o que já assisti até hoje via MovieMobz, suponho que seja também em exibição digital. Ou seja, essa “revolução cultural” nada mais é do que alugar um DVD e ver com os amigos em sala de cinema. E cada vez menos com cara de mobilização das massas intelectuais e cada vez mais com cara de ação entre amigos. Prova dessa exibição amistosa é o documentário do show Queen + Paul Rogers, prometido para o dia 18 próximo, à noite, em 33 salas de 16 cidades. Shine a Light, documentário sobre um show fechado dos Rolling Stones (fracasso de bilheteria, abaixo das expectativas da distribuidora, segundo a própria), ainda se justificava em telona por ter sido dirigido por Scorcese. O show do U2 não tinha ninguém de ponta por trás das câmeras, mas pelo menos trouxe o aparato tecnológico do 3D, algo exclusivo da sala grande. Mas este aqui não tem razão para ser exibido de tal forma. Claro que um show visto assim fica mais legal e nas dimensões mais próximas do trabalho ao vivo da banda. Mas aquilo que a MovieMobz está chamando de revolução corre o risco de corromper um espaço que é próprio do cinema. DVD de show de rock pode rolar em bares, danceterias, galpões, no Jockey Club, no raio que o parta. E escolher musiquinha apertando botão é coisa de jukebox. Mas ocupar o espaço dedicado à Sétima Arte é invasão de domicílio. Ainda mais num conglomerado que se aperta diante de tantos lançamentos acumulados.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Tchop-tchura

Pra onde caminha a Humanidade é uma pergunta que vou fazer até morrer. No meio de tanta carga informativa, que prega o que é moderno e o que é ultrapassado como doutrina e não como opção de escolha, surgem uns lapsos. Às vezes me sinto obsoleto diante de tanta quinquilharia lixoatômica. Daí começam os revivals. Não sei se por sentimento de culpa. Hoje, sabemos que a música ficou descartável. Uma banda dura tanto quanto a capacidade de armazenamento em um iPod. Lotou memória, deleta-se o grupo musical. Nenhum artista sobrevive enquanto não lançar um gafeclipe no Youtube, não participar de um reality show, não se apresentar ao vivo. E aí aparece de novo e de novo o bom e velho rock and roll. Born to Be Wild, a única música conhecida do Steppenwolf, tema de um filme de 73, agora protagoniza um comercial de celular. Beatles é o pano de fundo de um comercial de uma empresa automobilística. Falando em montadora, Happy Together, música do arco da velha, cantada por sei-lá-quem, acompanha o ritmo de um processo industrial automotivo. E o coração de vidro, Heart of Glass (destas peças de museu, a que mais gosto), embala um vidro de perfume. Se o rock é eterno ou não, prefiro não entrar nessa polêmica. Se faltam símbolos musicais diante de tanta vaporização de artistas voláteis, não sei dizer. A Propaganda sempre se fincou em signos conhecidos, de fácil assimilação. E esses signos eram as músicas de bailinho, de discoteca, da casa dos amigos, da rádio FM. Baixar uma concepção artística musical como se estivesse baixando um ringtone é a prova de que os dias estão mesmo contados para essas novas tendências. E aí, o jeito é apelar para o que ficou. Sem o revanchismo da techneira, por mais tecnológicas que se apresentem essas empresas anunciantes. Mas é por fazer matar a saudade de algo que a gente gostou, que viveu. Que decorou. Que tatuou no cérebro. O resto é... que resto?

Desvestir um santo

Coisa muito estranha. Acordei hoje normal. Logo após o banho, uma baita dor nas costas, do meu lado direito mais especificamente. Tomei um remédio, aquelas panacéias que prometem acabar com a dor e a febre, quaisquer que sejam. Paracetamol. E nada da dor passar. Minutos depois me veio aquela vontade de, digamos, defecar. E não é que a dor nas costas passou? Que raio de acupuntura é essa? Talvez o mais primitivo dos métodos analgésicos. E com o prefixo adjetivo dos mais adequados. O problema é que, após a evacuada do-in, me surgiu uma diarréia.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Garoto desaparecido

Talvez poucos saibam, mas a indústria de chocolates Garoto lançou a versão do Talento em sorvete, em vários sabores. Descobri por acaso. Não fui atingido pela publicidade nem por algum tipo de marketing viral. Entrei no site para fazer uma outra consulta e me deparei com a novidade. Como eu gosto de sorvete, de chocolate e tenho um certo fascínio por lançamentos em edição limitada, mandei um e-mail para saber onde posso encontrar esses produtos. Recebi uma resposta dizendo que ele está sendo inicialmente comercializado exclusivamente no Parque do Ibirapuera, com previsão para ser vendido futuramente em outras praças, sem especificar exatamente a partir de quando e em quais regiões. E, já que admito ser uma pessoa curiosa e novidadeira, essa descoberta na verdade se deu porque quis saber onde encontrar o chocolate Talento Desejos, uma (outra) edição limitada premium com ingredientes especiais: uma versão com frutas vermelhas, outra com macadâmia. Nesse caso, confesso que o anúncio em revista me conquistou. Essa busca foi totalmente influenciada por ele. O problema é que não acho o tablete adocicado em lugar algum. Mandei um e-mail pra Garoto, que me respondeu pedindo para eu entrar em contato com um distribuidor autorizado. Mandei outro e-mail para o tal distribuidor, com o mesmo conteúdo. Recebi uma resposta pedindo para eu entrar em contato com uma determinada pessoa, em um número de celular. Ora, meus amigos, o meu desejo pela edição especial e turbinada do produto em série é grande, mas nem tanto. Meu celular é pré-pago e na empresa onde trabalho as ligações são controladas. A tentação da gula seduziu o chocólatra que vos escreve, mas nada justifica tanto esforço em busca do garoto perdido.

O seqüestro das cantoras

O documentário Cantoras do Rádio estreou em São Paulo hoje, sexta-feira, em uma única sala, num único horário: Frei Caneca Arteplex, às 19h10. Entretanto, recebi ontem um e-mail de última hora da assessoria de imprensa divulgando, sem maiores explicações, que essa sessão vai acontecer somente hoje, 12 de dezembro. A partir de amanhã, este mesmo horário será ocupado pelo filme Apalloosa. É certo que o bangue-bangue do Ed Harris deveria, por suas qualidades, ficar mais um mês em cartaz da primeira à última sessão. Mas tirar uma estréia para substituir por um filme em cartaz que nem vem fazendo grande público me pareceu um pouco estranho. Venho notando que alguns documentários brasileiros conseguem se expor apenas nas frestas do circuito. Mas acho que este é um caso inédito. Nem na retrospectiva do cinema brasileiro do Cinesesc há tão pouca projeção para cada título. Deve ter havido algum problema logístico e, torço eu, semana que vem o filme terá seu devido lançamento em uma programação mais digna. Caso contrário, as cantoras afônicas e mudas entrarão pra triste história das estatísticas do cinema nacional.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Game over

Acabou a partida. Momentos de glória, agora só na memória. Lances inesquecíveis, vários tentos marcados. E também alguns frangos e vacilos. Mas é hora da torcida voltar pra casa. E carregar junto com sua chorada camisa a triste sensação de derrota para os dois times.

Promoção Crepúsculo

Amigos leitores, vira e mexe recebo um par de convites para apreciar algum filme que entra em cartaz. Só que dessa vez a Paris Filmes me enviou um apanhado de convites para Crepúsculo, que estréia no dia 19 de dezembro em São Paulo e nas principais capitais. Para não deixar estes ingressos sobrarem, tomo agora uma atitude inédita de realizar aqui um concurso cultural. Só que um pouco diferente da maioria. Em vez de fazer alguma pergunta temática, o que eu espero é que o participante me surpreenda. Pode me mandar um texto sobre qualquer tema, desde que seja original, criativo e inteligente. Mantendo-se o bom senso, é claro. Não tem limite de espaço. Tá bom, tá bom. Se fica mais fácil pra você se nortear por algum tema pré-determinado, pode então responder a pergunta-divulgação do filme: “Se você pudesse viver para sempre, para o que você viveria?”. Mande sua(s) resposta(s) no próprio corpo da mensagem, SEM ANEXOS, para o e-mail ericofuks@ig.com.br com seu nome, endereço, CEP, cidade, estado. No assunto, coloque Crepúsculo. Mas por favor, tente enviar no máximo até o dia 20 de dezembro. Sabe como é, nessa época do ano, Natal, agências dos Correios lotadas, etc. O convite é individual, válido de segunda a quinta-feira, exceto feriados, em todos os cinemas em que o filme estiver sendo exibido (exceto aqueles de sempre: circuito Araújo, circuito Estação, salas chiques do Cinemark), sujeito à lotação da sala e todas aquelas ressalvas que sempre aparecem em ingressos-cortesia. Boa sorte.

Messias moderno

São poucas as lojas em São Paulo que ainda vendem coisas do passado. A não ser aquelas especializadas em relíquias. Mas é difícil vermos gravador e toca-fitas cassete à venda, bem como máquinas de datilografar, fitas VHS, discos usados de vinil, aparelhos de fax e quetais. Estes artigos é que costumam dar a cara da loja em que estão à venda: ou é um brechó que traz de volta o clima vintage, ou é um sebo que amontoa quinquilharias. Do universo da segunda opção, um dos mais conhecidos é o Sebo do Messias, que ganhou notoriedade por seu vasto acervo de livros jurídicos, pela política de baixos preços e por adquirir lotes grandes de quem está se desfazendo de seus antiquados pertences. Mas, para minha moderada estupefação, constatei que o relicário agora também faz comércio online. No começo, imaginei se tratar apenas de uma extensão do canal de divulgação: a web serve também de vitrine para quem não conhece ou não costuma ir à loja física. Mas não. Ao tentar fazer uma compra na própria loja, com prévia consulta ao site, fui informado de que alguns produtos são vendidos exclusivamente online. Uma novidade para um estabelecimento que costuma fazer pilhas de material gasto e empoeirado, sem medo de assumir seu aspecto ultrapassado e fazendo jus à alcunha pejorativa de sebo. Insisti na compra e acessei novamente o site. E olha que a arcaica loja não fez feio. A versão brasileira da Amazon.com possui um mecanismo eficiente de compras virtuais. Entrei na página na sexta-feira à noite e fui buscar os presentes que dei a mim mesmo no sábado de manhã. Tudo transcorreu normalmente. Pedido em ordem, produtos impecáveis. E nada de balconista subir as escadinhas para procurar mercadoria perdida na loja. Para quem é do tempo do telex, um avanço. E para quem costuma fazer essas compras vasculhando prateleiras de ferro entortado, uma saborosa e messiânica surpresa.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Espírito camaleônico

Parece que hoje em dia uma boa estratégia de marketing é aquela que procura falar com todo tipo de público. Ou utiliza códigos universais de entendimento, sei lá. Falam tanto em segmentação, mas eu cada vez duvido mais da eficácia deste tipo de abordagem. No âmbito cinematográfico, é comum vermos filmes étnicos, filmes equivocadamente chamados “de arte” ou aqueles famosos filmes para adolescentes, com humor e linguagem próprios. Por outro lado, algumas animações ou filmes considerados infantis vêm cada vez mais se apropriando de piadas um pouco mais evoluídos para a compreensão dos bebês de colo, quiçá para não fazer os pais dormirem durante a sessão. Se a tendência é o específico e a comunicação dirigida aos nichos, ou se é a retomada à massificação da mensagem e a globalização das aldeias, não tenho ainda uma opinião formada. E o que me ajudou a confundir ainda mais minhas convicções foi ver no domingo dois trailers diferentes do filme The Spirit, previsto para estrear em janeiro. Está claro ali que a proposta é atirar para todos os lados, dançar conforme a valsa noturna. Um deles, o melhor na minha modesta opinião, traz aquilo que chamam de “fidelidade” ao universo dos HQs. Os nomes Frank Miller e Will Eisner (Avenida Dropsie) aparecem em primeiro lugar, seguidos das referências Sin City e 300. Estamos então diante dos gibis em movimento e alta definição. O branco-e-preto em alto contraste, o detalhe do vermelho, a presença da chuva e o cenário de uma metrópole e suas edificações homogêneas. Parece um filme de papel, um origami chapado na tela, um apanhado de imagens sombrias moldadas em nanquim. Já o segundo trailer faz outro tipo de apelo, talvez mais voltado ao público teenager. Esboços gráficos beirando o minimalismo cedem lugar a personagens de carne e osso, levemente dourados por uma cor em tom de sépia com um pouquinho de rubor em determinadas nuances. Em cada cena do trailer, uma mulher sedutora. Neste aperitivo, que me agradou menos do que o anterior, começam a dar nomes aos bois. Figuras hollywoodianas como Scarlett Johansson, Eva Mendes ou Samuel L. Jackson parecem criaturas de circo procurando um lugar neste espaço caoticamente urbano de Eisner. Heróicos e ao mesmo tempo sorumbáticos, estes césares das tribos noturnas são o refresco apimentado para a estréia vindoura. Ainda prefiro o poder sugestivo dos contornos do trailer anterior. Vamos ver o que essa mistura pálida graficamente taoísta com gotículas de sangue tem a nos dizer.

domingo, 30 de novembro de 2008

Adeus à Mostra de São Paulo

Manifesto-desabafo da minha mãe:


Quando comecei a freqüentar a Mostra, isso faz 30 anos, já de pronto e espontaneamente comecei a ser divulgadora do evento. Naquela época, era só uma sala de projeção (MASP) e só dois filmes à tarde que se reprisavam à noite. O trânsito era bom e, logo após o segundo filme vespertino, conseguia pegar o ônibus vazio, chegava em casa antes das 7 da noite e já começava a ligar para os meus amigos cinéfilos (todos trabalhavam e só podiam assistir à noite). Aos poucos, a Mostra começou a crescer em número de filmes e de salas. As projeções aumentaram para quatro por dia, no MASP, que se repetiam à noite no Cine Premier (Av. Rio Branco) e no Palmela (R. Pamplona). Mesmo assim, eu continuava com os telefonemas aos amigos recomendando os filmes, os anos passando, as salas aumentando.

Meu relacionamento com a organização da Mostra era bem amigável, julgava eu, pois sempre que algum veículo (Folha, Veja, Estadão, Jornal da Tarde, Rede Record, Notícias Populares, TV Cultura, Rede Bandeirantes) entrava em contato com a Mostra para fazer uma matéria, eles recebiam o número do meu telefone, com a indicação de que era “um pedido do Cakoff”. Eu jamais recusei, mesmo não sendo nada narcisista, pois considerava isso não como um favor, mas sim um prazer de divulgar a Mostra, que era um símbolo da minha paixão por cinema. Os temas abordados dos filmes eram instigantes e profundos: preconceitos (racial, sexual), discriminação e outros bem diferentes dos filmes do circuito comercial.

Fui ganhando uma relativa notoriedade e cinéfilos que não conhecia pessoalmente vinham me pedir dicas e sugestões de filmes nas filas dos cinemas. Isso sem falar que, naquela época, não havia legendagem eletrônica, então o público tinha que saber ler (e ouvir) Inglês, Francês e Espanhol (no mínimo). Já assisti a filme húngaro com legendas em Alemão, filme alemão com legendas em Italiano, filme chinês com legenda em Chinês e Blood Simple, o primeiro filme dos irmãos Coen (na sala do Gazeta) com legendas em Japonês.

Nestes 30 anos, julgava que estava contribuindo para a Mostra crescer, melhorar. O meu círculo de cinéfilos amigos aumentava e jamais passou pela minha cabeça receber de presente alguma coisa material da Mostra, porque eu estava divulgando uma coisa de que gosto e queria que todos pudessem compartilhar do meu prazer. Este era o meu prêmio. Nunca recebi uma permanente grátis sequer, tampouco ingressos ou convites para as festas e quetais.

No último dia da Mostra, nossa turminha de cinéfilos se reunia em um restaurante ou na minha casa, para que a gente escolhesse os nossos melhores e piores filmes vistos. Até que surgiu a idéia (do Elie, do Dr. Sérgio e de mais algumas pessoas próximas) de constituirmos uma espécie de “associação dos amigos da Mostra”, mais tarde denominada Confraria Lumiére, que só foi possível se concretizar quando a Internet tornou-se viável. A essa altura, como alguns amigos jornalistas e críticos freqüentavam as cabines matinais de imprensa da Mostra, começavam a me convidar a ir, e, assim, eu poderia divulgar melhor os filmes pelo fato de poder assistir a eles com uma certa antecedência. Já no primeiro dia de retirar os ingressos na Central da Mostra, eu tinha visto cerca de uma dúzia de filmes imperdíveis para divulgar aos amigos que estavam na fila e, eventualmente, aos formadores de opinião.

Meu pensamento e minha intenção sempre foram no sentido de fazer aumentar o sucesso da Mostra e o interesse por seus filmes. Inclusive eu estava estimulando a freqüência do público jovem com minhas recomendações sobre as Sessões da Juventude. Comecei a telefonar e a mandar faxes ao Prêmio Multicultural Estadão, indicando a Mostra para tal premiação. E nem me importava de ser atrapalhada nos afazeres domésticos (lembram dos bifes à milanesa que eu fazia para congelar?). Uma vez, uma funcionária da Mostra entrou na sala escura, no meio de uma sessão, para me procurar dizendo que, por um pedido do Cakoff, gostaria que eu me deslocasse até o Cinesesc e concedesse uma entrevista ao repórter do Bom Dia São Paulo (Rede Globo), durante a exibição do filme Ten (Kiarostami). É bom lembrar que parte da filmografia do diretor é distribuída pela Mais Filmes, propriedade do organizador.

Tudo bem: eu dava minha contribuição e recebia em troca o prazer de ver 90 ou mais filmes. O prazer de encontrar minha turma de amigos cinéfilos, quando a gente debatia, discutia, concordava ou discordava. Era uma tribo com uma paixão.

Até que, neste último mês de outubro, na semana de 12 a 19, eu já tinha assistido na terça-feira a 2 filmes na cabine (inclusive o “Rumo a Meca”, que me fez recomendar a várias pessoas e recebeu um comentário elogioso na matéria que fiz ao site Cinequanon). Sofri uma lesão no pé e não pude comparecer à cabine de quinta-feira, dia em que o assessor de imprensa Marcos veio, mesmo na minha ausência, expulsar a nós 3 (eu, o Sr. Paul e o Dr. Sérgio de Oliveira) das cabines por ordem expressa do Cakoff, alegando que, caso não nos retirássemos da sala, ele estaria correndo o risco de perder o emprego.

Ninguém entendeu essa discriminação. Por quê? Por sermos idosos os três (justo agora que o Leon vai ser vovô)? Por não termos diploma de jornalista (mas uma porção de pessoas que vão às cabines também não têm)? Fui tentar esclarecer o fato com a Renata e o Leon e eles me alegaram o seguinte:
(Renata): “A senhora é a “vedete” dos assinantes. Já imaginou se todos os outros assinantes reivindicarem a entrada nas sessões de imprensa?”
(Cakoff): “Cada filme tem um contrato de exibição; se na sessão de imprensa estiver presente uma única pessoa que não é jornalista, fica caracterizada sessão para público.”

Ora, nas cabines da Mostra já encontrei várias vezes estudantes de cinema que não são jornalistas. E os 80 assinantes da permanente integral que conheço jamais iriam reivindicar a entrada nas cabines porque posso dizer que eles me consideram especial, única na história da Mostra. Afinal, não é todo ano que uma pessoa do público sobe ao palco para entregar o troféu de Melhor Filme (Cem Passos, de Marco Túlio Giordana). Não é todo mundo que tem a oportunidade de aparecer na homepage do site da Mostra prestigiando os convidados, no caso, trocando breves palavras com o diretor russo Alexander Sokhurov.

Em seguida, o Cakoff me disse: “não quero mais falar sobre isso, vamos pensar (e você pode me dar umas idéias) em como incrementar a presença do público nos debates (por exemplo, o do Nicolas Klotz tinha no máximo 10 pessoas na platéia, excluindo-se os jornalistas).

Então, pergunto, por que essa dupla mensagem em cima de mim? A Mostra me usa para ser divulgada nas várias mídias, para dar entrevistas, para dar subsídios aos debates e, por outro lado, me acha um estorvo nas cabines de imprensa? Por que a organização da Mostra só se lembra do número de telefone de casa quando é do seu interesse? Para me expulsar das cabines, manda um moleque de recados, mesmo eu não estando presente no dia?

Nos primeiros anos, o espírito da Mostra era o de apresentar filmes alternativos ao circuito comercial, de conteúdo, de autor, de geografias diversas. Isso gerava um interesse diversificado de públicos vários, levando estas pessoas a discussões e debates. Era o que acontecia com meu grupo heterogêneo de amigos cinéfilos, de diferentes profissões, gostos, opiniões, idades, religiões. Aos jovens de agora, “calouros” da Mostra, digo: vocês não podem imaginar como era efervescente o encontro de pessoas durante os filmes e as discussões. A boa conseqüência é que um abria a cabeça do outro, e nós todos evoluímos muito: aprimoramos nosso gosto, aprendemos a “enxergar” coisas nos filmes, crescemos e nos enriquecemos como indivíduos. Hoje, com a quantidade perversa de 400 e tantos filmes, o que acontece na real é: um bando de baratas-tontas cinéfilos correndo (com tênis do patrocinador Adidas?) de uma sala para outra, suando (repondo líquidos com a água do patrocinador Sabesp?), na esperança de descobrir um talento promissor. O resultado desse cansaço todo, infelizmente, é um balanço de um compêndio muito fraco. Com a Internet e o interesse das distribuidoras, entre outros fatores, o prazer da garimpagem deixou de ter sua razão de existir. Já se foi o tempo das “descobertas” de novos diretores com o gabarito e o frescor de um Tarantino (Cães de Aluguel), Hal Hartley (Confiança), Irmãos Coen (Blood Simple), Oshima (Império dos Sentidos), Jos Stelling (Homem da Linha). Não esses ilustres desconhecidos, como África Unite, Alvorada Sunset, Coyote, Harrison Montgomery, etc. A triagem era feita a dedo pelos organizadores, e não por atacado como agora (será que quantidade é uma exigência dos patrocinadores?).

Claro que existem filmes muito bons, de diretores consagrados. Mas a maioria deles é pré-estréia, então para vê-los não vou me estressar com correria, filas, salas cheias, atrasos, gente chutando minha cadeira nas costas, ou conversando, ou fazendo piquenique. E, citando Daniel Piza, em seu artigo publicado no Estadão, “quantidade gera... quantidade”.

Por esses motivos é que estou dizendo ADEUS À MOSTRA DE CINEMA DE SÃO PAULO. Nunca mais ponho os pés em suas salas nem visto mais a camisa (já doei todas as camisetas que tinha ao meu pedreiro).

Minha paixão pelas artes não morreu. Vou continuar cultivando o prazer dos teatros, das óperas, dos concertos, dos recitais e, é claro, do cinema. Espero continuar encontrando outros apaixonados como eu nos cursos do SESC, da Cinemateca, festivais de Curtas, Documentários, Latinos, Retrospectivas e, quem sabe, se tiver saúde e dinheiro, nos festivais do Rio, Gramado, Brasília, Ceará, Paulínia, Recife, Buenos Aires, Toronto, Tóquio, Nova York...

Anette Fuks

sábado, 29 de novembro de 2008

Democracia tardia

É histórico: toda democracia demora séculos para acontecer. Eu já estava desencanando, achei que fosse boataria da mídia. Até fiz uma aposta comigo mesmo: o que sairia primeiro? O novo disco do Guns and Roses ou o novo filme do Guilherme Fontes, Chatô? E não é que a primeira alternativa já se encontra nas lojas? Quase duas décadas adiando e adiando. Problemas pessoais até. Diversas formações da banda de apoio. Não deve ser fácil aturar o Axl Rose. Mas lá está ele: Chinese Democracy, 14 faixas, capa legalzinha, imagem de uma bicicleta. Ainda não ouvi, apenas alguns trechos aperitivos na Internet. Se a moda é presentear no Natal com quinquilharias chinesas, este CD vem a calhar. Já tô aguardando o meu.

Bilhete premiado

Já que não há medidas eficazes para diminuir o trânsito em São Paulo, o jeito é remediar. A prorrogação da validade do Bilhete Único, que passou a valer para três horas ao invés de duas, vem beneficiar principalmente quem mora na periferia e atravessa a cidade para chegar ao seu destino. Não é fácil enfrentar 100 quilômetros de congestionamento. Pelo menos, então, não se recobra a tarifa. Mas como não tem como controlar quem mora longe e quem mora perto, o tal Bilhete acaba favorecendo outros públicos também. Agora, este prazo ficou na medida certa para pegar uma sessão de cinema normal (filme de 1 hora e meia a 2 horas) e voltar pra casa sem desembolsar um tostão a mais. Se o valor do ingresso não ajuda muito, e o combo pipoca + refri acaba ficando mais caro do que o próprio ingresso, pelo menos essa economia viária ajuda a reduzir o valor final do gasto.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Sumiço da China

Não assisto novela. Detesto. A última que vi deve ter sido Roque Santeiro, e olhe lá. Mas não dá pra escapar dos comerciais. Bastou ligar na Globo, pronto. Somos infectados por esses indigestos aperitivos. Um que vi recentemente foi sobre a novela Negócio da China, em que o personagem de Fábio Assunção desaparece misteriosamente. Fora da ficção, soubemos que o ator alegou problemas pessoais e, por causa disso, vai interromper as gravações. Depois da matéria de capa da Veja, era de se esperar. Certamente não há mais clima para Fábio continuar encarando os bastidores. Instâncias superiores devem ter ficado preocupadas com a imagem do galã associada à toxicomania. Aqui a Chinatown é menos glamurosa. Melhor mesmo pro canastrão é sair de cena. Melhor ainda seria todo esse lixo televisivo ir na cola dele, pegar o banquinho e sair de fininho, inclusive a versão mal-feita de Mary Poppins. Tá todo mundo querendo se ver livre das drogas.

Legítima sacanagem

Promotor acusado de matar em Bertioga é absolvido por unanimidade e volta a ocupar o cargo que lhe dá rendimentos mensais de mais de 10 paus. Alega-se legítima defesa. Sem comentários.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Gelo magnético

Hoje os novos grupos musicais têm plena consciência de que dificilmente resistirão a um segundo disco. Que seus 15 minutos de fama estão cada vez durando menos do que 15 minutos. Hoje a quantidade de acessos no YouTube para determinada banda não reflete necessariamente a quantidade de CDs vendidos nas lojas. Muito pelo contrário, em alguns casos. Existem grupos que são a coqueluche virtual sem sequer lançarem um único álbum. Hoje a Tower Records chama-se My Space. Música é adquirida de graça e qualquer informação que possa ser compartilhada torna-se velha antes mesmo de sua divulgação. Mesmo assim, ainda existem os heróis da resistência. É prematuro dizer que a qualidade geral caiu, e que a volta às raízes denota falta de criatividade ou acomodação em relação aos novos rumos da música. Dois dos grandes lançamentos de 2009 são veteranos fazendo exatamente aquilo que sempre souberam fazer. Nada de revelações, nada de futuras promessas, novas sonoridades. O Death Magnetic (Metallica) e o Black Ice (AC/DC) são bolachas republicanas, tamanho seu grau de conservadorismo. Repetem sua velha fórmula de agradar aos admiradores headbangers. E não fazem feio. Estão fortes, revigorados. São paus-pra-toda-obra com suas tosses e seus marca-passos. Se as atuais bandinhas de integrantes com cortes desiguais de cabelo e nomes impronunciáveis estão com os dias contados, a contra-reforma então vem pelo lado do bom e velho rock and roll. Isso sim é ser moderno.

Bola murcha

A figura do leiloeiro, aquela pessoa que dá marteladas na mesa após o lance final, que acompanha o levantar e abaixar das mãos nesta competição de dinheiro, virou peça de museu. A não ser que alguém acompanhe regularmente os leilões oficiais do governo. Caso contrário, o leiloeiro só é visto em filme. Todavia, cresce na Internet os leilões virtuais, desde os mais convencionais até os mais esdrúxulos. Mercado Livre, e-bay, são algumas versões fiéis desse tipo de compra e venda em que os valores absolutos são trocados pela lei da oferta e da procura. Agora existe um tal de leilão de menor lance, ainda não sei exatamente como funciona. Se a idéia é desvirtuar cada vez mais a maneira tradicional de se vender mercadorias no paralelo, estamos então chegando a níveis insuperáveis de arrojo criativo. Tá certo que um líder, uma figura pública e carismática, uma personalidade acaba despertando o desejo de posse de seus fãs. Seria considerado normal dar lances nos leilões dos óculos do Elton John, por exemplo. Mas leiloar chiclete mascado pelo ator global Cauã Reymond foge do meu limitado campo de compreensão. Isso faz parecer que o ator em questão é tão monumental que qualquer coisa dele tem valor, por mais minúscula e desprezível que possa parecer. Ou o povo brasileiro que se contenta com pouco, sei lá. Mas tudo bem, deixemos os trouxas pagarem fortunas por uma goma de mascar cheia de saliva. E que nem faz bola, ainda por cima.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Código desconhecido

Não nasci pra certas coisas. Não me considero um neoludita, não sou daqueles que ficam choramingando o revival dos tempos antigos. Meu tempo é hoje, por mais duro que possa ser pra mim. Mas tem coisa que não dá. Com a mais pura sinceridade que tenho para compartilhar com vocês, confesso não conseguir enxergar patavinas daqueles códigos secretos para identificar envio de spam. No Brasil todo mundo é culpado, até que se prove o contrário. E com a Internet, lógico, a mesma coisa. Não sou um hacker, não sou de enviar toneladas de e-mails falsos, não sou robô (embora às vezes eu pareça, devo admitir), a maioria dos meus amigos sabe disso. Entretanto, sou obrigado a provar para o ciberespaço toda essa minha carga de boas intenções. E confesso ficar possesso quando tenho que redigitar e redigitar os tais ideogramas parcialmente escondidos num emaranhado de cores e fios, dentro de um retângulo que é a porta de acesso para serviços eletrônicos. Se eu não consigo visualizar esses caracteres sobressalentes em cores esmaecidas, diferenciando as sutilezas (em alguns casos) das maiúsculas e minúsculas, não posso realizar nada nos sites. Mas o problema é comigo. Eu é que sou cegueta. Eu é que devo consultar o oftalmologista antes de ligar o micro.

Anteontem, tentei participar de uma promoção de refrigerantes. Não me identifico com o Rogério Ceni, muito menos com o Luciano Huck, mas me identifiquei logo de cara com os prêmios. Mais uma vez, o burraldo dessa história toda sou eu. Eu é que não acompanho tendências, eu é que estou milênios atrasado em relação às novas visualizações tipográficas. Devo agradecer aos céus que a empresa promotora me poupou de ter de recortar o código de barras, colar um envelope, escrever frente-e-verso, enfrentar as filas decametrais dos correios. Peguei meu obsoleto celular (dois anos e meio de uso) e tentei enviar um torpedo SMS. Primeiro, um número correspondente à resposta correta da pergunta impressa no rótulo da embalagem, corpo 6 ou 8. Quem manda eu não andar com lupas no bolso? Seguido do número, uma seqüência de letras e números impressos no plástico da tampinha, provavelmente gerados por impressora matricial por causa da imperfeição de suas retículas. Eu é que sou o retardado de não conseguir detectar a diferença entre o Z e o 2, entre o G e o 6. Obviamente, após o envio, o zé-mané aqui recebeu a resposta dizendo que o código era inválido. Que paparicar o consumidor, que nada. Se o interessado pelo prêmio sou eu, então o iletrado, o apedeuta virtual aqui é que deve se esforçar ao máximo para concorrer. Que nem as filas nas casas lotéricas. Decifra-me ou devoro-te. Isso é ser bem moderno.

Vingança

A vingança é um prato que se come frio. Pudera. Depois de um 2008 cinematograficamente morno, no que se refere ao conjunto de filmes brasileiros lançados em circuito, eis que surge uma célula viva nas telas. Se as frases elogiosas descontextualizadas das críticas impressas, colocadas no decorrer do trailer, servem para manipular o juízo de valores do espectador, por outro lado mostram que o filme teve uma boa aceitação prévia por uma considerável parte dos tais formadores de opinião. E o longa cumpre as expectativas. Filme de baixo orçamento, com captação em digital mas sem aquele frenesi típico do formato, sem aquela pressa em correr atrás do objeto filmado ou colocar a câmera na fuça dos personagens como se estivesse pronta para estourar suas espinhas. Há planos pensados, há uma seqüência lógica de imagens feitas com força, com paixão. Paulo Pons consegue construir um thriller-rodante com protagonistas com intensidade. Vingança tem o famoso “roteiro bem-amarrado” (odeio essa expressão), abdicando das cenas gratuitas e trazendo sentido a cada movimento. É bem-sucedido em trazer as reviravoltas esperadas do gênero, e acrescenta a esse clichê a mudança paradigmática de peso dramático de cada ator. Quem estava em primeiro plano na trama se apaga no decorrer do filme, e vice-versa. Ou não. Um honesto destaque brasileiro do ano, não só por seus méritos mas também por se sobressair um pouquinho diante de um ano bem apagado.

4 lentilhas

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Piratas da Somália

Vai sonhando que pirata tem a cara e o carisma do Jack Sparrow. Isso é coisa da Disney. Pirata que é pirata anda com metralhadora. Esquece o Capitão Gancho, as garrafas de rum e os baús e tesouros escondidos no fundo do mar. Isso faz parte somente do imaginário coletivo. Pirata de hoje em dia não fica famoso pelo nome ou pela cara de mau, até porque parece que nenhum deles tem cara. O recente saque ao navio de petróleo feito por corsários da Somália é o retrato verdadeiro do mundo de hoje. Grupos terroristas em ações organizadas e ambiciosas. Magricelas do Terceiro Mundo invadindo a redoma naval que determina o preço da gasolina nos cinco continentes. Uma imagem que está mais para o apartheid social do que para aquelas simbólicas lutas de facas. A bandeira da caveira mordendo ossos em cruz não é negra por acaso. Esta apagada flâmula é o reflexo de um mundo raquítico em colapso.

Janela indecente

É urgente que entre para o Código Penal um novo capítulo prevendo crimes por defenestração. Bastou o caso nardônico se tornar midiático para gerar inspiração. A recente tragédia de Guarulhos não conseguiu comover a opinião pública como o acontecimento anterior, mas é tão grave quanto. Mais do que a originalidade do crime em si, este fato revela uma série de fatores por trás disso, como a sensação coletiva de falta de segurança e de impunidade, o sistema penal arcaico, a falta de comando das instâncias, a ausência da Justiça e uma série de questões que não só ajudam a tornar notória uma situação hedionda como esta, mas também corroboram para impregnar a imagem de um país terra-de-ninguém sem soluções específicas enérgicas a curto prazo.

Ocupando a Imprensa

De 21 de novembro a 21 de dezembro, o Centro Cultural Grupo Silvio Santos recebe projetos em artes cênicas para participação em sua terceira edição do Vitrine Cultural 2009, no Teatro Imprensa. Os jornalistas Valmir Santos e Kil Abreu serão os curadores responsáveis pela análise e seleção dos projetos.

Cada proponente poderá inscrever até dois espetáculos, inéditos ou não, compatíveis com os critérios de seleção do projeto: excelência artística, originalidade, currículo dos integrantes e compatibilidade técnica com o teatro e os recursos disponíveis. É uma proposta para dar espaço a artistas e grupos teatrais que desenvolvam trabalhos de pesquisa, com linguagem inovadora, além de fomentar um trabalho de cunho social.

Ao longo de 2009, serão contemplados e subsidiados 9 produções teatrais para a Sala Vitrine e 3 para o Teatro Imprensa. Serão R$ 36 mil para a temporada no Vitrine e R$ 20 mil para as sessões na Sala Imprensa.

O Grupo comprará as sessões dos espetáculos selecionados e, em contrapartida, no primeiro mês de cada temporada, será feita uma campanha (alimentos, agasalhos, livros, etc.) em troca do ingresso. Nos dois meses seguintes a bilheteria vai operar com preços populares (R$10,00 e R$ 5,00).

Os projetos deverão ser postados ou entregues pessoalmente no Teatro Imprensa, na Rua Jaceguai, 400, CEP 01315-901, Bela Vista, São Paulo. Mais informações sobre o regulamento podem ser obtidas no hot site www.projetovitrinecultural.org.br . O resultado será divulgado no dia 27 de janeiro, no Teatro Imprensa. Dúvidas podem ser tiradas pelo e-mail projetovitrine@centroculturalgss.com.br – no campo assunto, especificar Vitrine Cultural/2009.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Machucando as teclas

Que teclado ergonômico, que nada. Meu negócio sempre foi a martelada. Não sei se é porque eu sou da geração das máquinas de escrever portáteis, mas me acostumei a sentir o peso de cada quadradinho do tablado escrito, a ouvir o som que a palavra produz em seu processo de gestação, como se fosse o grito de uma criança nascendo. Pessoas que digitam fazendo cosquinha no teclado certamente não viveram essa época mais suada, e dificilmente sentirão esse gostinho de escrever com os ossos. Soube que, numa agência de propaganda, costumavam chamar os módulos datilográficos de moedores de carne. A sensação era essa mesmo, ainda mais quando a agência em questão sugava até a alma de seus escribas. Imprimir idéias era uma carnificina, um trabalho não somente intelectual como alguns vislumbram. Metaforicamente falando, saía sangue dos dedos. Ser criativo era mais visceral, mais filme gore. Mantenho o hábito de digitar como se estivesse esculpindo o texto. Eu, redivivo da Idade da Pedra Lascada, continuo talhando cada letra das minhas frases mentais. Quando fiz um teste pra dar aulas em cursinho, havia na ante-sala um estoque interminável de giz. Sou marujo de primeira viagem, modestamente achei que um par de três resolveria meu problema. Que nada. Eu tinha me esquecido completamente de que costumo escrever forte, fixando a caneta no papel até quase rasgar. Uma vez, uma professora do ginásio me disse que meu caderno parecia ralador de queijo. E, por não ter sido aprovado pelo comitê que avaliou minha performance, fiquei ainda com mais inveja dos professores. Eu queria passar por esta experiência. Mestres e doutores completamente sujos de giz, como se acabassem de sair da lavoura arcaica. Operários do ensino que deixam as suas impressões digitais na camisa de quem conversa com eles. Aquilo sim é uma imagem prototípica do labor em prol do saber. O giz, calcário mineral que serve para instruir a nação, que faz arder os ouvidos no seu contato com a superfície irregular da lousa, nas mãos destes lavradores do conhecimento. Qualquer semelhança com o redator não é mera coincidência. O giz é a veia do propedeuta. Pulsa a cada matéria e culmina jorrando seu sangue de sabedoria no quadro negro tela pictórica renascentista. Isso sim é o grito primal e ululante do processo criativo. Mas tudo bem, vamos voltar a nos acostumar com aqueles sofisticados, insípidos e inofensivos carpaccios de letrinhas.

Império romano

Parece que o novo investidor de pontos micados é a Vila Romana. Abriu recentemente uma filial no Shopping Paulista, ocupando o lugar da extinta Virtual Music. E, descobri ontem, está construindo mais uma loja, agora no Conjunto Nacional, coincidentemente substituindo outro estabelecimento de som/cine/vídeo, a Love Music. É notório que, com os downloads e a música de bolso, as lojinhas de CDs e DVDs tendem a sumir do mapa. E ainda não inventaram nenhum programinha para baixar roupas (no sentido tecnológico, é claro). Não sei se há uma agressiva estratégia de marketing ou a previsão de uma enxurrada de lançamentos por trás disso. Mas essa invasão romana é a constatação de que, nos tempos do Torrent ou do Lime Wire, não é mais necessário conquistar o mundo vestindo pesadas armaduras metálicas. Basta alguns apetrechos de moda masculina com um custo relativamente modesto e uma dose certa de bom gosto.

Mantendo a linha

Agora que a Mostra de Cinema acabou, é hora de lançar avidamente os filmes acumulados que não encontraram espaço no circuito dividido entre o referido festival e os demais lançamentos comerciais. Nesse bolo, inclui-se a enxurrada de filmes nacionais que, especificamente na sexta passada, veio às pencas: Pan-Air, Orquestra de Meninos, À Margem da Linha, Meu Nome é Dindi, além da pré de Pan-Cinema Permanente. Frente a este cenário, resiste em cartaz dois outros longas, Linha de Montagem e Linha de Passe. O primeiro vai muito na linha (sem querer ser pleonástico) da dobradinha Peões/Entreatos. Documentário que mostra um outro tempo do sindicalismo, quando as reivindicações eram mais justas e menos políticas, as lutas salariais eram verdadeiras, a mobilização operária fazia todo sentido. Impressionante como o Lula, desde aquela época, tinha uma retórica tão convincente que conseguia fazer um número de pessoas equivalente a um estádio de futebol lotado ficar quieto e concentrado. Hoje as greves são coercitivas, motivadas por interesses de classes específicas. O movimento sindical resume-se a piquetezinhos atrapalhando o trânsito da Av. Paulista. Um filme que me incitou a fazer uma comparação histórica. Já o outro me trouxe outras reflexões. Funciona quase que como uma antítese do norte-americano Quatro Irmãos, pois aqui a figura materna não consegue dar conta de ser o elemento conectivo de uma estrutura familiar fragmentada. Um dos finais mais impressionantes do cinema brasileiro. Seja por causa do patriarca Luís Inácio ou da premiada Sandra Corveloni, tente encaixar um horário na sua agenda para qualquer um deles, antes que saiam de cartaz e cedam suas cadeiras para as cópias natalinas.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Kassab Obama

Bem mais interessante o dualismo partidário estadunidense republicanos x democratas do que o enfadonho segundo turno na cidade de São Paulo. Confesso que, se tivesse a chance de optar, escolheria votar em Obama ao invés de ratificar o resultado da eleição chocha do alcaide aqui da minha cidade. Quem votou ontem se sentiu um coadjuvante da História. Venceu a transformação, o inconformismo, o basta-de-guerra. Entra em cena o novo, o sonho de reduzir a crise financeira, a vontade de rever uma economia saudável, a esperança. Obama, por si só, já é a síntese de uma quebra de paradigmas. Com certeza, ele vai fazer mais bem ao mundo do que o herdeiro das batatas fritas transgênicas. Aqui na Terra da Garoa, todavia, tivemos de apertar a tecla da continuidade. Nem tanto pelo legado kassabiano, que até que administrou a cidade com uma certa dignidade. Mas o pleito aqui foi marcado mais pelo anti-martismo. Devo admitir alguns acertos da ex-prefeita, mas ninguém sente saudades da taxa do lixo, das arvorezinhas na Faria Lima, dos CEUs de fachada, do trânsito entupido na Rebouças, do túnel da Cidade Jardim que liga nada a lugar nenhum. Da arrogância, do temperamentalismo, do PT de butique. No que diz respeito às urnas, aqui quase nada se mexeu. Vamos continuar discutindo se o Bilhete Único será válido para 3 horas ou 3 horas e meia. Já nos Estados Unidos, os eleitores vão poder guardar de recordação um tijolo daquele muro-de-berlim chamado Era Bush.

Boa ação

Tava me sentindo meio preguiçoso e acomodado em relação às ações de responsabilidade social, tão em voga hoje em dia no mundo empresarial. Acho muito bonito o voluntariado, mas confesso que nunca me vi suficientemente motivado a tirar as nádegas da cadeira e fazer algo de bom ao próximo. Mas hoje bateu aquela coceira de deixar o individualismo um pouco de lado e ganhar pontos com o divino de lá de riba. Foi a história da Eloá e de sua família que me inspirou e me amoleceu? Não sei. Após o almoço, fiz o cadastro que me habilitou a ser doador de medula óssea. Preenchi um formulário e fiz a pequena coleta de sangue para análise laboratorial. O saguão do prédio estava bem cheio, prova de que a solidariedade ainda é marcante entre os brasileiros. Geralmente não costumo dar esmolas, alegando preferir ajudar uma instituição de caridade. Mas, na prática, isso também nunca faço. Hoje então foi o dia de eu reconsiderar essa postura e deixar meu esporádico altruísmo bater mais forte. Tomara então que ele seja útil.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

De coração

Quando era adolescente, gostava de hardcore. Depois passei a conhecer o metalcore. Hoje, só tenho condições de me ligar no Incor.

Fim do ciclo

Ainda batendo na mesma tecla, mas longe de querer botar uma pá de cal no assunto, me pareceu bastante interessante minha experiência derradeira na Mostra deste ano. Em primeiro lugar, abrindo parênteses, quero reforçar que, para evitar parecer ressentido ou tendencioso, com alegações parciais e julgamentos passionais, a coletiva do júri foi bastante diferente da anterior que abriu o evento. Desta vez, houve um número menor de tietes e um foco maior ao cinema. Ficou mais clara a composição do júri, os critérios não pré-estabelecidos de premiação, a tentativa de se valorizar o documentário ou dar ênfase a este gênero com uma premiação diferenciada, enfim, estávamos lá numa mesma sintonia, falando mais em arte e menos em números. Justiça seja feita. Mas voltando. Em 96, meu primeiro ano de maratona com credencial, escolhi para mim mesmo o filme Kavafis, dirigido pelo desconhecido Yannis Smaragdis, visto no extinto Cine Paulistano, como o melhor da Mostra daquele ano. Foi a partir dali que decidi eleger um número 1, um supra-sumo do festival nos anos seguintes. Isso me motivou a procurar por obras-primas escondidas, a garimpar por trabalhos excelentes sob meu particular ponto de vista, a eleger o Mr. Universo cinematográfico que foge aos padrões previamente estabelecidos nos demais festivais mundiais. Não sou, sob esse aspecto, alguém que faz questão de navegar contra a corrente. Mas entendo que a Mostra serve um pouco pra isso também. Se é Cannes, Veneza ou Berlim que ditam as regras do bom cinema, pra que então freqüentar insanamente as salas da região da Paulista? O fato é que, por razões mais minhas do que da Sétima Arte, eu queria encontrar um outro Kavafis. Um filme no mesmo patamar do inspirador. Foi este trabalho que me motivou a ler os poemas do escritor grego, a criar minha primeira comunidade no Orkut enquanto eu ainda estava cadastrado nele, a me dar o prazer de entrar em contato com uma partícula da literatura grega, tão pouco difundida nos tempos do emoticon e do hai-kai. E eis que, uma dúzia de anos depois, tenho a oportunidade única de assistir a El Greco, do mesmo diretor, pagando a quantia irrisória de R$ 1 (Cine Olido). Pelo que ouvi da representante da distribuidora que compareceu à sessão, o filme fez mais de 1 milhão de pessoas em seu país de origem. Pelo que li, o diretor não produziu mais nada pra cinema nesse ínterim. Um ou outro que viu o filme em cabine não gostou, mas mesmo assim a expectativa era grande. E, infelizmente, El Greco não cumpriu em satisfazer essa ansiedade. Smaragdis envelheceu. Deixou de lado sua força subjetiva de trazer poesia às imagens e cedeu a um aparato eloqüente, de gosto duvidoso, voltado a lições didáticas. Essa roupagem rebuscada pode até ter dado dinheiro aos produtores, mas nada acrescentou ao cinema. E aquela sala apertada do Centrão, que me fez lembrar do Metrópole e do Arouche quando ainda comprava ingressos individuais, a decadência (do ambiente, do diretor, da Mostra), aquela sensação de fim de tarde de sábado quente era o invólucro mais apropriado para sintetizar o encerramento deste ciclo. Seria impossível continuar a cultivar a Mostra diante da angústia do ocaso. Melhor voltar pra casa e acreditar, tristemente, que este evento renascerá renovado no ano que vem.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Meu boicote à Mostra

“Que absurdo ver tanto filme em tão pouco tempo. Isso é coisa de maluco”. Essa era minha impressão resumida sobre os cinéfilos que freqüentavam e freqüentam, assiduamente, a Mostra de Cinema. Para sentir na pele o que é esse hábito viciado, fiz uma espécie de autoteste com toda a curiosidade de São Tomé que me cabe e comprei a permanente integral, que dá direito a ver todos os filmes do festival. Não teve jeito. Passei a encarar com a maior naturalidade aquilo que antes achava uma aberração. Como diria minha mãe, eu “fui picado pelo bichinho da Mostra”. Isso foi em 96. De lá pra cá, todos os anos, eu compro a permanente e mergulho nessa saudável insanidade.

Mas nesse ano resolvi fazer diferente. Como em tudo na nossa vida, existe um momento em que é necessário reciclar valores e repensar comportamentos. Adotei 2008 (32ª Mostra) como uma ano sabático, por diversos fatores que esmiuçarei a seguir. A maioria dos argumentos refere-se a questões meramente pessoais, mas é bom registrar também que, se não for tomada nenhuma atitude, pela lei da inércia tudo ficará exatamente como está.

O primeiro deles é por uma boa causa. Está entrando dinheiro na minha conta bancária. Diferentemente de muitos amigos, que infelizmente se sentiram obrigados a abandonar a maratona para conter suas despesas pessoais, no meu caso andei acumulando uma série de freelas e trabalhos temporários. Adquirir a permanente para ver pouca coisa não compensa seu investimento. Graças a Deus, o mercado publicitário vive uma situação próspera. Como o susto da Bolsa irá trazer conseqüências desfavoráveis num futuro próximo, isso é inevitável, é bom aproveitar este curto momento de calmaria.

Outro motivo, de menor relevância mas que também contribui para meu sumiço, é que andei notando um certo cansaço do festival. Antes pra mim tudo era uma novidade, uma grande surpresa. Tenho saudades dessa época mambembe, em que prevalecia a experimentação e o rumo ao desconhecido era uma inerente regra. Com a minha profissionalização (se é que dá pra se chamar assim) em relação à arte, com a proliferação dos sites e geradores de conteúdo em primeira mão, a informação prévia passou a ser o mecanismo condutor dessa rota considerada alternativa. Aquilo que era tido como inédito foi aos poucos se submetendo a um crivo pré-determinado que foge aos conselhos dos amigos, ao bate-papo informal, à informação quente de boca-de-urna. A Mostra vem, cada vez menos, contemplando o novo, o obscuro. Com tanta informação à disposição, fica uma sensação de que o oculto cedeu lugar ao esquematizadinho. O imprevisível da Mostra perdeu seu brilho, seu encanto. Desde que comecei a fazer parte de organismos de divulgação cultural, tenho a impressão de que tudo o que penso e que todas as minhas sensações e impressões primeiras devem ser transformados em texto, em artigo, em matéria, em votação. Em alguns casos, numa desenfreada corrida contra o tempo, em que a análise amadurecida poderia ganhar ares de notícia velha. A Internet trouxe inúmeros benefícios, mas nada como a arcaica troca de experiências, sem esse pragmatismo mecanicista todo.

Agora vamos aos critérios práticos e alheios. Uma parte bastante considerável do acervo acaba, mais cedo ou mais tarde, entrando em circuito. Os filmes mais aguardados, como dos irmãos Coen e Dardenne, com certeza absoluta. Alguns improváveis também. A Mostra tornou-se uma espécie de avant-premiére de luxo. É preferível ver estas películas no conforto das salas vazias, sem a notória muvuca que caracteriza o evento, e ainda com a possibilidade de escolha (ainda que mínima, em alguns casos) de salas e horários.

Uma tendência que me desagrada bastante é a presença progressiva e massiva do digital. Mais de 200 títulos (quase a metade) serão exibidos neste formato, de acordo com o próprio organizador. Aquilo que foi colocado por ele em tom sorridente e positivo de modernidade pra mim soa mais como desleixo ou economia burra. Nada contra o digital em si. Muitos realizadores optam por esta tecnologia de captação de imagens para viabilizar seus projetos. Trata-se sim de um meio mais acessível, mais ágil e mais democrático. O que me incomoda é a baixíssima qualidade de reprodução destes trabalhos, equiparados nas bilheterias às grandes produções. Não há a mínima concessão, não existe a mínima distinção de valores de ingresso entre a boa e velha película e a exibição em digital, muitas vezes pecando por sua imagem tosquíssima e seus inúmeros problemas de sinal “aperte o play” vindo lá dos cafundós da sede da Rain Network. Numa sociedade que cada vez mais preza e sonha com o Blu-Ray, o HDTV, a câmera de 12 megapixels, é inaceitável assistir a filmes chapados, desbotados e esmaecidos, sem contraste algum, no mesmo patamar de qualidade dos DVDs de camelô.

Ainda me lembro dos tempos em que o cinéfilo era uma prioridade na Mostra. Nas aberturas do festival, por exemplo, os contratados praticamente estendiam um tapete vermelho aos freqüentadores de carteirinha. O convite à abertura era automático aos portadores de permanentes. E algumas destas sessões inaugurais foram memoráveis, como o show da banda do Kusturica. Entretanto, desde que este momento passou a ser realizado no auditório do Parque do Ibirapuera, cada vez mais o cinéfilo foi perdendo o seu direito credencial. Disputando lugar a tapa com celebridades e autoridades políticas, o assento do verdadeiro cinéfilo foi reduzido a uma cota de 10% dos lugares disponíveis, mediante inclusive à impressão do convite eletrônico e troca deste papel por uma senha na recepção. Não reclamo aqui do fato de que este evento ficou mais chocho, mais discursivo e mais enfadonho. Mas aquilo que era um benefício consagrado tornou-se objeto de disputa, algo totalmente desnecessário para quem foi tratado como VIP durante décadas, mesmo não sendo figuras socialmente tão relevantes quanto as beldades emergentes, a classe artística ou as sumidades públicas. A Mostra de Cinema não é baladinha da Vila Olímpia. Apesar de eu estar me referindo a apenas um único dia desta maratona, esse recorte é um registro claro e sincero de que o evento como um todo tornou-se cada vez menos cinéfilo e cada vez mais político.

Essa minha atitude convicta foi planejada com uma certa antecedência. Tudo poderia mudar no início do jogo. Mas não. Um incidente razoavelmente constrangedor, resultado de uma postura lamentavelmente antipática e arrogante, comprometeu o nome de três freqüentadores assíduos, cujas participações só teriam a contribuir com o sucesso da Mostra. E, por atingir diretamente a mim, essa demonstração equivocada de seriedade e de controle absoluto só ratificou minha precipitada tomada de decisão. Superei a miguelagem das credenciais concedidas a críticos e jornalistas e continuei comprando a permanente. Superei a restrição recente em relação ao desconto de 15% do Clubefolha (algo em torno de R$ 60), agora válido somente para os assinantes titulares. Mas nada supera a petulância. É por meio deste meu boicote ao conjunto de filmes da Mostra e por meio desta minha atitude de repúdio ao atual estado das coisas que, depois de uma dúzia de anos, deixarei de comprar a permanente. Não sei ao certo se minha firmeza de propósitos acarretará numa insensatez de minha parte. Afinal de contas, os filmes propriamente ditos nada têm a ver com isso. E a gente sabe que, apesar de tudo, a Mostra carrega preciosidades irrecuperáveis. De um modo geral, as retrospectivas têm sido o grande acerto da organização do festival. Isso sem contar os filmes de lançamento improvável. Existe ainda uma chance de eu superar esta postura radical e ceder um pouco no que se refere aos trabalhos menores. Um ou outro, quem sabe, aqui e acolá. Mas, com toda segurança, a Mostra pra mim já não é mais a mesma. No mau sentido. Ela não está se renovando, muito pelo contrário. A balbúrdia dantesca continua livre, leve e solta. A Mostra está apenas se esquecendo de uma parcela que, durante toda a sua existência, só ajudou no seu sucesso. Se esta mudança de paradigma, se esta “transferência de papéis” faz com que os pratas-da-casa sejam tratados com descaso, então a Mostra não é mais o lugar pra mim. Que o patrocínio da Petrobras é infinitamente superior à somatória de bilheteria de todas as sessões, isso a gente sabe. Mas cinema não é feito para poço artesiano, é feito para o público. Para formar opiniões. Para debater e difundir idéias. Se o discurso ideológico foi trocado pelo discurso financeiro, algo comprovado na coletiva de imprensa, então a minha parte eu já estou fazendo. Se depender de mim, a Mostra ficará R$ 390 mais pobre.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Can$ei de $er Mo$tra

A maior surpresa da Mostra de Cinema é, até o momento, não ter havido surpresa alguma. Desde que freqüento as coletivas de imprensa, isso tem coisa de uns cinco anos, foi a primeira vez que nenhum jornalista fez perguntas antes do início da exibição do filme. Foi um evento atípico, justamente porque não tinha cara de evento. Os principais organizadores, Leon Cakoff e Renata de Almeida, não conseguiam esconder suas caras de cansaço. Após a patacoada de sempre dos convidados (inclusive fazendo uma menção superficial, irônica e inverossímil de que a crise financeira não iria abalar o cinema brasileiro), que pareciam ter acabado de acordar, a coletiva começou com Cakoff e Renata trazendo números sobre os custos de produção e de organização de um acontecimento de tal grandeza. Como se estivessem prestando contas à União, ambos exemplificaram, com rigor e cheios de detalhes, alguns gastos financeiros desde o valor da principal matéria bruta envolvida no processo (a equipe de colaboradores e profissionais terceirizados, que chega a valer durante este festivo período em torno de R$ 1 milhão) até pormenores que, no contexto, passam quase batido, como os subsídios e as despesas de legendagem eletrônica. Tudo muito translúcido, transparente, que confirmou a honestidade de quem aplica o dinheiro, a importância dos patrocínios e a necessidade de continuar a batalha de esticar o chapéu para que o evento oficialmente reconhecido pela Prefeitura de São Paulo como parte integrante do calendário cultural da cidade se perpetue. Tudo muito aberto, tudo muito bonito, não fosse por um aspecto: não era isso que os jornalistas queriam saber. Nosso papel ali não era de investigadores da Justiça, fiscais da Receita e auditores independentes. Se achamos abusivo o valor cobrado pelo ingresso individual (R$ 18 nos fins de semana), acharemos abusivo em quaisquer circunstâncias, independentemente dos fatores que levam à contínua e progressiva elevação do preço. E, embora sejamos convictos de que é necessário um recálculo dos valores ou uma readequação para um melhor encaixe ao orçamento dos cinéfilos, naquela manhã de sábado ensolarado estávamos ali para encontrar pessoas, ficar a par das novidades e, principalmente, falar de cinema. Este assunto, entretanto, passou quase que como um trailer, um aperitivo. Fazer contas na ponta do lápis ao invés de esmiuçar a mais abrangente e a mais provocativa das artes na atualidade talvez seja um indício de que o caráter multiangular, investigativo e transgressor ficou lá pra trás. Aos 32 anos a careca, barriguda e chefe-do-lar Mostra de Cinema está mais preocupada em equilibrar o orçamento familiar. Muito embora se tenha mencionada a recente crise da Bolsa, em tom de pilhéria, nada se evoluiu em relação à polêmica levantada no ano passado pelo próprio organizador Cakoff – a crise da cinefilia. A jornalista, crítica de cinema e divulgadora cultural Maria do Rosário Caetano, neste ano, não esteve presente na coletiva. E ninguém a substituiu para fazer a pergunta de sempre: qual o Estado do Cão deste ano? (Para quem não sabe, há mais de 10 anos este filme foi dado como o ícone, o representante máximo de filme atual e provocativo para os padrões da época). Sobre este apêndice chamado cinema, foi comunicada muito vagamente a escolha do diretor Win Wenders em sua carta branca para diretores e realizadores contemporâneos. Mais uma notinha ou outra, devidamente roteirizada e sem a menor capacidade de entreter. O fastio do casal-mor, presença outrora tão aguardada pelo público, era tão aparente que nem deu pra disfarçar o pouco entusiasmo sobre os improvisos previamente ensaiados. Só mesmo um pequeno acidente de verdade (quase que o protótipo do troféu Tomie Othake cai ao chão) para fazer acordar a platéia. Naquela manhã angustiada, me ficou a triste dúvida: é a Mostra ou são os atuais jornalistas desinteressantes? Talvez até, em decorrência dessa prévia enfadonha, a Mostra deste ano seja relativamente boa. Quando a expectativa é a mais baixa possível, qualquer resultado positivo, qualquer gol de pênalti já é o suficiente para empolgar. Já estamos mais ou menos escolados sobre isso, visto que na 30ª houve um grande auê sobre o evento e o balanço final foi bem aquém do esperado. Horas de Verão, de Assayas, filme que sucedeu a coletiva, é digno de participar dos festivais mais sérios e badalados. Ainda assim, a monetização pragmática da arte deixou um gosto amargo e uma sensação aborrecida.

Bug de verão

Com tanta precisão tecnológica, é risível o que aconteceu neste fim de semana. Alguns sistemas operacionais de micros e operadoras de celular acertaram automaticamente seus hardware para o horário de verão. Máquinas e aparelhos foram incorretamente adiantados em uma hora. Se, da mesma forma que houve um acordo ortográfico, fosse sancionado um acordo cronológico para padronizar tudo quanto é maquinário movido a relógio, aí tudo bem. Ou todos estão certos, ou todos estão errados. Mas o problema foi, para os desprevenidos, saber qual quinquilharia estava no horário e qual estava adiantada. Nessa época do ano, há tempos atrás havia todo um procedimento, rotineiro e automático e quase artesanal, mas que pelo menos não dava margens a erros: acertar o relogião da cozinha que quase sempre fica parado, acertar todos os relógios de pulso que a gente quase não usa, acertar o fax/secretária eletrônica que certamente irá se desregular na primeira queda de energia, acertar o computador, relógio do carro, celular, etc. Hoje, algumas empresas que controlam o tempo de lá de longe querem facilitar nossa vida. Mas, no país das pororocas e dos diversos fusos e confusos, nem sempre conseguem.
(A propósito, o horário de verão oficial terá início às 0h do dia 19 de outubro, próximo domingo).

Andando pra trás

Tá todo mundo se borrando de medo. Vai por mim. Trabalho há quase 20 anos em Propaganda. Já atendi em duas oportunidades contas de varejo do setor automobilístico. Escalar executivos da empresa anunciante para dar um testemunhal em benefício próprio pode parecer, para o mercado como um todo, uma iniciativa mercadologicamente correta para demonstrar seriedade, segurança e credibilidade. Mas, na linguagem dos bastidores, esta aposta segura nada mais é do que um cagaço empresarial para a ousadia. Nada contra usar os chairmen como garotos-propaganda de suas fábricas. No lançamento do Corsa, o personagem velho ranzinza era na verdade um diretor do alto escalão da General Motors na época. Mas agora, imediatamente após a grande queda da Bolsa, trazer um engravatado para falar das promoções, preços e condições especiais da linha GM em tom sisudo e objetivo é sinal de que alguma coisa não vai bem. Caso contrário, a empresa investiria com mais tranqüilidade numa comunicação mais criativa, alegre, moderna, que falasse diretamente com o público jovem, na mesma língua e na mesma sintonia. Se a montadora quer anunciar da maneira mais clara possível suas ofertas para não correr qualquer tipo de risco, essa seriedade aparente pode significar uma faca de dois gumes. Normalmente, plantões informativos, boletins de última hora e discursos de oradores vestidos socialmente, além de chatésimos, são para trazer notícia ruim. Não quero ser pessimista mas, quando o cargo máximo de uma firma é convocado, isso quer dizer que soou o alarme vermelho do chão de fábrica. Não é o presidente da Chevrolet que vai acalmar o mercado. Não é o presidente da Citroën da América do Sul que vai reverter os investimentos e a confiança no Brasil e no Rio de Janeiro. Se até o segmento automotivo, que até há pouco estava rindo à toa, é o primeiro a recuar em irreverência e tomar atitudes retraídas, o que será então dos setores mais conservadores da economia? Torçamos para que esse u-turn frente ao novo não se reflita em resultados decepcionantes nos principais festivais de Publicidade.

Mc Min

Não se deixe iludir por um enorme banner e pelo texto que faz referência a um produto reformulado e gigantesco. O novo Mc Max, do Mc Donald’s, é resultado dos mais picaretas de propaganda enganosa. Fuja dele, a não ser que você seja adepto a comer pouco e gastar muito. O combo mais caro da rede (R$ 16, composto pelo sanduíche, porção média de batatas fritas e refrigerante de 500ml) é fajuto e decepcionante para quem está acostumado a consumir bem e pagar um preço justo. Se ainda houvesse algum ingrediente especial, diferenciado e exclusivo, vá lá. Mas o tal “imenso” lanche nada mais é do que um convencional cheese-salada, que fica sambando folgadamente na caixa em que é embalado. Se a sua fome pantagruélica é por justiça, opte então pelo assertivo Big Tasty ou procure os concorrentes mais leais. Caso contrário, sua frustração será max.

Rebuceteio

Quando eu fazia parte do quadro editorial do Cinequanon, lembro-me de que o acesso ao site via ferramentas de busca subiu consideravelmente logo após a publicação de uma entrevista com Cláudio Cunha, diretor de Oh Rebuceteio. Portanto, estou usando este expediente, com toda a gratuidade e falta de remorso que me cabe, com o único intuito de levantar os números de acesso às minhas estrábicas lentilhas. Com este recente susto financeiro, nunca se sabe como eu vou ganhar dinheiro daqui pra frente. Desculpe-me a falta de tato e de respeito, assíduo leitor, mas é uma questão de sobrevivência travestida de traquinagem. Se você está lendo os posts de cima pra baixo e veio parar aqui, pode pular o tópico pra não perder seu precioso tempo. Se você achou estas lentilhas por meio de algum google da vida, aproveite a barca furada e leia os outros tópicos que, garanto, são mais consistentes. E se você está acompanhando a atualização do meu blog com uma leitura de baixo pra cima dos posts, meu amigo, seja sincero. Mentir é feio. Ninguém em sã consciência vai procurar o que eu escrevi em agosto pra chegar aqui. A Internet atual pode até estar rebuceteada de um modo geral, mas nada justifica tanto esforço para se chegar ao nada.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A dança dançou

Diz a máxima que filme brasileiro não é lançado, é arremessado. Existem alguns casos de estratégia acertada, quando há investimentos em marketing e uma grande distribuidora por trás. De acordo com dados do Filme B, Era Uma Vez, apesar das ressalvas, lidera a bilheteria do cinema nacional de 2008. Mais de meio milhão de pessoas já foram conferir o Romeu e Julieta das favelas cariocas. Um resultado lucrativo, mas ainda inferior ao longa de estréia de Breno Silveira, Dois Filhos de Francisco. E nada comparado ao cinema nacional dos anos 70, à pornochanchada, à época em que um ingresso era equivalente a três dólares. O líder de bilheteria deste ano equipara-se a um blockbuster mediano. Esse afugentamento de público, essa distância que se criou entre a arte e as pessoas daqui não se justifica pela falta de opções cinematográficas. Toda semana, pelo menos um filme brasileiro é colocado em circuito. Pelo menos. Desde os mais abrangentes, como A Casa da Mãe Joana e A Guerra dos Rocha, até trabalhos mais específicos, normalmente apoiados pelo Projeto Folha Documenta do Cine Bombril, como Brigada Pára-Quedista ou Musicagen. Isso sem contar os “filmes para os amigos”, como é o caso de Cana Quente, dirigido pelo ex-gerente do Cinesesc, Luiz Alberto Zakir, que ainda não teve sua bilheteria contabilizada. Ou sucessos-relâmpago, filmes que abordam um tema específico, em geral voltado à religião ou às crenças, como é o caso da bomba-relógio Bezerra de Menezes. Os filmes ou documentários minúsculos normalmente ocupam a lanterninha do ranking. Em alguns casos, não chegam a 100 espectadores durante o ano. Mas não são filmes feitos pra encher salas. Desde a sua concepção, nota-se que são trabalhos desenvolvidos ou para fins acadêmicos, ou dirigidos prioritariamente a cinéfilos, estudantes de Cinema ou iniciados. E como a cinefilia já encontrou seu reduto, o lançamento no perímetro da Av. Paulista é decorrência natural desse processo. Mas o que me intrigou, nesta sexta-feira 3 de outubro, foi me deparar com um ilustre desconhecido, Dança da Vida, um obscuro documentário sobre a Terceira Idade. Esta pérola invisível ocupa, por enquanto, dois horários de uma sala do cinema do Shopping Penha e do Boavista. Por mais tímido que seja o lançamento nacional, é comum os jornalistas e a crítica receberem previamente um release da assessoria de imprensa. Neste caso, essa propagação informativa passou batido. Não faço a mínima idéia do que se trata o filme. Posso afirmar com segurança que não houve qualquer tipo de divulgação prévia, o que reforça a minha teoria de que alguns filmes são disparados como biribinhas em direção ao chão. Pode até parecer descaso e falta de respeito: com o público, com o crítico, com o programador cultural. Mas acho que, no fundo, isso é apenas o reflexo de uma pobreza tão grande de dinheiro, de visão de negócios, de noção cinéfila, que qualquer tipo de reclamação soa como chutar cachorro morto. Quanto mais filmes nacionais são despejados nas salas, menos o público torna-se cativo a eles. A dança da vida já nasceu morta, e agoniza na periferia à espera de seu enterro na vala comum da mediocridade. Depois, não adianta reclamar que o Macaco Tião da Sétima Arte ocupa a posição de rebaixamento no ranking.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Acôrdo ortographico

Está aprovado: a partir de 2012, seremos todos iguais. Pelo menos o Brasil, Portugal, Angola e demais colônias lusitanas. Do ponto de vista lingüístico, iremos nos tornar equânimes e globalizados dentro do nicho lusíada. Nosso presidente Lula Molusco assinou a lei que unifica algumas regras da Língua Portuguesa. E, como toda boa polêmica, há o lado bom e o lado ruim. Em primeiro lugar, vem a consolidação escrita da darwinista lei do uso e desuso. O novo acordo tem a proposta de enterrar definitivamente a cauda, os pêlos lingüísticos e as mandíbulas primatas do ser humano. Mas o mais importante é o aspecto econômico. A unificação de algumas particularidades do idioma deixa este conglomerado de países mais coeso e, portanto, mais forte nesta questão. Trata-se de um mecanismo facilitador das relações comerciais internacionais, da viabilização da criação de um mercado comum. Eliminar acentos diferenciais, tremas, hifens e outros rabiscos textuais é mais ou menos como desindexar o vocabulário. Esta padronização escrita funciona como um tipo de dolarização, guardadas as devidas proporções. Se a criação de um denominador comum faz com que todo mundo se entenda, então não há maiores empecilhos nesse sentido. E não me venham falar em resistências formais. A língua inglesa, cartão de crédito para o mercado de trabalho, a verdadeira moeda verbal aceita no mundo inteiro, invadiu o Terceiro Mundo sem maiores problemas. Chamar futebol de ludopédio e milk shake de leite batido foi uma iniciativa quixotesca de alguns casos isolados preocupados em preservar a integridade eugênica da Flor do Lácio. A língua é móvel, a língua é mulata, suscetível a sincretismos e miscigenações. Não adianta congelar este material vivo e deixá-lo incólume a influências e modificações. Por essa razão, vêm as controvérsias em relação à eficácia dos efeitos dessa hegemonização por decreto. A língua é o músculo-reflexo de uma cultura, da tradição de um povo, da forma de pensar de uma sociedade. Tabelar e precificar essas idiossincrasias é podar essas particularidades, circuncidar sua irreverência e sua forma de se expressar no globo.

Ainda que aparar a grama e eliminar as tranqueiras gramaticais gere essas divergências ideológicas ou acadêmicas, o que mais me preocupa não é o que é cabido, o que é excessivo ou o que ainda poderia sobreviver. Com o tempo a gente se acostuma a isso, assim como nos adaptamos ao trabalho sem registro em Carteira, à urna eletrônica, à revisão ortográfica do Word, ao dicionário do Google. A extinção do trema não é uma questão, até porque a maioria da população não faz idéia do motivo do uso de tal rebuscado acento. O que me deixa aborrecido é que, em pleno Século XXI, o método de ensino do mecanismo máximo de expressão ainda se dá na base da decoreba. Os falantes do Português estão se lixando para os conceitos, princípios e noções diacrônicas (históricas) que regem o processo de formação de palavras, por exemplo. Uma teoria que parece inútil, mas que pode ajudar na compreensão da utilização ou não do hífen. Passar a lixa nos sinais gráficos, pura e simplesmente, continua sendo algo tão burro quanto acentuar tudo quanto é vogal que aparece na frente do escrevente. Essa reforma não veio para simplificar, como se imagina. Ela veio para estatelar o vigor da língua. Macaquear outros idiomas considerados “avançados” por seu poder de síntese. Sem acentos, somos mais parecidos com os norte-americanos. Existe uma preocupação coletiva voltada muito mais ao fato de se entender o quanto essas mudanças irão mexer com a rotina da escrita. Grande parte das modificações previstas centra-se nas vogais: acento diferencial, acento em ditongos abertos, trema, etc. Em contrapartida, a Internet está começando a criar um outro código lingüístico, recheado de imagens (emoticons) e de abreviações. Vc, tb, td, tks, abç, bjs, blz, vlw, são alguns significantes meramente consonantais. Como se pode perceber, para esta nova e estranha língua que há de ser inventada o valor semântico recai sobre as consoantes. As vogais são letras de ligação, vácuos anódinos. Então, por que tanto peso sobre as tais vogais nesta reestruturação vernacular? Pensar nesta padronização, ainda que tardia, não seria ir na contramão da comunicação dos novos meios e formatos? A meu ver, decepar essas manchinhas sobre as letras não é mutilar o idioma. Já não se pode dizer o mesmo sobre o descaso em relação a esse legado histórico, esse patrimônio nacional. O que dizer então da maneira ditatorial e pouco saborosa de se ensinar o Português no Brasil? Num país em que ainda há analfabetos, discutir sobre a inclusão do k, w ou y é algo tão inócuo quanto hipócrita. Adequar-se ao novo é mais do que necessário, isso é óbvio. Mas eu quero ver é se esta língua mais enxuta, se este uniforme tamanho P vai servir para o físico do novo brasileiro. Ou se vai continuar bem largo para quem dá de ombros para as transformações.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

O perfil do blogger

Blog é coisa de nerd. Blog é coisa de viado. Quem não tem nada pra fazer cria um blog. Quem quer impressionar as meninas divulga seu blog. Blog é o consolo de quem não se acha suficientemente criativo pra publicar um livro. Se texto de blog fosse bom, não estaria disponível gratuitamente na web. Blog não dá dinheiro. Blog não se define como mídia. Blog não tem credibilidade de informações. Blog é só um diário bonitinho pra agradar os amigos. Blog é superficial. Blog se diz democrático, mas os números de acesso comprovam ser um meio tão elitista quanto a TV. Então, por que diacho continuar escrevendo um blog?

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Baby Love

Acaba de nascer uma modalidade de repartição cinéfila, a meu ver, um tanto quanto bizarra: a sessão materna. Tanto o Arteplex Frei Caneca quanto o Bristol foram pioneiros em São Paulo ao adotar esse filão, diariamente, por volta das 14h. As salas foram devidamente adaptadas para acomodar confortavelmente as lactentes e os bebês chorões: ar condicionado em temperatura mais branda, volume de som mais baixo, luzes laterais acesas durante toda a projeção, babás de plantão no lugar da brigada de combate a incêndio, etc. Só faltou o campo de golfe (vulgo regurgitódromo). Fico imaginando como seria a composição da bonbonnière: super combo com 1kg de papinha Nestlé e 2 copões de Coca-Cola com leite quente dentro, festival de sopa de mingau, e por aí vai. Colher em formato de aviãozinho grátis. É certo que os recém-casados fogem da vida social ativa e deixam de fazer várias atividades que costumavam fazer quando solteiros, e essa iniciativa é uma maneira de fazê-los voltar aos poucos ao roteiro cultural da cidade. Mas não deixa de ser esquisito. Se eu já me incomodo com a presença de crianças pequenas na sala, aquele barulho todo, imagina uma sessão dedicada aos falantes e berrantes, em que os progenitores não conseguirão assistir ao filme sossegados porque deverão dar mais atenção às suas crias. Lembro que minha primeira experiência cinematográfica foi traumatizante: aquelas cores em movimento, a dimensão daquele pano alto na minha frente, imagens que eu não conseguia abstrair, enfim, incompreensão total. Acho que eu não estava preparado para adentrar esse estranho universo. Mas isso foi nos tempos de antanho. Hoje, com chocalhos e caixinhas de música, vai ser fácil, fácil os rebentos apreciarem o remake de Violência Gratuita.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Massa

Hoje minha massa encefálica trabalha para produzir massa crítica para que eu não me transforme em massa de manobra.

Pegando pesado

Em relação a alguns assuntos e comportamentos, sou ainda um pouco ortodoxo, meio xiita. É por isso que eu condeno o novo comercial da cerveja Nova Schin. Nada contra o filme propriamente dito. Mas a mensagem transmitida não me desce redondo. Lá, existe uma tolerância dada a um espectador distraído que deixa o celular ligado na sala de cinema. Nem quero entrar no mérito dos motivos de tal desatenção, mas o afrouxamento implícito em relação ao respeito ao próximo é que me incomoda. Quando se fala em comunicação de massa, o tratamento e o efeito dado ao particular se alastra por metonímia ao conjunto. Ou seja, ali o subtexto diz que todo e qualquer espectador tem o direito de deixar o celular ligado. Afinal o freguês, aquele consumidor que se sente o dono do mundo, é quem sempre tem razão. Sou ainda do tempo das diligências. Neste exemplo específico, muito reticente quanto ao moderno, ao produto que se autodenomina "novo". Se para a companhia cervejeira de Itu pegar leve significa permitir sonoridade alheia no ambiente silencioso, conversar durante a sessão, chutar a cadeira da frente, passar o sinal vermelho e suavizar os pontos da escala etílica no exame do bafômetro, fico então do lado do bigodudo do faroeste. Antigo, poeirento, mal-humorado, mas que pelo menos tenta resgatar o desusado hábito do exercício da cidadania.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Votem em mim

Conheçam um pouco mais da minha plataforma política no que se refere à Sétima Arte:
- Ingresso Único: com o pagamento de apenas uma entrada, pode-se assistir a vários filmes num período de 6 horas, em qualquer sala, respeitado o limite de 3 filmes neste período
- Ingresso Amigão: as mesmas condições acima, só que com período estendido para 10 horas (aos fins de semana)
- Fura-Muvuca: passagem subterrânea do Cinesesc até o Shopping Frei Caneca, a fim de evitar o demoradíssimo semáforo da Paulista X Augusta e o congestionamento dos lerdíssimos pedestres deste trecho
- Leve Café: café da manhã gratuito e obrigatório em todas as cabines de imprensa, sem distinção de distribuidora, qualidade do filme ou horário da sessão
- Estréia Garantida: multa diária às distribuidoras que atrasarem seus lançamentos em circuito em relação à data de estréia prometida
- Cinema 4D e 5D: intensos investimentos em pesquisa para o aprimoramento desta nova tecnologia
- CEU: programa de Responsabilidade Social, voltado ao ensino, treinamento e aperfeiçoamento da atividade crítica, no sentido de se fazer inclusão social, profissionalização e preparo para o mercado de trabalho. Obs.: o programa começa com o estágio de alfabetização, a quem interessar possa
- Controle de zoonoses: distribuição ampla e gratuita de focinheiras aos freqüentadores que têm o hábito de conversar durante a sessão
- Tropa de Elite: combate à pirataria e multa às distribuidoras que lançarem seus produtos diretamente para o DVD
- Exclusão Digital: projeto para banir toda e qualquer cópia exibida no formato digital, padrão Rain Networks
- Lei Cidade Limpa: dispensa comentários, quando o assunto são os critérios de lançamento nos cinemas

Ghost Wilker

Odeio novelas. Nada contra quem assiste ou quem encontra algo substancialmente aproveitável em termos de linguagem televisiva, mas me incluam fora disso, por favor. Ainda assim, foi inevitável ver o comercial da próxima novela da Globo, Três Irmãs. Que, ao que tudo indica, deve ser pra lá de capenga. E nada mais apropriado do que escalar o canastrão José Wilker para fazer o papel de um fantasma, um ex-marido que assombra a ainda viva esposa da soap opera. Wilker (o personagem dele mesmo) morreu e ainda não sabe. Aquela dislalia, aquela fala molenga e aquele olhar vítreo e ébrio para o infinito, em todos os seus últimos papéis (isso sem falar dos comentários durante a entrega do Oscar), são a prova viva (ou morta) de que a ginga malandra de outrora há de ser enterrada logo, logo, indo rumo ao cosmo encontrar o também artisticamente falecido Patrick Swayze do outro lado da vida de ator.