quarta-feira, 21 de julho de 2021

Libertas quae sera tamen

 E agora?

Dizem que quando você deixa um pássaro preso na gaiola por muito tempo e depois solta, a primeira coisa que ele faz é voltar pra gaiola. Talvez pelo medo do mundo. Ou por um reflexo condicionado do behaviorismo. Ou por sentir que a gaiola é seu habitat. Não sei. Nunca tive passarinho. O máximo que tive foi um papagaio. Demos a ele o nome de Severino. Viveu por uma semana. Na época eu, que era bem pequeno, não entendi essa morte súbita. Nunca lhe faltou água nem comida. Hoje meu campo de compreensão é um pouco maior. Um animal silvestre, transportado ilegalmente dentro de um canudo de diploma universitário, vendido em feira clandestina, trazido e criado sob o controle de uma tornozeleira eletrônica 24 horas por dia, amarrada por uma corrente ao poleiro, não poderia mesmo ter vivido com dignidade. Morte e vida severina foi a parte que coube ao latifúndio do meu periquito de estimação. Claro, fiquei chateado. Queria ter em casa uma ave que repetisse tudo o que eu falava. Mas, vamos combinar. Se é pra ficar ouvindo a reprodução sonora das minhas palavras, eu não precisava destruir a fauna amazônica e trazer pra selva de pedra um psitaciforme. Bastava um gravador.

Apesar de não passarem por esse tipo de contrabando venerado por Ricardo Salles, os demais passarinhos comercializados dentro da mais transparente legalidade, com direito a nota fiscal e pedigree, devem sofrer a mesma clausura. Nas gaiolinhas domésticas ou nos espaçosos viveiros. Estes talvez sejam ainda piores. Dão à espécie voadora a falsa sensação de conforto, lazer e tranquilidade. É como se estivessem promovendo um Residencial Fasano com vista para a natureza e entregando um Bangu 9. 

Hoje nós estamos que nem esses passarinhos. Mesmo não sabendo voar. Ganhamos a liberdade, ainda que tardia. Poderíamos estar livres desse maldito vírus muito tempo atrás, quando o pessoal lá de cima recusou as inúmeras tentativas de contato dos representantes da Pfizer e abriu as pernas - ops, portas para verdadeiros trambiqueiros de plantão. Chegamos a mais de meio milhão de mortos, quando esse número poderia beirar os 100 mil. O que já é um absurdo, diga-se de passagem. Quem diz isso não sou eu. É o epidemiologista e professor Pedro Hallal, com seu estudo minucioso apresentado na CPI da Covid. Ganhamos a liberdade porque ganhamos a luz. Voltamos a usufruir um pouco do Iluminismo depois de um longo período (que pareceu ser muito mais longo) de obscurantismo, decisões tomadas com base no ocultismo, no negacionismo, no curandeirismo, nas declarações de cercadinho, nas conversas secretas travadas em gabinetes das trevas, lotados de integrantes que queriam colocar em prática suas ideias estapafúrdias com verbas de orçamento paralelo.

De uns dias pra cá, o Brasil passou a dar o exemplo de um bom Brasil. Aquele país que já foi referência na vacinação em massa e na descoberta de novos imunizantes. Aquela nação que desenvolveu uma logística séria de inocular anticorpos no braço de 1 milhão de brasileiros por dia, e não aquele rascunho atrapalhado do general rastaquera dia D e hora H. Finalmente a maioria de nós já recebeu a primeira dose. Estamos a poucos passos de nos vermos livres do vírus e do verme - torcendo muito aqui pelo impeachment. Não somos mais afetados por fake news robóticas, nem por depoimentos sem comprovação científica. Muito menos pelas teorias conspiratórias medievais, já que excluímos nossos ex-amigos bolsominions de nossas bolhas. Enfim, vamos tirar nossas tornozeleiras e voltar a viver. Voltar a exercer nosso direito de ir e vir. Mas, ir pra onde?

A gente meio que se acostumou a essa vida em solitária. Durante quase dois anos, estivemos encarcerados em nossos próprios lares. Ficamos prisioneiros do home office e das videochamadas. Trocamos o "oi, tudo bem?" pelo "cês tão vendo minha tela?". Nossa vida agora cabe em um monitor 16 polegadas. Nossas roupas, nossas comidas, nosso transporte é solicitado por um aplicativo. O celular é o nosso shopping center. Temos a sensação de que o mundo está ao nosso alcance, quando na verdade desfizemos o hábito de ir até a esquina. A única coisa que não abrimos mão foi descer do prédio e tomar aquele solzinho de presidiário.

Só que agora tudo vai ser diferente. A gente vai voltar a voar. Claro que durante esse biênio todos nós demos as nossas escapadinhas. E o que vimos não foi nada bom. As tradicionais ruas do comércio ostentam uma fileira de portas fechadas. A gente já nem sabe mais se fecharam de vez ou se estão cumprindo aqueles horários estapafúrdios de funcionamento, em que cada semana essa flexibilização é de um jeito diferente. O Comedians fechou pra sempre. Meu sonho era se apresentar lá, pelo menos uma única vez na vida. O Zais fechou pra sempre. Não fazia parte dos meus sonhos frequentar a casa mais dançante de São Paulo, mas confesso já ter ido lá uma noite. Não foi exatamente pra dançar tango e bolero, mas revelo que meus objetivos foram alcançados. Em compensação, a gente se depara com uma série interminável de farmácias. Desde as recém-inauguradas, até as gigantescas que ficaram ainda maiores. Em São Paulo, farmácia é o novo bingo. Tem uma em cada esquina.

Sim, já estamos vacinados e praticamente imunizados. Mas isso não significa que sairemos em ritmo de comemoração. Comemorar o quê? As perdas de amigos e familiares? O desemprego recorde? A recessão com inflação? O abismo ampliado entre os mais ricos e os mais pobres? O aumento da violência doméstica? Sei lá. Precisamos ir pras ruas, cheirar fumaça de óleo diesel, sentir que ainda estamos vivos. Nem que seja pra daqui a cinco minutos voltarmos pras jaulas da nossa pequenez. Assim como faz um canarinho.


sábado, 10 de julho de 2021

O Charlatão

Em tempos de cloroquinas, azitromicinas, ozônios retais e demais terapias alternativas e curas milagrosas sem comprovação científica, trazer às telonas brasileiras uma história da metade do século passado faz todo sentido.

O foco recai em Jan Mikolásek, um bem-sucedido curandeiro tcheco que atendia a população do país comunista após a Segunda Guerra mundial. Prestava serviços não só para a comunidade carente, mas também para os altos cargos da república, como, por exemplo, o ex-presidente Antonin Zápotocky, que aparece em seu leito de morte logo na primeira cena. 

Jan usa métodos pouco ortodoxos em seus diagnósticos. Ergue frascos de exame de urina dos pacientes, olha contra a luz e, de acordo com o que aparece no interior do recipiente observado a olho nu, prescreve medicamentos homeopáticos e à base de ervas. Daí o título do filme serve como um questionamento: estamos diante de um salvador da pátria ou de um embusteiro?

A premiada diretora polonesa Agnieszka Holland traz a esse contexto um retrato cuidadoso, evitando exageros ou maniqueísmos precipitados. Tudo é muito árido, contido, encenado por gestos quase mecânicos, e a fotografia esmaecida dá conta de traduzir uma época e um povo de poucas alegrias. 

A interpretação ambígua do ator Ivan Trojan no papel principal é um capítulo à parte. Junto com toda essa benevolência de atender claudicantes aleijados que fazem filas ao redor de seu consultório, existe uma persona rancorosa, mal-humorada, reclusa e antissocial. Isso diz muito mais de um regime de governo e de um dos períodos mais conturbados da história do que meramente do médico oportunista em questão.

Entretanto, Holland atenua essa contundência minimalista por meio de flashbacks digamos, mais adocicados. Ao sentir a necessidade de rechear o filme com elementos que esclareçam melhor a contextualização histórica, a diretora perde esse poder de síntese e cai em artifícios mais convencionais. Na juventude, durante o aprendizado com uma controversa curandeira da região, Jan se mostra mais vívido e deslumbrado. Nessa parte, o filme sai do opaco sombrio e nele são inseridas matizes mais reluzentes. Os frascos de urina carregam um amarelo mais cintilante. É o momento de respiro ao espectador, mas também serve para mostrar que os bons tempos se apagaram.

Entre o claro e o escuro, entre o rígido e o frouxo, entre o bisturi e as flores, entre a cura e a enganação, tudo parece seguir uma lógica. Essa linearidade, entretanto, é desfeita com a introdução de um novo elemento. O assistente do médico, Frantisek Palko, até então mero coadjuvante, passa a ganhar uma relevância suspeita, diluindo um pouco mais a eficácia retórica do roteiro. Daí, O Charlatão torna-se mais uma panaceia do que um remédio amargo. Esse é o seu efeito colateral.


Supermercado

 Era pra ser simples. Escolher algumas marcas de gororobas pra abastecer a casa e matar a fome. Era.

Pego o primeiro carrinho, com suas rodas tortas e desalinhadas, devidamente desinfetado de todos esses vírus que circulam pelo ar, e começo minha busca como quem acaba de entrar na página inicial do Google. A oferta é muito maior do que a demanda. Me perco no meio de tantas cores, sabores e tamanhos. O que é liofilizado? Salmão de planta, como assim?
Nas esquinas da vida e do pet food, cruzo várias vezes com as mesmas pessoas que nunca vi. E provavelmente nunca mais as verei. Elas passam, apertam a embalagem do pão de forma e vão embora, carregando apenas o pedestal do seu desprezo pela mercadoria.
Continuo minha peregrinação pela melhor relação custo-benefício. Cartazes amarelos gritando "de tanto por apenas" é o que não falta pra chamar minha atenção. Escapo de todos. A não ser de um: vale muito a pena pagar R$ 1,99 pela felicidade de adoçar a boca com uma água gaseificada sabor gengibre.
Como num círculo vicioso, repleto de zumbis drogaditos procurando as mesmas coisas que eu, deparo-me novamente com aquele rotundo e espaçoso consumidor que se acha o proprietário do estabelecimento. Só que agora nossas rotas se travam em outro capítulo: sabão em pó com nova fórmula hipoalergênica.
Prestes a desistir, continuo minha jornada em busca de saciar meus desejos que eu nem sei exatamente quais são. E de repente, não mais que de repente, no perigoso cruzamento entre as fileiras dos palmitos em conserva e dos glutamatos monossódicos, eis que surge ela, distraída, em busca da melhor azeitona azapa, e colide frontalmente com meu veículo. Felizmente, ninguém se feriu. A não ser meu pote de margarina sem sal, ligeiramente danificado por causa de tal imperícia da condutora. Na hora, pensei em acionar as autoridades e fazer um boletim de ocorrência. Desisti assim que a olhei furtivamente. Foi amor à primeira vista.
Estúpido eu. Burro, burro. Por deixar de aproveitar a promoção de creme dental com eucalipto? Não. Por não expressar tudo o que senti por aquela deslumbrante imagem assim que a avistei. Sou craque nisso. Coloco nas minhas redes sociais, nos meus blogs e nas minhas anotações as palavras, os verbos e os objetos diretos pra todo mundo ler. Menos ela. Trago aqui pra você todas as minhas metáforas, hipérboles e catacreses, mas sou incapaz de dizer a ela ao pé do ouvido um simples "gostei de você mil vezes mais do que aquele chocolate meio amargo".
Mudo, extremamente calado e cabisbaixo, dirijo-me obstinadamente à geladeira dos produtos próximos ao vencimento. Espécies que perderam a validade de existir e de encantar. Aqueles que já começam a sentir a temperatura fria da própria morte. Estão ali, desesperançosos como cachorro dentro da carrocinha, cientes de que sua hora está para chegar. Valem menos da metade do que valiam nos seus tempos áureos, quando acabaram de vir ao parque de compras. Escolho o invólucro menos roto e sofrido das linguiças de frango. São esses cilíndricos pedaços corados de acidulantes que vou salvar do abatedouro. Ainda penso nela, e nem o mel do iogurte grego me faz esquecê-la. Queria encontrá-la casualmente, muito mais vezes, nas coincidências do destino e nos corredores de inseticidas. Eu preciso dessa segunda chance. Mas nossos descompassos falam mais alto. Não fomos feitos um para o outro. Meu interesse é pelo queijo camembert. O dela, pelas palhas de aço. Entre engasgar com o soluço do próprio choro e escolher o melhor grano duro integral tricolor, fico com a segunda opção.
Olho para os filés de atum com azeite de oliva e para os isotônicos sabor lichia sentados no banco de passageiro do meu quadriculado possante. Eles me entendem. São cúmplices da minha tristeza. Espremidos pelo pacote de 24 unidades de rolo de papel higiênico dermcare, aconselham-me a seguir a vida. Bora procurar o mais delicioso presunto parma pra apaziguar essa angústia.
Satisfeito com o volume de badulaques pra preencher minha pança e meu ócio, conduzindo meu lotado quadriciclo em direção ao caixa, ouço de longe o estilhaço metálico de uma nova colisão acidental. Subo minha cabeça por cima das caixetas de aveia em flocos, com o objetivo de se obter a visão mais privilegiada do infortúnio. É ela, novamente ela. A culpada e responsável por aquele agudo estrondo oriundo da junção entre os fios de alumínio em sentidos opostos. Antes que a infratora se desculpasse pelo estrago causado ao quilo de maçãs argentinas do motorista prejudicado, sinto um clima estranho no ar. E não estou me referindo a nenhum tipo de borrifadas de purificador fragrância jasmim. Seus olhares se entrelaçam, e nessa troca meu coração sente que houve um mútuo perdão. Saem de mãos dadas, acompanhados pelo ritmo desafinado das rodas danificadas dos carrinhos. Rastros de detergente líquido neutro que se soltou de uma embalagem avariada desenham no chão o caminho do amor.
Nesse exato momento, eu ainda estava escolhendo um vidro de molho de tomate pra encerrar a compra. Era como uma espécie de bônus para o meu apetite pantagruélico. Numa mistura de susto e de ódio, obviamente deixei cair o recipiente no solo. Aquilo que restou na superfície do supermercado era eu. Um monte de cacos, em frangalhos, sendo lentamente banhados pelo líquido espesso vermelho-sangue da cobertura culinária que rege as refeições dominicais. O molho basílico morreu na contramão atrapalhando o tráfego da reposição de estoques.
A fila anda. Devagar, mas anda. Trava um pouco quando o freguês da frente resolve fazer uma recarga de celular ou adquirir um pacote de Marlboro Ultra Light. Mesmo assim, ela vai. A passos curtos, e apesar da desobediência de alguns desavisados em relação à quantidade máxima de 15 volumes no caixa rápido. E foi nesse frenético andar dos comboios prateados, acompanhado pelo sincronizado apito sentido pelas garrafas de cerveja pilsen que passavam pela esteira rolante, que me distanciei cada vez mais do prematuro casal. Ali estavam eles, com suas ecobags e suas lasanhas congeladas, acionando o bipe do chaveiro para destravar as portas da SUV 2020/2021 do rapaz. Sem máscaras, a essa altura do campeonato. Sem distanciamento social. Muito pelo contrário. E não me pergunte onde o álcool gel 70% se encaixa nessa história. Abriram o vidro elétrico, encostaram o código de barras do ticket de estacionamento no leitor e, passada a cancela, foram viver felizes para sempre. Ou, pelo menos, até quando o filé mignon suíno acabar.

 Buaaaá. Buaaaá.

Onde estou? Por que tanto barulho? Quem são essas pessoas grandes? Por que olham tanto pra mim e dão risada?
Ah, essa aí é minha mãe. Bonita ela. Quero ficar no colo dela o tempo todo.
Tô com fome. Mãe, me dá leite. É desse cone do seu peito que sai bebida e comida? Gostei. Agora vou dormir.
Buaaaá. Buaaaá. Quem é ele? Meu pai? Que horas são? Tô com fome. Tô com caganeira. Ah, e dor de ouvido também.
Mãe, tô com fome. Ué, hoje o leite veio do cone de plástico?
Quero ser tão grande quanto vocês. Ei, já tô conseguindo me arrastar. Vou alcançar vocês, me aguardem. Quero ir lá pra longe, no outro canto da sala. Ei, fiquei de pé! Agora vou correr. Ih, o chão. Buaaaá. Buaaaá.
Hoje eu tô feliz. O que é isso que tá nascendo na minha boca? Esses pedaços de osso. Pra comer coisa mais dura que leite? Ah, legal!
Hoje eu acordei esquisito. Comecei a lembrar coisas de ontem. Mãe, pai, pra onde vocês estão me levando? Lugar pra brincar? Pra aprender? Não, eu quero voltar pra casa! Bua... quem são eles? Todos iguais a mim... só que diferentes... tenho medo.
Mãe, tô com fome! Bolo? Obaa! E o que é essa vela com o número 5 em cima dele? Vão cantar pra mim? Que legal! A Tia Cida vem? E o que é aquela caixa embrulhada? Presente? Nooossa!
Mãe, cheguei. Tirei 10 em Matemática! Ah, outra coisa. Caiu o primeiro osso que nasceu na minha boca pra poder comer coisa mais dura que leite. É por isso que chamam de dente de leite?
Mãe, cheguei. Hoje me bateram. Não sei por quê. Não fiz nada. Trouxe o Pedrinho. Ele vai comer com a gente. Foi o único da classe que não me bateu.
Mãe, cheguei. Tenho uma boa e uma má notícia. A má notícia é que eu tirei 3 em Matemática. Tá puxado. Esse negócio de equação de segundo grau é bem difícil. A boa é que toda vez que eu passo em frente da Luciana me sinto estranho. Não sei o que é. Fico vermelho, meu coração começa a disparar, as palavras fogem da minha boca...
Pra onde você e o pai vão me levar hoje? Aprender a andar de bicicleta? Obaaa! Depois eu quero experimentar o que todo mundo da classe falou que é gostoso: hambúrguer e Coca-Cola. Eu quero, eu quero! Olha, tô andando de bici! Vou correr até o outro lado do parque. Ih, o chão...
Mãe, lembra da Luciana que eu falei? Então, a gente começou a sair de mão dada em frente ao colégio. Ela encostou a boca dela na minha. Eu não sabia o que fazer. Mas foi sensacional. O melhor dia da minha vida. Ah, repeti em Geografia. E fui pra diretoria também. Apanhei dos colegas, mas soube bater neles também.
Calma, mãe! Já vou sair do banheiro! É que eu tô começando a pensar na Luciana de um jeito esquisito. Sei lá, deu uma tremedeira no corpo. E tô pensando bobagem também com a professora de Química. O que é isso que tá saindo de mim? Xixi é que não é.
Tô apaixonado, mãe. Eu e a Luciana trocamos aliança de brinquedo. E transamos pela primeira vez. Foi o dia mais feliz da minha vida.
Não, não vou pra escola, mãe. Hoje vou ficar no quarto o dia inteiro. É, é, briguei com a Luciana. Terminamos. Não quero ver ela nunca mais. Por mim o mundo pode acabar. Me deixa!
Alô, Pedrinho? E aeeê, brother! Vamos tomar umas? Trocar uma ideia, faz tempo que a gente não conversa. É, hoje a gente vai detonar. Pensa num bar legal, com um monte de gata. Nossa, lá no cursinho só tem modelo, cê não acredita!
Zuzo bem, mãe. Tô bem. É, eu sei. São 4 da manhã, e daí? Posso fazer o que eu quiser. Tô legal. Tá aqui a chave do carro. Dei uma raladinha na lateral. Não conta pro pai. Fumei, e daí? Não pode? Cabeça dói. Mas eu tô bem. Eu tô... bleeergh!
Passei, mãe! Passei, pai! Arquitetura. Uhuuu! Valeu, vocês foram super legais comigo. Me apoiaram em tudo. Obrigado mesmo!
Oi, mãe. Conversar o quê? Tá, eu tô bebendo quase todo dia, e daí? Virou minha médica agora? Tira... tira a mão. OK, achou bituca de maconha na minha gaveta. Bravo, parabéns! Vai fuçar em todas as minhas coisas agora? Fumo mesmo, qual o problema? Não aguento mais. Vou morar longe de vocês. Quero distância!
Oi, mãe. Tudo bem? Por que tá chorando? Cadê o pai? Hospital, que hospital? Mãe, desculpa. Eu não queria brigar com ele, juro!
Doutor, o que ele tem? Buaaaá!
Viva a revolução! Abaixo a ditadura! Por mais igualdades! Por uma sociedade mais justa e um planeta sustentável!
Pô, Pedrinho! Sério? Virou liberal agora? Vai votar naquela coisa mesmo? Você me decepcionou. Tô te bloqueando das minhas redes sociais.
Oooi, mãe! Que saudades. Deixa eu te apresentar, essa é a Bianca. Bianca, mãe, a melhor fazedora de brigadeiro do planeta! É, mãe. Deixei crescer. Tô barbudo agora. Então, mãe. Queria aproveitar pra te deixar o convite. A gente se casa em dezembro. Onde foi? Cê lembra, amore? Acho que a gente se conheceu naquele filme do Godard, não foi? Ou na festa do Clayton? Obrigado, mãe. Isso, pra daqui a 5 meses. Barrigão com um véu por cima, vai ser a coisa mais linda. A senhora vai, né? Se for menina vai ser Anita. Se for menino a gente ainda não decidiu. Eu quero João Pedro.
Alô, mãe? Tá meio ruim a ligação. Estamos aqui em Nova York. É, a gente veio... oi? A gente veio pra comemorar. Fui promovido a vice-presidente! Não é demais? Sim, eu sei, mãe. Muita responsabilidade. Sim, mãe. Tô me cuidando, pode deixar. Beijos, te amo.
Oiii, mãe. Saudades! Essa é a Anita. Não é linda? Pode segurar no colo se quiser. O cabelo da mãe, a bochechinha do pai. Mama que não para mais. E brava! Parece a senhora quando eu era criança. Esse olho azul puxou do vô. Se ele estivesse vivo aqui com a gente ia ficar muito orgulhoso.
Oi, amore. Bom dia. Que cara é essa? A mãe? O que tem a mãe? Hospital, que hospital? Buaaaá!
Calma, Bianca! Vamos conversar. Não é nada disso. Sim, eu tava trabalhando. Pra garantir comida na mesa! Que ideia maluca é essa? De onde você tirou isso? Então tá. Fim de semana sim, fim de semana não a Anita fica na MINHA casa. Pode ficar com a TV. Mas a coleção do Chico e Caetano eu vou levar.
Oooi, filhota. Que saudades! Vem dar um abraço no pai. Ah, é? Caiu o primeiro dente? Nooossa, 10 em Matemática?
Oi, filha. Tudo bem? Não repara a bagunça. Quer pedir uma pizza? Eu tô bem. Me virando. Sim, muita. Sinto muita falta da sua mãe. Mas não era pra gente ficar juntos. A gente se conheceu muito jovens, aos poucos fomos percebendo que somos bem diferentes. É verdade. Ela sempre foi linda. Mas me conta. Jura? Terceiro lugar? Comunicação Social? Parabéns! Sempre foi o orgulho do pai. Você merece.
Oooi, filha. Saudades. É, agora preciso usar. Não enxergo mais nada de longe. Quem é ele? O quê? Noivo? Vem cá, Marcelo. Vamos conversar de homem pra homem. O que você faz da vida?
Alô, filha? Tudo bem? Desculpa ligar a essa hora. Eu sei, eu sei. Mas é só por uns dias. Os filhos da puta me demitiram. Faltando menos de 1 ano pra me aposentar, acredita? E com as contas pra pagar tá meio difícil. Só até eu arrumar um lugarzinho menor e mais barato. Prometo não encher o saco do Marcelo. Mas que você merecia coisa melhor, merecia.
Oi, filha. Obrigado por me visitar. Tô bem, tô bem. Dói um pouco as pernas. Nada de mais. E quem é esse bebezinho no colo? Quem é o bebezinho do vovô? Glória? Bonito nome. Obrigado pela homenagem pra mãe. Parabéns ao casal. Vem cá me dar um abraço, Marcelo. Sei que fui duro com você, mas você é um bom rapaz. E esse é o dia mais feliz da minha vida.
Oi, filha. Entra, entra. Se a Glorinha pode ficar aqui 1 mês com o vô pra passar as férias? Lógico que pode! Pra onde vocês vão? Suíça? Uau! Vem pro colo do vovô, Glorinha. Sééério? Caiu o primeiro dente?
Oi, filha. Tudo bem, filha. Pode deixar a Glória comigo enquanto vocês resolvem a situação. É, eu sei. Muito difícil. Marcelo... Bem que eu não ia com a cara desse sujeito. Te avisei desde o começo, mas você não me escuta. Cof, cof... tô bem, filha. Só uma tosse. Deve ser de gripe. Logo, logo vai passar.
Oi, filha. Ah, vamos indo. Remédio pra pressão, remédio pro coração, colesterol, colírios... Remédio pro efeito colateral do remédio... isso nunca para. Mas eu tô bem, obrigado. Cof cof... onde eu coloquei meu relógio?
Oi... filha... que bom... que veio me visitar. Ai... dói um pouco quando eu falo... mas as enfermeiras estão me tratando bem... cof cof... e quem é essa... grandalhona? Glorinha, vem dar um abraço no vô... cof cof... Tô chorando não, filha. É o efeito do colírio. Vendo vocês duas... eu lembro da sua mãe... são muito parecidas, sabia? Fiquei contente que vieram me ver. Agora posso dormir mais tranquilo. Piiii…