domingo, 30 de novembro de 2008

Adeus à Mostra de São Paulo

Manifesto-desabafo da minha mãe:


Quando comecei a freqüentar a Mostra, isso faz 30 anos, já de pronto e espontaneamente comecei a ser divulgadora do evento. Naquela época, era só uma sala de projeção (MASP) e só dois filmes à tarde que se reprisavam à noite. O trânsito era bom e, logo após o segundo filme vespertino, conseguia pegar o ônibus vazio, chegava em casa antes das 7 da noite e já começava a ligar para os meus amigos cinéfilos (todos trabalhavam e só podiam assistir à noite). Aos poucos, a Mostra começou a crescer em número de filmes e de salas. As projeções aumentaram para quatro por dia, no MASP, que se repetiam à noite no Cine Premier (Av. Rio Branco) e no Palmela (R. Pamplona). Mesmo assim, eu continuava com os telefonemas aos amigos recomendando os filmes, os anos passando, as salas aumentando.

Meu relacionamento com a organização da Mostra era bem amigável, julgava eu, pois sempre que algum veículo (Folha, Veja, Estadão, Jornal da Tarde, Rede Record, Notícias Populares, TV Cultura, Rede Bandeirantes) entrava em contato com a Mostra para fazer uma matéria, eles recebiam o número do meu telefone, com a indicação de que era “um pedido do Cakoff”. Eu jamais recusei, mesmo não sendo nada narcisista, pois considerava isso não como um favor, mas sim um prazer de divulgar a Mostra, que era um símbolo da minha paixão por cinema. Os temas abordados dos filmes eram instigantes e profundos: preconceitos (racial, sexual), discriminação e outros bem diferentes dos filmes do circuito comercial.

Fui ganhando uma relativa notoriedade e cinéfilos que não conhecia pessoalmente vinham me pedir dicas e sugestões de filmes nas filas dos cinemas. Isso sem falar que, naquela época, não havia legendagem eletrônica, então o público tinha que saber ler (e ouvir) Inglês, Francês e Espanhol (no mínimo). Já assisti a filme húngaro com legendas em Alemão, filme alemão com legendas em Italiano, filme chinês com legenda em Chinês e Blood Simple, o primeiro filme dos irmãos Coen (na sala do Gazeta) com legendas em Japonês.

Nestes 30 anos, julgava que estava contribuindo para a Mostra crescer, melhorar. O meu círculo de cinéfilos amigos aumentava e jamais passou pela minha cabeça receber de presente alguma coisa material da Mostra, porque eu estava divulgando uma coisa de que gosto e queria que todos pudessem compartilhar do meu prazer. Este era o meu prêmio. Nunca recebi uma permanente grátis sequer, tampouco ingressos ou convites para as festas e quetais.

No último dia da Mostra, nossa turminha de cinéfilos se reunia em um restaurante ou na minha casa, para que a gente escolhesse os nossos melhores e piores filmes vistos. Até que surgiu a idéia (do Elie, do Dr. Sérgio e de mais algumas pessoas próximas) de constituirmos uma espécie de “associação dos amigos da Mostra”, mais tarde denominada Confraria Lumiére, que só foi possível se concretizar quando a Internet tornou-se viável. A essa altura, como alguns amigos jornalistas e críticos freqüentavam as cabines matinais de imprensa da Mostra, começavam a me convidar a ir, e, assim, eu poderia divulgar melhor os filmes pelo fato de poder assistir a eles com uma certa antecedência. Já no primeiro dia de retirar os ingressos na Central da Mostra, eu tinha visto cerca de uma dúzia de filmes imperdíveis para divulgar aos amigos que estavam na fila e, eventualmente, aos formadores de opinião.

Meu pensamento e minha intenção sempre foram no sentido de fazer aumentar o sucesso da Mostra e o interesse por seus filmes. Inclusive eu estava estimulando a freqüência do público jovem com minhas recomendações sobre as Sessões da Juventude. Comecei a telefonar e a mandar faxes ao Prêmio Multicultural Estadão, indicando a Mostra para tal premiação. E nem me importava de ser atrapalhada nos afazeres domésticos (lembram dos bifes à milanesa que eu fazia para congelar?). Uma vez, uma funcionária da Mostra entrou na sala escura, no meio de uma sessão, para me procurar dizendo que, por um pedido do Cakoff, gostaria que eu me deslocasse até o Cinesesc e concedesse uma entrevista ao repórter do Bom Dia São Paulo (Rede Globo), durante a exibição do filme Ten (Kiarostami). É bom lembrar que parte da filmografia do diretor é distribuída pela Mais Filmes, propriedade do organizador.

Tudo bem: eu dava minha contribuição e recebia em troca o prazer de ver 90 ou mais filmes. O prazer de encontrar minha turma de amigos cinéfilos, quando a gente debatia, discutia, concordava ou discordava. Era uma tribo com uma paixão.

Até que, neste último mês de outubro, na semana de 12 a 19, eu já tinha assistido na terça-feira a 2 filmes na cabine (inclusive o “Rumo a Meca”, que me fez recomendar a várias pessoas e recebeu um comentário elogioso na matéria que fiz ao site Cinequanon). Sofri uma lesão no pé e não pude comparecer à cabine de quinta-feira, dia em que o assessor de imprensa Marcos veio, mesmo na minha ausência, expulsar a nós 3 (eu, o Sr. Paul e o Dr. Sérgio de Oliveira) das cabines por ordem expressa do Cakoff, alegando que, caso não nos retirássemos da sala, ele estaria correndo o risco de perder o emprego.

Ninguém entendeu essa discriminação. Por quê? Por sermos idosos os três (justo agora que o Leon vai ser vovô)? Por não termos diploma de jornalista (mas uma porção de pessoas que vão às cabines também não têm)? Fui tentar esclarecer o fato com a Renata e o Leon e eles me alegaram o seguinte:
(Renata): “A senhora é a “vedete” dos assinantes. Já imaginou se todos os outros assinantes reivindicarem a entrada nas sessões de imprensa?”
(Cakoff): “Cada filme tem um contrato de exibição; se na sessão de imprensa estiver presente uma única pessoa que não é jornalista, fica caracterizada sessão para público.”

Ora, nas cabines da Mostra já encontrei várias vezes estudantes de cinema que não são jornalistas. E os 80 assinantes da permanente integral que conheço jamais iriam reivindicar a entrada nas cabines porque posso dizer que eles me consideram especial, única na história da Mostra. Afinal, não é todo ano que uma pessoa do público sobe ao palco para entregar o troféu de Melhor Filme (Cem Passos, de Marco Túlio Giordana). Não é todo mundo que tem a oportunidade de aparecer na homepage do site da Mostra prestigiando os convidados, no caso, trocando breves palavras com o diretor russo Alexander Sokhurov.

Em seguida, o Cakoff me disse: “não quero mais falar sobre isso, vamos pensar (e você pode me dar umas idéias) em como incrementar a presença do público nos debates (por exemplo, o do Nicolas Klotz tinha no máximo 10 pessoas na platéia, excluindo-se os jornalistas).

Então, pergunto, por que essa dupla mensagem em cima de mim? A Mostra me usa para ser divulgada nas várias mídias, para dar entrevistas, para dar subsídios aos debates e, por outro lado, me acha um estorvo nas cabines de imprensa? Por que a organização da Mostra só se lembra do número de telefone de casa quando é do seu interesse? Para me expulsar das cabines, manda um moleque de recados, mesmo eu não estando presente no dia?

Nos primeiros anos, o espírito da Mostra era o de apresentar filmes alternativos ao circuito comercial, de conteúdo, de autor, de geografias diversas. Isso gerava um interesse diversificado de públicos vários, levando estas pessoas a discussões e debates. Era o que acontecia com meu grupo heterogêneo de amigos cinéfilos, de diferentes profissões, gostos, opiniões, idades, religiões. Aos jovens de agora, “calouros” da Mostra, digo: vocês não podem imaginar como era efervescente o encontro de pessoas durante os filmes e as discussões. A boa conseqüência é que um abria a cabeça do outro, e nós todos evoluímos muito: aprimoramos nosso gosto, aprendemos a “enxergar” coisas nos filmes, crescemos e nos enriquecemos como indivíduos. Hoje, com a quantidade perversa de 400 e tantos filmes, o que acontece na real é: um bando de baratas-tontas cinéfilos correndo (com tênis do patrocinador Adidas?) de uma sala para outra, suando (repondo líquidos com a água do patrocinador Sabesp?), na esperança de descobrir um talento promissor. O resultado desse cansaço todo, infelizmente, é um balanço de um compêndio muito fraco. Com a Internet e o interesse das distribuidoras, entre outros fatores, o prazer da garimpagem deixou de ter sua razão de existir. Já se foi o tempo das “descobertas” de novos diretores com o gabarito e o frescor de um Tarantino (Cães de Aluguel), Hal Hartley (Confiança), Irmãos Coen (Blood Simple), Oshima (Império dos Sentidos), Jos Stelling (Homem da Linha). Não esses ilustres desconhecidos, como África Unite, Alvorada Sunset, Coyote, Harrison Montgomery, etc. A triagem era feita a dedo pelos organizadores, e não por atacado como agora (será que quantidade é uma exigência dos patrocinadores?).

Claro que existem filmes muito bons, de diretores consagrados. Mas a maioria deles é pré-estréia, então para vê-los não vou me estressar com correria, filas, salas cheias, atrasos, gente chutando minha cadeira nas costas, ou conversando, ou fazendo piquenique. E, citando Daniel Piza, em seu artigo publicado no Estadão, “quantidade gera... quantidade”.

Por esses motivos é que estou dizendo ADEUS À MOSTRA DE CINEMA DE SÃO PAULO. Nunca mais ponho os pés em suas salas nem visto mais a camisa (já doei todas as camisetas que tinha ao meu pedreiro).

Minha paixão pelas artes não morreu. Vou continuar cultivando o prazer dos teatros, das óperas, dos concertos, dos recitais e, é claro, do cinema. Espero continuar encontrando outros apaixonados como eu nos cursos do SESC, da Cinemateca, festivais de Curtas, Documentários, Latinos, Retrospectivas e, quem sabe, se tiver saúde e dinheiro, nos festivais do Rio, Gramado, Brasília, Ceará, Paulínia, Recife, Buenos Aires, Toronto, Tóquio, Nova York...

Anette Fuks

sábado, 29 de novembro de 2008

Democracia tardia

É histórico: toda democracia demora séculos para acontecer. Eu já estava desencanando, achei que fosse boataria da mídia. Até fiz uma aposta comigo mesmo: o que sairia primeiro? O novo disco do Guns and Roses ou o novo filme do Guilherme Fontes, Chatô? E não é que a primeira alternativa já se encontra nas lojas? Quase duas décadas adiando e adiando. Problemas pessoais até. Diversas formações da banda de apoio. Não deve ser fácil aturar o Axl Rose. Mas lá está ele: Chinese Democracy, 14 faixas, capa legalzinha, imagem de uma bicicleta. Ainda não ouvi, apenas alguns trechos aperitivos na Internet. Se a moda é presentear no Natal com quinquilharias chinesas, este CD vem a calhar. Já tô aguardando o meu.

Bilhete premiado

Já que não há medidas eficazes para diminuir o trânsito em São Paulo, o jeito é remediar. A prorrogação da validade do Bilhete Único, que passou a valer para três horas ao invés de duas, vem beneficiar principalmente quem mora na periferia e atravessa a cidade para chegar ao seu destino. Não é fácil enfrentar 100 quilômetros de congestionamento. Pelo menos, então, não se recobra a tarifa. Mas como não tem como controlar quem mora longe e quem mora perto, o tal Bilhete acaba favorecendo outros públicos também. Agora, este prazo ficou na medida certa para pegar uma sessão de cinema normal (filme de 1 hora e meia a 2 horas) e voltar pra casa sem desembolsar um tostão a mais. Se o valor do ingresso não ajuda muito, e o combo pipoca + refri acaba ficando mais caro do que o próprio ingresso, pelo menos essa economia viária ajuda a reduzir o valor final do gasto.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Sumiço da China

Não assisto novela. Detesto. A última que vi deve ter sido Roque Santeiro, e olhe lá. Mas não dá pra escapar dos comerciais. Bastou ligar na Globo, pronto. Somos infectados por esses indigestos aperitivos. Um que vi recentemente foi sobre a novela Negócio da China, em que o personagem de Fábio Assunção desaparece misteriosamente. Fora da ficção, soubemos que o ator alegou problemas pessoais e, por causa disso, vai interromper as gravações. Depois da matéria de capa da Veja, era de se esperar. Certamente não há mais clima para Fábio continuar encarando os bastidores. Instâncias superiores devem ter ficado preocupadas com a imagem do galã associada à toxicomania. Aqui a Chinatown é menos glamurosa. Melhor mesmo pro canastrão é sair de cena. Melhor ainda seria todo esse lixo televisivo ir na cola dele, pegar o banquinho e sair de fininho, inclusive a versão mal-feita de Mary Poppins. Tá todo mundo querendo se ver livre das drogas.

Legítima sacanagem

Promotor acusado de matar em Bertioga é absolvido por unanimidade e volta a ocupar o cargo que lhe dá rendimentos mensais de mais de 10 paus. Alega-se legítima defesa. Sem comentários.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Gelo magnético

Hoje os novos grupos musicais têm plena consciência de que dificilmente resistirão a um segundo disco. Que seus 15 minutos de fama estão cada vez durando menos do que 15 minutos. Hoje a quantidade de acessos no YouTube para determinada banda não reflete necessariamente a quantidade de CDs vendidos nas lojas. Muito pelo contrário, em alguns casos. Existem grupos que são a coqueluche virtual sem sequer lançarem um único álbum. Hoje a Tower Records chama-se My Space. Música é adquirida de graça e qualquer informação que possa ser compartilhada torna-se velha antes mesmo de sua divulgação. Mesmo assim, ainda existem os heróis da resistência. É prematuro dizer que a qualidade geral caiu, e que a volta às raízes denota falta de criatividade ou acomodação em relação aos novos rumos da música. Dois dos grandes lançamentos de 2009 são veteranos fazendo exatamente aquilo que sempre souberam fazer. Nada de revelações, nada de futuras promessas, novas sonoridades. O Death Magnetic (Metallica) e o Black Ice (AC/DC) são bolachas republicanas, tamanho seu grau de conservadorismo. Repetem sua velha fórmula de agradar aos admiradores headbangers. E não fazem feio. Estão fortes, revigorados. São paus-pra-toda-obra com suas tosses e seus marca-passos. Se as atuais bandinhas de integrantes com cortes desiguais de cabelo e nomes impronunciáveis estão com os dias contados, a contra-reforma então vem pelo lado do bom e velho rock and roll. Isso sim é ser moderno.

Bola murcha

A figura do leiloeiro, aquela pessoa que dá marteladas na mesa após o lance final, que acompanha o levantar e abaixar das mãos nesta competição de dinheiro, virou peça de museu. A não ser que alguém acompanhe regularmente os leilões oficiais do governo. Caso contrário, o leiloeiro só é visto em filme. Todavia, cresce na Internet os leilões virtuais, desde os mais convencionais até os mais esdrúxulos. Mercado Livre, e-bay, são algumas versões fiéis desse tipo de compra e venda em que os valores absolutos são trocados pela lei da oferta e da procura. Agora existe um tal de leilão de menor lance, ainda não sei exatamente como funciona. Se a idéia é desvirtuar cada vez mais a maneira tradicional de se vender mercadorias no paralelo, estamos então chegando a níveis insuperáveis de arrojo criativo. Tá certo que um líder, uma figura pública e carismática, uma personalidade acaba despertando o desejo de posse de seus fãs. Seria considerado normal dar lances nos leilões dos óculos do Elton John, por exemplo. Mas leiloar chiclete mascado pelo ator global Cauã Reymond foge do meu limitado campo de compreensão. Isso faz parecer que o ator em questão é tão monumental que qualquer coisa dele tem valor, por mais minúscula e desprezível que possa parecer. Ou o povo brasileiro que se contenta com pouco, sei lá. Mas tudo bem, deixemos os trouxas pagarem fortunas por uma goma de mascar cheia de saliva. E que nem faz bola, ainda por cima.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Código desconhecido

Não nasci pra certas coisas. Não me considero um neoludita, não sou daqueles que ficam choramingando o revival dos tempos antigos. Meu tempo é hoje, por mais duro que possa ser pra mim. Mas tem coisa que não dá. Com a mais pura sinceridade que tenho para compartilhar com vocês, confesso não conseguir enxergar patavinas daqueles códigos secretos para identificar envio de spam. No Brasil todo mundo é culpado, até que se prove o contrário. E com a Internet, lógico, a mesma coisa. Não sou um hacker, não sou de enviar toneladas de e-mails falsos, não sou robô (embora às vezes eu pareça, devo admitir), a maioria dos meus amigos sabe disso. Entretanto, sou obrigado a provar para o ciberespaço toda essa minha carga de boas intenções. E confesso ficar possesso quando tenho que redigitar e redigitar os tais ideogramas parcialmente escondidos num emaranhado de cores e fios, dentro de um retângulo que é a porta de acesso para serviços eletrônicos. Se eu não consigo visualizar esses caracteres sobressalentes em cores esmaecidas, diferenciando as sutilezas (em alguns casos) das maiúsculas e minúsculas, não posso realizar nada nos sites. Mas o problema é comigo. Eu é que sou cegueta. Eu é que devo consultar o oftalmologista antes de ligar o micro.

Anteontem, tentei participar de uma promoção de refrigerantes. Não me identifico com o Rogério Ceni, muito menos com o Luciano Huck, mas me identifiquei logo de cara com os prêmios. Mais uma vez, o burraldo dessa história toda sou eu. Eu é que não acompanho tendências, eu é que estou milênios atrasado em relação às novas visualizações tipográficas. Devo agradecer aos céus que a empresa promotora me poupou de ter de recortar o código de barras, colar um envelope, escrever frente-e-verso, enfrentar as filas decametrais dos correios. Peguei meu obsoleto celular (dois anos e meio de uso) e tentei enviar um torpedo SMS. Primeiro, um número correspondente à resposta correta da pergunta impressa no rótulo da embalagem, corpo 6 ou 8. Quem manda eu não andar com lupas no bolso? Seguido do número, uma seqüência de letras e números impressos no plástico da tampinha, provavelmente gerados por impressora matricial por causa da imperfeição de suas retículas. Eu é que sou o retardado de não conseguir detectar a diferença entre o Z e o 2, entre o G e o 6. Obviamente, após o envio, o zé-mané aqui recebeu a resposta dizendo que o código era inválido. Que paparicar o consumidor, que nada. Se o interessado pelo prêmio sou eu, então o iletrado, o apedeuta virtual aqui é que deve se esforçar ao máximo para concorrer. Que nem as filas nas casas lotéricas. Decifra-me ou devoro-te. Isso é ser bem moderno.

Vingança

A vingança é um prato que se come frio. Pudera. Depois de um 2008 cinematograficamente morno, no que se refere ao conjunto de filmes brasileiros lançados em circuito, eis que surge uma célula viva nas telas. Se as frases elogiosas descontextualizadas das críticas impressas, colocadas no decorrer do trailer, servem para manipular o juízo de valores do espectador, por outro lado mostram que o filme teve uma boa aceitação prévia por uma considerável parte dos tais formadores de opinião. E o longa cumpre as expectativas. Filme de baixo orçamento, com captação em digital mas sem aquele frenesi típico do formato, sem aquela pressa em correr atrás do objeto filmado ou colocar a câmera na fuça dos personagens como se estivesse pronta para estourar suas espinhas. Há planos pensados, há uma seqüência lógica de imagens feitas com força, com paixão. Paulo Pons consegue construir um thriller-rodante com protagonistas com intensidade. Vingança tem o famoso “roteiro bem-amarrado” (odeio essa expressão), abdicando das cenas gratuitas e trazendo sentido a cada movimento. É bem-sucedido em trazer as reviravoltas esperadas do gênero, e acrescenta a esse clichê a mudança paradigmática de peso dramático de cada ator. Quem estava em primeiro plano na trama se apaga no decorrer do filme, e vice-versa. Ou não. Um honesto destaque brasileiro do ano, não só por seus méritos mas também por se sobressair um pouquinho diante de um ano bem apagado.

4 lentilhas

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Piratas da Somália

Vai sonhando que pirata tem a cara e o carisma do Jack Sparrow. Isso é coisa da Disney. Pirata que é pirata anda com metralhadora. Esquece o Capitão Gancho, as garrafas de rum e os baús e tesouros escondidos no fundo do mar. Isso faz parte somente do imaginário coletivo. Pirata de hoje em dia não fica famoso pelo nome ou pela cara de mau, até porque parece que nenhum deles tem cara. O recente saque ao navio de petróleo feito por corsários da Somália é o retrato verdadeiro do mundo de hoje. Grupos terroristas em ações organizadas e ambiciosas. Magricelas do Terceiro Mundo invadindo a redoma naval que determina o preço da gasolina nos cinco continentes. Uma imagem que está mais para o apartheid social do que para aquelas simbólicas lutas de facas. A bandeira da caveira mordendo ossos em cruz não é negra por acaso. Esta apagada flâmula é o reflexo de um mundo raquítico em colapso.

Janela indecente

É urgente que entre para o Código Penal um novo capítulo prevendo crimes por defenestração. Bastou o caso nardônico se tornar midiático para gerar inspiração. A recente tragédia de Guarulhos não conseguiu comover a opinião pública como o acontecimento anterior, mas é tão grave quanto. Mais do que a originalidade do crime em si, este fato revela uma série de fatores por trás disso, como a sensação coletiva de falta de segurança e de impunidade, o sistema penal arcaico, a falta de comando das instâncias, a ausência da Justiça e uma série de questões que não só ajudam a tornar notória uma situação hedionda como esta, mas também corroboram para impregnar a imagem de um país terra-de-ninguém sem soluções específicas enérgicas a curto prazo.

Ocupando a Imprensa

De 21 de novembro a 21 de dezembro, o Centro Cultural Grupo Silvio Santos recebe projetos em artes cênicas para participação em sua terceira edição do Vitrine Cultural 2009, no Teatro Imprensa. Os jornalistas Valmir Santos e Kil Abreu serão os curadores responsáveis pela análise e seleção dos projetos.

Cada proponente poderá inscrever até dois espetáculos, inéditos ou não, compatíveis com os critérios de seleção do projeto: excelência artística, originalidade, currículo dos integrantes e compatibilidade técnica com o teatro e os recursos disponíveis. É uma proposta para dar espaço a artistas e grupos teatrais que desenvolvam trabalhos de pesquisa, com linguagem inovadora, além de fomentar um trabalho de cunho social.

Ao longo de 2009, serão contemplados e subsidiados 9 produções teatrais para a Sala Vitrine e 3 para o Teatro Imprensa. Serão R$ 36 mil para a temporada no Vitrine e R$ 20 mil para as sessões na Sala Imprensa.

O Grupo comprará as sessões dos espetáculos selecionados e, em contrapartida, no primeiro mês de cada temporada, será feita uma campanha (alimentos, agasalhos, livros, etc.) em troca do ingresso. Nos dois meses seguintes a bilheteria vai operar com preços populares (R$10,00 e R$ 5,00).

Os projetos deverão ser postados ou entregues pessoalmente no Teatro Imprensa, na Rua Jaceguai, 400, CEP 01315-901, Bela Vista, São Paulo. Mais informações sobre o regulamento podem ser obtidas no hot site www.projetovitrinecultural.org.br . O resultado será divulgado no dia 27 de janeiro, no Teatro Imprensa. Dúvidas podem ser tiradas pelo e-mail projetovitrine@centroculturalgss.com.br – no campo assunto, especificar Vitrine Cultural/2009.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Machucando as teclas

Que teclado ergonômico, que nada. Meu negócio sempre foi a martelada. Não sei se é porque eu sou da geração das máquinas de escrever portáteis, mas me acostumei a sentir o peso de cada quadradinho do tablado escrito, a ouvir o som que a palavra produz em seu processo de gestação, como se fosse o grito de uma criança nascendo. Pessoas que digitam fazendo cosquinha no teclado certamente não viveram essa época mais suada, e dificilmente sentirão esse gostinho de escrever com os ossos. Soube que, numa agência de propaganda, costumavam chamar os módulos datilográficos de moedores de carne. A sensação era essa mesmo, ainda mais quando a agência em questão sugava até a alma de seus escribas. Imprimir idéias era uma carnificina, um trabalho não somente intelectual como alguns vislumbram. Metaforicamente falando, saía sangue dos dedos. Ser criativo era mais visceral, mais filme gore. Mantenho o hábito de digitar como se estivesse esculpindo o texto. Eu, redivivo da Idade da Pedra Lascada, continuo talhando cada letra das minhas frases mentais. Quando fiz um teste pra dar aulas em cursinho, havia na ante-sala um estoque interminável de giz. Sou marujo de primeira viagem, modestamente achei que um par de três resolveria meu problema. Que nada. Eu tinha me esquecido completamente de que costumo escrever forte, fixando a caneta no papel até quase rasgar. Uma vez, uma professora do ginásio me disse que meu caderno parecia ralador de queijo. E, por não ter sido aprovado pelo comitê que avaliou minha performance, fiquei ainda com mais inveja dos professores. Eu queria passar por esta experiência. Mestres e doutores completamente sujos de giz, como se acabassem de sair da lavoura arcaica. Operários do ensino que deixam as suas impressões digitais na camisa de quem conversa com eles. Aquilo sim é uma imagem prototípica do labor em prol do saber. O giz, calcário mineral que serve para instruir a nação, que faz arder os ouvidos no seu contato com a superfície irregular da lousa, nas mãos destes lavradores do conhecimento. Qualquer semelhança com o redator não é mera coincidência. O giz é a veia do propedeuta. Pulsa a cada matéria e culmina jorrando seu sangue de sabedoria no quadro negro tela pictórica renascentista. Isso sim é o grito primal e ululante do processo criativo. Mas tudo bem, vamos voltar a nos acostumar com aqueles sofisticados, insípidos e inofensivos carpaccios de letrinhas.

Império romano

Parece que o novo investidor de pontos micados é a Vila Romana. Abriu recentemente uma filial no Shopping Paulista, ocupando o lugar da extinta Virtual Music. E, descobri ontem, está construindo mais uma loja, agora no Conjunto Nacional, coincidentemente substituindo outro estabelecimento de som/cine/vídeo, a Love Music. É notório que, com os downloads e a música de bolso, as lojinhas de CDs e DVDs tendem a sumir do mapa. E ainda não inventaram nenhum programinha para baixar roupas (no sentido tecnológico, é claro). Não sei se há uma agressiva estratégia de marketing ou a previsão de uma enxurrada de lançamentos por trás disso. Mas essa invasão romana é a constatação de que, nos tempos do Torrent ou do Lime Wire, não é mais necessário conquistar o mundo vestindo pesadas armaduras metálicas. Basta alguns apetrechos de moda masculina com um custo relativamente modesto e uma dose certa de bom gosto.

Mantendo a linha

Agora que a Mostra de Cinema acabou, é hora de lançar avidamente os filmes acumulados que não encontraram espaço no circuito dividido entre o referido festival e os demais lançamentos comerciais. Nesse bolo, inclui-se a enxurrada de filmes nacionais que, especificamente na sexta passada, veio às pencas: Pan-Air, Orquestra de Meninos, À Margem da Linha, Meu Nome é Dindi, além da pré de Pan-Cinema Permanente. Frente a este cenário, resiste em cartaz dois outros longas, Linha de Montagem e Linha de Passe. O primeiro vai muito na linha (sem querer ser pleonástico) da dobradinha Peões/Entreatos. Documentário que mostra um outro tempo do sindicalismo, quando as reivindicações eram mais justas e menos políticas, as lutas salariais eram verdadeiras, a mobilização operária fazia todo sentido. Impressionante como o Lula, desde aquela época, tinha uma retórica tão convincente que conseguia fazer um número de pessoas equivalente a um estádio de futebol lotado ficar quieto e concentrado. Hoje as greves são coercitivas, motivadas por interesses de classes específicas. O movimento sindical resume-se a piquetezinhos atrapalhando o trânsito da Av. Paulista. Um filme que me incitou a fazer uma comparação histórica. Já o outro me trouxe outras reflexões. Funciona quase que como uma antítese do norte-americano Quatro Irmãos, pois aqui a figura materna não consegue dar conta de ser o elemento conectivo de uma estrutura familiar fragmentada. Um dos finais mais impressionantes do cinema brasileiro. Seja por causa do patriarca Luís Inácio ou da premiada Sandra Corveloni, tente encaixar um horário na sua agenda para qualquer um deles, antes que saiam de cartaz e cedam suas cadeiras para as cópias natalinas.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Kassab Obama

Bem mais interessante o dualismo partidário estadunidense republicanos x democratas do que o enfadonho segundo turno na cidade de São Paulo. Confesso que, se tivesse a chance de optar, escolheria votar em Obama ao invés de ratificar o resultado da eleição chocha do alcaide aqui da minha cidade. Quem votou ontem se sentiu um coadjuvante da História. Venceu a transformação, o inconformismo, o basta-de-guerra. Entra em cena o novo, o sonho de reduzir a crise financeira, a vontade de rever uma economia saudável, a esperança. Obama, por si só, já é a síntese de uma quebra de paradigmas. Com certeza, ele vai fazer mais bem ao mundo do que o herdeiro das batatas fritas transgênicas. Aqui na Terra da Garoa, todavia, tivemos de apertar a tecla da continuidade. Nem tanto pelo legado kassabiano, que até que administrou a cidade com uma certa dignidade. Mas o pleito aqui foi marcado mais pelo anti-martismo. Devo admitir alguns acertos da ex-prefeita, mas ninguém sente saudades da taxa do lixo, das arvorezinhas na Faria Lima, dos CEUs de fachada, do trânsito entupido na Rebouças, do túnel da Cidade Jardim que liga nada a lugar nenhum. Da arrogância, do temperamentalismo, do PT de butique. No que diz respeito às urnas, aqui quase nada se mexeu. Vamos continuar discutindo se o Bilhete Único será válido para 3 horas ou 3 horas e meia. Já nos Estados Unidos, os eleitores vão poder guardar de recordação um tijolo daquele muro-de-berlim chamado Era Bush.

Boa ação

Tava me sentindo meio preguiçoso e acomodado em relação às ações de responsabilidade social, tão em voga hoje em dia no mundo empresarial. Acho muito bonito o voluntariado, mas confesso que nunca me vi suficientemente motivado a tirar as nádegas da cadeira e fazer algo de bom ao próximo. Mas hoje bateu aquela coceira de deixar o individualismo um pouco de lado e ganhar pontos com o divino de lá de riba. Foi a história da Eloá e de sua família que me inspirou e me amoleceu? Não sei. Após o almoço, fiz o cadastro que me habilitou a ser doador de medula óssea. Preenchi um formulário e fiz a pequena coleta de sangue para análise laboratorial. O saguão do prédio estava bem cheio, prova de que a solidariedade ainda é marcante entre os brasileiros. Geralmente não costumo dar esmolas, alegando preferir ajudar uma instituição de caridade. Mas, na prática, isso também nunca faço. Hoje então foi o dia de eu reconsiderar essa postura e deixar meu esporádico altruísmo bater mais forte. Tomara então que ele seja útil.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

De coração

Quando era adolescente, gostava de hardcore. Depois passei a conhecer o metalcore. Hoje, só tenho condições de me ligar no Incor.

Fim do ciclo

Ainda batendo na mesma tecla, mas longe de querer botar uma pá de cal no assunto, me pareceu bastante interessante minha experiência derradeira na Mostra deste ano. Em primeiro lugar, abrindo parênteses, quero reforçar que, para evitar parecer ressentido ou tendencioso, com alegações parciais e julgamentos passionais, a coletiva do júri foi bastante diferente da anterior que abriu o evento. Desta vez, houve um número menor de tietes e um foco maior ao cinema. Ficou mais clara a composição do júri, os critérios não pré-estabelecidos de premiação, a tentativa de se valorizar o documentário ou dar ênfase a este gênero com uma premiação diferenciada, enfim, estávamos lá numa mesma sintonia, falando mais em arte e menos em números. Justiça seja feita. Mas voltando. Em 96, meu primeiro ano de maratona com credencial, escolhi para mim mesmo o filme Kavafis, dirigido pelo desconhecido Yannis Smaragdis, visto no extinto Cine Paulistano, como o melhor da Mostra daquele ano. Foi a partir dali que decidi eleger um número 1, um supra-sumo do festival nos anos seguintes. Isso me motivou a procurar por obras-primas escondidas, a garimpar por trabalhos excelentes sob meu particular ponto de vista, a eleger o Mr. Universo cinematográfico que foge aos padrões previamente estabelecidos nos demais festivais mundiais. Não sou, sob esse aspecto, alguém que faz questão de navegar contra a corrente. Mas entendo que a Mostra serve um pouco pra isso também. Se é Cannes, Veneza ou Berlim que ditam as regras do bom cinema, pra que então freqüentar insanamente as salas da região da Paulista? O fato é que, por razões mais minhas do que da Sétima Arte, eu queria encontrar um outro Kavafis. Um filme no mesmo patamar do inspirador. Foi este trabalho que me motivou a ler os poemas do escritor grego, a criar minha primeira comunidade no Orkut enquanto eu ainda estava cadastrado nele, a me dar o prazer de entrar em contato com uma partícula da literatura grega, tão pouco difundida nos tempos do emoticon e do hai-kai. E eis que, uma dúzia de anos depois, tenho a oportunidade única de assistir a El Greco, do mesmo diretor, pagando a quantia irrisória de R$ 1 (Cine Olido). Pelo que ouvi da representante da distribuidora que compareceu à sessão, o filme fez mais de 1 milhão de pessoas em seu país de origem. Pelo que li, o diretor não produziu mais nada pra cinema nesse ínterim. Um ou outro que viu o filme em cabine não gostou, mas mesmo assim a expectativa era grande. E, infelizmente, El Greco não cumpriu em satisfazer essa ansiedade. Smaragdis envelheceu. Deixou de lado sua força subjetiva de trazer poesia às imagens e cedeu a um aparato eloqüente, de gosto duvidoso, voltado a lições didáticas. Essa roupagem rebuscada pode até ter dado dinheiro aos produtores, mas nada acrescentou ao cinema. E aquela sala apertada do Centrão, que me fez lembrar do Metrópole e do Arouche quando ainda comprava ingressos individuais, a decadência (do ambiente, do diretor, da Mostra), aquela sensação de fim de tarde de sábado quente era o invólucro mais apropriado para sintetizar o encerramento deste ciclo. Seria impossível continuar a cultivar a Mostra diante da angústia do ocaso. Melhor voltar pra casa e acreditar, tristemente, que este evento renascerá renovado no ano que vem.