terça-feira, 16 de novembro de 2021

Engravidei

Dias atrás, uma amiga me disse que dar match em aplicativo de relacionamento é que nem engravidar: quanto mais se tenta, menos se consegue.

Achei a comparação perfeita. Isso traduz muito de como são as coisas. Existem pessoas que nascem com o fiofó virado pra lua. Casais abençoados com trigêmeos inesperados. Em contrapartida, pessoas que não conseguem usufruir do direito divino de perpetuar a espécie. Recorrem a mecanismos in vitro pra poderem procriar. Acho meio que maldade do Criador. Um pouco de bullying do todo-poderoso, que decide na base do sorteio quem vai semear a Humanidade.

Tá certo que o desespero, o nervosismo e os cálculos matemáticos atrapalham um pouco a inseminação. Tudo seria muito mais fácil e maravilhoso se ocorresse com naturalidade, espontaneidade, deixando o improviso roubar o lugar do roteiro. O mesmo ocorre num primeiro encontro entre dois seres desconhecidos. 

Me veio à cabeça uma música dos anos 80. Não sei o seu título. Composta por Chico, interpretada por Bethânia e parodiada por Didi Mocó. Pela letra, supõe-se tratar de uma prostituta à procura de seu futuro marido. Entre seus clientes, cabe a ela escolher o par ideal. Dar um like em quem tem o potencial de fazê-la feliz pra sempre. Na fila do coito matrimonial, encontram-se candidatos ao cargo. Ouço mentalmente a música "Vou tirar você desse lugar", de Odair José. Visualizo uma espécie de Tinder de bordel. Pretendentes dispostos a oferecer à messalina um punhado de flores e de mentiras. O primeiro é um playboy. Traz joias e dinheiro. O segundo é um ogro bebaço. E o terceiro é um nada.

Nada é uma palavra que vem fazendo muito sentido pra mim. Tenho me identificado bastante ultimamente com o vazio existencial. Nada mudou. Nada consta. Nosso país é um nada. Nada temos a ganhar, muito menos a perder. Isso me fere a medula. E, assim como os poseurs de aplicativos, ou os fregueses do sexo pago, também apelei à possibilidade de um happy ending por meio de algoritmos. Fiquei quase um biênio trancafiado, encarcerado em mim mesmo. Acho pouco digno, mas muito justo buscar a redenção nem que seja com um cêntimo de gozo e de alegria. Voltei ao app como quem tenta a sorte do eterno amor com um bilhete da Mega Sena.

Para a concubina versada pelo líder Trapalhão, foram necessários apenas três concorrentes. No meu caso, enumerar uns 57 seria um número considerado razoável. Não por excesso de exigências criteriosas de minha parte. Talvez por azar mesmo. Ou por pura demonstração sádica do Altíssimo. Conheci mulheres legais, claro. Mas foi contundente a quantidade de roubadas nas quais me deparei. Num desses encontros furados, recebi no dia seguinte o presente de uma mensagem por WhatsApp com 14 desaforos, contadinhos. A pessoinha fez questão de me detonar, parte a parte, citando tudo quanto é característica minha que a incomodou numa primeira e única impressão. Meu último date não foi tão escroto assim. Mas esteve longe, quilômetros adiante de ser perfeito. Naquela praça de alimentação de um supermercado popular, a condessa em questão falou tudo sobre ela e dispensou a parte de me ouvir. De nada adiantou meu olhar atento, ornado pela minha melhor roupa e meu mais caro perfume. Nosso encontro durou menos do que uma partida de pinball. Após alguns minutos de monólogo a dois, ela olhou no relógio. Como se estivesse, literalmente, cronometrando a peleja. Ao se despedir, minha cara de consternação foi tão grande que até deve ter assustado a moça do caixa do Extra. Quase que o segurança fala "fica, vai ter bolo". Não ficou. Assustada, apressada e decepcionada, ela disse não.

Fico pensando o que seria necessário extrair de mim para que pudesse nascer um relacionamento de proveta. Outro dia uma ex-futura parceira romântica me enviou mensagem mandando eu primeiro resolver minha vida e, após me tornar verdadeiramente livre e feliz, aí sim poderia convidá-la a tomar um café. Minha sensação é mais ou menos essa. Não posso sair de casa levando menos do que a perfeição. Devo oferecer às moçoilas solteiras meu máximo, mesmo sabendo que esse máximo nunca será o suficiente. 

Porém existe o acaso, né? Talvez num momento de distração de Jeová eu tenha burlado as regras do fracasso. Ou uma coisa levou a outra. Se aquele instantâneo encontro tivesse durado um pouco mais, nada do que vem a seguir teria acontecido. Graças a Deus aquilo foi curto e grosso. Deu a oportunidade de arriscar um segundo jogo na loteria. Foi a melhor coisa que me aconteceu.

A história que fecha essa escrita quebrou todos os protocolos. Nosso tête-à-tête se deu por meio de uma live virtual. Estávamos de pijama, sem nos preocuparmos com as exigências e o dress code que regem as boas práticas. Embora distantes por questões circunstanciais, fomos o mais verdadeiro possível. Não nos preocupamos em exibir nossas virtudes em tom de ostentação. Joguei claramente meus medos, minhas angústias, minhas fraquezas. Não tive qualquer preconceito em mostrar a pessoa normal que sou. Levei a radiografia das minhas fraturas expostas. E não fui apedrejado com 14 difamações por causa disso.

E foi assim, imperfeitos que somos, que passei a enxergar a pessoa incrível que estava a descobrir. Com sua voz de menina, seu sorriso fácil e sua sagacidade fora dos padrões que me encantei. E passei a admirar cada vez mais. E sinto, ainda que infimamente, que sou suficientemente capaz de fazê-la, com minhas inseguranças e apesar delas, uma pessoa melhor. A felicidade fecundou entre nós.

A essa musa misteriosa sou eternamente grato. Quero cultivar cada instante desse rebento recém-nascido que nem nome ainda tem. Se depender de mim, nosso infinito será bastante fértil, amamentado por tudo aquilo que aprendi. E, é claro, com a ajuda de um pote de Häagen-Dazs de macadâmia enquanto a gente assiste a qualquer coisa na Netflix.