Sempre acreditei que os supermercados nada mais fossem do
que uma balada diurna. Ou pelo menos trouxessem alguma semelhança com esse tipo
de patuscada. Tanto é que alguns até funcionam 24 horas. Não é para suprir as
necessidades de quem madruga, ou atender emergências de algum faminto que lá
adentra. É mais pela similaridade mesmo. As baladas estão cada vez mais com
cara de empório. E os super/hiper, cada vez mais com cara de locas de
entretenimento. Com a vantagem de não cobrar consumação mínima.
Logo de cara, você se depara com a balada da terceira idade:
as barracas de frutas e verduras. A faixa etária média do público está prestes
a alcançar os três dígitos. Pessoas que foram colegas de classe do Ulisses
Guimarães. Aquelas velhinhas que, quando têm força suficiente, fazem questão de
apertar todos os tomates para ver se estão bons. Obviamente, eles deixam de
estar depois de massacrados. É que nem testar palito de fósforo pra ver se
funciona. Mas elas não estão nem aí. Naquele misto de feira livre com festa
baile, o negócio é invadir todas as barracas para aproveitar as ofertas como se
não houvesse amanhã. Bom, a se considerar a idade dessas frequentadoras, bem
capaz do amanhã nem existir mesmo. Portanto, o que resta é aproveitar o dia, ir
da laranja pra cenoura num passo de valsa que há décadas não se via. O objetivo
é encher o carrinho de abobrinha e chuchu, mas nada me tira da cabeça que as
reais intenções dessas octogenárias é encontrar o Agnaldo Rayol. Elas até se
produzem para a ocasião: passam maquiagem, usam perfume com cheiro de velório,
colocam o melhor calçado. Tudo muito fácil. Difícil mesmo é abrir o saquinho
para embalar os legumes. Aquele invólucro transparente destacável que fica
armazenado num rolo, sabe? E cabe a você, freguês, única e exclusivamente você,
transformar aquela serpentina num recipiente em que caibam os dois quilos de
cebola que está levando. Acho um pouco de maldade o supermercado fazer isso com
quem está prestes a ter Mal de Parkinson. Uma vez uma senhora conseguiu abrir a
embalagem. Os funcionários vieram até ela dançando cancã enquanto caíam mil
moedinhas do teto.
É notório que um dos principais motivos que levam o sujeito a
sair de casa à noite é encontrar bebida e mulher. Não por acaso, o corredor das
cervejas é o mais disputado nos supermercados. Aquilo é uma muvuca o tempo
todo. Sempre lotado. A maior concentração de solteiros por metro quadrado. Se o
supermercado fosse o globo terrestre, o corredor das cervejas certamente seria
o Bangladesh. Tem até um segurança que fica controlando a fila na entrada antes
de revistar os consumidores. Ao transitar pela minúscula e concorrida viela,
impossível não esbarrar em outro cliente. O que até pode render uma paquera. Com
direito a cantadas fáceis e cafajestes, do tipo: “te conheço de algum lugar:
Mambo ou Hirota?”, “ia de Heineken, mas agora passou uma Devassa na minha vida”.
Esse corredor anda tão congestionado que a Prefeitura Municipal do Carrefour
estuda implementar a cobrança de pedágio para quem entrar com carrinho. Ou
criar rodízio em horários de pico.
Além das baladas convencionais, existem em São Paulo as
festanças mais gourmet. Lugares fechados, em que só entram pessoas com nome na
lista. Casas noturnas que são pura ostentação. Decoração banhada a ouro,
banheiros em mármore Carrara, taças de cristal. Ao pegar o cardápio e pedir um
filé de St. Peter, você não sabe se o valor cobrado é do peixe ou do Oceano
Pacífico. Essa equivalência também existe nos supermercados. É o corredor dos
vinhos. Se você por acaso parou neste local, pode ter certeza: você se perdeu.
Entrou lá por engano. Porque em nichos como esse é onde você demonstra toda a
sua vergonha de ser pobre. Seu 1,80 m se transformam em no máximo 1 metro e
meio, de tanto que você encolhe. Sem perceber, você diminui o tom de sua voz e
acaba travando um diálogo na base do cochicho. Esse espaço VIP é bem seletivo
mesmo. Uma vez o Luciano Huck foi barrado, só pra você ter uma ideia. Lá tudo é
lindo de morrer. As prateleiras são de mogno. No lugar do cartaz de preço
existe um quadro do Miró. E, diferentemente das demais repartições, em que você
tem que perguntar pro serviçal dos congelados onde fica a seção de café, aqui
existe um profissional qualificado pra te oferecer um atendimento
personalizado: o sommelier. Uma figura que você torce pra não estar no Tinder,
de tão desleal que seria a concorrência. Pessoa bonita e culta ao mesmo tempo.
Uma mistura de Érick Jacquin com Reynaldo Gianecchini. Não é desses que acham
que pra ser embaixador do Brasil basta fritar hambúrguer. O dito cujo fez Doutorado
em Sorbonne. Durante seu período de estágio, ele mesmo ia catar as ostras no Mar
Mediterrâneo. Seu currículo é de fazer inveja ao Hélio Bicudo. E este ilustre
sujeito vem até você, somente você, para explicar que o Merlot chileno reserva
2013 harmoniza melhor que o Cabernet Sauvignon na hora de você degustar seu
risoto de aspargos e queijo brie. Sinceramente, as únicas coisas que lembro de
2013 são a morte do meu pai e as manifestações pelos 20 centavos. Este último
certamente não faz parte das preocupações do público-alvo do corredor de
vinhos. Lá eles só aceitam três formas de pagamento: cartão Black, bitcoins e
diamantes da África do Sul. Pra você levar um espumante pra casa, precisa
deixar seu Palio. E pagar o restante em 12 suaves prestações.
Outro corredor dedicado às bebidas é aquele mais colorido,
mais luminoso. Lá onde tem as águas com sabores, os chás, isotônicos,
energéticos e, não sei por que, os saquinhos de Tang. Acredite, essa purpurina
comestível ainda existe. Esse corredor mais parece uma rave. Pessoas rindo à
toa, pulando sem parar, dançando uma dança imaginária, querendo abraçar o
repositor de estoque. Elas pegam uma latinha de Red Bull com uma empolgação tão
grande, como se estivessem pedindo um autógrafo pro David Guetta. No quesito alegria,
eles só perdem pros frequentadores do corredor fitness. Gôndolas e mais
gôndolas recheadas de whey protein, saquinhos de quinoa, caixas de aveia,
barrinhas de cereais. Esses clientes são saudáveis, excessivamente saudáveis.
Musculosos, marombados. Não sei se estão ali para comprar um bolo de linhaça ou
para fazer uma série de supino. Pode estar um frio da porra, eles sempre estão
de shortinho e com uma camiseta regata e metade dos mamilos à mostra. Ali a
felicidade é natural e vem em pó. Se você reparar, vai ver que metade dos nomes
dos produtos começa com Nutri. Tudo muito orgânico, muito equilibrado e, por
que não dizer, tudo muito chato.
Outro corredor bastante movimentado é o das comidas rápidas.
É aqui que bate a larica nos frequentadores. Vontade desesperada de colocar
algo sólido na boca pra dispersar o efeito do álcool. Repare que sempre tem uma
embalagem aberta de biscoito, ou um queijo carcomido nas pontas. O pessoal olha
aquelas barraquinhas de degustação e acha que é um food truck. Aquilo é uma
verdadeira zumbilândia. Notívagos balbuciando frases indecifráveis e
hipnotizados ao ver carne crua. Por falar em carne, existem duas coisas que me
deixam confuso: samba-rock e hambúrguer vegano. O samba-rock não é samba, muito
menos rock. Quando começa a tocar um Jorge Benjor na pista, eu não sei se devo
chamar pra dançar aquela moça que estou paquerando desde que cheguei, ou
cochilar no sofá em sinal de desistência. Porque eu adoro rock, mas odeio
samba. E não faço ideia de como seria bailar (I Can’t Get No) Satisfaction na
versão dois-pra-lá-dois-pra-cá. Por outro lado, o hambúrguer vegano não me
deixa nem um pouco confuso. Já não se pode dizer o mesmo em relação aos
funcionários. Eles devem ficar perdidinhos com essa invenção. Não sabem se
colocam a embalagem ao lado das almôndegas ou da chicória.
O corredor que mais me agrada é o mais vazio. Onde tem os
produtos que ninguém compra: vassouras, rodos, velas de aniversário, cola
plástica, embalixo, inseticida. Esse corredor parece as Lojas Mel. Tem de tudo
o que você não precisa. É um lugar ótimo pra você fazer o que quiser, pois
ninguém está vendo. A última pessoa que por ali transitou foi dada como
desaparecida. Essa via é tipo o nerd das baladas: surge do nada e depois você
nunca mais o vê. Um excelente lugar pra você usar como o ficódromo da noite.
Faz assim: começa a chavecar a moça que você acabou de conhecer no corredor das
cervejas. Assim que o clima esquentar e começar a faltar assunto, fala pra ela:
“a gente podia ir prum lugar mais tranquilo”. Ela vai fazer cara feia pela sua
ousadia, mas tudo bem. Você a conduz para esse corredor das naftalinas e lasca
um beijo entre uma escumadeira e outra. E aqui vai um conselho. Se você estiver
com bafo, se seu hálito tiver prazo de vencimento em outubro de 2016, sugiro
antes do beijo fazer um enxágue de Pinho Sol, que está na prateleira bem abaixo
do jogo americano de toalhas.
Por último, a hora de dar tchau. E de pagar. Repare que os
caixas abrem filas pra tudo quanto é tipo de habitué. Tem os caixas-rápidos,
para as pessoas decididas e pragmáticas. Consumiram muito pouco, sabem de
cabeça o valor total da conta e já tiram do bolso a quantia trocada exata. Já o
inverso do anverso do anteverso do oposto do contrário são todos os outros
caixas. O resto. Filas quilométricas, das quais você só vai conseguir sair
quando estiver amanhecendo. Pessoas que passam os produtos, devolvem os
produtos, esquecem o cartão, metade débito, metade crédito, metade vale-refeição,
esquece a senha do vale-refeição, cupom de desconto, chama o gerente pra
validar o cupom, pega um maço de cigarros, faz recarga de celular, não sabe o
valor que quer fazer a recarga, cartão inválido. Se sóbrio já seria difícil
completar essa operação, imagine bêbado. Parece que essas filas são compostas
por vários Rubinho Barrichello. Enquanto um está passando, na fila ao lado já
passaram dezesseis. O sujeito que acabou de chegar na balada consegue pagar
antes. Enquanto você espera, dá tempo de tomar café da manhã. E chamar o Uber.
E saber da vida inteira da moça que conheceu tomando uma Stella.