domingo, 31 de maio de 2020

Na dúvida, foda-se

É sabido que as ordens e as atitudes que vêm de quem está no topo são automaticamente replicadas por quem está na base. O famoso "o exemplo vem de cima". Se as autoridades recomendam que se fique em casa, é porque existe um motivo para a reclusão. O problema é, como todos já perceberam faz tempo, que cada um fala e faz uma coisa diferente. Prefeitos e governadores falam em isolamento social, enquanto o presidente vai pra padaria e pro seu cercadinho cumprimentar apoiadores e tirar selfies com populares. Imediatamente após cada aparição pública do nosso representante maior, os índices do fique em casa caem.

Embora estejamos no meio de uma polarização política sem precedentes, é comum se observar que, em todos os campos da humanidade, existem alguns níveis de apoio a uma determinada ideia. Do moderado ao radical. Em relação ao isolamento, há uma pequena parcela bem xiita. Não colocou a cara pra fora de casa durante esse quase-trimestre. Não pega elevador. Só faz compras por delivery e, mesmo assim, evita ao máximo qualquer tipo de contato com o entregador. Lava minuciosamente todo e qualquer item comprado. Do bombom à caixa de sabão em pó. Não recebe nem a família, que dirá amigos e vizinhos. Até o começo do ano, poderíamos supor que se trata de um caso patológico de paranoia antissocial. Hoje, é um comportamento relativamente aceito, ou pelo menos compreensível. É uma minoria, com muito medo de tudo o que está acontecendo. Existe um grupo mais moderado, que estabelece critérios com mais parcimônia e sai somente se for necessário. Ir a um supermercado, a uma farmácia, fazer uma rápida caminhada, tomar todos os cuidados e evitar aglomerações. Não dá pra saber se é um grupo 100% seguro, pois a doença é nova e a cada dia surgem novidades na mídia. E essa segurança deve-se, em parte, à dosagem de cuidados que a pessoa vem tomando. Poderiam restringir suas vidas às lives e aos aplicativos? Poderiam. Afinal, estamos num momento de guerra. Mas eu já ouvi diversos relatos, por exemplo, dos serviços de delivery criados, aperfeiçoados e improvisados na base do fast track. As taxas de entrega são absurdas, o prazo é extremamente longo e muitas mercadorias vêm adulteradas, ou trocadas, ou há itens faltantes no pedido. Enfim, tomar alguma decisão nesse sentido é uma questão de bom senso. E existe, também, o outro extremo radical: a pessoa que não está nem aí pra nada. Vai às ruas sem máscara, aglomera-se com a galera, tira a camiseta em dias de sol. Para eles, a pandemia não existe.

Não vou entrar no mérito sobre as pessoas que saem de casa por uma questão de necessidade. Trabalham na linha de frente da área de saúde. Prestam serviços considerados essenciais. Abrem seu comércio, de modo restrito, para não ir à falência. Vão aos seus empregos porque assim o chefe determinou. Para os demais, ficar ou sair é uma decisão em que pese a consciência. O radical misantropo sente-se injustiçado por estar fazendo não só a parte dele, mas também cobrindo a falta de noção do radical alienado.

Resta saber, principalmente aos dois primeiros grupos: mas e a volta? Está claro que eles estão seguindo as orientações do prefeito e governador, e não do presidente. Chegamos a um impasse. Em São Paulo, até poucos dias atrás falava-se na possibilidade de um lockdown. Uma medida mais drástica para tentar melhorar os índices de isolamento após algumas iniciativas mal-sucedidas. Agora, pouco tempo depois, fala-se na reabertura. Não quero desmerecer as conclusões tiradas por um comitê de contingência, formado por técnicos de diversas áreas. Mas a coisa ficou bem confusa para quem se abastece somente de informações rápidas. Entende-se que esse processo será lento, gradual e cuidadoso. Mas o Estado foi dividido em cinco regiões. O processo de afrouxamento foi dividido em cinco fases, representadas por cores. Quem está, por exemplo na divisa entre a capital e Osasco, ou Diadema, e se essas regiões apresentarem cores diferentes, não sabe o que fazer. A imprensa divulgou, de modo apressado, a abertura dos shoppings. Isso não vai acontecer agora. Estamos na fase embrionária. Mas a sensação de que o comércio está voltando a funcionar já contaminou parte da população. Principalmente os moderados.

E, já que estados e municípios sinalizam recomendações mais permissivas, essa demonstração cai como uma bomba para quem procura se resguardar. Por outro lado, é o cheque em branco para quem não está nem aí. Ontem mesmo eu ouvi, aqui de casa, um vizinho voltando a fazer o que sempre fazia: pancadão. Pagode e música ruim no volume máximo, churrasco e cervejada para os amigos. Um monte de amigos, pelo som da conversa. A gritaria toda até de madrugada foi um bônus. Um sinal de ostentação, não só para minar tudo de solidário que se construiu durante a pandemia, mas para provar para as autoridades que, naquela casa, quem manda é ele. Aquela gritaria não foi só um sinal de desrespeito ao próximo, como também serviu de provocação. O fulano quis mostrar pra todo mundo que está sim descumprindo a quarentena. Já que estamos vivendo num calabouço político e os poderes estão brigando entre si, resta o discurso do ódio e o egoísmo pra se colocar em prática. E daí?

domingo, 24 de maio de 2020

É de chorar


Quando os profissionais de marketing do banco Bradesco solicitaram à sua agência de propaganda um comercial para TV, muito provavelmente o briefing deve ter sido: “quero um filme que faça as pessoas chorarem”. Conseguiram. No momento mais crítico da saúde pública em nosso planeta, não dá pra ficar insensível àquela sequência de imagens de crianças brincando de médico, ao som da música Fascinação, traduzida pelo compositor Armando Louzada e interpretada pela inconfundível voz de Elis Regina.

Claro. Esse comercial é uma obra de ficção. A realidade é um pouquinho diferente. E mais dura. E mais perversa. Nos noticiários que intercalam os 30 segundos de comovente ternura, percebemos a sina diária e suas consequentes dificuldades dos microempreendedores para se conseguir crédito facilitado com as instituições bancárias. Ao contrário do que o Governo Federal prometeu. Não se trata de acusar aqui especificamente o Bradesco, o Itaú, o Santander. Os bancos, como um todo, estão impondo uma série de barreiras e restrições ao crédito a tal ponto de tornar essa tarefa inviável. Não há liquidez no mercado. O dinheiro, portanto, ficou muito mais caro. E, pela lei da oferta e da procura, ganha o privilégio quem puder pagar melhor. Ou, pelo menos, oferecer garantias mais consistentes de zerar suas dívidas e honrar esse triste compromisso. Essa situação surreal não só fere a lógica do sistema como também coloca em xeque o próprio capitalismo. O pequeno empresário solicita um empréstimo mas, para isso, precisa demonstrar que tem caixa para pagar esse empréstimo. Meus senhores, estamos vivendo numa pandemia. Situação de calamidade pública. Não é pedir demais algum tipo de flexibilização, de todas as partes, em todas as esferas da roda econômica. Como é que a manicure, o dono de academia, o dono de um bar, o professor de Inglês conseguem comprovar sua fonte de rendimentos dos últimos dois meses, sendo que esse é justamente o período do início da quarentena e eles foram obrigados a fechar seus estabelecimentos? Que tipo de sentimento verdadeiro os bancos procuram causar quando recusam distribuir esse montante de dinheiro no sentido de não corroborar com uma sociedade ainda mais injusta? Ou o comercial não passa de uma mentirinha, uma brincadeirinha de ninar ao embalo da maior cantora do Brasil?

Senhores profissionais de marketing do Bradesco e de todas as instituições bancárias privadas e públicas desta nação sem noção: vocês conseguiram. Todo esse baixo clero da Economia, que emprega a maior parte dos assalariados, que de fato movimenta a ciranda financeira do nosso arrasado país, está chorando. De tristeza. De desespero. De angústia. De desesperança. Não é nada fácil abrir um sorriso quando não há o que se colocar na mesa pra comer. Aqui ficam meus parabéns. Vocês causaram uma comoção social muito maior do que imaginavam.


sexta-feira, 15 de maio de 2020

Autor brasileiro ganha prêmio de literatura de fantasia

Comemorando um ano do lançamento do primeiro livro de fantasia do escritor brasileiro P.J. Maia, ESPÍRITO PERDIDO (The Missing Spirit), a obra acaba de conquistar o prêmio de “Melhor Livro de Fantasia” no Independent Press Award, em Nova York, uma competição julgada por experts de diversas áreas da indústria literária, incluindo editoras, autores, revisores, diretores de arte e redatores profissionais. Os vencedores de cada categoria são escolhidos a partir de quesitos de excelência no geral.


Este não é o primeiro prêmio conquistado pela obra. Em março deste ano, o livro ESPÍRITO PERDIDO conquistou o “Red Ribbon”, prêmio de Escolha dos Leitores no Wishing Shelf Awards, premiação sediada em Londres e voltada para o público juvenil, onde os títulos são avaliados por grupos de jovens leitores no Reino Unido e na Suécia.
 

Decidido a disputar espaço no mercado global de literatura fantástica de forma independente, o jovem autor brasileiro parece estar dando os primeiros passos na direção certa. O segundo livro da saga já entrou em produção, principalmente, nestes tempos de quarentena, em que todos estão confinados, o autor pretende de forma criativa dar sequencia ao seu trabalho tão bem recebido pelo público e crítica.

sábado, 9 de maio de 2020

Pode ser

Pode ser que a quarentena se prolongue até o fim de junho. Enquanto os índices de isolamento caírem, não há outra alternativa viável.
Pode ser que os Estados e municípios decretem lockdown. A capacidade de atendimento dos hospitais da rede pública e da rede privada está chegando ao limite. E a inauguração de novos leitos, com todos os equipamentos e profissionais necessários, não está acompanhando a velocidade da chegada de novos infectados.
Pode ser que o lockdown não seja suficiente para conter o vírus. Em Nova York, o prefeito declarou que as pessoas estão se contaminando em casa.
Pode ser que o Brasil se torne o epicentro mundial do coronavírus. Alguns especialistas já apontam essa tendência.
Pode ser que a curva epidêmica atinja picos mais altos e uma largura mais extensa do que a apresentada em gráficos. Isso depende não só das medidas preventivas adotadas no presente, como também de outros fatores, como comportamento e possível mutação do vírus, números mais precisos de subnotificações e comportamento da sociedade como um todo.
Pode ser que a Economia consiga respirar aliviada algum sinal de crescimento somente em 2022.
Pode ser que pulemos o estágio da recessão e entremos direto na depressão.
Já que estamos falando em depressão, pode ser que esse estado das coisas traga consequências psicológicas traumáticas às pessoas e que o índice de suicídios aumente vertiginosamente.
Pode ser que o covid-19 seja apenas um "ensaio geral". Um renomado pesquisador da USP alerta para o fato de que ainda está por vir um vírus ainda pior, com consequências mais trágicas e devastadoras. Diversos infectologistas não descartam a possibilidade de ficarmos suscetíveis a novas pandemias.
Pode ser que os níveis de violência aumentem numa escala insustentável. Só na capital de São Paulo, existe uma projeção (otimista) de que haverá um acréscimo de 1 milhão de desempregados. Pessoas que precisam botar comida na mesa de suas famílias.
Pode ser que o Estado, em todas as suas esferas, zere o fundo de reserva e, sem qualquer previsão de retomada, não tenha caixa algum para uma próxima e eventual situação de calamidade pública.
Pode ser que o Brasil fique ainda mais isolado do mundo. E que a sociedade fique ainda mais dividida e fragmentada.
Pode ser que todas as petições requisitando a abertura de inquéritos para o processo de impeachment sejam engavetadas.
Pode ser que o nosso presidente, percebendo suas limitações de poder dentro das instituições democráticas, resolva aplicar um golpe de estado. Seria, para alguns analistas políticos, um "golpe dentro do golpe", visto que ele já ocupa um cargo de chefe de Estado.
Pode ser que o novo normal enterre para sempre o antigo normal, e que alguns hábitos e práticas nunca mais voltem a existir.

Pode ser tudo isso. Ou muito mais. Ou não. A gente não tem certeza de nada. Seguimos convivendo com essa sensação de impotência. Mas veja só. Já se passaram quase dois meses. E estamos aqui. Eu escrevendo, você lendo, o mundo reagindo. Com razão, sem razão, mas com emoção. E no meio desse desequilíbrio do ecossistema, causado por um bichinho trilhões de vezes menor, é que vem uma impressão trilhões de vezes maior. Um insight, um feeling. Uma coceira contagiante, sem qualquer embasamento científico. Mas com toda a potência de sensação meramente intuitiva: estamos sobrevivendo. E se a gente conseguiu chegar até aqui, nada mais é capaz de nos derrubar.

Feliz Dia das Mães. E #FiqueEmCasa


sexta-feira, 1 de maio de 2020

Os signos e a quarentena

ÁRIES: seu tempo é agora. Leia um livro, faça exercícios, coloque seus filmes em dia, arrume a casa, tire o pó debaixo da cama, faça uma live e organize um grupo de financiamento coletivo para ajudar quem passa por dificuldades neste momento.

TOURO: essa fase vai passar. Com certeza vai passar. Tem que passar. Ninguém pode te convencer do contrário. E, quando passar, tudo tem que voltar exatamente como era antes.

GÊMEOS: que isolamento, que nada. O importante é conectar pessoas. Estar entre amigos. Fazer novas amizades. Que seja nas áreas de circulação dos prédios, nas ruas, nos parques. Tomando todos os cuidados, é claro. Se for pra ficar em casa, nada melhor do que criar comunidades nas redes sociais, criar grupos de jogos virtuais, organizar lives coletivas.

CÂNCER: que momento maravilhoso para ficar mais perto da família. Cuidar dos entes queridos. Época de reflexão para trazer o passado de volta. Folhear o álbum de fotos da formatura. Postar #tbt nas redes sociais. O problema é conter a emoção. Mas, até aí, tudo bem. Você tem o seu travesseiro, onde pode chorar durante suas 14 horas diárias de sono.

LEÃO: bem que você falou pra todo mundo que esse momento iria ser grave. Em suas postagens escritas em caixa alta você já vinha advertindo as pessoas. Mas vamos sair dessa. Principalmente você. Porque você se cuida. Você se protege. E é você quem passa as corretas orientações a todas as pessoas ao seu redor. É graças a você que a gente vai estar imune e preparado para um mundo melhor.

VIRGEM: conviver com a quarentena é fácil. Basta acordar todos os dias às 7h da manhã, fazer sua higiene pessoal, tomar seu café e começar a colocar as coisas em ordem. Do lado esquerdo da mesa, você cria uma lista para agendar e organizar suas tarefas. Do lado direito, você deixa seu smartphone ligado para acompanhar as notícias, as mensagens e as conversas. Muito importante lavar as mãos. Use água e sabão, enxágue por 40 segundos e não se esqueça de lavar os punhos, o dorso das mãos e todas as juntas dos dedos.

LIBRA: difícil dizer se o isolamento deve ser vertical ou total. Todos têm suas razões. A gente não pode deixar as pessoas morrerem, mas também não pode se esquecer da Economia. Difícil também ter uma opinião formada sobre o uso de máscaras. Ela protege as pessoas mas, se estiver mal lavada, pode servir de foco de contágio. Ainda é cedo demais pra afirmar se o uso da cloroquina é bom ou ruim. É fato que o medicamento já salvou vidas, mas o uso indiscriminado pode trazer complicações ainda maiores.

ESCORPIÃO: bem que você falou que o mundo iria acabar bem mais cedo do que a gente imagina. Talvez a gente até sobreviva a tudo isso. Mas, se acontecer, é imperativo que você descubra quem foi o filho da puta que trouxe essa merda de doença pra cá pro Brasil, corra atrás desse pulha e rogue uma praga para que ele morra com requintes de crueldade e passe a Eternidade nos calabouços do Inferno.

SAGITÁRIO: que merda essa quarentena, né minha filha? Não poder sair de casa, ficar trancafiado, não poder circular pelas ruas, pelas avenidas, pelo mundo. Sensação de prisão domiciliar. Você não vê a hora desse pesadelo acabar para poder voltar pra academia, bater perna em shopping, ir ao cinema, frequentar a casa de todos os seus amigos. Enquanto isso, nesse seu presídio de segurança máxima, é possível anotar pensamentos, divagações, reflexões sobre a vida. Ou então, fazer um bolo para 12 pessoas.

CAPRICÓRNIO: não adianta tentar fazer o que não pode. Vamos ser práticos. Nada de sair por aí fazendo as coisas a torto e a direito. Antes de arrumar sua estante que nem um doido, é preciso perguntar para você mesmo: por que arrumar? Você algum dia vai ler de novo todos esses livros? Tudo no seu devido tempo. Se a quarentena acabar amanhã, que seja amanhã o dia de voltar à normalidade. Se acabar daqui a 1 mês, controle sua ansiedade.

AQUÁRIO: isolamento? De boa. Um dia como outro qualquer. Não dá pra entender essa obsessão toda de encontrar pessoas, abraçar pessoas. Na hora de pintar um quadro, escrever um livro, compor uma música, você não precisa de pessoas. Todo mundo tá falando como é difícil lidar com esse momento, e como será a volta. Isso pouco importa. Você tá preocupado é como vai estar o mundo em 2022.

PEIXES: já que você tá em casa sem fazer nada, é uma ótima oportunidade para se livrar de todas as suas tranqueiras. A palavra de ordem é: lixo. Jogue fora tudo aquilo que não presta, que você não usa mais ou que te faz mal. Ou então, doe. Faça uma boa ação, tem muita gente precisando. Menos é mais. Esse é o momento de você entrar em contato com o seu "eu" interior. É nesse corpo e alma que você vai encontrar toda a profundidade que merece.