sexta-feira, 20 de maio de 2011

Que saco!

Alarmistas de plantão: o mundo não vai acabar em 2012. Tá certo que o ser humano já fez muita merda e a natureza está revidando. Tá certo que as maiores potências mundiais são as que mais poluíram o ambiente no decorrer da história. Isso sem falar na extração clandestina de madeira na Amazônia, extinção de espécies de animais, etc. Tem também a questão do aquecimento global, mas é sabido que esse trágico fenômeno ocorre de tempos em tempos, independentemente da ação do homem. Não sou exatamente um entusiasta dos assuntos ecológicos. Mas noto que existe uma onde de discursos em prol da sustentabilidade, que mais parecem modismo do que abraço à causa. Cuidar do nosso jardim chamado planeta Terra é um dever, uma obrigação. Todo mundo de bom senso sabe disso. Mas essa coisa toda ficou muito chata e demagógica. As instituições que mais prejudicam o meio ambiente são as que menos fazem para reverter a situação. Eu acredito na força individual, como é o caso do voto. Mas duvido que, se sair plantando uma mudinha de pé de feijão, vou contribuir para um mundo mais verde.

Entretanto, essa é a lógica que reina na cabecinha das pessoas. Pra variar, tudo muito na base do improviso, do fazer de qualquer jeito. Cada minuto conta em relação ao relógio do planeta? Começamos a nos mobilizar tarde demais? Talvez sim, talvez não. O resultado concreto disso tudo são atitudes e iniciativas inócuas. De repente, não mais que de repente, as impressoras passaram a ser o inimigo número 1 da ecologia. Nunca fui a favor do desperdício. Na minha casa, separávamos material reciclado muito antes de existir o serviço de coleta seletiva de lixo. Mas não acho que, da noite pro dia, eu tenha que ficar contabilizando o número de folhas que meu texto exige pra existir, tudo em prol de uma irrisória economia de recursos que poderá, quiçá, contribuir para uma improvável melhoria do meio ambiente.

A Prefeitura de São Paulo acaba de sancionar uma lei que proíbe os supermercados de distribuírem sacolas plásticas a seus clientes. Sim, o plástico é um elemento de altíssima periculosidade para a nação. E os administradores da cidade tomaram esta ríspida decisão provavelmente motivados por um arquivo de Power Point que circula na internet há mais de uma década. E eles provavelmente foram implacáveis na atitude por se sensibilizarem com aquela imagem, descaradamente montada em Photoshop, que mostra um saquinho do Pão de Açúcar no focinho de um urso polar, como se isso fosse a coisa mais plausível de acontecer num mundo globalizado como o nosso. Sim, é claro que o plástico, vindo da principal fonte de renda do Oriente Médio, boa coisa não deve ser. Pelo cheiro que solta quando é queimado dá para ser ter uma noção de seus estragos à pureza do ar. Se pegarmos aquela ampulheta da natureza, aquela tabela de contagem regressiva que indica quantos anos cada matéria-prima demora para se decompor, o plástico certamente é um vilão, já que ocupa uma das posições de lanterninha nessa corrida contra o tempo.

A restrição é claríssima, mas as opções são poucas. Primeiro, a mais dolorosa: as sacolas alternativas, aquelas produzidas em tecido cru e docemente chamadas de “ecobags”, são cobradas à parte. Ainda que existam alguns modelos graficamente artísticos, não vou andar por aí com uma sacola dessas, como se eu fosse um eterno cliente de supermercado. E, mesmo que suas estampas sejam muito mais fashion do que propaganda de oculista ou de candidato político, elas suprem somente a necessidade de carregar as compras. Eu, particularmente, costumo atribuir uma outra utilidade para as sacolas plásticas, que é a de embalar lixo. Não me enquadro exatamente no modelo de desperdício. E, com essa nova norma, não sei mais como improvisar. Como se trata de uma medida pública, isso tá me parecendo conchavo com alguns setores industriais, aos moldes da obrigatoriedade (que deixou de ser obrigatória logo em seguida) do kit de primeiros-socorros nos carros, das cadeiras infantis e de qualquer outro utensílio compulsório que possa mover determinados segmentos da economia. Respeitar a natureza, faço com o maior gosto. Respeitar a hipocrisia, de jeito nenhum. Enquanto eu puder burlar essa regra pseudoecológica, farei com todas as minhas forças.

Boa Reserva

Tenho que confessar um heresia: não gosto do Reserva Cultural. Quer dizer, ele dá de 10 a 0 nos Cinemarks da vida. A programação é muito boa, a região é ótima e tudo. Claro que é melhor ter um cinema em atividade em plena Av. Paulista do que remoer as saudades das salas que já se foram, cada vez mais numerosas. Conheço o Jean Thomaz, cumprimento sempre que o vejo. Mas, apesar de tudo isso, lá eu não me sinto exatamente “em casa”. Talvez por causa dessa coisa de ficar no meio-termo: tem pães e doces mas não é boulangerie, tem restaurante mas não é restaurante, apenas fica na tentativa de ser bistrô. Se eu tenho vontade de ir a um bistrô, vou a um bistrô. Lá, tenho a impressão de que a coisa fica apenas na degustação, no modelo “demo”. Se eles oferecem essas opções, ótimo. Melhor do que não tê-las. Mas acho que lá as coisas são um pouco caras, a relação custo X benefício não é das mais vantajosas. Por isso, vou ao Reserva apenas para ver filmes. E o valor do ingresso lá também é alto. R$ 22 a inteira, inclusive durante a semana, é nível Shopping Iguatemi. Ou seja, lá eu vejo filmes que são lançados com exclusividade e, em alguns casos, por uma questão de conveniência da localização. Não é exatamente um ícone do conforto, já que a maioria dos filmes lançados por eles são em digital, e aquela projeção com nível máximo de saturação me dá dor de cabeça. Os banheiros muitas vezes estão fechados, em reforma, em fase provisória de transição. Enfim, o Reserva é uma ótima solução para se salvar o cinema de rua e oferecer uma programação diferenciada, mas longe de ser o paraíso da arte. E, mesmo que o espaço finge que te faz se sentir em Paris, alguns senões te mostram claramente que você está nada mais do que em São Paulo, ao lado da muvuca do Objetivo. As salas 3 e 4, por exemplo, nos porões do estabelecimento, parece que caíram no esquecimento. Você nunca sabe se pode entrar, se a sala está aberta ou não, se a fila que se forma no corredor condiz com a do filme que você pretende ver. Como as portas destas salas são liberadas no último minuto de intervalo (os últimos da fila, inclusive, só conseguem entrar com a projeção dos comerciais já iniciada), tem-se a sensação de vãos perdidos, monumentos precocemente abandonados. E, tirando um ou outro profissional exemplar (como o antológico senhor negro de cabelos grisalhos), sinto que a maioria está ali única e exclusivamente pela necessidade de salário no fim do mês. Diferente de outras salas da região, mais calorosas no corpo a corpo, lá no Reserva o tratamento tem um quê de arrogância e frieza, atendimento protocolar, lacônico. Talvez eu seja exigente demais, ou não esteja num bom dia, ou esteja sendo preconceituoso com o lugar que cheira a café do introito ao cabo. Mas é o que sinto. Ou sentia, até semana passada, quando uma situação me chamou a atenção. Ao assistir ao documentário VIPs, numa dessas recônditas salas, fui abordado por um funcionário que parece ser novo da casa. Seu visual era nada convidativo: cabeça raspada, barba mal-feita, cavanhaque embrionário. Visualmente, parecia ser um dos integrantes do Ratos de Porão. Mas as aparências enganam. O cara é superatencioso e simpaticíssimo. Faz as boas-vindas para cada espectador, abre as portas da sala num delicado e apoteótico gesto, reitera a exata localização das cadeiras numeradas. Parecia mais um comissário de bordo, um conciérge. Ali eu não me sentia entrando no cinema. Parecia o início de uma ópera. Amor pela arte? Vontade e necessidade de se manter no emprego? Ou o Reserva vem apostando e investindo num outro tipo de marketing? Não sei, não sei. Mas se esse profissional se configurar a partir de agora como regra e não como exceção, o Reserva tem tudo para mudar a imagem que alimento por ele.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

A última estação

Na quarta-feira 11 de maio, ao abrir a Folha de São Paulo e procurar a Ilustrada no meio daquele monte de cadernos amontoados, como costumo fazer toda manhã, passei pelo caderno Cidades e vi uma nota de página sobre a desistência do Governo de São Paulo de se construir uma estação de metrô na Av. Angélica. Embora o mapinha desenhado da futura Linha Laranja (Brasilândia - São Joaquim) tivesse me chamado a atenção, não dei muita importância à notícia. Preferi continuar minha busca pelas críticas de filmes, discos e restaurantes, ou me orientar com a programação do circuito de cinemas. Na minha modesta opinião, o Centro de São Paulo já está suficientemente bem abastecido de metrô. O que precisa se resolver com urgência é o caos do que já existe no dia a dia. Situações que aos poucos desgastam a imagem daquele transporte que um dia já foi referência na América Latina. O que precisa se pensar, de imediato, é como voltar a oferecer transporte de qualidade a uma população de usuários que triplica a cada década. Como atender à crescente demanda de maneira satisfatória, ao invés de se improvisar soluções paliativas, como aqueles cordões de isolamento nas estações de maior fluxo, desligamento de escadas rolantes e filas nas catracas para segurar o contingente. Acho mais sensato, por exemplo, trazer de volta a pontualidade e eficiência de um transporte que hoje mais para do que anda, com justificativas nos alto-falantes dando conta de que o veículo inerte está aguardando a movimentação dos comboios à frente. A meu ver, é muito mais deprimente ver um mapa adesivado nas estações em que a maior parte dos traços coloridos está pontilhada, indicando que as obras não estão concluídas ou sequer saíram do papel. É mais vergonhoso tomar conhecimento de que as obras na Zona Sul, notadamente carente de transporte público decente, estão interrompidas por causa de descoberta de fraudes em licitações. É mais triste ainda lembrar que a Linha Amarela, construída às pressas em um determinado período, fez uma van chafurdar em suas areias movediças, na região de Pinheiros, com quase uma dezena de pessoas a bordo. Causa-me ainda mais espanto tentar entender por que a citada Linha Amarela e as estações Tamanduateí e Vila Prudente operam em uma reduzida jornada, diferenciando-se do conjunto. Pra mim, a ordem de prioridades é pensar no metrô como um projeto de extensão para chegar à periferia e bairros desprovidos de acesso, ao invés de tumultuar o meio-de-campo, transbordar a malha e oferecer ainda mais alternativas numa região suficientemente abastecida de trilhos. Mas tudo bem. Em se tratando de iniciativa pública, é melhor pecar por excesso do que pela falta.

Minha surpresa maior foi acompanhar, pelas mídias eletrônicas, a repercussão da amarelada do Governo, mais pelo efeito do que pelo conteúdo da matéria da Folha. Vasculhei um link ou outro e, haja visto que eu não tinha uma opinião formada sobre o assunto até o momento, alguns textos me pareceram bem convincentes e estruturados. Um deles apresenta, com argumentos e uma certa ironia, mas deixa de lado as ofensas, alguns motivos razoáveis: o alto custo de desapropriação dos imóveis no entorno do supermercado Pão de Açúcar (coração da ex-futura estação), a relativa fartura de estações de outros ramais nas imediações, a curta distância entre a proferida avenida e o futuro escoadouro ferroviário Higienópolis-Mackenzie. O internauta ressalta também que a polêmica estação, caso seja sediada perto do estádio do Pacaembu, atenderia ao projeto como foi inicialmente concebido. E, principalmente, o autor do comentário reitera que as manifestações de associações de bairro são um direito legítimo. Pra mim, pareceu tudo muito lógico. Em breve, teremos uma Consolação atendida pelo Metrô, e a Consolação tem um fluxo maior do que a Angélica. Melhor então deslocar uma estação para o vazio do estádio, da FAAP e dos piscinões, região precária de transporte.
Como o assunto é embrionário e o registro do jornal foi pontual e não estrutural, o assunto merece, de fato, um debate mais amplo e com uma parcela maior da sociedade, já que mostrou-se ser tão suscetível a divergências ideológicas e pragmáticas. Não foi exatamente o que aconteceu. Infelizmente, o brasileiro ainda está um pouco cru em relação ao exercício da democracia. Em vez de se mergulhar no tema, optou-se por ampliar e alardear a superficialidade e o sensacionalismo de seu apêndice: uma declaração infeliz e descontextualizada de uma moradora do bairro, extraída de uma matéria do meio do ano passado, que diz que a construção de uma linha do metrô na região pode trazer mendigos, drogados, “gente diferenciada”. Foi o estopim. No dia a dia, eu me deparo com muitas pessoas insatisfeitas com as gestões administrativas de Alckimin e Kassab. Trazer uma notícia que desfavoreça seus governos, qualquer que seja, é motivo suficiente para essa galera entrar na onda de protestos. Algumas pessoas do meu círculo próximo, confessos desconhecedores do teor da matéria, foram as primeiras a aderir à campanha no sentido de se ridicularizar essas gestões executivas. E aí, na pressa de se expressar comentários tão indignados quanto rasteiros, sobrou para os moradores de Higienópolis. Um dos trending topics do Twitter dos últimos dias, a questão gerou manifestações de diversos tipos, das mais razoáveis às mais preconceituosas. Pagaram com a mesma moeda. A discriminação aos imigrantes nordestinos provou de seu próprio veneno e recebeu outra discriminação, com o mesmo tom de baixaria. O povo judeu, predominante na região, também foi alvo de acusações. E tão predominante quanto os semitas foi a falta de conhecimento sobre o assunto. Aos desavisados, que mais conhecem a lenda do que o bairro, ficou parecendo que os rabinos, com suas malas cheias de diamantes contrabandeados, tocaram a campainha do amigo e vizinho FHC exigindo a proibição de transporte público em suas cercanias, a fim de se evitar a contaminação virótica da presença diferenciada. Aos olhos desses twitteiros, a elite cafeicultora paulista, que manda e desmanda nas leis e na ordem, desenhou a cidade trancafiando suas disneylândias e afastando a população de suas redomas.

Como o Brasil é o país do pão e circo, exemplo de governança secular de todas as instâncias, a transformação de um potencial debate sério em uma festança alegórica e ridicularizada foi um processo natural. Afinal de contas, quem faz parte do Facebook já está se acostumando a “participar” de eventos fictícios, como foi o caso dos recentes casamento do príncipe William, velório do Bin Laden e chá de bebê do filho do Neymar. Nesse sentido, a criação bem-humorada de um churrasco em frente ao Shopping Higienópolis (que outrora também foi alvo de manifestações dos moradores... mas ninguém se lembra disso) foi interpretada como uma atitude saudável de protesto. Criticar o governo com beberranças e patuscadas é mais simpático do que fazer greve ou parar o trânsito da Av. Paulista, por exemplo. E já que a politização cedeu lugar à farra, a divulgação de uma festa regada a quitutes e adereços considerados populares soou até engraçada. Mas nem mesmo os organizadores, que criaram o evento em tom de brincadeira, esperavam adesão tão expressiva. Foram quase 50 mil possíveis confirmações de presença. E aí, temendo que o tiro saísse pela culatra e que a marcha carnavalesca tivesse um efeito negativo contrário, o pessoal declinou da ideia e trocou a farra do churrasquinho de gato por um ato simbólico mais contido e mais consistente. Também, pudera. Colocar a população de um estádio lotado do Pacaembu nas ruas do shopping seria o mesmo que fazer uma Virada Cultural dentro de seus banheiros químicos. Melhor desistir da iniciativa. No blog do Luís Nassif, ele finaliza seu texto dizendo que a elite paulistana venceu. Eu sou mais cético. Tivemos um churrasco cancelado, uma chuva de xingamentos na internet, um decide-não-decide das autoridades e uma obra absolutamente estagnada. A meu ver, perdemos todos nós.