quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Plano A

A primeira cena, uma imagem submersa e uma locução em off questionando o espectador sobre uma tomada de decisão, já deixa clara a cumplicidade provocativa que o filme sugere. Como se fosse a legitimação de tudo o que será mostrado a seguir.

Plano A se passa em 1945, exatamente no período pós-guerra. Um grupo de judeus germano-poloneses e sobreviventes do Holocausto planejam contaminar o abastecimento de água potável em várias grandes cidades da Alemanha ocupada, em retaliação aos crimes cometidos durante o período da Segunda Guerra Mundial.

Filmes sobre o nazismo em seu apogeu existem aos montes. Mas essa abordagem num momento subsequente é relativamente inédita. E os diretores Doron e Yoav Paz se saem bem. Existe uma construção de arco dramático consistente, sem os possíveis escorregões na pieguice. 

Quem ajuda no bom resultado é o excelente ator August Diehl no papel principal. Expressivo em suas feições minimalistas, sem cair em exageros, Diehl dá o tom certo ao personagem que ganha força à medida que o filme consegue nos convencer da proposição colocada no início.


sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Arthur Moreira Lima - Um Piano para Todos

A primeira cena é a construção e montagem de um palco, numa pequena cidade. Silêncio absoluto, interrompido apenas pelos eventuais sons do ambiente. Presume-se, a partir daí, que o documentário Arthur Moreira Lima - Um Piano para Todos foge um pouco do lugar-comum. E foge mesmo.

Quando falo de lugar-comum, estou me referindo aos clichês do gênero. Exaustivas cenas de arquivo do passado, intercaladas por depoimentos de celebridades ou pessoas conhecidas e próximas ao homenageado enaltecendo suas qualidades ou revelando algum fato curioso. É o famosos estilo talking heads de expor ideias. Os enquadramentos, os cortes, as pausas, tudo é muito parecido.

Aqui, neste longa escrito e dirigido pelo estreante Marcelo Mazuras, observa-se menos a necessidade de trazer informações sobre uma unanimidade nacional e mais o acompanhamento de um processo de mudança, reflexões e transformações na trajetória profissional do pianista. As cenas de arquivo, os estudos no exterior, as premiações recebidas, passam quase de relance. O filme centra no encontro do artista com um público mais carente, mais distante da música erudita. Como se o ícone do clássico estivesse disposto a despir essa visão elitista da arte. O mais aclamado intérprete de Chopin decidiu, nas últimas décadas, se dedicar a um projeto de democratização da música de concerto. Saiu pelo Brasil a bordo de um caminhão-teatro, se apresentando em praça pública por mais de 600 cidades pelo interior de todo o país.

Arthur Moreira Lima (o filme), portanto, ganha frescor ao sair das partituras e ir ao encontro da plateia. Nas mãos do diretor, essa jornada fica menos arcaica e rebuscada. Fica mais natural.


A Conferência

Em 1942, representantes de alto escalão do regime nazista alemão se reuniram em uma vila no sudoeste de Berlim para uma pauta que ficou conhecida como a Conferência de Wannsee, talvez a mais terrível da história. Eram 15 líderes da SS e da burocracia ministerial, convidados por Reinhard Heydrich, chefe da polícia de segurança, para discutir a "Solução Final para a Questão Judaica".

Apresentado dessa maneira, fica claro que o assunto é de máxima importância. Poucos filmes se debruçaram sobre o tema. A maioria dá um enfoque nas consequências desse ato e coloca como espaço cênico os campos de concentração nazistas.

Porém, trocar esse cenário por algo menos espetaculoso, como uma sala de reuniões, e fazer um filme quase em tempo real, abrindo mão das elipses cinematográficas, é uma missão de alto risco. Não que o resultado seja necessariamente curto e limitado. As duas versões de Doze Homens e uma Sentença para o cinema, por exemplo, são maravilhosas.

A Conferência, por outro lado, esbarra num processo de construção narrativa extremamente complexo e moroso. Tudo se imprime de modo muito árduo, rígido, didático. Não existe um respiro. É como se, em cada fala, se extraísse ao máximo um pedaço da história. Isso tem lá seu valor. Mas, analisado como um todo, o filme melhor se encaixa num livro do que numa tela.