quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Previsões para 2016

Janeiro:
- Faxineiros do Congresso gastam 1 semana para limpar o sal grosso e as folhas de arruda espalhadas pela casa.
- Geraldo Alckmin decreta sigilo sobre lista dos aprovados na Fuvest.
- Michel Temer manda mensagem por Pager para Dilma a fim de rediscutir a relação.

Fevereiro:
- Na semana do Carnaval, Dilma diz que não cai. Em seu pronunciamento na TV, aparece com a faixa presidencial nas cores verde, amarela, azul, lilás, roxa, vermelha, laranja e um abadá.
- Polícia Federal confirma: faltam algemas para prender todos os envolvidos na Operação Lava-Jato.
- Anna Muylaert inicia filmagens de história sobre negro tetraplégico esquizofrênico assumidamente gay sobrevivente do Holocausto para ver se tem alguma chance de concorrer ao Oscar.

Março:
- Rede Record anuncia continuação de Os Dez Mandamentos. Fãs da novela divulgam spoilers nas redes sociais.
- Desemprego recorde, inflação galopante, crise no Senado e uma preocupação que assola todos os brasileiros: Joelma e Chimbinha reatam ou não reatam?
- Pela primeira vez na história, Jennifer Lawrence não tropeça em seu vestido na cerimônia do Oscar.

Abril:
- Excelentes notícias na mídia fazem otimismo do brasileiro crescer 67%, até eles se darem conta de um pequeno detalhe: era Primeiro de Abril.
- Em seu discurso sobre sustentabilidade, Dilma cita Rimbaud, saúda os ornitorrincos, faz alusão a Machado de Assis, pede cautela para as engenheiras sapiens, adverte sobre os perigos de estocar peidos e procura dar um sentido a toda essa confusão mental.
- Matemático Fernando Haddad cria lei para reduzir a 0 km/h a velocidade nas Marginais: “Com a velocidade de 0 km/h, num trajeto de 40 minutos, em condições normais de temperatura e pressão, a probabilidade de acidentes é reduzida em 100%”, conclui o doutor em Física Quântica.

Maio:
- Senadores treinam no MMA e mudam dieta para whey protein a fim de poder entrar nas cabines de votação de projetos e emendas.
- Torcedores pedem o impeachment de Galvão Bueno.
- Dilma é denunciada por utilizar recursos do orçamento para comprar amigos no Facebook.

Junho:
- Depois de acumular em mais de R$ 400 milhões, prêmio da Mega Sena vai para um único ganhador de Tocantins, o Sr. Delúbio Dirceu Cerveró Vaccari. Caixa Econômica Federal prova idoneidade e transparência na apuração dos resultados.
- Filho de Lula cobra R$ 5 milhões por relatório de seu instituto de pesquisa com base em respostas extraídas dos comentários de internautas do blog do Zé Simão.
- Facebook cria ferramenta que insere automaticamente após as postagens expressões até então nunca utilizadas pelos usuários, como “permita-me discordar de você”, “penso diferente, mas respeito sua integridade” e “nosso antagonismo ideológico só fez crescer o debate”.
- Depois de treinar intensamente na Lagoa Rodrigo de Freitas, atletas olímpicos Raphael, Donatello, Leonardo e Michelangelo conquistam Medalha de Ouro na prova de 100 m rasos em esgotos.

Julho:
- Geraldo Alckmin procura no Google o significado da palavra chuva.
- Queda de popularidade provoca profundas crises de depressão em ex-celebridades, como é o caso de Madonna, Charlie Sheen e pau de selfie.
- Fernando comunista Haddad pinta de vermelho as faixas amarelas das plataformas das estações de trem e metrô e aproveita o espacinho para criar ciclofaixas exclusivas para vendedores ambulantes de Halls, Suflair e tabuada.

Agosto:
- Dólar sobe e ultrapassa popularidade da Dilma.
- Eleições municipais em São Paulo: Datena lidera pesquisa com 51% das intenções de voto, seguido por Marcelo Rezende, com 29%, Silas Malafaya, com 12% e Danilo Gentili, com 4%. Jô Soares, Ana Paula Padrão e Serginho Groismann não pontuaram.
- Chico Buarque é flagrado no bar do Estadão tretando com freguês e defendendo Dilma com unhas e dentes. Seus argumentos baseiam-se em metáforas, como “Amou daquela vez como se fosse a última”, “Joga pedra na Geni” e “O meu cavalo só falava Inglês”.

Setembro:
- Eleições municipais em São Paulo: Instituto Lula aponta que Mercadante lidera pesquisa com 81% das intenções de voto, seguido por Ruy Falcão, com 79%, Eduardo Suplicy, com 74%, Arlindo Chinaglia, com 67%, todos eles com margem de erro de 127% para mais ou para menos. Dados copiados e colados do blog do Judão.
- Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, torna-se o livro mais lido entre os envolvidos na Operação Lava-Jato.
- Manifestantes furiosos tomam a Av. Paulista e encaram Alckmin com a pergunta: “Setembro chove?”. Governador fica de mal e manda fechar 715 escolas.

Outubro:
- Parlamentares do Congresso brincam de esconde-esconde e pega-pega no Dia das Crianças. Ao voltar ao trabalho, desistem da ideia: era a Semana do Saco Cheio.
- Vocalista Roger, do Ultraje a Rigor, faz piadinha sobre assuntos polêmicos como assédio, estupro, aborto, legalização da maconha, Estado Islâmico, remake da Escolinha do Professor Raimundo e conclui: “A gente somos inútil”.
- Depois de perder os principais profissionais do mercado, Propaganda desiste de ser Propaganda e passa a se autodenominar Serviços Gerais de Manutenção.

Novembro:
- Brasil ocupa a 100ª posição no ranking mundial de IDH e fica logo atrás de superpotências, como Bangladesh, Serra Leoa e Costa do Marfim.
- Feministas desabafam nas redes sociais: “#MeuAmigoSecreto só me dá chocolate da Arcor”.
- Guilherme Fontes anuncia que vai rodar “Chatô 2”. Sasha Meneghel fará o papel da avó do protagonista.

Dezembro:
- Exame do ENEM: “Quem foi Joaquim Levy?” é considerada a questão mais difícil para a maioria dos candidatos.
- Miss Paraguai recebe o título de Miss Universo e 2 minutos depois passa a faixa para a Miss Cambodja, que passa a faixa para a Miss Birmânia, que passa a faixa para a Miss Guiné-Bissau, que passa a faixa para a Miss Tuvalu, que é obrigada a jogar fora a faixa porque ninguém sabe onde fica essa porra.
- Bicheiros exigem que o Carnaval de 2017 seja antecipado e comece logo após o Roberto Carlos Especial.


terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Roubada

Você sabe que o programa é uma grande roubada quando:

- Tem apelido demais: “Cola lá no bar do Cabelo. A banda do Peixe vai tocar. Depois a gente tá pensando em dar um pulo no apê do Caçapa”.

- Tem diminutivo demais: “Conheço um barzinho... toca um MPBzinho... banquinho e violão... a gente pede um chopinho... mas tem também espetinho pra acompanhar”.

- Tem gíria demais: “A gente bate aquela feijuca, toma umas breja... sem muvuca, sem causar... é sussa, dá pra ir de berma se quiser”.

- Tem burocracia demais: “Pra confirmar presença, curta nossa fanpage no Facebook, compartilhe o post para concorrer a desconto, mande um e-mail para eventos@festadoluis.com.br com o subject “Lista VIP” e aguarde nossa confirmação por WhatsApp.

- Tem esmola grande demais: “R$ 15 de entrada. Open bar com vodca, cerveja e energético na faixa até as 4 da manhã. Serviço de manobrista cortesia da casa. Show-surpresa no fim da noite e sorteio de camisetas, pau de selfie e viagem para Cancún. Vários ex-BBB já confirmaram presença”.

- Tem estilo demais: “A casa de inspiração barroca traz nas paredes do hall réplicas de Kandinsky e figurinos das filmagens de Pulp Fiction pendurados no teto. O DJ Hypolitto, de Ibiza, mescla celta-trance com o retrofuturism dos cabarés. O carro-chefe da casa é o drink que leva álcool de beterraba, redução de hibisco, raspas de tamarindo e tomilho. Acompanha bem com o hambúrguer de perdiz com shitake e uvas verdes”.

- Tem ambiente demais: “Durante o dia, a casa é um misto de barbearia, brechó e loja de vinil. À noite, o espaço transforma-se em uma improvisada pista de dança com food trucks. Dá para jogar videogames da época. Tem pistas de boliche, karaokê, bilhar, biblioteca, luderia, sauna e dark room. Em breve, touro mecânico e camas de bronzeamento artificial”.

- Tem gente demais: “Eu passo na sua casa, aí a gente pega a Fê, a Priscila e o namorado dela. A Tuca vai com o carro dela e mais uns primos de Uberaba. Chegando lá, precisamos procurar pelo Rodrigo pra pegar as entradas. A festa vai bombar. Já chamei a galera da facu e criei evento no Facebook”.


terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Roupa

Amigo é que nem roupa. Tem aquela que você usa todo dia. É pau pra toda obra. Não é a roupa mais bonita. Não é a roupa mais charmosa. Mas é aquela que está ali, à sua disposição, pro que der e vier, e você não quer se desfazer dela. Tem também aquela que você só usa em ocasiões especiais. Nesses momentos, ela sabe te valorizar.
Outro tipo de roupa é aquela que você usa pouco e guarda. Depois de um tempão, resolve usar novamente. E percebe que ela não cabe mais em você. E também não tem mais nada a ver com seu estilo. Um ficou ultrapassado para o outro. Mas, no meio dessas roupas fora de moda, existe ali uma peça única. Você também guardou essa roupa por muito tempo. Ela sempre esteve ali, nunca saiu do seu guarda-roupa. E, quando você resolve experimentar, depois de longas datas sem um ter olhado pro outro, percebe não só que ela serviu direitinho, como também continua sendo a sua cara.



segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

2015

2015 foi pra mim como 2015 foi pra todo mundo: um ano de déficit. Aquela sensação tardia de que perdemos por 7 a 1. Fomos derrotados na área econômica, na área política, na área cultural. Demos um vexame danado em comportamento nas redes sociais (ou seria antissociais?), nas manifestações e passeatas, no modo de encarar o outro, de conviver com quem pensa diferente de você. Ocupamos uma das últimas posições do ranking num ano marcado pela intolerância. Mostramos que, como ser humanos, ainda estamos engatinhando no que diz respeito ao processo de cidadania e seus aprendizados. Ainda estamos na barbárie e, sem dinheiro, nosso vandalismo aumenta exponencialmente.
Falando sobre mim, em 2015 tive prejuízos incalculáveis no campo psicológico. Deixei de fazer um monte de projetos pessoais, com as desculpas de sempre: falta de tempo, desânimo, falta disso, falta daquilo. Acabei me acomodando. Termino meu relacionamento com a terapia, depois de 3 anos, não porque me dei alta, mas por achar necessária a ruptura temporária. O fim de um ciclo. Graças a Deus (embora eu seja um ateu convicto), no campo profissional eu continuo empregado e gozando de uma certa estabilidade. Mas é complicado garantir o leitinho das crianças e, na hora de comprar esse leitinho das crianças, constatar que a padaria de bairro fechou. Não tem como passarmos incólumes por essa crise, mesmo que ela não nos afeta diretamente. O mercado empobreceu, as pessoas estão mais deprimidas, esse quadro é jogado na nossa cara todos os dias.
No campo afetivo, conheci várias mulheres, das mais diversificadas maneiras: encontros virtuais, encontros reais, sites de relacionamento, aplicativos, comunidades virtuais, apresentação de amiga da amiga, macumba, Pai de Ogum. Fiz grandes amizades. E percebi muitas, mas muitas incompatibilidades. Tive um ano intenso mas, entretanto, contudo, todavia, poucas histórias pra contar. E raras, raríssimas, parcas e escassas mulheres com quem acordei no dia seguinte. Dá pra contar nos dedos. Da mão do Lula. O que me faz concluir que talvez o problema seja delas, talvez o problema seja meu ou talvez desses aplicativos que nos ensinam equivocadamente que tá fácil arrumar alguém. Vejo pessoas ao meu redor que não desgrudam do WhatsApp quando, na verdade, nunca estiveram tão sozinhas.
E por falar em Lula... lembro que eu andava com estrelinha do PT cravada no sobretudo preto quando ia ao Madame Satã, na época da faculdade. Fiz um vídeo convocando meus colegas neoliberais a votar no PT. Acreditei nesse plano de governo, nesse projeto de país, nesse sonho de brasileiro. Um sonho que se acordou com Mensalão, Lava-Jato, dinheiro na cueca, delação premiada, senador preso. Caímos da cama. Caímos em tudo quanto é tabela. Caímos na credibilidade dos países desenvolvidos e das empresas que queriam investir na gente.
Pra completar, em 2015 perdi muitos amigos. Pessoas que se deram conta de que nossas afinidades se perderam. Que perceberam que nossas convicções aumentaram o vão das nossas diferenças. Deixei escapar muita gente que se incomodou com minha maneira de pensar, de falar, de se expressar pro mundo. Em compensação, ganhei muitos outros. E solidifiquei amizades até então um pouco mais tênues. Criei quase que um fã-clube de admiradores das minhas atitudes. E sou grato a esses amigos. É com eles que eu entro em 2016. Uma jornada que, muito bem sabemos, não vai ser nada fácil.


sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Pernilongos

Eis que chega o verão. Calor dos infernos, choque térmico, chuvas. Aí eu viajo para meu planeta imaginário e avisto lá longe, numa travessinha de uma rua movimentada, um nababesco rodízio. Nem muito chique, nem muito popular. R$ 59,90 de segunda a sexta. Crianças e mulheres pagam a metade. “Costela de homem”, chama-se o lugar. O porteiro abre aquela gigantesca porta de madeira para uma caravana de fregueses. Eram mais ou menos 250 pernilongos, que imediatamente foram recebidos pelo maitre e conduzidos até uma mesa distante. O lugar era aconchegante, mas eles acabaram se sentando ao lado de uma mesa com quase 1 milhar de outros tantos da mesma espécie, tomando uma mistura alcoólica e falando muito alto: “Ziiiiiiiiiiiin!!”.
Assim que colocaram os talheres ao lado dos pratos, aproxima-se o pernilongo-garçom dos drinks. Com ar simpático, rosto sorridente, fala mansa, logo oferece aos clientes os aperitivos gourmet. “Boa noiteee... Aceitam uma bebidaaa? Temos suco de medulaaa, caipirinha de glóbulos vermelhooos, água de sorooo...”.
A colônia de insetos foi se servir à mesa de entradas. Que, por sinal, estava bastante farta. Dedos do pé, tornozelos, joelhos, lóbulos de orelha. Um verdadeiro banquete. E, quando voltaram, uma fileira de serviçais pronta para atender a demanda.
O primeiro garçom-pernilongo perguntou: “Pele de barriga, senhor?”. “Sim, por favor”. Aí veio o segundo: “Peito, senhor?”. “Não, obrigado. Este tá com muito pelo”. E assim sucessivamente. “Pele das costas, senhor?”. “Por favor. Este pedaço aqui, que tá sem tatuagem”. “Coxa, senhor? Tá caprichado, com muito sangue, bem suculenta”. “Braço, senhor? É o que mais sai. Tem pele branca, pele negra, pele bronzeada, pele amarela, só escolher”.
A miríade estava se esbaldando naquele divino manjar sanguíneo. Era tudo muito especial. A certa altura, o pernilongo-gerente veio à mesa: “Estão sendo bem atendidos, senhores? Está faltando alguma coisa? Querem que tire o Baygon da tomada?”.
Era muita atenção para um grupo que parecia ter vindo da guerra. Dava pra desconfiar de tanta gentileza. E essa desconfiança se provou em mais uma abordagem, um pouco mais assertiva. Passados cinco minutos, o mesmo gerente-pernilongo volta à mesa e faz outra pergunta: “Alguma carne de preferência, senhor?”. Era uma maneira relativamente sutil de expulsar o bando nematocero. Se eles ficassem mais tempo, seria prejuízo para o estabelecimento. Além do mais, havia uma fila de espera de dobrar a esquina, e ninguém desse aglomerado aguentava mais picar pele de cachorro de entradinha.
Até que um dos fregueses da mesa, mais ao fundo, fez seu derradeiro pedido: “Cangote, por favor. Tô esperando há mais de meia hora. De mulher, bem macio, mas sem perfume. Sou alérgico”.
E veio o cangote para o chato, conforme solicitado. Junto com a conta e a maquininha de cartão. O retardatário provou, mas falou ao garçom: “Hmm, sei não... tá meio estranho o gosto... acho que tem repelente”.


sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Cores e causas

Neste ano, eu vesti uma camisa rosa num dia do #OutubroRosa, em prol das mulheres vítimas de câncer de mama. Também usei uma camisa azul num dia de novembro em solidariedade ao #NovembroAzul, que alerta os homens para o câncer de próstata. Isso na vida real. Nas redes sociais, teve uns dias que eu troquei aquela minha fotinho do perfil por uma foto com as cores do arco-íris sobrepostas ao meu rosto, em homenagem à lei aprovada nos Estados Unidos que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Dias atrás, botei as cores da França sobre meu pálido rosto no Facebook, em respeito às vítimas dos ataques terroristas ocorridos em Paris. Na mesma época, taquei uma cor amarronzada nessa mixórdia cromática para mostrar minha indignação em relação às vítimas soterradas de Mariana. Fiz tudo isso, e faria muito mais se eu soubesse qual é a cor oficial de outras causas nobres, como #MeuPrimeiroAssédio, #MeuAmigoSecreto, #ForaCunha, #ForaDilma, refugiados da Síria, vítimas dos alagamentos em Santa Catarina, vítimas dos atentados de Mali, vítimas das ciclovias de São Paulo, vítimas de bullying, vítimas de bulimia, crianças que morreram engasgadas com balas Soft. O motivo dessa adesão inconteste é muito simples, meu caro. Pega bem. É cool, é hype, soa simpático para seus amiguinhos e mais simpático ainda para quem cria, organiza e gerencia essas manifestações. Diferente de outras manifestações sociais anteriores, que exigem um desembolso monetário (compra de pin em forma de gravata vermelha para as vítimas da Aids, compra de camiseta com ilustração de alvo para as vítimas do câncer de mama) ou uma atitude polêmica (entrega de armas na campanha em prol do desarmamento da população), agora seu esforço para ser considerado adepto é praticamente nulo. Não requer prática, tampouco habilidade. Para você ser legal com o mundo, não precisa nem dar esmolas, basta baixar um aplicativo ou mudar a sua configuração de perfil. Nem precisa se aprofundar sobre a causa, se não quiser. Na internet, tudo é superficial e ganha a briga quem grita mais alto. Quando a briga diz respeito a causas ganhas, dar-se ao trabalho de tecer reflexões maiores e mais profundas torna-se tão desnecessário quanto enfadonho. Ou seja, em tempos de comunicação rápida e ligeira e envelhecimento precoce de opiniões mais embasadas, você veste uma causa como se estivesse trocando de roupa. Tudo é vitrine de shopping. Você entra no provador como seu eu-mesmo e sai de lá Guarani-Kaiowá. Ou tricolor. Ganha uns likes de quem aprovou essa indumentária disfarçada de solidariedade e tá tudo certo. Chama pela próxima cor, enquanto o mundo continua se digladiando em seus vermelhos cinzentos.


terça-feira, 10 de novembro de 2015

Pode ou não pode

Vai chegar um dia, meu caro, em que você:
- Não vai mais poder fumar em público;
- Não vai mais poder comer carne de porco;
- Não vai mais poder tomar refrigerante;
- Não vai mais poder xingar nas redes sociais;
- Não vai mais poder chamar seu amiguinho de infância de preto;
- Não vai mais poder ler Sítio do Picapau Amarelo;
- Não vai mais poder cantar mulher;
- Não vai mais poder cantar Atirei o Pau no Gato;
- Não vai mais poder correr na Marginal;
- Não vai mais poder beber (e dirigir, nem pensar);
- Não vai mais poder fazer festa com som em sua casa;
- Não vai mais poder escolher seus canais de TV nem seus sites favoritos;
- Não vai mais poder botar seu filho de castigo.
Mas não se desespere. Com o respeito ao próximo, a sociedade vai ficar muito mais comportada. E sua vida, além de saudável, vai ficar muito, mas muito mais divertida:

- Você vai poder comer brócolis à vontade;
- Você vai poder andar de bicicleta na Paulista o quanto quiser, sem limite de quilometragem;
- Você vai poder correr no Ibira até ficar com a língua de fora, marcando no seu relógio da Apple de R$ 6 paus seus batimentos cardíacos, pressão arterial e quantidade de gás carbônico eliminada pelos pulmões;
- Você vai poder comer um delicioso prato de quinoa com cara de macarronada e gosto de picanha ao alho frito;
- Você vai poder estudar a neurolinguística comportamental dos gatos;
- Você vai poder aprender Física Quântica em arquivo pdf;
- Você vai poder aprender a se relacionar com o sexo oposto por aplicativo;
- Você vai poder aprender a se relacionar com o mesmo sexo por aplicativo;
- Você vai poder ser feliz recebendo um monte de emoticons.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Expressões

As expressões do dia a dia e seu verdadeiro significado.
Quando você ouve:
“Vamos conversar?” de sua namorada, isso quer dizer “estou carente e você não me dá atenção”.
“Vamos conversar” de sua namorada, isso quer dizer “estou terminando com você”.
“Tem um minutinho?” de seu chefe, isso significa “vou te demitir”.
“Só um minutinho” do atendente de telemarketing da empresa para a qual você ligou, pode esperar no mínimo 45 minutinhos.
“Um minutinho da sua atenção” de um cara na rua com um monte de folhetos, ele quer dizer “vou te encher muito o saco pra você comprar alguma coisa de mim”.
“Talvez” em um evento que você criou no Facebook, isso significa “não vou nem que a vaca tussa”.
“Aparece lá em casa” de um amigo que você encontra na rua e não vê faz tempo, no fundo ele tá pensando “tomara que ele não me procure”.
“99379-8866” de uma gata que você acabou de conhecer na balada, a verdadeira resposta seria “98723-4552”.
“Vamos marcar um almoço” de um ex-colega de trabalho que você encontra na rua, ele no fundo está pensando “como é mesmo o nome desse cara?”.
“E como é que tá lá?” desse mesmo ex-colega que você encontra: “meu emprego tá uma bosta e eu to louco pra sair. Me indica onde você tá trabalhando”.
“Não, não precisa” de sua namorada: “se você não fizer isso que eu tô pedindo eu te mato!”.
“E aí cara, blz?” inbox no Facebook de um amigo que não vê faz muito tempo: “estou desempregado”.
“Adorei te conhecer” de uma pessoa que você conheceu pelas redes sociais: “nunca mais me procure”.
“Só tô dando uma olhadinha” de um cara ao seu lado quando é abordado por uma vendedora de loja: “não vou comprar nada, não me encha o saco”.
“Tá na promoção” dessa vendedora de loja: “é caro pra caralho, trouxa”.
“Não, não quero” da namorada com quem você está há 2 meses: “me come, me come agora”.
“Não, não quero” da namorada com quem você está há 2 anos: “não, não quero”.


terça-feira, 25 de agosto de 2015

Não aguento mais

Eu não aguento mais o Facebook e sua seletividade suspeita. Xiitas e sectários divididos em guetos, berrando seu ódio como se fosse a mais legítima forma de expressar suas convicções ideológicas.
Eu não aguento mais o Instagram. Pessoas felizes, em viagens felizes, comendo comidas felizes, adotando cachorrinhos mais felizes ainda. O Prozac das redes sociais. Aqui não tem lugar para conflitos internos nem crises de depressão.
Eu não aguento mais o rock atual. Sem peso, sem vida, sem coragem de criar, com menos coragem ainda de copiar bem copiado. Nos anos 70 a gente tinha Rolling Stones e Led Zeppelin. Hoje, a gente se contenta com Tame Impala e Fleet Foxes.
Eu não aguento mais o governo brasileiro, que prometeu o Fome Zero, enterrou o PAC e agora tem dificuldade até para pagar o adiantamento do 13º aos aposentados e pensionistas.
Eu não aguento mais o dólar, esse sim o gigante que acordou. Hibernou por mais de uma década, fodeu as exportações, e agora resolveu escalar montanhas a passos largos, bem na época em que mais brasileiros pensam em morar no exterior.
Eu não aguento mais pasta de dente, que tem o cálcio, o flúor e a menta pra disfarçar o gosto amargo da manhã.
Eu não aguento mais o menos é mais. Menos é menos. Se discorda de mim, vá procurar o sentido da expressão inutilia truncat. Tem gente que confunde concisão de ideias com castração de estilos.
Eu não aguento mais os rappers, que cantam músicas de protesto com suas correntes de ouro.
Eu não aguento mais a Publicidade, que exige da gente costurar novas roupagens para velhos problemas.
Eu não aguento mais o PT. Por motivos mais do que óbvios.
Eu não aguento mais o PSDB. Por motivos mais do que óbvios.
Eu não aguento mais o Tinder, que nos oferece sugestões de comer como se fosse um cardápio, e nos permite passar o dedo sobre o rosto das mulheres como se estivéssemos virando as páginas do próprio.
Eu não aguento mais o Haddad, aquele prefeito-gato megalomaníaco, que, num ato súbito e inconsequente, resolveu borrar de batom vermelho os lábios viários de São Paulo, como se essa fosse a única solução urbana possível.
Eu não aguento mais o Pânico. Nunca aguentei.
Eu não aguento mais o Porta dos Fundos, a divertida e aguardada panaceia da sociedade, que vem substituindo a acidez crítica pela gratuidade do humor cinza.
Eu não aguento mais os shopping centers, obeliscos esquizofrênicos do consumo, cativeiros clonados da gastança mais do que desnecessária.
Eu não aguento mais sertanejo universitário. Ponto.
Eu não aguento mais o WhatsApp, cocaína cibernética que faz as pessoas digitarem cada vez mais e conversarem cada vez menos.
Eu não aguento mais a gourmetização do nada.
Eu não aguento mais os blind dates. Junto com eles me vem à cabeça a música Construção (Chico Buarque): olhar para aquela mulher à sua frente como se fosse a última, falar com aquela mulher à sua frente como se fosse a única e, após levar um estrondoso fora daquela mulher à sua frente, morrer na contramão atrapalhando o tráfego.
Eu não aguento mais tomar Coca-Cola, meu único vício. E, como todo vício que se preze, causa ou potencializa a obesidade, a diabetes, a hipertensão e a tosse de refluxo. Sim, eu tive tosse de refluxo, a doença da moda.
Eu não aguento mais o #sóquenão. Só que sim.
Eu não aguento mais o miserável ser chamado de pobre e o pobre ser chamado de classe média.
Eu não aguento mais tomar banho de conta-gotas.
Eu não aguento mais a molecada que nunca passou Merthiolate que arde.
Eu não aguento mais gente que te insulta, te despreza, te arrasa e se despede de você falando "um abraço".
Eu não aguento mais mimimi de quem faz piadinha com mimimi.
Eu não aguento mais tentar resolver minha vida com aplicativos.
Eu não aguento mais segregar pessoas com área VIP.
Eu não aguento mais a ostentação do lixo.
Eu não aguento mais a Geração Y, mas não adianta explicar o motivo porque eles não vão entender.
Eu não aguento mais o Big Brother. Ainda bem que ninguém mais aguenta.
Eu não aguento mais a Polícia, que faz chacina em Osasco, sai matando favelado do Rio, mas consegue prender apenas menos de 10% dos criminosos, gerando a maior crise de insegurança da população.
Eu não aguento mais a China, que cria um colapso financeiro mundial porque tem previsões de crescer “apenas” 7% ao ano.
Eu não aguento mais a corrupção, responsável direta pela nossa pobreza de recursos e de caráter.
Eu não aguento mais viver num dos períodos mais incertos da nossa história.
Eu não aguento mais os manifestantes da Av. Paulista, que gritam por avanços e provocam atrasos.
Eu não aguento mais as empresas de telefonia móvel, uma das piores e mais caras do mundo. Isso também vale para os planos de saúde.
Eu não aguento mais a moda retrô, porque quando você vai usar alguma coisa retrô, continua fora de moda.
Eu não aguento mais a bancada política evangélica.
Eu não aguento mais o Estado Islâmico.
Eu não aguento mais a Veja, muito menos quem fala mal dela.
Eu não aguento mais viver num país com baixo IDH e índice de qualidade de vida apenas mediano.
Eu não aguento mais as piadas rasteiras do stand-up comedy.
Eu não aguento mais o outro, uma muralha de incógnitas, que te abraça e te repele com a mesma frequência e intensidade.
Mas, pra falar a verdade, acima de tudo, tenho a leve desconfiança de que não aguento mais a mim mesmo.


sexta-feira, 24 de julho de 2015

Noite

A sala era escura. Aquele ar sombrio contrastava com a parede azul-celeste e suas leves manchas de mofo. Alguns espelhos colados na superfície lateral do prostíbulo mostravam quem entrava e quem saía daquele lupanar. Eles faziam par com alguns pôsteres da Marilyn Monroe, Brigitte Bardot e alguma desconhecida que posou para a Playboy nos anos 70. Um ventilador de teto funcionava bem devagarinho, não dava conta de suavizar o calor infernal daquela data. De vez em quando engasgava, parava e logo voltava a funcionar. Uma máquina jukebox movida a fichas tortas tocava o hit da Anitta, num volume sonoro beirando o insuportável.

Robson estava ali, quietinho, no canto mais escuro ainda, observando o ambiente. Tomou apenas uma latinha de cerveja, que ficava esquentando em sua mão durante longos minutos. Diante de seus olhos quase adormecidos passavam pernas magras, pernas brancas, seios fartos, seios siliconados, nádegas opulentas, biquínis fora de moda, cabelos oxigenados, pescoços morenos, cabelos curtos, tudo o que se podia imaginar do universo feminino. Como se estivesse num zoológico, espreitava atentamente, num misto de sede e curiosidade, a diversidade étnica da espécie humana. Até chegar sua musa preferida, estava ali analisando os modelos de carne expostos na sorumbática vitrine. Fitou a loira mais calada da noite e dirigiu-se a ela.
- Oi. Tudo bem?
- Tudo. Conhece o esquema da casa?
- Sim.
- Pagamento adiantado. Vamos lá esquentar um pouquinho?
- Vamos. Mas antes, qual é o seu nome?
- Jéssica.

A moçoila da vida foi até o balcão, pegou seu kit com toalha e nécessaire e, de mãos dadas, conduziu o inepto jovem ao mais recôndito quarto. Dentro do quarto, tirou a roupa em questão de segundos, ajudou o jovem a tirar a roupa dele, deitou-o na cama e e começou a fazer uma breve massagem em seu peito. Abriu sua bolsa, pegou um preservativo e lançou-se ao sexo oral.
Com uma cara de safada impossível de disfarçar, olhou pra cima e foi subindo. Montou suas coxas sobre o poste ereto do mancebo e começou a cavalgar. Num gesto automático, virou-se de costas para o rapaz, empinando suas nádegas.

Robson apertou o corpo de Jéssica para si e começou o trote. Cada vez mais rápido. Puxou os cabelos da sirigaita, o que a fez lançar alguns descontrolados gemidos. Jéssica virou-se de frente para Robson, no intuito de finalizar o ato épico de modo convencional. Cada vez mais ofegantes, ele se aproximou do rosto de Jéssica, tentou dar um beijo, mas ela o repreendeu:
- Beijo na boca não, gato. Não faço esse tipo de intimidade.


quinta-feira, 2 de julho de 2015

A linguiça da Cristina

Naquele cardápio engordurado, no meio de opções tão óbvias quanto provolone à milanesa e batatas fritas, destacou-se a insólita Linguiça da Cristina. O boteco não foi minha primeira opção. Na verdade, tratava-se de um refúgio, um consolo após uma frustrada tentativa de encontrar algum lugar vago no concorrido concorrente. No começo, confesso ter ficado um pouco temeroso. O sugestivo nome da porção inspirou-me associações mentais das mais sórdidas e pervertidas. Mas a alegórica descrição do exótico porcino me chamou a atenção. Letras ululantes, coloridas, vívidas como o arco-íris não puderam passar despercebidas. Fiz o meu pedido.

Diante de tal aberração semântica, imaginei tratar-se de um item exclusivo do cardápio. Uma iguaria quase afrodisíaca. Uma especialidade da casa, preparada com os mais autênticos ingredientes da culinária mineira. Uma fórmula secreta, que procria pelas encardidas megalópoles do país a tradicional receita da avó e leva consigo condimentos, bafo e calor humano. Erro crasso da minha parte.

O emudecido e mal-humorado garçom trouxe à mesa uma acanhada cesta de vime, tão perdida quanto a que embalou Moisés. Difícil concluir quem era mais lacônico: o atendente em seu pálido uniforme ou as rodelas de pão francês e seus límpidos miolos. Ao contrário das expectativas geradas, a tão aguardada Linguiça da Cristina em nada lembrava aquela artesanal e avermelhada linguiça rocambolesca típica de bar. Ou quem sabe aqueles petiscos apimentados, parecidos com moedas em sua forma e em seu vício. O supostamente inédito quitute chegou embalado por murchas folhas de alface que acolchoavam aquele pedaço de frustração. Bolinhas de carne encrespadas numa oleosa farofa, tão feia quanto indigesta. Sim, a promissora Linguiça da Cristina tinha sua alma insípida.

domingo, 21 de junho de 2015

Sábado perfeito

Sábado perfeito para passar com o namorado (do ponto de vista feminino):
- Acordar às 9h pro dia render;
- Tomar café da manhã na cama, servido por ele;
- Beijinho na testa de sobremesa;
- Ficar 40 minutos debaixo do chuveiro, pensando na vida;
- Passar creme anti-rugas no rosto, esfoliante, creme hidratante no corpo, creme depilador nas pernas, delineador nos olhos, batom, creme revitalizante no cabelo, creme reparador de pontas, base, desodorante para axilas sensíveis, creme com ácido retinoico e protetor solar fator anti-UV;
- Experimentar as 3 blusas e os 2 pares de sapato que comprou na sexta;
- Ouvir a opinião sincera do namorado;
- Não escolher nenhum deles e vestir a roupa da semana passada;
- Ir ao shopping;
- Passar por 8 lojas e ver as novas coleções de roupa;
- Experimentar todas essas 37 roupas das novas coleções;
- Agradecer a Deus pela paciência do namorado em esperar calmamente essa experimentação, recolhendo e organizando essas roupas experimentadas do lado de fora do provador;
- Passear de mãos dadas pelo shopping, pelo parque e por aquela concorrida exposição de arte;
- Chegar em casa cansada e receber uma massagem nos pés;
- Assistir a uma comédia romântica no Netflix no sofá debaixo de um cobertor comendo pipoca e recebendo cafuné;
- Dormir na comédia romântica;
- Acordar com um presente;
- Preparar um jantar romântico junto com o namorado;
- Jantar na mesa da sala à luz de velas ouvindo Miles Davis;
- Surpreender-se com a iniciativa do namorado de lavar a louça;
- Deitar-se na cama com travesseiros fofos e lençóis perfumados;
- Ouvir uma poesia do namorado;
- Dormir com um beijo na testa.

Sábado perfeito para passar com a namorada (do ponto de vista masculino):
- Acordar às 11h45;
- Montar na namorada pra fazer sexo matinal... e ela não reclamar;
- Ir ao banheiro e soltar aquele barro de 40 minutos enquanto lê o caderno de Esportes;
- Tomar um banho rápido;
- Ficar no WhatsApp enquanto a namorada passa aquele monte de creme;
- Usar a camisa de ontem e agradecer a Deus por ela não estar fedida;
- Comer pão na chapa de boteco;
- Ir ao shopping;
- Olhar vitrine de smartphone enquanto a namorada passeia pelas lojas de roupas;
- Encontrar-se com a namorada somente na última loja de roupas;
- Entrar de surpresa no provador da namorada pra flagrar ela com os peitos de fora;
- Comer no Mc Donald’s;
- Voltar rápido pra casa pra dar tempo de assistir ao jogo;
- Fazer sexo no intervalo do jogo;
- Pegar uma cerveja e dormir no sofá da sala;
- Acordar com o grito de gol do Galvão Bueno;
- Ir pra cozinha... pra pegar mais uma cerveja;
- Pedir uma pizza;
- Assistir à final do UFC;
- Ir pra cama e ver a namorada fazer strip tease;
- Sexo, sexo, sexo;
- Fazer campeonato de flatos com a namorada debaixo da coberta;
- Dormir com um blow job.


domingo, 7 de junho de 2015

Redes sociais

Mark conheceu Rosely pelo Tinder. Não chegou a ler seu perfil, mas clicou no coração verde por causa de uma foto de minissaia que ela exibia. Houve match. O corpo sarado de Mark na praia de Copacabana e o cabelo espetado com gel também chamaram a atenção da moça. Trocaram mensagens, cada vez mais picantes. Era a hora de saberem mais um sobre o outro.

Mark passou a Rosely seu perfil do Facebook e vice-versa. Ele, Marcos Roberto Vieira. Ela, Rosely Tagawa. 39 amigos em comum, entre eles o Rubens Ewald Perfil Lotado. E o melhor: ambos gostam de Muse e de Pulp Fiction. Passaram a se curtir cada vez mais. Nos posts diários. Rosely deu likes nos posts compartilhados por Mark: memes do Chaves, eventos do São Paulo e principais mensagens do PSDB. Mark até comentou os posts de Rosely se expondo emocionalmente para seus 417 amigos e familiares com mensagens finalizadas com "se sentindo alguma coisa". Começaram a vasculhar o perfil da pessoa virtualmente amada. Ele deu alguns likes nas fotos da viagem que ela fez pra Barcelona em 2013. Compartilhou aos seus 1.051 amigos e 19 seguidores um post em que ela reclamava do país e das filas no banco. Ela no começo relutou mas, como o amor é uma troca, também deu alguns likes nas fotos que ele postou bêbado com os amigos e sóbrio nos almoços da firma. Mark e Rosely abriam o inbox quase todos os dias e ficavam por lá durante horas saborosas e ininterruptas. Lembraram-se do Orkut, das comunidades iconograficamente representadas pelo Garfield e dos constantes "sorry, no donut for you". Trazer o passado também pode ser uma maneira eficiente de conhecer um pouco melhor o sexo oposto. Com o passar do tempo, essas horas se transformaram em minutos. As mais profundas confissões aos poucos iam se resumindo a breves e sintéticos emoticons. Quando faltava assunto, baixavam mais emoticons. Afinal, o amor precisa se renovar. E estava mais do que na hora de apimentar uma rotineira relação baseada em solicitações de vida no Candy Crush.

Trocaram Instagram. Ele, mark_mark. Ela, rosely_tagawa1988. Voltaram a curtir ainda mais a paixão que brotava em alto contraste e leves tons de sépia. Amavam perdidamente os selfies de biquinho e os desfocados pratos de comida. As hashtags #eusouocara e #curtindoavidaadoidado para eles era poesia pura. Mais fortes e menos sofridas que os sonetos românticos de Álvares de Azevedo. O fogo que arde sem se ver precisava alçar voos ainda mais altos e mais intensos.

Passaram a se seguir no Twitter. Ele, @markcavalera. Ela, @aroselydapuc. No começo, aquele ambiente de 140 caracteres e milhões de ofensas parecia um pouco estranho. Mas com o tempo foram se acostumando aos tweets das pseudocelebridades e dos perfis fake. Só que o amor pode até ser lindo no RG, mas no título eleitoral a história é outra. Rosely não se conformava com os clamores da volta da intervenção militar de Mark. Ele, em contrapartida, não podia admitir que ela pensasse que os escândalos da Petrobras foram armação da mídia direitista. A coitada começou a ver em Mark um babaca filhinho de papai só por causa de um ou outro retweet. E ele não aguentava tamanha arrogância de uma burguesinha que ia pras manifestações da Paulista registrar os protestos em seu iPhone 6. Essas divergências ideológicas transformaram-se em incompatibilidades, que se transformaram em implicâncias, que se transformaram em desaforos. Era impossível conviver com alguém que segue o Carpinejar.

Mark e Rosely, outrora magneticamente atraídos, precisavam aparar as arestas num espaço menos público. Trocaram WhatsApp. Tentaram se entender. Não conseguiram. Aqueles incessantes bipes sonoros eram o aviso de que estava pra chegar mais algum tipo de comentário maldoso, lacônico e irônico. O DR veio de uma forma cifrada e com incontáveis impropérios recheados por interrogações e exclamações. Muitos deles incompreensíveis por causa do corretor automático. Terminaram a relação, sem nunca terem se conhecido pessoalmente.

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Coca-Cola

- Uma Coca, por favor. Só gelo.
Era a minha tentativa desesperada de encontrar a Vanessa. Já rodei muitos bares, botecos, pocilgas. Comi muita coxinha amanhecida, muito pastel engordurado, ouvi muita música sertaneja de rádio de pilha, ouvi muito xaveco barato, e nada de achar a Vanessa. Estava quase desistindo. Nesse mundaréu de engradados, a probabilidade de encontrar minha musa era mínima.
Veio a Carol. Ao lado de um copo que mais parecia um iceberg, coroado por uma intrusa rodela de limão (que, quero deixar bem claro, não foi por mim solicitada), Carol desfilava sua cintilante beleza escarlatina. Ouviu atentamente todos os meus pensamentos, tristes e bêbados de fim de noite. Saciou minha sede amarga da solidão. E, por mais que pudesse me proporcionar este prazer efêmero e imediato, ela mesma percebeu que não seria capaz de me fazer sorrir. Com seu gélido aspecto de se expressar para o mundo, pôs-se de lado na redonda távola de madeira aparente, desejou-me boa sorte e foi rapidamente recolhida pelo garçom de bigode em seu paletó branco e ligeiramente suado.
- Mais uma Coca, por favor. SEM LIMÃO.
A vontade de encontrar Vanessa era insaciável. Obsessiva. Assim como um ébrio freguês que se recusa a pagar a conta antes de sua birita saideira, estava convicto de que não sairia daquela joça mal-acabada enquanto a Vanessa não aparecesse em minha mesa. Estava cabisbaixo, desanimado, mas ainda assim na esperança quase nula de encontrar a cilíndrica diva.
Veio a Suzana. Ao lado de um insípido copo sem gelo, sem limão, mas com os fétidos fiapos que escaparam de um idoso pano de prato. Sem os adereços transbordantes dessa translúcida louça que outrora embalou 150 gramas de requeijão, Suzana teve mais facilidade para brilhar em cena. Nada podia ofuscar sua vivacidade líquida e negra. Suzana era linda, e os feixes de luz da lâmpada fluorescente que recaíam sobre sua pele de alumínio faziam ela ficar ainda mais linda. E mais calada. Sem assunto, sem troca de experiências de vida, descartei a inexpressiva manequim.
- Amigo... ei... por favor... ei... mais uma Coca... não, sem limão.
Será que finalmente chegaria Vanessa, atrasada como uma noiva ao nosso encontro? Será que a mais procurada de todas faria jus a tanta espera e tanta tristeza?
Não. Não era a Vanessa. Era a Vivi, emburrada como toda mulher que sobra no fim de noite. Veio amarrotada, com os fundilhos levemente amassados, sem seu lacre virginal. Antipática e nada gaseificada, Vivi me olhou feio. Era nítido que ela não queria estar ali, preferia morrer nos depósitos cheios de baratas. Aquela bruxa aromatizada artificialmente era a síntese de uma madrugada fria, cinzenta e sórdida. De raiva, empurrei a sirigaita para o chão, torcendo para que ela fosse pisoteada pelo mais afiado salto alto. E a vontade de ver Vanessa aumentava ainda mais, mesmo com a contagem regressiva dos ponteiros do relógio de parede daquela espelunca.
- Uma Coca. A última.
Era minha derradeira aposta. Era o ato final do meu compulsivo vício. Aquele pedido soou como um jogo de loteria, em que as estatísticas caminham na ordem inversamente proporcional aos sonhos. Vanessa era quase uma súplica apoteótica. Era o único nome capaz de salvar uma tentativa de suicídio. Estava ferozmente apaixonado por aquele substantivo. Tinha a vã esperança de que a minha latinha venusiana pudesse emergir nos últimos momentos dessa angústia.
Vanessa não apareceu. Quem chegou no seu lugar foi o Anderson.


segunda-feira, 9 de março de 2015

Mulher

Neste meu atual momento de vida, ainda não encontrei aquela pessoa com quem dormir de conchinha, ver um filme de mãos dadas, esbarrar a perna (de propósito) debaixo da mesa de restaurante, dividir um sorvete de casquinha. Aquela mulher que aceite não aceitando do jeito que sou, com minhas manias, meus medos, meus vícios. Mulher pra debater uma peça de teatro sem cair em chavões, ouvir opiniões sobre um livro, discutir ferozmente sobre divergências políticas, ideológicas e lugar pra deixar a toalha molhada. Mulher que esquece o batom no carro, esquece a carteira dentro de casa, esquece de colocar o lixo na rua, mas nunca se esquece de você. Mulher que fica mal-humorada de repente não mais do que de repente, mas depois pede centenas de milhares de desculpas. Mulher sensível diante do espelho e selvagem no apagar das luzes. Mulher que manda WhatsApp, curte seus posts no Facebook, liga de madrugada mas sempre prefere o silêncio do olho no olho. Mulher que chora sem saber por que e ri – também sem saber por quê. Mulher que te faz crescer e se sentir uma pessoa melhor. Ainda não encontrei aquela mulher que, nas incertezas aritméticas da vida, subtrai preconceitos, soma alegrias, divide angústias e multiplica prazeres.

Mas continuo insistinder.