- Senha número 384. Três oito quatro!
- Boa tarde. A gente queria registrar nosso filho.
- Pois não. Trouxeram todos os documentos?
- Sim, claro! Tá aqui: RG, CPF, certidão de casamento...
- E qual vai ser o nome dele?
- Pagode Nascimento dos Santos.
- Ah, senhor... aí não vai dar. Não posso registrar esse nome.
- Como não? Nascimento por parte de mãe, Santos por parte de pai. Como assim, não pode?
- Estou me referindo ao primeiro nome. Pagode. É lei. Artigo 2678, parágrafo 36, inciso quarto: fica terminantemente proibido registrar, para pessoas nascidas em território nacional, do sexo masculino ou feminino, nomes e/ou substantivos próprios alusivos, direta ou indiretamente, a palavras e/ou verbetes que façam qualquer tipo de correlação formal e informal a símbolos pátrios da arte e da cultura de nosso país.
- Mas... isso é um absurdo! A gente não tem o Rock? Aquele famoso assistente de palco daquele famoso apresentador de TV? Tem também o Rock lutador de boxe, mas esse é gringo. Não importa, a gente adotou como se fosse nosso. Ah, e tem também a Valsa.
- Valsa?
- Valsirene, na verdade. Lá do bairro. Mas a vizinhança toda chama ela de Valsa.
- Meus senhores... pensem no sofrimento dessa criança quando for maior de idade. O bullying que ela vai sofrer na escola. Na hora da chamada. Quando for servir o Exército...
- Olha, por mim esse país estaria todo dominado por Pagode, Axé, Rock, Punk, Funk, Reggae, Jazz, Xaxado, Rumba, Bolero, Tango, Merengue, Rap, mil Macarenas de mãe solteira... e viva a diversidade! Só não curto muito o Blues. Dá uma tristeza...
- Vocês não estão entendendo. Artigo 4266, parágrafo único: é terminantemente proibido registrar substantivos próprios que, porventura, possam eventualmente acarretar algum dano ou mal à criança recém-nascida, de ordem moral ou social, em seu futuro próximo ou distante, que tragam como consequência direta ou indireta qualquer tipo de trauma ou abalo psicológico em decorrência do significado e definição vocabular de tal verbete.
- Dane-se o verbete!
- Calma, minha senhora. Sabe aquele último dia do mês, quando os funcionários de uma empresa não veem a hora de receber o pagamento? Como é informalmente conhecida essa data?
- Dia de pagode!
- Tá vendo? Vocês gostariam que o nome de seu filho fosse atrelado a uma prática mercantilista exploratória, que pouco valoriza a classe trabalhadora? Vocês gostariam que seu filho fosse lembrado uma única vez por mês?
- É, faz sentido... mas e a nossa liberdade de escolha?
- Senhores... pagode lembra feijoada. Já imaginou o filho de vocês ser obcecado por esse monte de comida, feijão que não acaba mais, carne de porco... pensem na obesidade dele!
- Tem razão. Mas a gente ainda quer que nosso filho seja registrado com um traço de brasilidade.
- Mas, pagode? Senhores... pagode é aquele som alto, que não acaba nunca, incomoda os vizinhos. Já pensou um dia o filho da senhora deixar cair a pipa no quintal da vizinha, ir lá tocar a campainha, e ela sai enfurecida, com toalha amarrada na cabeça porque acabou de sair do banho, olha pro rapaz e diz: quem é que veio atrapalhar a essa hora o que eu tô fazendo? Ah, tinha que ser o Pagode!
- É que...
- Pensem na educação do seu filho. Ele certamente vai frequentar uma escola de alto nível. Garotos e garotas estudando pra balé clássico, música erudita. Aí vem a professora fazer a chamada: João Pedro, Anthony, Clarice, Victoria e... Pagode!
- Tá bom, tá bom. Você nos convenceu. Então qual seria a sua sugestão?
- Bom... se eu fosse vocês, iria de Charleston.