Não há dúvidas: Luiz Henrique Mandetta é o presidente em
exercício do Brasil. É ele quem tem a incumbência de articular medidas de controle
da disseminação do coronavírus. E carrega o fardo de não deixar o país cair no
abismo de gráficos desastrosos.
Como político, tem um passado questionável, ligado a forças e
interesses conservadores. Mas, como Ministro da Saúde, é inegável seu empenho
24 horas por dia em pensar e oferecer as melhores soluções possíveis e viáveis
diante de um quadro ao mesmo tempo incerto e assustador. Muito mais preocupado
em elucidar questões técnicas do que cair em emaranhados discursivos políticos,
o ministro apresenta equações em sintonia com as orientações da Organização
Mundial da Saúde e todos os governantes do mundo inteiro que adotaram essa
linha de conduta. As barreiras e dificuldades são imensas. Desde a
implementação de leitos em hospitais públicos em tempo recorde, até a liberação
de verbas trilhardárias para multiplicar a estrutura do sistema de saúde no
Brasil, coisa inimaginável de ser concretizada em épocas mais brandas. Seu maior
empecilho, porém, é de outra ordem: Jair Bolsonaro.
É notório que existe uma queda de braço entre o ministro e o
presidente. O primeiro ganhou os holofotes da mídia por sua competência em
trazer informações à população em tempos de ponto de interrogação na cabeça. Já
o segundo parece continuar em campanha eleitoral. Sai às ruas, cumprimenta e
abraça comerciantes, contrariando as recomendações mundiais e colocando à prova
sua tão propalada onipotência. Como se nada tivesse acontecido. A pandemia é um
exagero da mídia, e Bolsonaro coloca-se despido de qualquer medida protetiva
para mostrar, com seu heroísmo deslumbrado, que meros perdigotos não serão
capazes de matar o corpo de atleta de um capitão que sobreviveu a uma facada.
O problema, entretanto, é que Mandetta está em linha com os
governadores, com o Congresso, com qualquer tipo de autoridade com o mínimo de
zelo e inteligência. Já Bolsonaro continua se amparando num texto de Trump que
só passou em sua cabeça. E, com isso, isolou-se no poder. Bolsonarto tornou-se
um tirano de si mesmo. E, enciumado com as repercussões, braveja recriminar
seus súditos que pensam o contrário.
Após o pronunciamento pra lá de absurdo do presidente em
cadeia nacional, na semana passada, ficou claro que as linhas de governo não se
conversam. Mandetta, ao invés de manter a rigidez de sua postura ética para que
a sociedade como um todo tome as providências drásticas e amargas necessárias,
pegou bem mais leve. Em coletiva de imprensa, afirmou que a quarentena foi
precipitada. Defendeu, sem defender, o isolamento vertical (aplicado somente a
idosos, pessoas dos grupos de risco ou pessoas que apresentem algum sintoma da
famigerada gripezinha). Tanto é que, nas redes sociais, foi apelidado de
ministro-sabonete. Nessa época em que o sabão, o detergente e o álcool gel são
artigos de luxo e de extrema necessidade, tal alcunha viria a cair bem. Não foi
o caso. Passou-se a impressão de que o ministro falou conforme as conveniências
e aderências das circunstâncias.
Mandetta se vê numa sinuca de bico. Se seguir as orientações
médicas do planeta inteiro, vai bater de frente com Bolsonaro. Se fizer o
contrário, vai de fato levar a saúde pública do país a uma irremediável
situação de colapso. Então, o pulso-firme começa a desenhar um posicionamento
meio de carta-coringa. Ele não pode ser o pivô de uma desestabilização do
governo. Mas também não pode ceder aos ímpetos lunáticos desse déspota
imbecilizado que nos preside. Um trunfo ele tem. Se demitido, o Brasil não
possui um nome à altura para ocupar o cargo. Médicos competentes é o que não
falta. Dr. Drauzio Varella seria um deles. Mas o Brasil fragmentado de hoje
precisaria muito mais do que um doutor nas ciências. É necessário ter a
virulência que o cargo exige num momento crítico como este e ao mesmo tempo
fingir subserviência ao fascista desvairado pra não corroer o Estado de vez.
Por enquanto, essas sabonetadas têm dado certo. Bolsonaro se vê num compulsório
confinamento político, enquanto Mandetta e sua trupe de apoiadores atuam de
forma a parecer que vivemos um parlamentarismo brando e temporário. Resta saber
qual será o prazo de validade deste medicamento paliativo.