quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Hora extra

Tem gente que anda dirigindo na contramão. Inclusive em Propaganda. O último comercial do Honda City é bonitinho, tem um ritmo legal, mas, do ponto de vista social, traz uma mensagem repugnante. A começar pelo tiro no próprio pé: prova-se que o carro é caro pra caramba. Quem quiser ter um vai precisar fazer muitas horas extras. Até aí, nenhuma mentira. O sucesso tem um preço, e este aqui ultrapassa os R$ 50 mil. Mas o pior de tudo é ver que, enquanto se discute uma maneira mais saudável e prazerosa de se encarar a labuta diária, enquanto algumas nações estudam afrouxar a carga horária trabalhista, enquanto as empresas ditas de vanguarda procuram oferecer mecanismos para trazer maior qualidade de vida à sua equipe, o Honda City toca no ponto que os trabalhadores engravatados menos toleram: viver pra trabalhar, e não o contrário. Alguns setores (e muito provavelmente a agência que criou este filme) estipulam como regra a exploração com cara de produtividade. Nelas, sair no horário, deixar “cair o lápis”, como se diz popularmente, enquanto a dia ainda está claro neste horário de verão, é visto como sinal de preguiça, de acomodação, de estopim para uma rebelião sindicalista exigindo direitos rasurados na Carteira de Trabalho. Alguns empreendedores míopes creem que a pessoa que tranca as portas da empresa e apaga as luzes antes de sair é o exemplo de dedicação a ser seguido. Mas, podem acreditar, existe vida inteligente além dos biombos e dos tapumes que acobertam os laptops. Ainda mais nos dias de hoje, em que as referência para a inspiração no trabalho podem surgir no convívio com outros elementos mais divertidos do que uma planilha de Excel ou uma apresentação de Power Point. Torço muito para que os bipolares do ofício executivo comprem um Honda City antes de todo mundo. Mas o que me incomoda é o cinismo do comercial. Concordo que a Publicidade tem o dever de experimentar o novo, dizer coisas que ainda não foram ditas, e para isso valem ideias abomináveis como o riponga que se apaixona por uma ovelha, uma família que se comunica por telepatia, só para ficar em alguns exemplos do segmento. Mas este filme, especificamente, não traz avanço algum. Apenas reitera um modo de produção que até mesmo os donos de Vemaguete pensam em aposentar.

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