quarta-feira, 18 de julho de 2018

Astrologia


Tem momentos em que a gente acorda com o ânus virado pra Lua. Todo mundo já deve ter tido essa sensação. Encontrar dinheiro na rua duas vezes no mesmo dia. Receber simultaneamente propostas irrecusáveis de emprego. Ou propostas irrecusáveis de namoro, tanto faz. Ganhar uma rifa. Pelos meus cálculos, essas situações devem ocorrer a cada 20 anos, no máximo. Ou a cada ano em que o Brasil é campeão, já que o assunto ainda é Copa. Aliás, nunca entendi esse metafórico ditado. Fico tentando imaginar que relação existe entre a sorte, o acaso, a fortuna da vida, e despertar com seu fiofó apontado para o satélite natural da Terra.
Já nos demais dias da nossa existência, ocorre o fenômeno inverso. Ganhamos muita prática e habilidade em pisar em cocô de cachorro na rua em vez de achar dinheiro. Ser premiado com uma pomba que defeca justamente sobre sua cabeça, entre milhares de escolhas possíveis. Perder o ônibus que acabou de passar. Encontrar seu chefe no elevador no único dia do ano em que você chega atrasado no trabalho. Esquecer o celular num lugar a que você nunca mais vai voltar. Se for mulher, tomar chuva no dia em que fez escova. Se for homem, falar logo no primeiro encontro sobre o assunto mais traumático da vida da crush.
Existe também o que se chama de maré de azar. Não basta se ferrar uma, duas vezes. Tem que ser numa sequência, em ligação em série, como se a vida fosse uma canastra de má sorte de 2 a ás. É romper com a mulher, ser demitido e quase ser atropelado na mesma semana. Ser assaltado duas vezes no mesmo dia. Escorregar na banheira enquanto o frango tá torrando no forno.
A esses fatores meio sem explicação, que só nos demonstram a impotência de guiar nosso futuro, alguns “especialistas” atribuem a um conjunto da ordem celestial, tão lógico e científico quanto o programa da Ana Maria Braga. Falam em uma conspiração astral, como se todo o cosmos se reunisse escondido no banheiro e concordasse: “Hoje vamos foder a vida do Érico”. Isso mais parece um complô. Fico aqui desenhando mentalmente a figura imagética da Ursa Maior saindo de um restaurante de luxo com uma mala de dinheiro recebida de Orion, em troca de favores ilícitos para mudar o destino de alguém.
Realmente não entendo. Qual a relação entre o que a gente faz e o que os astros fazem? De que forma um pode influenciar o outro? Se um garoto resolve jogar bola em vez de ir pra escola, isso não muda em absolutamente nada o alinhamento dos planetas. A regra também vale para o sentido inverso. Se a Lua resolve de madrugada passar na casa de Capricórnio, não tenho nada a ver com isso. Deixa rolar o clima. Quem não quer passar uma noite à base de vinho branco e salmão com molho de frutas vermelhas ervas finas? Essa coisa de influência... a gente não precisa se meter na vida dos outros. Vai ver eles se conheceram no Tinder. Deixe um pouco de lado sua incontida vontade de fazer fofoca.
Da mesma forma, se Mercúrio resolve parar na casa de Áries, o problema é dele. Vai ver foi cobrar uma dívida. Filar uma janta porque na sua geladeira só tinha água, salsicha e requeijão vencido. Ou foram passar a madrugada jogando Xbox. Aliás, nem dá pra saber onde fica a casa de Mercúrio. Só sei que fica longe pa-ra-ca-ra-lho. Sempre imaginei que o suprassumo da lonjura fosse a casa da minha ex, que mora em Osasco. Duvido que algum motorista de Uber aceite uma corrida até Mercúrio. A distância é tão grande que resolveram criar uma medida chamada anos-luz. Mais ou menos assim: se fosse possível viajar na velocidade da luz (portanto, esquece os voos da TAM), você iria pra Mercúrio como a Maisa e voltava como a Dercy Gonçalves. E os números para mensurar são tão absurdos que se privilegiam de fazer parte da Física Quântica. Aliás, quero dar um beijo de língua em quem inventou a Física Quântica. Ela consegue explicar o inexplicável da natureza. Imagine a cena: “Érico... Érico Fuks... encontrei essa calcinha debaixo do sofá... de quem é essa calcinha?”. “É da Física Quântica, uai”.
Mas voltando a Mercúrio. Além de longe, lá não tem PORRA NENHUMA. Nem um cassino básico pra justificar o esforço. Olha, se é pra viajar uma distância interminável e chegar num lugar ermo e inóspito onde não há nada, não precisa ir até Mercúrio. Basta pegar o trem pra Ferraz de Vasconcelos. Pelo menos durante o trajeto você pode comprar um novo carregador de celular pela metade do preço.


2 comentários:

Unknown disse...

Lembra-me um amigo cético que se recusou a passar sob uma escada e ao ser questionado respondeu: -Não acredito em sorte, mas em azar...

Érico Fuks disse...

Lembro-me perfeitamente disso.