quinta-feira, 2 de julho de 2020

Insônia


Essa noite foi uma noite mal dormida como outra qualquer. Durante a pandemia, difícil ter uma noite tranquila de sono. Só que essa noite não foi igual a todas as outras noites. A insônia me atacou. E durante esses minutos que demoraram uma eternidade pra passar, uma avalanche de pensamentos começou a transbordar em minha cabeça. Fatos que se sobrepunham. Cenas que se atropelavam. Imagens aglutinadas de um ontem com um passado bem remoto. Minha mente saiu dos gafanhotos e foi parar lá no Orkut. Lembrei que a gente classificava os amigos por estrelas. Um deles me deu a nota máxima, até começarmos a trabalhar juntos. E as diferenças começaram a aparecer de modo grosseiro e abrupto. Uma amizade que começou com “sou seu fã” e terminou com “desembucha logo que eu tenho mais o que fazer”.
Lembrei de mais amigos, outros tantos, que eram muito simpáticos e sorridentes quando tínhamos um projeto em comum pra tocar, ou quando precisavam de mim. Hoje me botaram no modo soneca. Desta vez, no Facebook.  
Lembrei de lugares, vários lugares. Bares e restaurantes que tinham tudo pra ser incríveis. Mas não eram. A foto e a descrição do cardápio eram muito mais bonitas e apetitosas do que o prato que me foi servido. O atendimento deixou muito a desejar. Embora eles tivessem adotado a prática chique de cobrar 13% ao invés de 10% como taxa de serviço.
Lembrei de algumas namoradas também. Poucas. Mas com uma sequência recheada de fatos, brigas e desilusões. Muitas. Teve aquela que no começo tudo parecia divino e maravilhoso. E no final a gente já não se suportava mais. Um início marcado por selfies de rosto coladinho. E um epílogo com fotos tiradas a quase um quilômetro de distância. Um início de muito diálogo e um término de muito silêncio. Uma relação que começou com uma admiração profunda pelos meus textos, até culminar com um desprezo total por eles.
Vieram na minha conturbada cabeça outras mulheres. Aquelas que se atrasavam nos nossos encontros, só pra gente ter menos tempo de convívio. Aquelas que me pediram dinheiro. Aquelas que não me pediram nada, mas também não tinham nada a me oferecer. Era pra ser uma noite fantástica. Era pra eu me recordar das trepadas homéricas. Só que a imagem que ficou retida foi eu sendo abandonado num quarto de motel, com a frase “você precisa se tratar”.
A nossa cuca é meio traiçoeira. Parece que faz uma triagem dos flashbacks. Memória seletiva com critérios pra lá de suspeitos. Escolhe o que há de pior. É um filtro ao contrário. Você, tanto quanto eu, sabe como a gente gasta e investe pra alimentar nossas vidas com fragmentos de felicidade. Tempo, dinheiro, esforço, pensamentos positivos, altas expectativas, perfumes e roteiros da Vejinha. E o que sobra disso tudo? A vaga lembrança de um desencontro no metrô causado pela Estação Paulista na Consolação e Estação Consolação na Paulista.
Noite ingrata. Acelerou meu coração com frustrações. Trouxe à tona o desgaste e o desgosto. Não era esse o residual que eu queria. Era pra eu contar carneirinhos, não os pés-na-bunda. Todos dizem que a vida é cheia de prós e contras. Fazendo esse cálculo, o resultado do balanço final deveria ser o equilíbrio de um empate. Mas não. Ficou a sensação de uma derrota de 7 a 1.
E nada do sono aparecer.

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