domingo, 2 de maio de 2021

Forrest Gump

 

Estou cada vez mais convicto de que a vida nada mais é do que um banco da praça. Ali você se senta como porto seguro para contar todas as suas histórias. Igual ao Forrest Gump. Não importa se são verídicas, se cada detalhe de fato aconteceu. São verdades para o personagem de Tom Hanks.

Quem se senta ao seu lado são a família, os amigos, os colegas, conhecidos e todo o círculo humano que você construiu. Ouvem atentamente seus flashbacks trazidos da memória. Comentam, aconselham, participam. São coadjuvantes da sua existência. Mas, é bom que se diga, muitos deles não estão nem aí para a sua trajetória protagonista. Estão lá para ler um jornal em paz, dar milho aos pombos, esperar o cachorro fazer cocô, aguardar a pessoa de um encontro marcado no Tinder. Ou simplesmente pousaram para descansar. O fato de vocês estarem lado a lado não significa necessariamente uma proximidade. Apenas era naquele momento o único lugar vago.

Durante a pandemia, nossas interações têm se tornado cada vez mais virtuais. É normal. Ou melhor, novo normal. Quem se encontra presencialmente é visto como um criminoso ou, no mínimo, irresponsável. E nas redes sociais tenho observado que esse comportamento fugaz é ainda mais frequente, fazendo com que a analogia seja ainda mais verdadeira. No começo disso tudo, dessa nova era tecnológica, acreditávamos que tínhamos muito o que dizer para centenas de milhares de pessoas. Que poderíamos chegar aos ouvidos do Presidente em apenas seis graus de separação. Ou, metaforicamente falando, que precisaríamos de um coreto e de um megafone para falar com a multidão que criamos ao redor de nós mesmos. Bobagem. Não é nada disso. Talvez no filme até haja essa passagem de um profeta conduzindo seu turbilhão. Na realidade distante das redes sociais, um banquinho de madeira para você expor suas ideias e seus sentimentos é mais do que o suficiente.

E essas pessoas, seus interlocutores, vão e vêm de modo tão natural quanto o voo de um canário. São seus comparsas por questão de efêmeros minutos. Te admiram e te ignoram solenemente na mesma proporção. Alguns vão embora sem sequer se despedir. Lembra daquele seu amigo de infância, com quem você se dava muito bem? Trocava suas íntimas e secretas confidências e, passado o cronômetro da vida, se dá conta de que hoje vocês não têm mais nada a ver? Ou aquele revolucionário colega de faculdade que, com o tempo e a necessidade de ganhar dinheiro, virou casaca? São eles os figurantes passageiros de sua história. Sentam-se e levantam-se para dar lugar ao outro.

Em épocas tão voláteis, líquidas e gasosas como a de hoje, basta uma fagulha para esse vínculo se esvair. Você pode até compreender esse afastamento por causa de divergências e incompatibilidades políticas e ideológicas. Só que esse banquinho da era digital é capaz de promover o distanciamento social até por questões de afinidade. Se as gerações X, Y, Z ou qualquer letra de um alfabeto vindouro mal conseguem ver um vídeo ou ouvir uma música até o final, o que dizer então em relação a suas histórias? Você se tornou chato, obsoleto, cansativo. É hora de elas procuraram outro lugar pra passar seus próximos 15 minutos.

Em compensação, é muito gratificante encontrar indivíduos dados como personagens mortos que reaparecem no banco da sua vida. Pessoas que lá atrás jamais seriam seus coadjuvantes. Ou nem estavam previstas pra entrar nesse roteiro. E de repente, não mais que de repente, chegam chegando e ocupam um lugar de destaque. Te indicam uma vaga de emprego sem você pedir. Te curtem não apenas para fazer número com o joinha. Te curtem de verdade. E daí surge, quem sabe, uma relação bem mais estreita que o espaço do banco.

 

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