Não procure linearidade nesse trabalho autoral da diretora e roteirista Angela Schanelec. A cena inicial de uma raposa caçando um amedrontado coelho dá poucas pistas sobre o verdadeiro tema do filme. Trata-se de um embarque a uma viagem que oscila entre o universo onírico, meramente subjetivo, e o plano cartesiano estritamente racional. Alguns conseguem mergulhar de cabeça; outros ficam à deriva, procurando explicações lógicas sobre um exercício de experimentalismo inflado de referências estéticas e literárias.
Apesar de parecer
monótono numa primeira leitura, Eu Estava
em Casa, Mas... se vangloria de não insistir numa mesma fórmula. Existe até
um certo contraste, muitas vezes paradoxal, entre uma cena e outra. Tudo se
constrói por oposições. Não se percebe uma costura formada pela similaridade ou
contiguidade entre seus componentes fílmicos. Uma cena não elucida ou complementa
a cena imediatamente anterior. Pelo contrário. Vamos de longos planos
silenciosos, contemplativos, inseridos bucolicamente numa natureza estranha, a
outros planos exageradamente discursivos e filosóficos nas ruas de uma
metrópole. Sem dar spoiler, até porque não há como trazer aqui qualquer tipo de
solução de charada, o filme é um compêndio que vai desde um burrico na varanda
de uma casa abandonada até um grupo de crianças ensaiando Hamlet. Tudo é
possível se coletar na intenção de se tentar entender o ser humano: da infinidade
de citações psicológicas durante um passeio de bicicleta ao silêncio absoluto
sobre uma mulher à beira de um ataque de nervos que não consegue ser tocada
pelos seus filhos. Trazer esse tipo de ruído e provocação é um risco, e a
diretora parece ter consciência disso. Abre-se mão de toda e qualquer simplicidade
rasa na busca de algum tipo de compreensão. O resultado desse hermetismo
exótico pode parecer tanto deslumbrante quanto igualmente enfadonho.
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