As principais características do argentino-uruguaio Milonga são a secura e o mistério. Um deriva do outro. Quanto mais emblemático e menos explicativo, mais a curiosidade atiça o espectador. Afinal, o que levou os personagens àquele ponto? De onde vem essa angústia que ocupa quase a tela inteira? Por que a necessidade incessante de recomeçar tudo?
Rosa é uma viúva que perdeu o marido faz seis meses. Coloca à venda, por meio de anúncio, uma caminhonete do casal. Ela parece pouco se importar com o automóvel. Quer mais é se livrar dele. E isso representa, fazendo-se uma analogia, a sua vontade de se livrar de todo esse passado sombrio. Mas ainda não sabemos qual é.
Um dos interessados é Juan, que faz uma oferta pelo veículo. Como parte do pagamento e da negociação, Juan faz pequenos serviços na casa de Rosa, como por exemplo pintar um muro. Nasce então uma relação, no mínimo, muito estranha.
O ponto-chave para a aproximação dos dois, entretanto, não é a casa, mas algo fora dela. Juan sugere a Rosa que comece a frequentar uma casa de tango chamada Milonga. Uma espécie de baile da saudade, onde pés-de-valsa batem ponto.
Em tempos de Tinder, o espectador é levado a acreditar que existe ali uma ruptura com os hábitos modernos e a possibilidade do início de um relacionamento à moda antiga. Mas Milonga não é tão cartesiano assim. Seria previsível demais. E o que o filme menos coloca é a obviedade. Sempre há um tropeço que faz a dança entrar em descompasso. Um cano que quebra, um cachorro que late, um passado que atormenta.

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