sexta-feira, 20 de maio de 2011

Boa Reserva

Tenho que confessar um heresia: não gosto do Reserva Cultural. Quer dizer, ele dá de 10 a 0 nos Cinemarks da vida. A programação é muito boa, a região é ótima e tudo. Claro que é melhor ter um cinema em atividade em plena Av. Paulista do que remoer as saudades das salas que já se foram, cada vez mais numerosas. Conheço o Jean Thomaz, cumprimento sempre que o vejo. Mas, apesar de tudo isso, lá eu não me sinto exatamente “em casa”. Talvez por causa dessa coisa de ficar no meio-termo: tem pães e doces mas não é boulangerie, tem restaurante mas não é restaurante, apenas fica na tentativa de ser bistrô. Se eu tenho vontade de ir a um bistrô, vou a um bistrô. Lá, tenho a impressão de que a coisa fica apenas na degustação, no modelo “demo”. Se eles oferecem essas opções, ótimo. Melhor do que não tê-las. Mas acho que lá as coisas são um pouco caras, a relação custo X benefício não é das mais vantajosas. Por isso, vou ao Reserva apenas para ver filmes. E o valor do ingresso lá também é alto. R$ 22 a inteira, inclusive durante a semana, é nível Shopping Iguatemi. Ou seja, lá eu vejo filmes que são lançados com exclusividade e, em alguns casos, por uma questão de conveniência da localização. Não é exatamente um ícone do conforto, já que a maioria dos filmes lançados por eles são em digital, e aquela projeção com nível máximo de saturação me dá dor de cabeça. Os banheiros muitas vezes estão fechados, em reforma, em fase provisória de transição. Enfim, o Reserva é uma ótima solução para se salvar o cinema de rua e oferecer uma programação diferenciada, mas longe de ser o paraíso da arte. E, mesmo que o espaço finge que te faz se sentir em Paris, alguns senões te mostram claramente que você está nada mais do que em São Paulo, ao lado da muvuca do Objetivo. As salas 3 e 4, por exemplo, nos porões do estabelecimento, parece que caíram no esquecimento. Você nunca sabe se pode entrar, se a sala está aberta ou não, se a fila que se forma no corredor condiz com a do filme que você pretende ver. Como as portas destas salas são liberadas no último minuto de intervalo (os últimos da fila, inclusive, só conseguem entrar com a projeção dos comerciais já iniciada), tem-se a sensação de vãos perdidos, monumentos precocemente abandonados. E, tirando um ou outro profissional exemplar (como o antológico senhor negro de cabelos grisalhos), sinto que a maioria está ali única e exclusivamente pela necessidade de salário no fim do mês. Diferente de outras salas da região, mais calorosas no corpo a corpo, lá no Reserva o tratamento tem um quê de arrogância e frieza, atendimento protocolar, lacônico. Talvez eu seja exigente demais, ou não esteja num bom dia, ou esteja sendo preconceituoso com o lugar que cheira a café do introito ao cabo. Mas é o que sinto. Ou sentia, até semana passada, quando uma situação me chamou a atenção. Ao assistir ao documentário VIPs, numa dessas recônditas salas, fui abordado por um funcionário que parece ser novo da casa. Seu visual era nada convidativo: cabeça raspada, barba mal-feita, cavanhaque embrionário. Visualmente, parecia ser um dos integrantes do Ratos de Porão. Mas as aparências enganam. O cara é superatencioso e simpaticíssimo. Faz as boas-vindas para cada espectador, abre as portas da sala num delicado e apoteótico gesto, reitera a exata localização das cadeiras numeradas. Parecia mais um comissário de bordo, um conciérge. Ali eu não me sentia entrando no cinema. Parecia o início de uma ópera. Amor pela arte? Vontade e necessidade de se manter no emprego? Ou o Reserva vem apostando e investindo num outro tipo de marketing? Não sei, não sei. Mas se esse profissional se configurar a partir de agora como regra e não como exceção, o Reserva tem tudo para mudar a imagem que alimento por ele.

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