sexta-feira, 13 de maio de 2011

A última estação

Na quarta-feira 11 de maio, ao abrir a Folha de São Paulo e procurar a Ilustrada no meio daquele monte de cadernos amontoados, como costumo fazer toda manhã, passei pelo caderno Cidades e vi uma nota de página sobre a desistência do Governo de São Paulo de se construir uma estação de metrô na Av. Angélica. Embora o mapinha desenhado da futura Linha Laranja (Brasilândia - São Joaquim) tivesse me chamado a atenção, não dei muita importância à notícia. Preferi continuar minha busca pelas críticas de filmes, discos e restaurantes, ou me orientar com a programação do circuito de cinemas. Na minha modesta opinião, o Centro de São Paulo já está suficientemente bem abastecido de metrô. O que precisa se resolver com urgência é o caos do que já existe no dia a dia. Situações que aos poucos desgastam a imagem daquele transporte que um dia já foi referência na América Latina. O que precisa se pensar, de imediato, é como voltar a oferecer transporte de qualidade a uma população de usuários que triplica a cada década. Como atender à crescente demanda de maneira satisfatória, ao invés de se improvisar soluções paliativas, como aqueles cordões de isolamento nas estações de maior fluxo, desligamento de escadas rolantes e filas nas catracas para segurar o contingente. Acho mais sensato, por exemplo, trazer de volta a pontualidade e eficiência de um transporte que hoje mais para do que anda, com justificativas nos alto-falantes dando conta de que o veículo inerte está aguardando a movimentação dos comboios à frente. A meu ver, é muito mais deprimente ver um mapa adesivado nas estações em que a maior parte dos traços coloridos está pontilhada, indicando que as obras não estão concluídas ou sequer saíram do papel. É mais vergonhoso tomar conhecimento de que as obras na Zona Sul, notadamente carente de transporte público decente, estão interrompidas por causa de descoberta de fraudes em licitações. É mais triste ainda lembrar que a Linha Amarela, construída às pressas em um determinado período, fez uma van chafurdar em suas areias movediças, na região de Pinheiros, com quase uma dezena de pessoas a bordo. Causa-me ainda mais espanto tentar entender por que a citada Linha Amarela e as estações Tamanduateí e Vila Prudente operam em uma reduzida jornada, diferenciando-se do conjunto. Pra mim, a ordem de prioridades é pensar no metrô como um projeto de extensão para chegar à periferia e bairros desprovidos de acesso, ao invés de tumultuar o meio-de-campo, transbordar a malha e oferecer ainda mais alternativas numa região suficientemente abastecida de trilhos. Mas tudo bem. Em se tratando de iniciativa pública, é melhor pecar por excesso do que pela falta.

Minha surpresa maior foi acompanhar, pelas mídias eletrônicas, a repercussão da amarelada do Governo, mais pelo efeito do que pelo conteúdo da matéria da Folha. Vasculhei um link ou outro e, haja visto que eu não tinha uma opinião formada sobre o assunto até o momento, alguns textos me pareceram bem convincentes e estruturados. Um deles apresenta, com argumentos e uma certa ironia, mas deixa de lado as ofensas, alguns motivos razoáveis: o alto custo de desapropriação dos imóveis no entorno do supermercado Pão de Açúcar (coração da ex-futura estação), a relativa fartura de estações de outros ramais nas imediações, a curta distância entre a proferida avenida e o futuro escoadouro ferroviário Higienópolis-Mackenzie. O internauta ressalta também que a polêmica estação, caso seja sediada perto do estádio do Pacaembu, atenderia ao projeto como foi inicialmente concebido. E, principalmente, o autor do comentário reitera que as manifestações de associações de bairro são um direito legítimo. Pra mim, pareceu tudo muito lógico. Em breve, teremos uma Consolação atendida pelo Metrô, e a Consolação tem um fluxo maior do que a Angélica. Melhor então deslocar uma estação para o vazio do estádio, da FAAP e dos piscinões, região precária de transporte.
Como o assunto é embrionário e o registro do jornal foi pontual e não estrutural, o assunto merece, de fato, um debate mais amplo e com uma parcela maior da sociedade, já que mostrou-se ser tão suscetível a divergências ideológicas e pragmáticas. Não foi exatamente o que aconteceu. Infelizmente, o brasileiro ainda está um pouco cru em relação ao exercício da democracia. Em vez de se mergulhar no tema, optou-se por ampliar e alardear a superficialidade e o sensacionalismo de seu apêndice: uma declaração infeliz e descontextualizada de uma moradora do bairro, extraída de uma matéria do meio do ano passado, que diz que a construção de uma linha do metrô na região pode trazer mendigos, drogados, “gente diferenciada”. Foi o estopim. No dia a dia, eu me deparo com muitas pessoas insatisfeitas com as gestões administrativas de Alckimin e Kassab. Trazer uma notícia que desfavoreça seus governos, qualquer que seja, é motivo suficiente para essa galera entrar na onda de protestos. Algumas pessoas do meu círculo próximo, confessos desconhecedores do teor da matéria, foram as primeiras a aderir à campanha no sentido de se ridicularizar essas gestões executivas. E aí, na pressa de se expressar comentários tão indignados quanto rasteiros, sobrou para os moradores de Higienópolis. Um dos trending topics do Twitter dos últimos dias, a questão gerou manifestações de diversos tipos, das mais razoáveis às mais preconceituosas. Pagaram com a mesma moeda. A discriminação aos imigrantes nordestinos provou de seu próprio veneno e recebeu outra discriminação, com o mesmo tom de baixaria. O povo judeu, predominante na região, também foi alvo de acusações. E tão predominante quanto os semitas foi a falta de conhecimento sobre o assunto. Aos desavisados, que mais conhecem a lenda do que o bairro, ficou parecendo que os rabinos, com suas malas cheias de diamantes contrabandeados, tocaram a campainha do amigo e vizinho FHC exigindo a proibição de transporte público em suas cercanias, a fim de se evitar a contaminação virótica da presença diferenciada. Aos olhos desses twitteiros, a elite cafeicultora paulista, que manda e desmanda nas leis e na ordem, desenhou a cidade trancafiando suas disneylândias e afastando a população de suas redomas.

Como o Brasil é o país do pão e circo, exemplo de governança secular de todas as instâncias, a transformação de um potencial debate sério em uma festança alegórica e ridicularizada foi um processo natural. Afinal de contas, quem faz parte do Facebook já está se acostumando a “participar” de eventos fictícios, como foi o caso dos recentes casamento do príncipe William, velório do Bin Laden e chá de bebê do filho do Neymar. Nesse sentido, a criação bem-humorada de um churrasco em frente ao Shopping Higienópolis (que outrora também foi alvo de manifestações dos moradores... mas ninguém se lembra disso) foi interpretada como uma atitude saudável de protesto. Criticar o governo com beberranças e patuscadas é mais simpático do que fazer greve ou parar o trânsito da Av. Paulista, por exemplo. E já que a politização cedeu lugar à farra, a divulgação de uma festa regada a quitutes e adereços considerados populares soou até engraçada. Mas nem mesmo os organizadores, que criaram o evento em tom de brincadeira, esperavam adesão tão expressiva. Foram quase 50 mil possíveis confirmações de presença. E aí, temendo que o tiro saísse pela culatra e que a marcha carnavalesca tivesse um efeito negativo contrário, o pessoal declinou da ideia e trocou a farra do churrasquinho de gato por um ato simbólico mais contido e mais consistente. Também, pudera. Colocar a população de um estádio lotado do Pacaembu nas ruas do shopping seria o mesmo que fazer uma Virada Cultural dentro de seus banheiros químicos. Melhor desistir da iniciativa. No blog do Luís Nassif, ele finaliza seu texto dizendo que a elite paulistana venceu. Eu sou mais cético. Tivemos um churrasco cancelado, uma chuva de xingamentos na internet, um decide-não-decide das autoridades e uma obra absolutamente estagnada. A meu ver, perdemos todos nós.

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