quarta-feira, 8 de maio de 2013

Meio a meio

Estávamos ali sentados, num ambiente intimista, com piano clássico Steinway no meio do salão e luz de velas em cada célula de acomodar pessoas. Guardanapos de linho branco simetricamente dobrados sobre os pratos de louça delicada, numa composição mais perfeita que origami. Reluzentes talheres de prata apoiados sobre um objeto férreo eternamente curvilíneo e retorcido, de formas não muito definidas, que lembrava alguma obra de arte qualquer vendida na praça Benedito Calixto. Por mais inusitado que possa parecer, estávamos numa pizzaria. E o longo e retangular cardápio que nos foi oferecido, encadernado num par de espessas madeiras pálidas, nada mais era do que um convite à dúvida. Que o prato principal seria a famosa massa redonda paulistana, tão enorme e rotunda quanto a mesa em que nos sentamos, isso era fato. Difícil mesmo foi escolher entre a margherita, a calabresa ou a 4 queijos como a salvação para saciar nossa fome pantagruélica. Nem tão pantagruélica assim. O aconchego do lugar pedia uma opção que extrapolasse o conceito de simplicidade. Viramos a página do menu, enorme, imponente e sucinto como a tábua dos Dez Mandamentos, e chegamos às pizzas especiais. Em princípio, minha proposta era pedir a pizza inteira de um único sabor. Oito pedaços rigorosamente idênticos, gêmeos univitelinos. Pizza de dois sabores deixa a coisa toda meio sem identidade. Três sabores, então, nem se fala. Além do fato de que essa ridícula invenção quebra toda a aritmética milenar da iguaria. Há quem ache que uma pizza de dois sabores permite uma maior variedade de estilos e diversidade de experiências degustativas, deixando o prazeroso momento menos enjoativo. Discordo. Mesmo assim, diante da persistência sedutora e persuasiva feminina, fui voto vencido. Próximo passo seria então calcular a melhor combinação dentre as parcas ofertas da casa. Talvez um equilíbrio perfeito entre os contrastes pudesse resolver nosso problema. Faz parte da gastronomia moderna oferecer não o morno, mas a dúbia sensação palatina do quente e do frio. O conflito dos extremos salgado e doce. Macio e áspero. E por aí vai. Por isso, não quisemos abusar da mesmice de uma pizza de vários sabores e um único tema. Pizza inteiriça de carne suína, por exemplo, foi imediatamente descartada. Ou ofertas que primam pelos seus excessos de ingredientes. Queríamos algo mais definido e bem-resolvido, sabores que revelassem sua força pela concisão. E a premissa dialética foi decidida de comum acordo pelo fator "com carne x sem carne". Concílio para agradar carnívoros e herbívoros de plantão. A parte animal da dúvida foi logo resolvida com o presunto parma. Imaginávamos, de antemão, que essa preferência seria o protagonista da noite, dado o seu aspecto denso, salgado e marcante. A parte vegetal da batalha dos opostos exigiu uma pesquisa um pouco mais apurada. Teríamos de escolher uma opção que aceitasse o papel de coadjuvante sem maiores problemas. Afinal, colocar sobre a mesma massa grossa dois personagens de temperamentos igualmente fortes iria gerar um desnecessário e indigesto duelo de titãs. Nossa decisão recaiu sobre o miolo de alcachofra, coberto por delgadas e escassas lâminas de queijo parmesão ralado. De tão insípida e anoréxica a criação, era certo que essa supostamente refinada sugestão da casa, a penúltima do cardápio, acima apenas de uma minguada opção light, seria o par perfeito para que, junto com o rústico e bárbaro presunto, pudessem bailar em paz sobre o disco de carboidratos. Fizemos o pedido e, enquanto esperávamos, começamos a namorar e a bebericar nossas gélidas águas com gás. Passados 20 minutos de um tímido romance e ósculos breves e contidos sobre os copos e sobre os lábios, eis que chega a fumegante estrela da noite, vestida com um polpudo e volumoso queijo mussarela de búfala que, com sua alegoria infinita, imitava em sua imagem o glamour e os exageros dos paetês. Aleatoriamente, escolhemos iniciar a gastronômica aventura pela brutalidade do presunto cor de vinho entremeado por límpidas e brancas divisórias de gordura. A experiência, de fato, foi bastante agradável. Deixamos de lado a borda crocante e torrada da massa, tamanha a curiosidade por conhecer o verdadeiro potencial da exótica planta emudecida em seu apático verde-água, a fase seguinte dessa prova. Surpreendentemente, o miolo de alcachofra brilhou em campo. Parecia roteiro de novela, em que um determinado personagem secundário e desprezível ganha mais espaço no decorrer de seus capítulos, dada a sua popularidade e carisma provocados no público espectador. E foi aí que começaram as nossas briguinhas triviais. Matematicamente, cada um de nós teria direito a dois pedaços de cada sabor. Ela, numa mistura de encantamento e arrogância, queria conquistar territórios menos cartesianos. De acordo com sua lógica, ela teria direito a três pedaços de alcachofra e um pedaço de parma. E isso não foi um pedido, foi uma determinação. Vai entender a alma feminina.
- Já escolheu o sabor de sua preferência, senhor? - perguntou-me o garçom, antes de me servir o próximo pedaço.
- Já. Mas eu vou ficar agora com o presunto parma.

Um comentário:

Jorge Ramiro disse...

Eu gosto de restaurantes que têm de piano e restaurantes que servem comida saudável, porque isso é o melhor. Comer alimentos saudáveis​​. Os homens e os animais devem comer alimentos saudáveis​​. Para meu cachorro eu compro Total Alimentos.