quinta-feira, 16 de maio de 2013

Porto seguro



De vez em quando, algum filme passa batido pela imprensa e estreia diretamente nos circuitos, sem qualquer crítica ou cotação. O motivo alegado, na maioria das vezes, de acordo com as assessorias de imprensa de suas respectivas distribuidoras, deve-se ao fato de a cópia do produto não ter ficado pronta em tempo hábil para a exibição aos jornalistas e críticos. Muitas vezes, os críticos fingem que acreditam e fazem vista grosa a tal omissão. Vez ou outra ocorre alguma chiadeira. Sobre o filme Triplo X 2, por exemplo, a assessoria da Sony na época alegou que a cópia não estava disponível, mas, como não somos trouxas, retrucamos que o mesmo filme tinha sido exibido para um grupo menor e mais específico. Justificativas plausíveis, embora razoavelmente prejudiciais ao nosso trabalho, sim. Desculpa esfarrapada, não.
É sabido, e parcialmente tolerado, que determinados filmes correm o risco de receber matérias negativas e, por isso, entram direto em cartaz. São as exceções. Ou pelo menos eram. Cada vez mais, o papel da crítica tem se distanciado de sua função primária. Crítica não é mais (ou aos poucos vem deixando de ser) um parâmetro de guia de consumo. No Brasil, as bilheterias correm soltas e independem da crítica. O Homem de Ferro 3, que recebeu inúmeras reclamações por causa de um acesso restrito aos críticos, é a maior renda deste ano no Brasil. Por outro lado, Elena, O Que Se Move, Paulinho Moura, tiveram de um modo geral boa receptividade da crítica, mas, por serem filmes independentes ou de distribuidoras menores, amargam resultados inexpressivos de bilheteria. Dados estatísticos como esses comprovam que a crítica vem se distanciando de distribuidoras e assessorias e, o que é pior, de seu público. Com a crítica resistente e especializada de um lado, e a emancipação frenética de blogs e sites específicos de outro, o papel da crítica virou commodity. E, já que esse trabalho não tem mais o poder e a influência de gerar venda de ingressos como há alguns anos atrás, é deprimidamente natural que os donos dos filmes ofereçam cada vez menos o prato principal e cada vez mais os aperitivos degustativos, as amostras da Sétima Arte, como trailers, teasers, pôsteres, links, aplicativos, o diabo. Menos o filme propriamente dito.
Quando falamos de majors (leia-se Warner, Fox, Paramount, Disney e Sony), essa estratégia mercadológica de distanciamento, embora injusta, é até compreensível. O que fica um pouco mais difícil de entender é quando essa iniciativa perversa vem das distribuidoras consideradas pequenas, médias ou independentes, até então os parceiros amigos do peito da crítica. Por terem menos verba para publicidade, a necessidade e dependência de essas empresas terem os críticos como aliados, em muitos casos, é maior. Mas até essa premissa vem perdendo fôlego. Para se ter uma ideia, a Imagem Filmes, só neste ano, ocultou 6 filmes da imprensa, a saber: Para Maiores; Amanhecer Violento; Alvo Duplo; Um Porto Seguro; Um Bom Partido; e, amanhã, estreia a comédia juvenil Finalmente 18. Proporcionalmente, mais de 1 filme por mês que entra em cartaz “escondido” da imprensa.
Embora as cabines de imprensa sejam uma gentileza e não um dever da distribuidora, a constatação dessas elipses chega a ser assustadora. Um filme ou outro, vá lá. Mas, com tantos títulos assim, é de se desconfiar que a distribuidora em questão não acredita em seu produto. É como se uma loja vendesse roupas e as escondesse de suas vitrines. Ainda que um filme ou outro possa gerar discussões maiores sobre o fato de ser ou não ser previamente exibido, tem filme aí dirigido por Lasse Hallstrom, irmãos Farrelly, Gabrielle Muccino. A meu ver, mereciam uma chance a mais de ter a nossa opinião.
Não bastasse o fato de a crítica se tornar com o decorrer dos anos uma categoria desacreditada, num país em que todo cidadão é médico, é técnico de futebol e, portanto, tem opiniões mais do que formadas em cinema, as distribuidoras vem cada vez mais fazendo suas apostas seguras. Os críticos deixaram de ser um avalista e passaram a ser fator de risco. E, se antes da metade do ano a ocultação de cadáver chegou a meia-dúzia, somente de um fornecedor, é certo que a tendência numérica é só aumentar. Em progressão geométrica.

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